PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON 13

Page 1

PUBL I C A Ç Õ E S D A F U N D A Ç ÃO R O B INSO N

ISSN 1646-7116

Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez



PUBL I CAÇÕ E S D A F U N D AÇÃO R O B I N S O N

Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez

13


PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON N.º 13 ROBINSON FOUNDATION PUBLICATIONS No. 13 Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez Portalegre, Setembro de 2007 Portalegre, September 2007

Fundação Robinson Robinson Foundation CONSELHO DE CURADORES COUNCIL OF CURATORS

José Fernando da Mata Cáceres (Presidente) (Chair), António Fernando Biscainho, Carlos Melancia, Jaime Azedo, Hemetério Cruz, Nuno Oliveira, Luís Calado, Ana Pestana, António Ventura, Filipe Themudo Barata CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO ADMINISTRATIVE COUNCIL

José Polainas (Presidente) (Chair), Helena Nabais, Ana Manteiga, João Adolfo Geraldes, Joaquim Leal Martins CONSELHO FISCAL FISCAL COUNCIL

António de Azevedo Coutinho (Presidente) (Chair), José Escarameia de Sousa, António Escarameia Mariquito ADMINISTRADORA DELEGADA ASSISTANT ADMINISTRATOR

Alexandra Carrilho Barata

A correspondência relativa a colaboração, permuta e oferta de publicações deverá ser dirigida a All correspondence to be addressed to Fundação Robinson Robinson Foundation Apartado 137 7300-901 Portalegre Tel. 245 307 463 fund.rob@cm-portalegre.pt www.fundacaorobinson.org DESIGN DESIGN

TVM designers / Luís Moreira COORDENAÇÃO COORDINATED BY

António Camões Gouveia COORDENAÇÃO EDITORIAL EDITORIAL COORDINATION

MM Eventus e Congressos Publicações da Fundação Robinson Robinson Foundation Publications CONSELHO CONSULTIVO EDITORIAL BOARD

Amélia Polónia, António Camões Gouveia, António Filipe Pimentel, António Ventura, João Carlos Brigola, José Heitor Dias Patrão, Luísa Tavares Moreira, Maria João Mogarro, Mário Freire, Rui Cardoso Martins DIRECTOR EDITOR

António Camões Gouveia ADMINISTRAÇÃO DAS PUBLICAÇÕES PUBLICATIONS ADMINISTRATOR

Alexandra Carrilho Barata SECRETARIADO DE EDIÇÃO PUBLICATION SECRETARY

Ana Bicho (Câmara Municipal de Portalegre) (Portalegre Town Hall)

TRADUÇÃO TRANSLATED BY

Monica Varese Andrade (inglês) (english), Pedro Santa María de Abreu (espanhol) (spanish) REVISÃO EDITING

Alexandra Xisto Pinto, António Camões Gouveia, Célia Gonçalves Tavares, Jorge Maroco Alberto, Nuno Miguel Lima IMPRESSÃO PRINTED BY

Gráfica Maiadouro DEP. LEGAL 264 028/07 ISSN 1646-7116

Na capa, fotografia de Cover photograph by Paino Perez, 1888


4

Património, agradecimento e amizade Heritage, gratitude and friendship Patrimonio, agradecimiento y amistad Presidente do Conselho de Curadores | Chair of The Council of Curators

6

Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez Portalegre 1888. Las fotografías de Paino Perez Aurélio Bentes Bravo

34

Resumos e Palavras-chave Abstracts and key-words Resúmenes y palabras clave


Património, agradecimento e amizade Heritage, gratitude and friendship

José Fernando da Mata Cáceres PRESIDENTE DO CONSELHO DE CURADORES CHAIR OF THE COUNCIL OF CURATORS

Publicações da Fundação Robinson 13, 2007, p. 4-5, ISSN 1646-7116


Se nos agrada sempre deixar algumas palavras em obras que se vão editando e passando a fazer parte do património literário da nossa cidade e concelho, esta tem para nós um sabor especial. Sabor que é o da beleza da novidade destas fotografias, mais ou menos esquecidas, que nos ensinam e nos levam a respeitar e preservar tantos aspectos da história, costumes e espaços de Portalegre. Sabor que cresce com a disponibilidade de um portalegrense. É de agradecer a simpatia e o desinteresse com que Aurélio Bentes Bravo, o “professor Bentes”, vem pôr sob o olhar de todos nós estas preciosidades da sua colecção pessoal. Por fim, um sabor transfronteiriço, pois é pela mão de um Espanhol, que aqui entre nós viveu algum tempo, que conhecemos a cidade de 1888! Este último sabor permite-nos dizer que este número 13 das Publicações da Fundação Robinson é como que dedicado às frutuosas relações que vimos conseguindo consolidar e ampliar com Cáceres e àquelas que, em boa hora, se estão a desenvolver com Plasencia. Património, agradecimento e amizade, fundem-se nesta possibilidade de ver a Portalegre de 1888, com os olhos postos no futuro.

5

Though it is always a pleasure to set down some words in works which are published and become part of the literary heritage of our town, it is with special pleasure that I do so now. This pleasure comes from the freshness of these photographs, which had been more or less forgotten and which teach us and make us respect and preserve so many facets of the history, customs and spaces of Portalegre. The pleasure becomes even greater at the good-will of a Portalegran. Aurélio Bentes Bravo is greatly to be thanked for the kindness and generosity with which he, “teacher Bentes”, has placed before all of us these precious items from his personal collection. Finally, a flavour of the other side of the frontier, for it is guided by a Spaniard, who lived among us for some time, that we come to know the town as it was in 1888. The latter pleasure allows me to say that this issue of the Robinson Foundation Publications is in some way dedicated to the fruitful relations we are beginning to consolidate and broaden with Caceres and those which, most fortunately for us, we are in the process of developing with Plasencia. Heritage, gratitude and friendship merge together in this chance to see the Portalegre of 1888, looking forward at the future.


Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez

Aurélio Bentes Bravo

Publicações da Fundação Robinson 13, 2007, p. 6-31, ISSN 1646-7116


Francisco Paino Perez Francisco Paino Perez foi um fotógrafo espanhol com atelier em Viseu, de actividade itinerante por vários pontos do país entre os quais Portalegre, onde permaneceu desde os princípios de Dezembro de 1887 a 14 de Junho de 1888. Instalou-se na Travessa do Teatro, junto ao antigo Teatro Portalegrense, “num quintalzinho alegre, de boa luz e sol brilhante” conforme refere O Distrito de Portalegre na sua edição de 11 de Janeiro de 1888. Nesse mesmo artigo se refere que “para justificar o merecimento artístico do Sr. Perez, basta chamar a atenção para os numerosos specimens de seus trabalhos expostos nas vitrines das principais casas comerciais desta cidade e sobretudo nas esplêndidas fotografias dos melhores panoramas do país e dalgumas obras de arte de superior valor, como o quadro de S. Pedro, na Sé de Viseu, de Grão Vasco”. Apresentou-se publicamente em Portalegre através de um anúncio constante de O Distrito de Portalegre em que informa que no seu atelier “se executam todos os trabalhos fotográficos, desde a miniatura até extra-placa; reproduzem-se quaisquer fotografias, mapas, quadros, interiores de edifícios, etc. Tiram-se grandes grupos ao ar livre para o que se possui excelentes máquinas”. Naturalmente que o negócio principal por essa altura era o retrato, normalmente no formato cabinet, muito popular até finais do século XIX em que as provas coladas no cartão, com o nome do fotógrafo na frente ou no verso, eram geralmente albuminas1. No artigo a que acima aludimos o autor assinala, na forma muito pitoresca própria do jornalismo de então, que “uma visita ao sr. Perez é a mais feliz lembrança duma menina galante ou de um rapaz janota e enamorado”, até porque “a troca dum retrato é 7

Francisco Paino Perez Francisco Paino Perez was a Spanish photographer with a studio in Viseu, who plied his trade in several parts of Portugal, among which Portalegre, where he lived and worked from the beginning of December 1887 to 14 June 1888. He set up his studio in Travessa do Teatro, close to the former Portalegre Theatre, “in a cheerful little back garden, offering good light and plenty of sun” as the O Distrito de Portalegre put it in its issue of 11 January 1888. The same article mentioned that “to justify Mr. Perez’s artistic merit all that is needed is to draw attention to the numerous specimens of his work displayed in the show-cases of the main shops of this town and above all in the splendid photographs of the best views of the country and to some art-works of superior value, such as that of the painting of St. Peter by Grão Vasco in the Cathedral of Viseu”. Perez presented himself publicly in Portalegre by placing an advertisement in O Distrito de Portalegre , announcing that his studio “undertakes all types of photographic work, from cartes de visite to cabinet works; reproductions can be made of all types of photograph, maps, paintings, interiors of buildings, etc. Group photographs are taken in the open air, for which excellent equipment is available”. Naturally, the main activity for a photographer of the time was portraiture, usually in the cabinet format, very popular until the late 1800s, with the print being glued onto a card bearing the photographer’s name both in front and on the back. These were generally albumen prints1. In the article mentioned above, the author points out, in the very picturesque terms of the journalism of the day, that “a visit to Mr. Perez is the happiest memory of a fashionable young lady or of a well attired young man in love”. This was especially so as “the exchange of portraits is the sincerest proof of true love, of a loyal declaration and of a pure and solid affection. To request permission from Mama and Papa, do one’s hair, attire one-


a prova mais frisante dum amor sincero, duma declaração leal e dum afecto puro e firme. Pedir licença ao papá e à mamã, pentear-se, fazer a melhor toilette e pedir ao sr. Perez que traduza certas formas e feitios e o mais que se levar, numas linhas finas, numas sombras delicadas, nuns traços primorosos – é no que de certo com razão sonham as Julietas nossas conterrâneas. Os rapazes esses não faltam fazer ao sr. Perez as contumélias mais rasgadas e mais cerimoniosas para que as calças e o frack fiquem sem uma ruga, o bigode, o olhar e o sorriso com a mais simpática expressão e com o mais delicado bom gosto”. O “sr. Perez”, aliás, esclarecia na sua publicidade que “os trabalhos são todos esmaltados e os preços sumamente módicos, tais como: por 12 retratos duma só pessoa, 2$500 réis; por 6 idem, 1$500 réis, etc.” e acrescentava “Tiram-se retratos petits também esmaltados, para carteira a 1$200 réis a dúzia, sendo a meia dúzia a 800 réis”. Rematava esta publicidade com uma “N.B. – Crianças menores de 5 anos são fotografadas por preços convencionais, e bem assim qualquer espécie de animal. O Fotógrafo demorar-se-á pouco tempo nesta terra – conservam-se os clichés”.

self in a superior fashion and ask Mr. Perez to translate certain forms and fashions and everything that goes with it, into fine lines, delicate shading – must surely be what the Juliets of our town rightly dream of. As for the young men, they need only pay the most extravagant and ceremonious courtesies to Mr. Perez for trousers and morning coat to appear without a single wrinkle, for moustaches, gazes and smiles to convey the most becoming expression and this in the most delicate taste”. In his advertisements, “Mr. Perez” did in fact explain that “all photographs are provided with a glossy finish and are most reasonably priced, of which: for 12 portraits of the same person, 2$500 réis; for 6 as above, 1$500 réis, etc.” and he added: “petit glossy portraits also undertaken, wallet size being 1$200 réis per dozen, and 800 réis for half a dozen”. He ended with an “N.B. – children under the age of 5 are photographed at the usual price, as also any type of animal. The Photographer will spend little time in this town – plates are kept”.

The Collection Less than one month into his stay in Portalegre, Paino Perez already had a considerable collection of photographs of the main views of the town as it was at the time, some of

A colecção Com menos de um mês de estadia em Portalegre Paino Perez já tinha uma apreciável colecção de fotografias dos principais pontos de interesse de então da cidade, algumas das quais expunha na montra de casas comerciais. Isso mesmo é relatado em 25 de Janeiro de 1888 em O Distrito de Portalegre: “Um dia destes estivemos na Fotografia do sr. Paino Perez, no atelier que ele tem ali ao pé do teatro (...) O sr. Perez tem fotografias que são duma delicadeza e fidelidade adoráveis. E não são só retratos que ele tem maravilhosos e deveras apreciáveis; são também panoramas dos principais pontos

which he displayed in shop-windows. This fact is recounted by the O Distrito de Portalegre on 25 January 1888: “Some days ago we were at Mr. Paino Perez’s Photography Studio, in his premises close to the theatre (...) Mr. Perez has taken photographs of an adorable delicacy and faithful likeness. And it is not just his portraits which are wonderful and truly to be appreciated; there are also views of the main landmarks of Portalegre and of outlying places! Such is the way Mr. Perez gives all Portalegrans, whether here or residing outside their native town, novelties worthy of the highest praise and which are at once either the satisfaction or the proof of the affection

8


e lugares dos arredores de Portalegre! De tal modo o sr. Perez proporciona a todos os portalegrenses, ou aqui ou fora da terra seu berço, novidades dignas de maior elogio e que são ao mesmo tempo ou a satisfação ou a prova de afectos e compromissos tomados anteriormente por corações enamorados e cativos, ou ainda a recordação de coisas e lugares onde correram os primeiros dias ou anos da vida”. O articulista refere ainda que “o Sr. Perez, para as vistas ou panoramas e fotografias dos principais pontos e monumentos de Portalegre, tem aberta uma assinatura no estabelecimento comercial do sr. Fernando dos Santos Gallope, ao Pocinho, e no café do sr. Malato, na rua da Carreira”. Nos finais de Fevereiro Paino Perez publica outro anúncio no jornal em que pela primeira vez faz referência a uma colecção de vistas de Portalegre: “O fotógrafo Francisco Paino Perez, actualmente nesta cidade, participa ao respeitável público, que tendo de se ausentar por motivos particulares, só estará nesta, até ao dia 4 do próximo mês, por isso as pessoas que tencionarem fotografar-se podem-no fazer até ao dia acima indicado. Também participa que já tem quase concluída a colecção de vistas, dos principais pontos e monumentos de Portalegre. As pessoas que queiram assinar para esta colecção receberão 11 vistas e só terão a pagar 10. È aproveitar a ocasião. Previne o público que também tem à venda vistas de outras cidades do reino, e vai a qualquer domicílio fotografar por preços convencionais”. Na realidade não ficaria só até 4 de Março. No final deste mesmo mês ainda cá está (e ficará até meados de Junho) e faz publicar outro anúncio intitulado “Vistas de Portalegre”, em O Distrito de Portalegre de 28 de Março de 1888, com o seguinte texto: “O Fotógrafo P. Perez vende magníficas colecções de 12 vistas de Portalegre das principais praças e sítios mais bonitos de Portalegre, próprios para álbum grande ou para adornar 9

and commitment previously made by enamoured and captive hearts, or, on the other hand, a souvenir of things and places which saw our first days or years”. The writer of the article goes on to say that “for the views and landscapes and photographs of the main landmarks and monuments of Portalegre, Mr. Perez has an account open for subscriptions at Mr. Fernando dos Santos Gallope’s shop in Pocinho, and in Mr. Malato’s Cafe, in Carreira Street”. Towards the end of February, Paino Perez placed another advertisement in the newspaper, where reference is first made to his collection of views of Portalegre: “The photographer, Francisco Paino Perez, currently of this town, informs the esteemed public that, having to leave on personal business, he will only be here until the 4th of next month, so that those persons wishing to be photographed can do so until the above date. He likewise makes public the fact that he has nearly concluded his collection of views of the main landmarks and monuments of Portalegre. Those persons wishing to subscribe to this collection will receive 11 views and will only have to pay for 10. Do not miss this opportunity. He advises the public that he also has for sale views of other towns of the kingdom, and will go to any residence to take photographs at current prices”. In actual fact, he would not remain in Portalegre only until 4 March. He was still there at the end of the month (and would remain so until mid-June) and had a further advertisement published in O Distrito de Portalegre of 28 March 1888, entitled “Views of Portalegre”, reading as follows: “The Photographer P. Perez has for sale magnificent collections of 12 views of Portalegre, of the main squares and prettiest sights of Portalegre, appropriate for large albums or to adorn a drawing-room wall. There are 12 of them, but the buyer only pays for 11, as they cost a mere 3$300 réis in Portalegre.


1 Vista parcial da SĂŠ Catedral, do Castelo e PalĂĄcio Amarelo. Partial view of the Cathedral, the Castle and the Yellow Palace.

10


2 Vista parcial com o Monte da Penha. Partial view with Penha Mount.

11


3 Monte e Ermida de Nossa Senhora da Penha. The Virgin of Penha Mount and Chapel.

12


4 Vista geral de Portalegre do Monte da Penha. Panoramic view of Portalegre and Penha Mount.

13


Fotografias 1 e 2. Photographs 1 and 2.

Fotografias 3 e 4. Photographs 3 and 4.

14


5 O Corro – Liceu e Governo Civil. Corro – the Secondary School and Civil Governnment building.

15


as paredes duma sala. São 12 mas pagam-se só 11, pois custam apenas, em Portalegre, 3$300 réis”. Depois desta publicidade, aliás repetida em mais duas edições, o referido jornal só volta a falar de Paino Perez para dar a notícia da sua retirada de Portalegre a 13 de Junho de 1888. Reza assim: “Retira amanhã, quinta-feira, desta cidade com destino a Castelo Branco, o sr. Paino Perez, distinto fotógrafo. O Sr. Perez esteve entre nós alguns meses e produziu trabalhos magníficos. É de esperar que em Castelo Branco seja recebido com as simpatias de que é merecedor e que os seus trabalhos fotográficos sejam apreciados como é de justiça”. Das pesquisas que efectuámos sobre este fotógrafo espanhol pouco mais conseguimos. A sua passagem por Évora é referida pelo jornal Sul, na sua edição n º 31 de 8 de Maio de 18812 conforme pesquisa de Cármen Almeida. António Sena, na obra História da imagem fotográfica em Portugal. 1839-19973, embora no texto não se refira ao fotógrafo, reproduz porém uma foto do Corro de Portalegre de Paino Perez, mas para se referir a um Atelier de Gravura em madeira, propriedade do Director da revista Occidente, que utilizava na sua impressão a técnica da xilogravura para reproduzir as fotografias, uma vez que a zincogravura ainda tinha uma aplicação incipiente em tipografia. De facto, nessa Revista, a ilustrar um texto de Gervásio Lobato, intitulado “Oito dias no Alentejo. Notas de Viagem”, há 3 gravuras “sobre fotografia de Paino Perez”, duas de Portalegre (Vista de S. Cristóvão e Corro) e uma de Castelo de Vide (Vista da Sr.ª da Penha). Desta última nunca vimos nenhum original, o que não quer dizer que não tenha chegado aos nossos dias. A exposição A colecção agora exposta consta de treze fotografias, com os formatos originais em albumina de 16,5 x 22,5 cm, mon-

After this advertisement, which was reprinted in a further two issues, the newspaper concerned only mentioned Paino Perez to announce his departure from Portalegre on 13 June 1888. It went as follows: “En route to Castelo Branco, Mr. Paino Perez, the distinguished photographer, leaves this town tomorrow, Thursday. Mr. Perez resided among us for some months and was the author of a number of magnificent works. It is to be hoped that he will be received in Castelo Branco with all the courtesy which he deserves, and that his photographic work will be appreciated as is meet and just”. There was little more we were able to find after researching this Spanish photographer. His stay in Evora was recorded by the Sul newspaper, in its issue no. 31 of 8 May 18812, as a result of research by Carmen Almeida. In his História da imagem fotográfica em Portugal. 183919973, Antonio Sena, although not mentioning the photographer, does reproduce a photo of the Corro in Portalegre taken by Paino Perez. He does so, however, to mention a wood engraving studio owned by the editor of Occidente, who in his printing used xylography to reproduce photographs, since zincography was still in its early stages in typography. The magazine under discussion did in fact, to illustrate an article signed by Gervásio Lobato titled “Oito dias no Alentejo. Notas de Viagem”, use 3 etchings “on Paino Perez’s photography”, two being of Portalegre (view of the Church of St. Christopher and Corro) and one of Castelo de Vide (view of the Virgin of Penha). We have never seen an original of the latter, which does not mean it has not survived

The Exhibition The collection now on display consists of thirteen photographs, with the original albumen formats of 16.5 x 22.5 cm,

16


tados em cartão creme, com moldura tipografada a vermelho, no formato 23,5 x 31 cm. A todas é comum a legenda impressa a vermelho em rodapé, “F.P. Perez, - Photographo.” à esquerda e “Vizeu” à direita. Apesar de Paino Perez ter tido atelier em Portalegre durante seis meses, não alterou a impressão inicial dos cartões de montagem, provavelmente por ter um grande stock deles oriundos do seu laboratório principal em Viseu. Quatro delas porém têm impresso a preto, em posição central e um pouco abaixo das legendas atrás referidas, a descrição do tema da fotografia, provavelmente tipografado localmente. A primeira publicidade que Paino Perez fez da colecção “Vistas de Portalegre” referia-se, como provavelmente se recordam, a 11 fotografias, tendo passado a 12 na segunda vez que a publicitou. Nós apresentamos 13, que foram as que nos chegaram e nos fazem partir do princípio de que integravam essa mesma colecção comercializada pelo autor, por terem características muito comuns no formato, no suporte e na temática.

mounted on cream-coloured card, with red-typographed frames in a 23.5 x 31 cm format. All have in common the caption printed in red at the bottom of the prints – “F.P. Perez, - Photographer” on the left and “Vizeu” on the right. Although Paino Perez had a studio in Portalegre for six months, he did not alter the original printing on his mounting cards, probably because he had a large supply of these from the days when his main laboratory was in Viseu. However, four of them display in black print a description of the photographer’s theme, probably typographed locally, and which is centrally placed, a little below the above mentioned captions. The first advertisement Paino Perez had placed for his collection of “Views of Portalegre” referred, as readers may remember, to 11 photographs, these having become 12 in his second advertisement. We exhibit 13, which are those that have reached us and make us assume they were part of that same collection sold by the author, since they have many features in common in terms of format, medium and theme.

no. 1 – Partial view of the Cathedral, the Castle and

n.º 1 – Vista parcial da Sé Catedral, do Castelo e Palácio Amarelo n.º 2 – Vista parcial com o Monte da Penha n.º 3 – Monte e Ermida de N.ª S.ª da Penha n.º 4 – Vista geral de Portalegre do Monte da Penha n.º 5 – O Corro – Liceu e Governo Civil n.º 6 – Corredoura de Baixo, Calvário, Seminário e Fonte do cano n.º 7 – Calvário e Seminário, vistos da Corredoura de Cima n.º 8 – Rossio, Plátano e antigo Jardim Público 17

the Yellow Palace no. 2 – Partial view with Penha Mount no. 3 – The Virgin of Penha Mount and Chapel no. 4 – Panoramic view of Portalegre and Penha Mount no. 5 – Corro – the Secondary School and Civil Governnment building no. 6 – Corredoura de Baixo, Calvário, Seminary, and Fonte do cano no. 7 – Calvário, Seminary, seen from Corredoura de Cima no. 8 – Rossio, Plane-tree and the old Public Gardens


n.º 9 – Rossio do Espírito Santo com Plátano, visto do lado do jardim n.º 10 – Fontedeira, Convento e Igreja de St.º António n.º 11 – Hospital Civil, Igreja do Espírito Santo e Calvário n.º 12 – Portalegre, vista do Largo de Santana n.º 13 – Portalegre – Sítio do Outeiro, Fábrica Robinson e Quartel de Infantaria 22

no. 9 – Rossio do Espírito Santo with plane-tree, seen from the Gardens no. 10 – Fontedeira, Convent and Church of St. Anthony no. 11 – Civilian Hospital, Church of the Holy Spirit and Calvário no. 12 – Portalegre, seen from Largo de Santana no. 13 – Portalegre – Sítio do Outeiro, Robinson Factory and 22 Infantry Barracks

O tema comum às treze peças é a cidade de Portalegre, a maior parte das quais contendo grandes planos gerais em que o ambiente é o elemento primordial. Objectivamente a área da fotografia é preenchida pelo ambiente deixando uma pequena parcela deste espaço para o sujeito que também o dimensiona. O seu valor descritivo está na importância da localização geográfica do sujeito e o seu valor dramático está no envolvimento, ou esmagamento, do sujeito pelo ambiente. Estamos em 1888 e nesse tempo a fotografia, ainda uma técnica muito jovem, era relativamente penosa em relação aos dias de hoje. Para além da parte laboratorial, para a qual eram necessários profundos conhecimentos de química, as máquinas muito pesadas, com manipulações complexas, não permitiam grande mobilidade. Daí a fotografia de estúdio ser muitíssimo mais vulgar que a de exterior. Por essa altura e por essa razão havia poucas fotografias representativas das cidades, dos monumentos e das paisagens, em contraponto com as fotografias de pessoas, em poses de estúdio, normalmente com cenários pintados por detrás. Paino Perez porém, homem viajado, estava aberto a captar e registar o que de mais interessante encontrava por onde passava. Para além disso detinha uma competência profissional que para a época é surpreendente, dado que já se propunha fazer reproduções de outras fotografias, de documentos, de mapas e obras de arte, o que

The theme linking all 13 pieces is the town of Portalegre, most of them being wide angle shots in which the environment is of primary concern. Objectively the area of the photograph is filled by the environment, with a small part of this space being left for the subject which also helps create its scale. Their descriptive value lies in the importance accorded to the subject’s geographical location, and their dramatic value lies in the envelopment, or overwhelming, of the subject by the environment. It was 1888, and in those times photography, as yet a very recent technology, was relatively painful in regard to what it is today. Besides the laboratory procedures, requiring a vast knowledge of chemicals, the very heavy camera equipment, requiring complex handling, did not allow for great mobility. Hence, studio photography was far more widespread than exteriors. Around that time and for this reason, there were few photographs of towns, monuments and landscapes, in contradistinction to photographs of persons in studied poses, usually against a painted studio backdrop. However, Paino Perez, a much travelled man, was willing to capture and record the most interesting features he encountered on his travels. Additionally, his professional competence was surprisingly advanced for his time, given that he offered to reproduce other photographs, documents, maps

18


adivinhamos muito complexo tendo em conta os meios disponíveis na altura. Só três fotos das treze não contêm o elemento humano, sendo meramente descritivas da paisagem. Nas outras dez a composição mais parece uma encenação cheia de actores colocados estrategicamente no ambiente, o palco, e a representar cada um o seu papel. Muito poucas pessoas parecem estar ali por mero acaso, só os mirones quase a saírem da moldura ou gente que trata da sua vida já muito longe da objectiva. Os temas são o que de mais representativo havia em Portalegre, por essa época, autênticos “clichés”, que provavelmente influenciaram muitos editores de postais que posteriormente retomariam os mesmos cenários, dos mesmos pontos de vista. As três fotografias onde não há pessoas são tomadas de pontos altos. Duas delas são mesmo uma sequência com a máquina colocada no mesmo ponto - o miradouro de S. Cristóvão - e orientadas para dois planos contíguos. A ideia era provavelmente fazer uma panorâmica com duas fotos em sequência mas a técnica para tal era ainda muito incipiente. Só uns anos mais tarde, nos primeiros anos do século XX, dois editores portalegrenses – Anselmo Augusto Oliveira e António Afonso Franco – editariam as primeiras panorâmicas de Portalegre em postais. Nestas duas fotos (n.º 1 e n.º 2) estão os elementos visuais mais fortes para quem vê Portalegre da serra, cá em baixo a espraiar-se preguiçosamente no vale: a Sé Catedral, o Castelo, o Palácio Amarelo e a Serra da Penha, recortados contra a vasta planície a perder de vista. Gerações de fotógrafos profissionais e amadores têm vindo a fotografar Portalegre deste mesmo ponto, sendo talvez o ângulo mais fotogénico da cidade. A outra (n.º 3) retrata o Monte da Penha, tomada provavelmente de uma das torres do Castelo, de um ponto onde o 19

and works of art, all of which we sense as being very complex in view of the resources available at the time. Only three of the thirteen photographs do not include the human figure, being simply descriptions of the landmarks. The other ten display what appears to be rather more a staging of numerous actors strategically placed in the environment, the stage, each performing his or her part. Very few persons appear to be there by accident, only the lookers-on almost on their way out of the frame, or persons going about their business far from the lens. The themes are those of the most representative features of the Portalegre of the time, genuine clichés which probably influenced many a postcard producer who would later return to the same scenarios, from the same viewpoints. The three photographs without persons were taken from a high vantage point. Two of them are actually a sequence, with the camera placed on the same spot – the Belvedere of St. Christopher – and trained on two adjoining angles. The idea was in all likelihood to compose a panoramic view with two photos placed sequentially, but the technology for this was still embryonic. It was only a few years later, in the early 1900s, that two Portalegran publishers – Anselmo Augusto Oliveira e António Afonso Franco - published the first panoramic views of Portalegre in postcard form. These two photos (nos. 1 and 2) present the most striking visual features of Portalegre seen from the mountains, lazily unrolling in the valley below: the Cathedral, the Castle, the Yellow Palace and Penha Mountains, rising up from the vast plain stretching out as far as the horizon. Generations of professional and amateur photographers have over time photographed Portalegre from this same spot, this being arguably the most photogenic view of the town.


6 Corredoura de Baixo, Calvรกrio, Seminรกrio e Fonte do cano. Corredoura de Baixo, Calvรกrio, Seminary, and Fonte do cano.

20


7 Calvรกrio e Seminรกrio, vistos da Corredoura de Cima. Calvรกrio, Seminary, seen from Corredoura de Cima.

21


8 Rossio, Plátano e antigo Jardim Público. Rossio, Plane-tree and the old Public Gardens.

22


9 Rossio do Espírito Santo com Plátano, visto do lado do jardim. Rossio do Espírito Santo with plane-tree, seen from the Gardens.

23


monte se vê como triângulo perfeito, apontando a sua capelinha aos céus, imagem que cria sempre nos visitantes uma estranha sensação mística e espiritual, misturada com o receio ancestral dos vulcões. Estranha, deserta, simétrica, é quase uma silhueta pela monotonia, não fosse o destaque da capela. Em qualquer destes três grandes planos Paino Perez não integrou pessoas na composição, certamente pela impossibilidade física de as colocar em primeiros planos. O mesmo não sucedeu no outra grande plano geral de Portalegre tomado do Monte da Penha, (n.º 4) perto da Capela, (também hoje um cliché) em que coloca estrategicamente 12 circunstantes, 5 adultos e 7 crianças, em posições teatrais, de forma a comunicar várias informações. Desde logo espaciais: as 11 personagens em primeiro plano dão bem a ideia da profundidade e da dimensão da paisagem enquadrada; o outro elemento em segundo plano, sentado no cruzeiro, serve para perceber as suas dimensões, para além de contribuir também para essa leitura da profundidade de campo. A outra informação óbvia é de natureza etnográfica: onze figurantes compostos em cinco grupos, de níveis etários diferentes e vestuário diverso, dão para complementar muita informação. Esta fotografia chegou até nós particularmente degradada, o que obrigou a um exaustivo trabalho de recuperação. As restantes nove fotografias são de planos mais ou menos próximos, consoante o assunto dominante. O Corro (n.º 5), hoje Praça da República, sempre foi um lugar de destaque em Portalegre. Paino Perez salientou a Porta de Alegrete, rigorosamente ao centro da composição (ponto de fuga) e enquadrou os edifícios nobres (à esquerda) e plebeus (à direita) no terço central do plano (as composições de Paino Perez seguem quase todas a regra dos terços – regra de ouro da composição). A Serra da Penha recorta-se ao fundo

The other (no. 3) depicts Penha Mount, probably taken from one of the Castle turrets, from a spot where the Mount can be seen as a perfect triangle, thrusting its little chapel to the heavens, an image which always gives visitors a strange mystical and spiritual feeling, tinged with the ancient fear of volcanoes. Strange, deserted, symmetrical, it is almost a silhouette in its monotony, were it not for the presence of the chapel. In any one of these wide angle landscapes, Paino Perez did not include any human figures, surely due to the physical impossibility of placing them in wide angle shots. The same was not the case of the other inclusive wide angle shots of Portalegre taken from Penha Mount (no. 4), near the chapel (now also become a cliché), in which he placed 12 figures strategically, of whom 5 adults and 7 children, posing theatrically so as to convey several items of information. To begin with, the spatial: the 11 characters foregrounded provide a good sense of the depth and scale of the landscape framed; the other element in the middle ground, seated at the foot of the Cross, helps viewers’ perceptions of scale besides contributing to that same reading of depth. The other, obvious item is ethnographic: eleven characters forming five groups, of different ages and diversified clothing, are enough to impart a great deal of information. This photograph is now in a particularly damaged condition, requiring intense restoration work. The remaining nine photographs are more or less foregrounded, depending on the dominant subject-matter. Corro (no. 5), now Praça da República, has always been one of Portalegre’s landmarks. Paino Perez highlighted Porta de Alegrete, rigorously centred in the photograph (vanishing point) and he framed the imposing buildings (to the left) and the plebeian buildings (to the right) in the third central shot (Perez’s compositions almost always follow the rule of thirds

24


e o interior, o “recheio” é composto pelos figurantes em diferentes planos e profundidades. Na maioria são estudantes de capa e batina, o que não é de estranhar dada a proximidade do Liceu (inaugurado quatro anos antes). Alguns deles (destacando a figura principal do centro encostado a um pequeno poste) muito compenetrados a ler os seus livros, realçando o seu estatuto e a sua “obrigação”. Também há alguns militares do Quartel de Infantaria 22, devidamente perfilados, para além de alguns campónios com os seus característicos barretes e chapéus de abas largas. Assinale-se a fonte existente em frente do Governo Civil, no alinhamento da Porta de Alegrete. Há muitos anos que essa fonte não está nesse sítio. Pensamos que é a mesma que se encontra actualmente na Rua da Misericórdia porque, ampliando-a, se reconhece uma semelhança extraordinária. É certo que esta fonte ostenta actualmente a data de 1906, mas não era invulgar em Portalegre as fontes mudarem de sítio, podendo ser-lhe eventualmente gravadas outras datas quando da nova colocação. É o caso da Fonte do Rossio que foi colocada em 1865 perto da igreja de S. Tiago, e em 1889 viajou para o sítio onde hoje permanece, o qual acabou por baptizá-la. Não falando na recolocação recente de várias fontes da cidade ou na Fonte Filipina actualmente “residente” em Cascais. Falando em fontes é também um dos temas de uma outra espantosa fotografia da Corredoura exposta de Paino Perez (n.º 6), que, para além dessa, chamada “Fonte do Cano da Corredoura de Baixo”, há muito desaparecida, faz ainda incluir a Igreja do Calvário o Convento de S. Bernardo (nessa época Seminário) e 14 figurantes entre os quais o “acendedor” de candeeiros de iluminação pública e o seu ajudante, em plena acção. Esta fotografia é quase reportagem fotográfica, justamente por incluir a o acto de acender o candeeiro. Parece haver 25

– the golden rule of composition). Penha Mount is the outline of the skyscape in the background, and the inner part, the “filling”, is made up of the characters in different planes and variations of depth. Most of them are students in academic dress, not surprisingly since the secondary school was close by (it had been opened four years previously). Some of them (with emphasis on the main, central figure leaning against a low post) are engrossed in reading their books, underscoring their status and their obligations. Also to be seen are some military men from the 22 Infantry Barracks, duly standing to attention, besides whom there are some yokels wearing their characteristic caps and wide-brimmed hats. Attention should be drawn to the fountain located in front of the Civil Government building, to the framing of Porta de Alegrete. This fountain has not been on this site for many years. We believe it is the one now to be found in Rua da Misericórdia, because, once the photograph is blown up, a remarkable resemblance can be noted. True, this fountain now bears the date 1906, but it was not unusual in Portalegre for fountains to be moved about, with new dates, those of the relocation, possibly being inscribed. This is what happened to the fountain in Rossio, which was sited in 1865 near the Church of St. James and in 1889 travelled to the site it now occupies, which eventually named it. Not to mention the recent relocation of several of the town’s fountains or the Philippine Fountain, currently residing in Cascais. Speaking of fountains, this is also the theme of another outstanding photograph of Corredoura in the exhibition (no. 6), which, besides the fountain (the now long gone “Fountain of do Cano da Corredoura de Baixo”), also includes the church of Calvário, the Convent of St. Bernard (at the time, the Seminary) and 14 human figures, among whom the street lamp lighter and his assistant, caught in the act of lighting.


da parte do fotógrafo a intenção de documentar essa acção, a ponto de esperar que o “acendedor” subisse o escadote para executar o acto ou, o que seria o mais natural, lhe pedir que nessa posição permanecesse, até disparar o obturador (o conteúdo do regador ao lado do ajudante devia ser petróleo, combustível na altura utilizado na iluminação pública). Para além desses “trabalhadores da Câmara” de então, os figurantes são de novo estudantes, campónios, crianças e lavadeiras, uma vez que na Fonte havia um tanque público onde era permitido lavar a roupa. Uma outra foto desta colecção retrata igualmente o Convento de S. Bernardo (Seminário) e a Igreja do Calvário (n.º 7) mas vista da Corredoura de cima (hoje Avenida George Robinson). A colocação de cinco pessoas, no canto inferior direito em pose estática, umas à frente, outras mais atrás, num plano recuado, tem certamente a intenção de se fazer perceber a profundidade de campo. Do Rossio (Rocio do Espírito Santo como era então designado) Paino Perez executou para esta colecção duas fotografias, ambas com imensos figurantes e com um elemento comum às duas: o plátano. Uma delas (n.º 8) tomada no sentido da Rua de Santo André, com a árvore, ainda jovem de 40 anos, mas já com envergadura suficiente para ser o elemento central, avista-se à direita um muro e um portão do que seriam a delimitação do Jardim público. Quanto aos circunstantes, dispostos em vários planos, representam vários estratos sociais e diversas ocupações. Desde o rapaz dos recados com o cabaz à frente aos estudantes de capa e batina, passando pelo que parece ser um carteiro (quarto elemento à direita), polícia, gente da cidade de chapéu de coco e capa, gente do campo de barrete ou chapéu de abas largas, capotes alentejanos e crianças. A única mulher parece ali estar por acaso, fora da composição.

This photograph almost amounts to photojournalism, precisely because it includes the act of lighting the lamp. The photographer’s intention appears to have been the documenting of this action, to the extent of waiting for the lamp lighter to climb the ladder and carry out his activity. What is perhaps more likely is that the photographer asked the man to freeze his motion until he could depress the obturator (the contents beside the assistant must have been kerosene, the substance then used for street lighting). Besides these “Town Hall workers” of days gone by, the characters are again students, yokels, children and washer-women; there was a tank for public use where clothes washing was allowed. Another photograph in this collection also depicts the Convent of St. Bernard (the Seminary) and the Church of Calvário (no. 7) but seen from Corredoura de cima (now the George Robinson Avenue). The photographer’s positioning of five persons in the lower right hand corner in a frozen pose, some foregrounded, others further back, is surely intended to convey the perspective depth. This collection comprises two photographs of Rossio (Rocio do Espírito Santo, as it was then known): both have a large number of characters and a feature which is common to both – the plane-tree. In one of them (no. 8) – the shot facing Rua de Santo André, with the tree at the still tender age of 40 years but already sufficiently large to stand as a central feature – the viewer can see to the right a wall and a gateway of what would have been the boundaries of the Public Gardens. As for the by-standers, arranged at different angles, these represent the various societal strata and the different occupations. From the errand boy with a basket at his feet, to the students in academic garb, through what appears to be a postman (the fourth figure on the right), policemen, town dwellers in their bowler hats and capes, yokels in their caps or wide-brimmed hats,

26


A outra fotografia do Rossio (n.º 9) é muito mais interessante. Para além de continuar a colocar o plátano em situação central (foto tirada dois ou três meses depois da anterior, porque já se vêem folhas pequenas na árvore) vários pontos de interesse da cidade se avistam por detrás do Plátano. A Sé e o Palácio Amarelo à direita, as torres do Castelo e a Igreja de S. Lourenço à esquerda. Uma vez mais esta foto parece a reportagem de um acontecimento, uma vez que apanha uma formação de militares (possivelmente de Infantaria 22), devidamente alinhados e em sentido. Por trás dos militares muitos circunstantes, praticamente todos a olhar para a objectiva do fotógrafo, pelo que dá a entender que para eles, mais importante que a parada militar, seria a máquina de Paino Perez. Nesta foto, atrás da árvore deveria estar a fonte do Rossio, uma vez que esta ostenta a data de 1865, mas não está, porque só seria transferida para o local onde se encontra actualmente um ano depois da tomada desta foto, conforme explicamos atrás. Um pouco estranha é a foto que, tomada das traseiras da Igreja do Calvário e apontada para a serra de S. Mamede, tem como motivo central o Convento de Santo António (n.º 10). Este está demasiado longe para que seja o assunto de destaque e a fiada de casas na Fontedeira, que divide visualmente a fotografia ao meio, é pouco interessante como tema, pelo que não deverá ter sido o pretexto para a sua tomada. O assunto central acaba por ser um rapaz empoleirado numa árvore, observado por um outro sentado num muro, e mais um terceiro elemento, desta vez um homem. Este trio tem em comum a forma de usar o chapéu – descaída para trás – e pela orientação do olhar: observa qualquer coisa que se passa à direita da câmara fotográfica. Como fotografia é a menos interessante da colecção. 27

Alentejan capes, and children. The only woman appears to be there by accident, out of tune with the composition. The other photograph of Rossio (no. 9) is much more interesting. Besides once again positioning the plane-tree centrally (the photo was taken two or three months after the first, since the tree already bears small leaves), several of the town’s landmarks can be glimpsed behind the tree. To the right, the Cathedral and the Yellow Palace, to the left, the Castle turrets and the Church of St Lawrence. Yet again this photo seems to be a piece of journalism on an event, since it captures a military formation (possibly the 22 Infantry), duly in place and standing to attention. Behind the soldiers, there are many bystanders, practically all of them looking into the photographer’s lens, which suggests that for them Paino Perez’s camera was of greater importance than the military parade. This photo should show, standing behind the tree, Rossio fountain, as it bears the date 1865, but it is not there, since it was only transferred to the spot where it now stands a year after this photo was taken, as already explained. Somewhat strange is what we would call the photograph which, taken from the back of the Church of Calvário and facing the mountain of St. Mamede, has St. Anthony’s Convent as its central motif (no. 10). The Convent is too far away to be the central feature and the row of houses in Fontedeira, which visually divides the photograph in two, is of little interest as a theme; we assume it was not why the photo was taken. In the end, the central feature is a boy perched up on a tree, being observed by another boy sitting on a wall, with a third element, this time a man. This trio has in common the way each figure wears his hat – set back on the head – and by the line of their gaze: they are observing something that is going on to the right of the camera. As a photograph it is the least interesting of the collection.


10 Fontedeira, Convento e Igreja de Santo Ant贸nio. Fontedeira, Convent and Church of St. Anthony.

28


11 Hospital Civil, Igreja do Espírito Santo e Calvário. Civilian Hospital, Church of the Holy Spirit and Calvário.

29


12 Portalegre, vista do Largo de Santana. Portalegre, seen from Largo de Santana.

30


13 Portalegre – Sítio do Outeiro, Fábrica Robinson e Quartel de Infantaria 22. Portalegre – Sítio do Outeiro, Robinson Factory and 22 Infantry Barracks.

31


O “Hospital Civil” é o tema central de uma das peças expostas (n.º 11), edifício barroco que deve ter chamado a atenção de Paino Perez, acabando por o Calvário ao longe e a Igreja do Espírito Santo passarem a segundo plano. Esta, aliás, acabaria por levar um pequeno corte fotográfico, que não merecia dado ser “apenas” a Igreja mais antiga de Portalegre (séc. XIV). Para os cidadãos de Portalegre é estranho ver este local ainda sem o monumento ao Mortos da Grande Guerra, que em todas as fotografias aparece a compor o Largo fronteiro à Misericórdia. Mais uma vez alguns figurantes integram o “ramalhete”, sempre devidamente ao sol. Sempre que nas fotos desta série se nota nitidamente uma sombra no primeiro plano da composição é dela que parte a tomada de vista, ou seja, é lá que está a máquina. As pessoas estão sempre para além da sombra, devidamente iluminadas, como manda a boa técnica (ver fotos n.º 8, 9, 11, 12 e 13). A vista do Largo de Santana (n.º 12) é um palco perfeito, cujo cenário é constituído por fundo dominado pela figura imponente da Sé Catedral rodeada de casas, estando em cena diversos “actores” a representar diversos “papéis”. As personagens principais, dois militares um pouco à direita, estão muito absorvidos na sua leitura, para a “câmara”, claro, colocando-se os outros, entre estudantes, militares e cidadãos, em diversas poses estudadas junto ao muro ou nele sentados. Para nós a verdadeira relíquia desta foto situa-se à esquerda, sensivelmente na linha central da composição. Trata-se da única fotografia de que temos conhecimento, que mostra a Igreja de S. Pedro, há muito desaparecida, e que se situaria no local onde está hoje o antigo Sanatório e o Centro de Saúde. Finalmente uma fotografia (n.º 13) deliciosa pela informação que contem e que pode interessar a várias áreas. Do ponto de vista da evolução urbanística da cidade é interes-

The “Civilian Hospital” is the central theme of one of the exhibits (no. 11), a Baroque building which must have caught Paino Perez’s eye, with Calvary Church in the distance and the Church of the Holy Ghost becoming secondary in the composition. The latter would actually be slightly nipped in the photograph, undeservedly so, as it just happened to be the oldest church in Portalegre (fourteenth century). For Portalegrans it is odd to see this site as yet lacking the monument to those fallen in the Great War, which now appears in every photograph, lending a feature to the Square fronting. the Misericórdia. Once again, some characters people the scene, always duly placed in sunlit areas. In the photos of this series, whenever a shadow is clearly cast in the foreground of the composition, that is the viewing point, ie. that is where the camera stood. Human figures are always beyond the shadows, duly lit up, as per good technical procedure (see photos nos. 8, 9, 11, 12 and 13). The view of Santana Square (no. 12) is a perfect stage, whose scenery comprises a background dwarfed by the imposing mass of the Cathedral, surrounded by houses, with several “actors” playing several “roles”. The lead players, two military men standing a little to the right, are engrossed in their reading – for the camera, of course – with other characters (students, soldiers and townspeople) in different studied poses by the wall or sitting on it. For us, the true relic in this photo can be found to the right, approximately along the central line of the composition. It is the only photograph we know of which shows the Church of St. Peter, long gone now, and which is said to have stood on the site of what is now the old Sanatorium and the Health Centre. To conclude, a delightful photograph (no. 13) for the information it conveys and which may be of interest in several areas. From the point of view of the town’s urban evolution, it is interesting to see the initial state of the Robinson Fac-

32


sante ver o estado inicial da Fábrica Robinson, do Jardim Operário, do Quartel de Infantaria 22. Ou o isolamento da Igreja de S. Cristóvão lá no alto e a falta da bonita mansão que a família Robinson fez construir mais tarde, para servir de creche dos filhos dos operários, que hoje alberga a Caritas. Do ponto de vista antropológico e etnográfico há muito a descobrir nas mais de seis dezenas de figurantes, que, alinhados, perfilados e silenciosos, fazem da objectiva de Paino Perez o que de mais importante para eles havia nesse preciso momento, parecendo adivinhar que, do outro lado, mais de 120 anos depois, muitos outros olhos os fitariam também, como se fossem familiares e velhos conhecidos. As fotografias de Francisco Paino Perez são autênticas janelas do tempo4.

tory, the Jardim Operário Gardens, the 22 Infantry Barracks.

notas

notes

1

1

2

3 4

Inventado por Desiré Blanquart em 1850, a albumina foi o processo de impressão mais popular até ao final da década de 1880. O nome vem do uso da clara de ovo, que era previamente salgada e batida em castelo e usada como meio aglutinante dos sais de prata que formam a imagem. As provas deterioram-se facilmente com o excesso de luz. Cf. Cármen Almeida - Évora Desaparecida. Fotografia e Património. 1839-1919. Évora: Câmara Municipal de Évora, 2006. Porto: Porto Editora, 1998. Portalegre, Agosto de 2007.

Or the isolated situation of the Church of St. Christopher at the very top and the absence of the handsome mansion the Robinson Family later had built to house its day-care centre for workers’ children, now occupied by Caritas. From the anthropological and ethnographic point of view, there is much to be discovered in the more than sixty characters, who, lined up, standing to attention and mute, made of Paino Perez’s lens the most important feature of their lives at that precise moment, seeming to divine that, on the other side, more than 120 years later, many other eyes would gaze at them as well, as if they were familiar and old acquaintances. The photographs of Paino Perez are veritable windows of time4.

Invented by Desiré Blanquart in 1850, albumen printing was the most widely used until the end of the 1880s. It derives its name from its use of egg white which had previously been salted and whipped until stiff and used as an agglutinating medium for the silver salts that formed the image.

2

Cf. Cármen Almeida - Évora Desaparecida. Fotografia e Património. 1839-1919. Évora: Câmara Municipal de Évora, 2006.

3

Porto: Porto Editora, 1998.

4

Portalegre, Agosto de 2007.

bibliography

bibliografia ALMEIDA, Carmen - Évora Desaparecida. Fotografia e Património. 1839-1919. Évora:

ALMEIDA, Carmen - Évora Desaparecida. Fotografia e Património. 1839-1919. Évora: Câmara Municipal de Évora, 2006.

BUCHO, Domingos – Portalegre e as suas Fontes. Portalegre: D. A. Bucho, 1996.

BUCHO, Domingos - Portalegre e as suas Fontes. Portalegre: D. A. Bucho, 1996.

O Distrito de Portalegre. Portalegre: 7-Dez.-1887; 11 e 25-Jan.-1888; 22-Fev.-1888;

O Distrito de Portalegre. Portalegre: 7-Dez.-1887; 11 e 25-Jan.-1888; 22-Fev.-1888; 28-Mar.-1888; 2-Abr.-1888; 13-Jun.-1888.

Occidente. Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro. Lisboa: no. 487, 1-Jul.-1892;

Occidente. Revista Illustrada de Portugal e do Extrangeiro. Lisboa: n.º 487, 1-Jul.-1892; n.º 493, 1-Set.-1892.

SENA, António - História da imagem fotográfica em Portugal. 1839-1997. Porto: Porto

SENA, António - História da imagem fotográfica em Portugal. 1839-1997. Porto: Porto Editora, 1998.

33

Câmara Municipal de Évora, 2006.

28-Mar.-1888; 2-Abr.-1888; 13-Jun.-1888.

no. 493, 1-Set.-1892.

Editora, 1998.


Resumos e palavras-chave Abstracts and key-words Resúmenes y palabras clave

Publicações da Fundação Robinson 13, 2007, p. 34-35, ISSN 1646-7116


PORTUGUÊS

ENGLISH

E S PA Ñ O L

Portalegre 1888. As fotografias de Paino Perez

Portalegre 1888. The photographs of Paino Perez

Portalegre 1888. Las fotografías de Paino Perez

Francisco Paino Perez, fotógrafo espanhol com estúdio em Viseu, na sua itinerância por várias terras de Portugal, fixou-se cerca de 6 meses em Portalegre, no longínquo ano de 1888, onde desenvolveu a sua actividade profissional. Aos nossos dias chegou uma colecção de fotografias suas, cujo tema é a cidade de Portalegre, que, segundo pesquisas aos jornais da época, comercializou e expôs nas montras do comércio local. É uma colecção coerente na temática, no formato e no suporte. Portalegre é observada nos seus mais representativos clichés, que as gerações seguintes de fotógrafos e editores de postais ilustrados sempre retomariam. Constituem uma excelente janela do tempo, onde é possível conhecer a cidade e os seus habitantes de então, sob diversos aspectos e interesses. A exposição destas fotografias em grande formato mostra, com impacto e deslumbramento, uma cidade diferente, mas estranhamente familiar.

On his travels through several Portuguese towns, Paino Perez, the Spanish photographer with a studio in Viseu, settled in Portalegre for about 6 months, in the distant year of 1888. Here he conducted his professional activity. A collection of his photographs have reached us in our time, having as their theme the town of Portalegre. According to research into the newspapers of his day, he sold and displayed his work in local shop windows. The collection is consistent in its themes, format and medium. Portalegre is observed in its most representative clichés, to which future generations of photographers and picture post card publishers would always return. They embody an excellent window into time, where viewers can acquaint themselves with the town and inhabitants of yore, depending on different features and interests. The exhibition of these photographs in enlarged format shows – with impact and delight – a town which is different, yet strangely familiar.

Francisco Paino Pérez, fotógrafo español que cuenta con un estudio en Viseu, en su itinerancia por varias tierras de Portugal se estableció unos 6 meses en Portalegre, en el lejano año de 1888, cuando desarrolló su actividad profesional. Hasta nuestros días ha llegado una colección de fotografías suyas, cuyo tema es la ciudad de Portalegre, que según un rastreo por los periódicos de la época, comercializó y expuso en los escaparates del comercio local. Es una colección coherente en cuanto a su temática, a su formato y a su soporte. Portalegre se ve observada en sus más representativos clichés, que las siguientes generaciones de fotógrafos y editores de postales ilustradas habrían de retomar de ahí en adelante. Constituyen una excelente ventana del tiempo, donde es posible conocer la ciudad y a sus habitantes de entonces, bajo varios aspectos e intereses. La exposición de estas fotografías en gran formato muestra, con impacto y deslumbramiento, una ciudad diferente aunque extrañamente familiar.

palavras-chave Portalegre; 1888; Portalegre 1888; Fotografia; Francisco Paino Perez.

key words Portalegre; 1888; Portalegre 1888; Photography; Francisco Paino Perez.

palabras clave Portalegre; 1888; Portalegre 1888; Fotografía; Francisco Paino Perez.

35




PU BLIC A Ç ÕES D A FU N D A Ç ÃO R OBINS ON

13


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.