PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON 23

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PUBL I CAÇÕ E S D A F U N D AÇÃO R O B I N S O N

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Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson Social conflicts in Portalegre during the Robinson period


PUBLICAÇÕES DA FUNDAÇÃO ROBINSON N.º 23 ROBINSON FOUNDATION PUBLICATIONS No. 23 Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson Social conflicts in Portalegre during the Robinson period Portalegre, Fevereiro de 2012 Portalegre, February 2012

AUTOR AUTHOR

A correspondência relativa a colaboração, permuta e oferta de publicações deverá ser dirigida a All correspondence to be addressed to

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Tipografia Lessa DEP. LEGAL 341 413/12 ISSN 1646-7116

Na capa, fotografia de Cover photograph by António Ventura (colecção pessoal) (private collection)


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Nota de abertura Opening note Nota de apertura Presidente do Conselho de Curadores | Chair of the Council of Curators

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Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson Social conflicts in Portalegre during the Robinson period Conflictos sociales en Portalegre en la época de los Robinson António Ventura

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Antologia: os conflitos sociais de Portalegre na imprensa (1893-1920) Anthology: social conflicts of Portalegre in the press (1893-1920) Antología: los conflictos sociales de Portalegre en la prensa (1893-1920)

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Síntese: resumos e palavras-chave Abstracts and key-words Resúmenes y palabras clave


Nota de abertura Opening note

ADELAIDE DE AGUIAR MARQUES TEIXEIRA PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PORTALEGRE E DO CONSELHO DE CURADORES DA FUNDAÇÃO ROBINSON MAYOR OF PORTALEGRE AND HEAD OF THE BOARD OF TRUSTEES OF THE ROBINSON FOUNDATION

Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 4-5, ISSN 1646-7116

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No passado dia 17 de Setembro de 2011, em brilhante, sintética, original e valorativa intervenção, lembrava o Professor Julián Sobrino (Universidade de Sevilha) que todas as Fábricas são um conflito, de interesses, de saberes, de sexos, de pequenos e grandes poderes. Afinal, as Fábricas dão corpo às realidades da vivência humana dos grupos e das suas sociabilidades, as Fábricas são corpos sociais vivos! Na sua constante colaboração com a Fundação Robinson o Professor António Ventura (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) dá-nos agora conta dessa vida na conflitualidade nascida das realidades laborais em que se opõem Operários e Patrões. O estudo e a riquíssima antologia que o suporta, enriquecem o nosso conhecimento da Fábrica Robinson na dimensão humana do operariado e, ao mesmo tempo, dão conta da sua integração no tecido local através da amostragem feita a partir da assinalável riqueza da imprensa periódica em Portalegre. As Publicações da Fundação Robinson, mais uma vez, dão a lume trabalho científico e possibilidades de investigação futura e continuam a mostrar como a Fábrica era o pólo sócioeconómico de um grande Espaço Robinson.

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On 17 September 2011, in a brilliant, concise, original and evaluative intervention, Professor Julian Sobrino (of the University of Seville) reminded us that all Factories are a conflict of interests, knowledge, gender, and small and large powers. After all, Factories embody the realities of living human groups and their social relations, such that Factories are living social bodies! In his on-going collaboration with the Robinson Foundation, Professor António Ventura (of the Faculty of Letters of the University of Lisbon) now gives us this account of the experience of conflict born of the working realities which brought Workers and Employers against each other. The study and the rich anthology underpinning it, enriches our knowledge of the Robinson Factory in terms of the human dimension of its workers and, at the same time, recounts their local integration by sampling from the remarkable richness of the periodical press in Portalegre. The Publications of the Robinson Foundation, once again, have enlightened academic work and future research possibilities and continue to show how the Factory was the socio-economic hub of a large Robinson Space.


Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson Social conflicts in Portalegre during the Robinson period

António Ventura FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULTY OF LETTERS OF THE UNIVERSITY OF LISBON

Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 6-33, ISSN 1646-7116


Uma cidade laboriosa e progressiva O concelho de Portalegre, que compreendia a capital de distrito com o mesmo nome, conheceu uma expansão considerável a partir de 1860. Tinha então 6.433 habitantes, número que passou para 7.039 em 1878, 10.538 em 1890 e 18.500 em 1900, segundo os respectivos censos. As duas freguesias urbanas, Sé e São Lourenço, contavam com 9.303 habitantes, o que traduz um decréscimo que se explica, segundo cremos, pela gravíssima crise que a partir de 1891 afectou a indústria e o comércio locais. Outro elemento que se destaca é um certo equilíbrio entre a população citadina e a rural. A cidade encontrava-se rodeada por pequenas povoações, lugares, quintas e montes onde a par de algumas grandes herdades, em especial nas freguesias de Fortios e de Urra, coexistia a pequena propriedade rural e a agricultura de subsistência. A cidade foi crescendo para Este, pelo arrabalde de São Francisco e Corro – hoje Praça da República – a partir da Porta de Alegrete, e para Norte, em direcção ao Rossio do Espírito Santo. Essa progressão para Norte efectuou-se a partir da Porta da Deveza, fronteira ao Rossio e à Mouraria, já situada fora do burgo amuralhado. Pelas ruelas medievais e pelas novas que se foram construindo, frente à Fábrica Robinson, existia um numeroso conjunto de artesãos, alfaiates, sapateiros, carpinteiros, chocalheiros, cesteiros, cuja tradição se perdia na distância dos séculos e que deram nome a diversas ruas — dos Canastreiros, Sapateiros, Chocalheiros — e os operários — corticeiros, na sua maioria, mas também de alvanéus, padeiros e tecelões — que conferiam à cidade um cunho marcadamente industrial. Pela Rua da Cadeia (tramo da actual Rua do Comércio), Pracinha, Rossio, Rua do Mercado e Rua dos Canastreiros (depois do Infante D. Manuel 7

An industrious and progressive city The district of Portalegre, including the district capital with the same name, expanded considerably from 1860 onwards. Its population that year was 6,433 inhabitants, a figure that rose to 7,039 in 1878, 10,538 in 1890 and 18,500 in 1900, according to the respective censuses. The two urban parishes, Sé and S. Lourenço, contained 9,303 inhabitants, which represented a decrease which it is believed can be explained by the serious crisis that affected local industry and commerce from 1891. Another element that stands out is a certain balance between the urban and rural population. The city was surrounded by small villages, places, farms and montes where in addition to a few large farms (herdades), especially in the parishes of Fortios and Urra, there also coexisted small estates and subsistence agriculture. The city grew to the East, through the suburb of S. Francisco and Corro – nowadays the Praça da República square – from the Porta de Alegrete, and northwards towards the Rossio do Espírito Santo square. This northward progression took place from the Porta da Deveza, which bordered on Rossio and the Mouraria – the ancient Moorish quarter - which was situated outside the walled town. The medieval streets and the newer ones that were built, opposite the Robinson Factory, contained a large number of artisans, tailors, shoemakers, carpenters, bellmakers, and basket weavers, whose traditions have been lost in the distant centuries and who gave their name to several streets – the Basket Weavers (Canastreiros), Shoemakers (Sapateiros), Bellmakers (Chocalheiros) - and workers – cork workers mostly, but also masons, bakers and weavers - which gave the city a markedly industrial flavour. Various types of shops, taverns, grocery stores, delicates-


e 31 de Janeiro), surgiam estabelecimentos comerciais de diversos ramos, tabernas, mercearias, salsicharias, lojas de tecidos, tabacarias e cafés. Existia uma certa vida mundana e boémia em redor daqueles últimos, com realce para a Tabacaria Estrela, ou para a loja de Frederico Porto, em ambos casos sedes de tertúlias regulares. Novos bairros foram construídos nos finais do século XIX. Um deles, iniciativa de dois operários — Joaquim Dias Ferreira e Bernardino José Rainho — começou a ser construído em 3 de Abril de 1895 e ainda hoje conserva os nomes dos seus fundadores que já ninguém recorda: «Ferreira e Rainho». O segundo, empreendimento individual, de Joaquim Lopes Pires, comerciante e proprietário da loja «O Novo Mundo», conhecido como «Joaquim da Bola», começou a ser construído em 3 Janeiro de 1898 e foi concluído em 1900. O abastecimento de água foi melhorado com a construção de uma canalização desde os Maguetos, aprovada pela Câmara Municipal em 1894 e feita sob projecto do engenheiro Filipe Canavarro. As obras decorreram entre 1895 e 1896, importaram em 9.505$000 réis, chegando a água à cidade a 1 de Maio de 1897. A iluminação pública, iniciada em 1855 com azeite e melhorada dez anos depois com petróleo, passou em 1901 a utilizar a energia eléctrica. Por outro lado, o desenvolvimento da cidade foi acompanhado pela instalação de novos serviços: delegações da Caixa Económica Portuguesa (Dezembro de 1887) e do Banco de Portugal (1 de Abril de 1891). A primeira contava em 1901 com 472 depositantes e um total de 124.247$297 réis. Em Maio de 1898, o Banco de Portugal instalou-se numa casa própria, comprada por 5.000.000$000 réis. Em 1900 foram tomadas 1305 letras no valor de 337.908$592 réis sobre o país, e 131.983$550 sobre o estrangeiro. Os lucros da agência de Portalegre foram de 10.934$804 réis.

sens, fabric stores and tobacconists were to be found on Rua da Cadeia (nowadays forming part of Rua do Comércio), Pracinha, Rossio, Rua do Mercado and Rua dos Canastreiros (after Infante D. Manuel and 31 de Janeiro). There was a certain worldly bohemian life about the latter, with an emphasis on the Estrela Tobacconist, and Frederico Porto’s store, both of which hosted regular evening salons (tertúlias). New neighbourhoods were built in the late nineteenth century. One, the initiative of two workers - Joaquim Dias Ferreira and Bernardino José Rainho – started construction work on 3 April 1895 and still retains the names of its founders that nobody remembers any longer: “Ferreira & Rainho”. The second, an individual enterprise carried out by Joaquim Pires Lopes, merchant and owner of the “O Novo Mundo” (New World) store, and known as “Joaquim da Bola”, started on 3 January 1898 and was completed in 1900. The water supply was improved with the construction of a pipeline from Maguetos which was approved by the City Council in 1894 and carried out by the engineer Filipe Canavarro. The works took place between 1895 and 1896, and amounted to 9,505$000 réis, the water reaching the town on 1 May 1897. Public lighting, which began in 1855 with olive oil and improved ten years later through the use of petroleum, began to use electricity in 1901. In addition, the city’s development was accompanied by the installation of new services: branches of the Caixa Económica Portuguesa (December 1887) and the Banco de Portugal (1 April 1891). The first had 472 depositors in 1901 and a total of 124,247$297 réis. In May 1898, the Banco de Portugal moved into its own premises, bought for 5,000,000$000 réis. In 1900, 1305 bills were taken to the amount of 337,908$592 réis nationally, and 131,983$550 abroad. The profits of the Portalegre branch were 10.934$ 804 réis.

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George William Robinson (1813-1895).

A Indústria A indústria era, na passagem do século XIX para o seguinte, o elemento mais dinâmico da vida portalegrense. Os lanifícios, outrora florescentes e com momentos de glória a partir do último quartel do século XVIII, conheceram tempos difíceis durante o reinado de D. Maria I e depois, no tempo das Invasões Francesas, entraram definitivamente em decadência. A suspensão de pagamentos da Fábrica Larcher & Sobrinhos, em 1868, arrastou na sua queda a Companhia da Fábrica Nacional de Portalegre, lançando no desemprego cinco centenas de operários. O golpe de misericórdia foi desferido em 1896 com a falência da Companhia da Fábrica de Lanifícios de Portalegre, constituída em 1889 no Porto com capitais nortenhos, onde avultavam os do Banco União. Desse universo industrial portalegrense em crise, a única excepção era a fábrica de cortiça do inglês George Robinson, fundada em meados do século XIX, e que assumiu, no último quartel de oitocentos, o papel de principal entidade empregadora. José Frederico Laranjo afirmava no Parlamento, nesses tempos de crise aguda, que o desemprego em Portalegre só não atingiu proporções dramáticas graças à Fábrica Robinson, que absorveu grande parte da mão-deobra na preparação de cortiça1. Os inquéritos industriais oficiais não nos transmitem uma imagem fiel das diversas actividades industriais e artesanais da cidade. O inquérito de 1881 é muitíssimo incompleto, incluindo apenas elementos sobre quatro empresas com o respectivo pessoal operário e ficando de fora as mais importantes, cujos proprietários se recusaram a responder. A 20 de Março de 1880, as fábricas de Portalegre dirigiram uma representação à Câmara dos Deputados protestando contra o novo imposto sobre a renda, assinado por George Robinson, Honório Fiel de Lima, e pelos gerentes das «fábricas de lanifícios e curtumes» José António Duro, Ramiro Marçal & 9

Industry At the end of the nineteenth and the beginning of the twentieth century, the most dynamic element of Portalegre life was its industry. Woollen manufacturers, which once flourished and experienced glorious moments from the last quarter of the eighteenth century onwards, also experienced hard times during the reign of D. Maria I and then, during the Napoleonic wars, went into a definitive decline. The suspension of payments by the Larcher & Sobrinhos Factory in 1868, also dragged down the Companhia da Fábrica Nacional de Portalegre, leading to the unemployment of five hundred workers. The final blow was struck in 1896 with the bankruptcy of the Companhia da Fábrica de Laníficios de Portalegre, which had been established in Oporto in 1889 with capital from the North of Portugal, especially of the Banco União. The only exception to the crisis experienced by industry in Portalegre was the cork factory of the Englishman George Robinson, which had been founded in the mid-nineteenth century, and which took on the role of principal employer in


C.ª, Manuel de Jesus Costa, Genoveva Amélia Cerejo e Costa & Irmão2. Este documento inclui um quadro com o número de trabalhadores de todas as fábricas da cidade:

the last quarter of the nineteenth century. José Frederico Laranjo stated in Parliament that in these times of acute crisis, unemployment in Portalegre had not reached dramatic proportions only thanks to the Robinson Factory,

Estabelecimentos Fábrica de Cortiça de George Robinson

Operários Operárias

Total

treat cork1.

260

420

680

Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre

147

Fábrica de Lanifícios e Curtumes de Portalegre

108

39

147

Fábrica de Lanifícios de Ramiro Marçal & C.ª

44

20

64

Fábrica de Lanifícios e Moagens de Manuel Joaquim Costa

25

18

43

Fábrica de Tecidos da viúva de Vicente Cerejo

4

12

16

Fábrica de Massas de Costa & Irmão

5

5

593

550

1143

Total

which had absorbed much of the manpower in order to

41

188

The official industrial surveys do not give us an accurate picture of the various industries and handicrafts in the city. The 1881 survey is rather incomplete, and only includes information about four companies and the respective information about their workers, leaving out some of the most important companies, whose owners refused to answer. On 20 March 1880, the Portalegre factories sent representatives to the Chamber of Deputies to protest against the new income tax, signed by George Robinson, Honório Fiel de Lima, and the managers of the “woollen factories and tanneries” José António Duro, Ramiro Marcal & C.ª, Manuel de Jesus Costa, Genoveva Amélia Cerejo and Costa & Irmão2. This document included a table outlining the number of employees in each of the factories in the city:

O associativismo O associativismo desenvolveu-se na segunda metade do século XIX, fruto de uma nova sociabilidade facilitada pelo liberalismo, bem diferente da situação anterior, onde predominavam as corporações com uma estrutura rígida. Costa Goodolphim refere a existência, na segunda metade do século XIX, de três associações: o Montepio Fraternidade Portalegrense, a Associação dos Artistas e o Montepio Euterpe3. O primeiro foi fundado em 1855 por iniciativa de António José Cardoso, com estatutos aprovados por Alvará Régio de 2 de Maio daquele ano. A segunda datava de 1866 e levou uma vida apagada, com raras referências na imprensa da época. A terceira, a Sociedade Filarmónica Euterpe, criada

Establishments

Workers Workers (M) (F)

Total

Fábrica de Cortiça de George Robinson (George Robinson Cork Factory)

260

420

680

Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre (National Woollen Factory of Portalegre)

147

41

188

Fábrica de Lanifícios e Curtumes de Portalegre (Portalegre Wool and Leather Factory)

108

39

147

Fábrica de Lanifícios de Ramiro Marçal & C.ª (Ramiro Marçal & C.ª Woollen Factory)

44

20

64

Fábrica de Lanifícios e Moagens de Manuel Joaquim Costa (Manuel Joaquim Costa Woollen Manufacturing and Mills)

25

18

43

Fábrica de Tecidos da viúva de Vicente Cerejo (Textile Factory of Vicente Cerejo’s widow)

4

12

16

Fábrica de Massas de Costa & Irmão (Costa & Irmão Pasta Factory)

5

5

593

550

1143

Total

10

Transporte de cortiça em viatura movida a vapor, propriedade de George Wheelhouse Robinson. Transporting cork in a steam-powered vehicle, property of George Wheelhouse Robinson.


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em 1860 e ainda existente, esteve na base do Montepio Euterpe Portalegrense, com estatutos aprovados em 18664. Mas a verdade é que existiram muitas outras agremiações, das quais a mais importante surgiu em 1888: o Montepio Operário e Artístico Portalegrense, com uma grande maioria de operários corticeiros. Os três montepios estavam abertos a toda a população, dedicando-se ao auxílio dos associados e seus familiares em caso de doença, empréstimo sobre penhores, incluindo também uma componente recreativa, com bailes, festas anuais, espectáculos vários e bazares. O teatro atingiu uma notável expansão, — promovido em especial pelo Montepio Euterpe —, fundando-se na cidade diversos grupos amadores, por vezes com instalações próprias, com uma intensa actividade até à década de vinte do século XX5. Em 1896 surgia outra associação, a Sociedade União Operária, sob a égide de George Weelhouse Robinson e de outras personalidades locais, com uma enorme adesão por parte do operariado local que se traduziu na existência de 450 sócios apenas um mês após a sua fundação. Foi a primeira associação a ultrapassar o mutualismo, apontando como objectivos o «recreio, a confraternização, a instrução e a ilustração». Pre-

Associational Life Associations developed in the second half of the nineteenth century, as the result of a new sociability facilitated by liberalism, quite unlike the previous situation where rigidly structured corporations predominated. Costa Goodolphim refers to the existence of three associations in the second half of the nineteenth century: The Montepio Portalegre Brotherhood (Montepio Fraternidade Portalegrense), the Artists Association (Associação dos Artistas) and the Montepio Euterpe3. The first was founded in 1855 through the initiative of António José Cardoso, with its statutes being approved by Royal Charter of 2 May of that year. The second dated from 1866 and had a discrete existence, with few references to it in the press of the time. The third, the Euterpe Philharmonic Society, was founded in 1860 and still exists, and formed the basis of the Montepio Euterpe Portalegrense, with its statutes being approved in 18664. But the truth is that there were many other associations, the most important of which appeared in 1888: the Montepio Portalegre Worker and Artist association (Montepio Operário e Artístico Portalegrense), which contained a large majority of cork workers. The three Montepio associations were open to everybody, and were

Saída dos operários da Fábrica Robinson. Workers leaving the Robinson Factory.

focused on helping their members and their families with illnesses, loan pledges, and also included a recreational component, with dances, annual festivals, various shows and bazaars. Theatre achieved a remarkable growth - particularly promoted by Montepio Euterpe – and several amateur groups were set up in the city, sometimes with their own premises, and there was intense activity in this area until the nineteen twenties5. In 1896 another association was established, the Sociedade União Operária (Workers’ Union Society), under

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Vista geral do interior da Fábrica Robinson. General view inside the Robinson Factory.

via duas categorias de associados: os ordinários, que deveriam ser exclusivamente operários, e os honorários, provenientes de outras classes, que não tinham direito a voto nas assembleias e não podiam ser eleitos para os corpos sociais. A Cooperativa Operária Portalegrense foi fundada em 1898 (estatutos aprovados em 14 de Dezembro) por 41 trabalhadores da Fábrica Robinson, dos quais apenas um – o escriturário e republicano Manuel Maria Ceia –, não era corticeiro. A causa próxima desta fundação foi a falta de pão e a sua carestia, ciclicamente sentida e minimizada pelo contrabando daquele género alimentício a partir de Espanha. Rapidamente, a cooperativa se expandiu e diversificou a sua actividade, ocupando um lugar de primeiro plano na actividade comercial citadina que culminou, em 1905, com a inauguração de um grande edifício próprio para sua sede. A análise das profissões dos 13

the aegis of George Wheelhouse Robinson and other local personalities, which the local working class joined in large numbers such that the Society already had 450 members only a month after being founded. It was the first association to go beyond mutualism, with its objectives being “recreation, fellowship, education and illustration”. There were two categories of member: the standard one, exclusively for workers, and honorary membership, for those from other classes, who were not entitled to vote at meetings and could not be elected to its governing bodies. The Portalegre Workers’ Cooperative (Cooperativa Operária Portalegrense) was founded in 1898 (its statutes being approved on 14 December) by 41 workers from the Robinson factory, of which only one - the republican clerk Manuel Maria Ceia - was not a cork worker. The immedi-


100 primeiros sócios da Cooperativa dá-nos uma percentagem de 76% de operários, maioritariamente corticeiros. Outras agremiações que merecem referência são o Centro Recreativo de Portalegre (1877), a Associação dos Bombeiros Voluntários de Portalegre (1899)6, com enorme projecção social, e a Associação Comercial e Industrial de Portalegre, fundada em 1899 depois de várias tentativas infrutíferas iniciadas em 1890, e que foi sempre um ponto de encontro de várias correntes políticas, onde conviviam monárquicos e republicanos como Boaventura Rodrigo de Matos, Frederico Porto, José Mendes Gil, António Augusto Niny e Tiago Morgado, sempre sob a tutela consensual de George Weelhouse Robinson7. As associações mais activas – Montepio Operário, Sociedade União Operária e Cooperativa Operária – eram influenciadas pelo Partido Progressista e por alguns republicanos.

ate issue for this foundation was the cyclical lack of bread

Administradores da fábrica com alguns operários corticeiros.

and the resulting famine, which was minimized by smug-

Factory administrators with some of the cork workers.

gling bread from Spain. The cooperative quickly expanded and diversified its activity, occupying a major position in the city’s commercial activity that culminated with the opening of a large building of its own to serve as its headquarters in 1905. An analysis of the occupations of the first 100 members of the Cooperative shows that 76% were manual workers, mostly cork workers. Other associations that merit a mention are the Portalegre Recreational Centre (Centro Recreativo de Portalegre - 1877), the Portalegre Association of Volunteer Firefighters (Associação dos Bombeiros Voluntários de Portalegre - 1899)6, which had an enormous social base, and the Portalegre Commercial and Industrial Association (Associação Comercial e Industrial de Portalegre), founded in 1899 after several unsuccessful attempts dating back to 1890, which remained a meeting point for various political currents, with monarchists and republicans such as Boaventura Rodrigo de Matos, Frederico Porto, José Mendes Gil, António Augusto Niny and Tiago Morgado, always under the consensual tutelage of George Wheelhouse Robinson7. The most active associations – the Montepio Workers (Montepio Operário), the Workers’ Union Society (Sociedade União Operária) and the Workers Cooperative (Cooperativa Operária) - were influenced by the Progressive Party and by some Republicans. The economic importance of these associations was not insignificant. Let us consider the situation in 1901. The Portalegre Workers’ Cooperative (Cooperativa Operária Portalegrense), founded in 1898, showed a movement of 12,390$000 réis for consumption and 14,480$000 réis for

George Wheelhouse Robinson (1857-1932).

purchases, with 312 members. The Montepio Portalegre

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O peso económico destas associações não era despiciendo. Vejamos a situação em 1901. A Cooperativa Operária Portalegrense, fundada em 1898, tinha um movimento de 12.390$000 réis de consumo e 14.480$000 réis de compras, com 312 associados. O Montepio Operário Artístico Portalegrense, fundado em 1888, tinha 399 sócios, com 6.604$700 réis de capital e 1.400$000 de rendimento. O Montepio Fraternidade, fundado em 1855, tinha 240 sócios, com 6.000$000 réis de capital e 1.100$000 de rendimento. O Montepio Euterpe, fundado em 1866 pela Sociedade Filarmónica Euterpe, tinha 127 sócios, com 2.900$000 réis de capital e 400$000 de rendimento. O Hospital da Misericórdia tinha um rendimento de 5.885$320 réis. O Asilo da Infância Desvalida, fundado em 1863, tinha um fundo nominal próprio de 14.000$000 réis e sustentava 30 crianças do sexo feminino. As Confrarias do Santíssimo Sacramento das Freguesias da Sé e de São Lourenço e as do Bonfim e do Senhor dos Aflitos tinham um capital nominal de 14.000$000 réis. Realizavam-se três feiras por ano: na última quarta-feira do mês de Janeiro, predominantemente vocacionada para a transacção de gado suíno e popularmente conhecida como «Feira dos Porcos»; 1 a 3 de Junho, conhecida como «Feira das Cerejas»; 13 a 15 de Setembro, a mais antiga, instituída por alvará régio de 3 de Agosto de 1753, conhecida como «Feira das Cebolas». Quanto ao mercado, havia dois semanais: às quartas-feiras, no Corro, Praça do Príncipe Real, depois Praça da República, tendo as obras começado em 1884 e terminado em 1894; desde 3 de Abril de 1853, aos Sábados, no Rossio. A actividade comercial era intensa. Para além do gado, que se vendia em grande quantidade entre Dezembro e Março, em especial suínos, exportava-se salsicharia, – famosa pela sua qualidade –, cortiça preparada e em rolha, massas, alpergatas, azeite, frutas, madeiras, fazendo aumentar muito o tráfego através do caminho-de-ferro. A ligação entre a cidade e

Artistic Workers (Montepio Operário Artístico Portalegrense), founded in 1888, had 399 members, with 6,604$700 réis capital and 1,400$000 réis of income. The Montepio Brotherhood (Montepio Fraternidade), founded in 1855, had 240 members, with 6,000$000 réis capital and 1,100$000 of income. Montepio Euterpe, founded in 1866 by the Euterpe Philharmonic Society (Sociedade Filarmónica Euterpe), had 127 members, with 2.900$000 réis capital and 400$000 réis of income. The Misericordia Hospital had an income of 5,885$320 réis. The Asylum for Disadvantaged Children (Asilo da Infância Desvalida), founded in 1863, had a nominal reserve fund of 14,000$000 réis and was raising 30 female children. The Confrarias do Santíssimo Sacramento das Freguesias da Sé e de São Lourenço e as do Bonfim e do Senhor dos Aflitos had a nominal reserve capital of 14,000$000 réis. Three fairs were held annually: the first, on the last Wednesday of January, predominantly focused on buying and selling swine and popularly known as the “Pig Fair”; the second, from 1-3 June, known as the “Cherries Fair”; the third, from 13-15 September, and the most ancient, established by royal decree on 3 August 1753, was known as the “Onions Fair”. A market was held twice weekly: on Wednesdays, in Corro, Praça do Principe Real, then later named Praça da República Square, which improvement works started in 1884 and finished in 1894; from 3 April 1853 on Saturdays in Rossio. Commercial activity was intense. In addition to livestock, which sold in large numbers between December and March - especially swine - sausages were exported - which were famous for their quality – as well as treated cork and cork stoppers, pasta, sandals, olive oil, fruits and wood, with the railway helping to considerably boost traffic. The connection between

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a estação era feita por 120 veículos e 200 animais de carga, burros, cavalos e mulas. Em 1899, Portalegre exportou para diversos pontos do país 1.000.000 toneladas de rolhas, 300 toneladas de cortiça em prancha, raspada e cozida, 300 toneladas de farinha e sêmeas, 70 toneladas de massas alimentícias e mais de 100 toneladas de enchidos.

the city and the station was made by 120 vehicles and 200 pack animals, donkeys, horses and mules. In 1899, Portalegre exported 1,000,000 tons of cork , 300 tons of cork board, which had been shaved and stitched, 300 tons of flour and bran, 70 tons of pasta food products and more than 100 tons of stuffed sausages to various parts of the country

O sindicalismo Durante o século XIX não há notícia da existência de associações de classe em Portalegre. Apenas registámos uma tentativa nesse sentido, embora frustrada, em 1893, por parte dos corticeiros, sob orientação do Partido Republicano. O Primeiro de Maio começou a ser comemorado a partir de 1893, com sessões alusivas, música, representações teatrais e outras iniciativas mais festivas que reivindicativas. A exemplo de outras regiões do país, também em Portalegre o associativismo sindical operário conheceu um surto significativo, acompanhado por uma conflitualidade cada vez maior. Vejamos de forma sumária a situação em cada uma das diferentes classes. A Associação dos Empregados de Comércio e Indústria, a mais antiga, foi fundada em 1908, com uma forte influência republicana e uma composição algo híbrida, reunindo empregados e patrões. Barbeiros – há notícia de reuniões da classe em 1903, mas sem a fundação de qualquer associação. Professores – em 1904 realizaram-se reuniões e a participação em congressos nacionais, mas apenas de carácter pedagógico. Os trabalhadores das tipografias fundaram a Associação dos Compositores e Impressores em 1909, mas esta teve uma vida efémera e acabou por ser dissolvida. Em 1915 surge a Liga das Artes Gráficas, ligada à respectiva Federação Nacional. 17

Trade Unionism During the nineteenth century there aren’t news articles concerning the existence of workers associations in Portalegre. Only one such attempt to establish such a body, albeit a frustrated one, was recorded in 1893, by the cork workers, under the guidance of the Republican Party. The First of May began to be celebrated from 1893 onwards with sessions alluding to events, music, plays and other more festive initiatives. As was the case with other regions in Portugal, Portalegre also witnessed a significant surge in trade union associations, accompanied by growing conflict. Let us briefly consider the situation for each of the different trades. The Association of Employees of Industry and Commerce (Associação dos Empregados de Comércio e Indústria), the oldest, was founded in 1908 with a strong Republican influence and a somewhat hybrid formation, bringing together employees and employers. Barbers - there were reports of meetings in 1903, but without any organisation being formed. Teachers - in 1904 there were meetings and participation in national conferences, but only of a pedagogic nature. Printing workers founded the Union of Composers and Printers (Associação dos Compositores e Impressores)


in 1909, but this was short-lived and was eventually dis-

Bandeira da Associação dos Corticeiros de Portalegre.

solved. In 1915 the League of Graphic Arts (Liga das Artes

Flag of the Portalegre Cork Workers Association.

Gráficas) appeared, connected to the respective National Federation. Cork workers - in addition to the aforementioned failed attempt of 1893, the press refers to activities in 1904 to set up a cork workers trade union, which reached the stage of having its statutes approved and having its own premises, but references to the organisation ceased in the following year. In December 1910, still with the echoes of the Republican Revolution to be heard, the Cork Workers Trade Union (Associação de Classe dos Corticeiros)

Corticeiros – para além da já referida tentativa gorada de 1893, a imprensa refere diligências, em 1904, para a fundação de uma associação corticeira, que chegou a ter estatutos aprovados e sede própria; mas a partir do ano seguinte cessam quaisquer alusões a tal respeito. Em Dezembro de 1910, ainda sob os ecos da revolução republicana, fundouse a Associação de Classe dos Corticeiros, a mais importante de quantas existiram na cidade8, que inaugurou uma escola nocturna em Julho de 1911 e se filiou na federação nacional respectiva. Sapateiros – a Associação de Classe dos Manufactores de Calçado teve os seus estatutos aprovados em Dezembro de 1911. Pedreiros – ainda no ano de 1911 foi fundada a Associação de Classe dos Alvanéus. Trabalhadores Rurais – a respectiva associação iniciou os seus trabalhos em 1912. Carpinteiros – a respectiva associação foi fundada em Fevereiro de 1913. Padeiros – a Associação dos Manipuladores de Pão é mais tardia, datando de 1916.

was established, the most important of those in the city8, which opened a night school in July 1911 and joined their respective national federation. Shoemakers – the Footwear Manufacturers Trade Union (Associação de Classe dos Manufactores de Calçado) had its statutes approved in December 1911. Masons – they also established the Masons trade union (Associação de Classe dos Alvanéus) in 1911. Rural Workers - their trade union began its work in 1912. Carpenters - their trade union was founded in February 1913. Bakers - the Union of Bread Handlers (Associação dos Manipuladores de Pão) came later, dating from 1916. In 1912, the year that the Portalegre Workers Cooperative (Cooperativa Operária Portalegrense) opened a school on its premises, the workers’ trade unions had the following union members: rural, 300; cork workers, 250, footwear manufacturers, 150; masons, 1209. That same year the first issue of the weekly O Semeador, of a libertarian orientation, was published and which was the pulpit of

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Em 1912, ano em que a Cooperativa Operária Portalegrense inaugurou uma escola nas suas instalações, as associações operárias de Portalegre tinham a seguinte população sindicada: rurais, 300; corticeiros, 250; manufactores de calçado, 150; alvanéus, 1209. Naquele mesmo ano saía o primeiro número do semanário O Semeador, de orientação libertária, onde pontificava Emílio Costa, que foi uma presença constante até 1914 em sessões e conferências promovidas pelas diversas associações de classe. O sindicalismo revolucionário progrediu em alguns sectores operários da cidade. Em 1914 fundava-se o Núcleo da Juventude Sindicalista. A expansão do associativismo rural na região também foi notável. Em 1913 existiam associações de trabalhadores rurais em Avis, Arronches, Castelo de Vide, Barbacena, Elvas, Terrugem, Santa Eulália, Vila Boim, S. Vicente, Vila Fernando, Porto da Espada, Santo Aleixo, Amieira, Nisa e Portalegre10. Mas nesta cidade nunca existiu qualquer jornal sindical, ao contrário de Elvas, onde se destaca pela sua qualidade e longevidade o «quinzenário defensor do caixeirato português», Solidariedade11, que ali se publicou entre 1918 e 1929, num total de 234 números.

Emílio Costa, a constant presence until 1914 in sessions and conferences organised by various trade unions. Revolutionary trade unionism made progress in some areas of the city. In 1914 the Centre for Trade Union Youth (Núcleo da Juventude Sindicalista) was set up. The expansion of rural unionism in the region was also notable. In 1913 there were rural workers unions in Avis, Arronches, Castelo de Vide, Barbacena, Elvas, Terrugem, Santa Eulália, Vila Boim, S. Vicente, Vila Fernando, Porto da Espada, Santo Aleixo, Amieira, Nisa and Portalegre10. But this city never had any union newspaper, unlike Elvas, which was noted for the quality and longevity of its “biweekly defender of the Portuguese shop assistant”, Solidariedade11, which was published between 1918 and 1929, to form a total of 234 issues.

Social struggles One element that allows us to assess the greater or lesser degree of development of workers’ trade unions going beyond the mutualistic stage, to move to a different stage of self-affirmation, was the outbreak of labour disputes and, more particularly, strikes, defined by Arthur Fontaine as “a concerted cessation of work by employees

Lutas sociais Um dos elementos que nos permite avaliar o maior ou menor grau de desenvolvimento do associativismo operário e da ultrapassagem da fase mutualista, passando para uma outra, mais reivindicativa, é a eclosão de conflitos laborais, mais exactamente de greves, definidas por Arthur Fontaine como «uma cessação concertada do trabalho por parte dos assalariados com vista a obter ou melhoria da sua situação material ou a reparação de um dano que eles consideram como dirigido contra a sua dignidade». A ocorrência de movimentos grevistas, a sua frequência, natureza e intensidade 19

in order to obtain or improve their material situation, or repair a damage which they consider has been directed against their dignity”. The occurrence of strike movements, their frequency, nature and intensity are indicators of the degree of willingness to fight, and may relate to other economic and social realities (mutual associative action and resistance, for example). I therefore studied labour disputes which occurred in Portalegre - the district - from the late nineteenth century until 1920 using for this, firstly, the local press. Then, as need arose, the national press.


são indicadores do grau de disposição para a luta, podendo relacionar-se com outras realidades económicas e sociais (o associativismo mutualista e de resistência, por exemplo). Estudamos, pois, os conflitos laborais ocorridos em Portalegre – concelho – desde os finais do século XIX até 1920 utilizando para tal, em primeiro lugar, a imprensa local. Depois, pontualmente, a imprensa nacional. Em 1890, segundo uma informação do Inquérito Industrial publicado no ano seguinte, a Fábrica Robinson ocupava cerca de 1100 operários, o que a convertia no maior centro empregador do concelho. É natural que fossem os corticeiros os protagonistas maiores do associativismo portalegrense, desde o Montepio Operário à Sociedade União Operária, Cooperativa Operária e mesmo a já referida tentativa frustrada de fundação de uma associação de classe. Por isso, a maioria das greves ocorreram na fábrica de cortiça Robinson. Mas também se registaram conflitos laborais noutras unidades fabris, de maior ou menos dimensão, como se pode ver na relação em anexo. Sobre cada uma delas incluímos as notícias surgidas na imprensa. No entanto, um caso deve ser sublinhado pela sua gravidade e envolvimento de diversas classes.

In 1890, according to information from the Industrial

Inside the Robinson Factory.

Survey published the following year, the Robinson factory employed about 1100 workers, which made it the largest employer in the district. It is natural that the cork workers had the largest workers’ associations in Portalegre from the Montepio Workers (Montepio Operário) to the Workers’ Union Society (Sociedade União Operária) and even the aforementioned unsuccessful attempt to found a trade union. Therefore, most of the strikes occurred in the Robinson cork factory. But there were also disputes in other manufacturing plants, on a greater or less scale, as shown in the list in the appendix. The news items on these which were published in the press have been included. However, one case must be underlined due to its seriousness and the involvement of various trades.

The agitation of 1912 Although the occurrence of strikes in the city was very spaced out in time, a new phenomenon, which had accompanied the change of regime in 1910, was stirring in the fields, felt throughout the whole of the Alentejo and the Ribatejo, with strikes of farm workers, the

A agitação de 1912 Se bem que a ocorrência de greves na cidade foi muito espaçada no tempo, um fenómeno novo, que acompanhou a mudança de regime em 1910, foi a agitação nos campos, sentida em todo o Alentejo e parte do Ribatejo, com greves de trabalhadores rurais, celebração de contratos de trabalho e a formação de associações de classe, que também se fez sentir na região, mais concretamente em Castelo de Vide, Cabeço de Vide, Elvas, Arronches, Campo Maior, Crato e Barbacena. A greve dos rurais de Évora, em Janeiro de 1912, a que se seguiu uma greve geral na cidade e uma forte intervenção

Interior da Fábrica Robinson.

creation of labour contracts and the formation of trade unions, which was also felt in the region, and specifically in Castelo de Vide, Cabeço de Vide, Elvas, Arronches, Campo Maior, Crato and Barbacena. The strike of the rural workers of Évora, in January 1912, followed by a general strike in the city and the strong intervention on the part of the authorities, generated a solidarity movement of local trade unions in Portalegre, which staged a demonstration near the Civil Government building, during which eight workers were arrested, tried on 16 May and released12.

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Interior da Fábrica Robinson, destacando-se o edifício de escolha das rolhas. Inside the Robinson Factory, featuring the building where the stoppers were selected.

das autoridades, gerou em Portalegre um movimento de solidariedade das associações de classe locais, que promoveram uma manifestação junto ao edifício do Governo Civil, durante a qual foram detidos oito trabalhadores, julgados a 16 de Maio e libertados12. Igualmente graves foram os incidentes registados em Barbacena, em torno de uma disputa ancestral a propósito de terrenos que o povo considerava seus e que estavam na posse da família Andrade13, durante os quais foi gravemente ferido o Dr. Rui de Andrade, e que levaram à demissão do governador civil, Dr. José de Andrade Sequeira. Não fugindo à regra, os jornais republicanos foram unânimes no ataque aos grevistas eborenses, muito em especial o portalegrense Intransigente – não confundir com o seu homónimo de Lisboa, de Machado Santos – dirigido pelo deputado republicano Baltazar Teixeira, que se referia aos acontecimentos nestes termos: «mas saibam-no todos, o que é certo, o que nós sabemos de fonte seguríssima é que a grande maioria do operariado não aderiu voluntariamente à greve, nem simpatiza com o movimento, e só largou o trabalho constrangido pelas ameaças — algumas das quais, segundo parece se tornaram já um facto — dos seus iniciadores»14. Visão diametralmente oposta tinha o semanário O Semeador, dirigido por Fernando Costa, irmão de Emilio Costa, que no seu primeiro número, num artigo intitulado «Os monárquicos e os republicanos», afirmava a certo ponto: «desde a Implantação da República, que muitos republicanos vêem nas greves e clamações operárias, manejos de monárquicos. Nós somos dos que acreditamos nos bons desejos dos amantes do passado em perturbarem o mais possível a vida do novo regime, servindo-se para isso dos trabalhadores. E não nos repugna acreditar que nalguns movimentos, bem poucos e na província sobretudo, a sua intervenção tenha sido efec23

Equally serious were the incidents recorded in Barbacena, about an ancient dispute in regard to lands which the people considered theirs which were in the tenure in the Andrade family13, during which Dr. Rui de Andrade was seriously wounded, which led to the resignation of the Civil Governor, Dr. José de Andrade Sequeira. Not being an exception to the rule, the Republican newspapers were unanimous in attacking the striking Évora workers, most notably the Portalegre Intransigente – not to be confused with its namesake in Lisbon, owned by Machado Santos - led by the Republican Member of Parliament Baltazar Teixeira, who referred to the events in these terms: “but everyone knows what is right, what we know from a sure source is that the vast majority of the workers did not voluntarily join the strike, nor sympathise with the movement, and only left their work due to threats some of which , according to what seems to have become a fact – coming from its initiators”14. This view was diametrically opposed to that of the weekly O Semeador, run by Fernando Costa, brother of Emílio Costa, who in his first issue, in an article entitled “The monarchists and republicans”, at one point stated that: “Since the establishment of the Republic, many republicans see the workings of the monarchists in the strikes and clamouring of the workers. We are those who believe in the good wishes of the lovers of the past to disrupt the life of the new regime as much as possible, if this serves the workers. And it does not disgust us to believe that for some movements, very few and mainly in the province, such intervention has been effective. But we also believe, and here we differ from those Republicans - that the vast majority of movements have been free from intervention from reactionaries, despite their wishes. This comes from ourselves who, we feel,


tiva. Mas acreditamos também, e aqui divergimos daqueles republicanos — que a grande maioria dos movimentos tem estado livre duma intervenção dos reaccionários, apesar dos bons desejos destes. Isto provém de nós, conhecermos, parece-nos, melhor o movimento operário, que muitos republicanos que dele falam... desde a proclamação da República (...)15». No mesmo número, sob o título de «Vida Operária», comentavam-se os acontecimentos de Évora: «Todavia, o governo vê-se atrapalhado em inventar as provas que dizia possuir, e não encontra meios de sofismar sequer as suas acusações. Alguns deputados, em pleno parlamento, lançaram sobre os trabalhadores de Évora aquela calúnia, os quais, para protestar contra os aleives que lhes assacaram, deviam ter realizado no domingo passado um comício, tendo convidado para assistir, os deputados acusadores, afim de pessoalmente ouvirem as afirmações terminantes daqueles companheiros, mostrando a sua acção directa e livre na última greve16». Os trabalhadores de Portalegre não ficaram indiferentes aos acontecimentos de Évora. Convocada pelas Associações de Classe dos Corticeiros, Manufactores de Calçado e Alvanéus, realizou-se na Cooperativa Operária Portalegrense, no dia 20 de Janeiro de 1912, uma reunião de apoio aos trabalhadores em greve; nela usaram da palavra vários operários que se referiram aos últimos acontecimentos. Finda a reunião, «um número extraordinário de pessoas» no dizer de um jornal da época17 dirigiu-se para o Governo Civil da cidade, onde manifestaram ao governador o seu completo apoio aos grevistas de Évora, solicitando que esta posição fosse comunicada ao governo. Também foi enviado um telegrama. Um incidente veio, no entanto, perturbar a manifestação pacífica, com a prisão de oito trabalhadores acusados de insultos contra o governador civil e de incitamento à violên-

know the workers’ movement better, which many Republicans have spoken about ... since the proclamation of the Republic (...)15”. In the same issue, under the title of “The Worker’s Life”, there were comments on the events which took place at Évora: “However, the government finds itself hampered in inventing the evidence which they have claimed to possess, and not even find ways to avoid their charges. Some deputies, in parliament itself, have spoken such calumny against the workers from Évora, who, in protest against the treacheries imputed to them, should have held a rally last Sunday, and invited those accusing deputies to attend, in order to personally hear the statements of those companions, who have shown their direct and free action in the last strike16”. Workers in Portalegre were not indifferent to the events in Évora. Invited by Trade Unions of Cork Workers, Footwear Manufacturers and Masons, a support meeting for the striking workers was held in the Portalegre Workers Cooperative on 20 January 1912, a meeting to support workers on strike. Several workers spoke during the meeting and mentioned the latest events. After this meeting, “an extraordinary number of people” as reported by a newspaper at that time17 went to the Civil Governor of the city, where they expressed to the Governor their full support for the strikers in Évora, requesting that this position be communicated to the government. It also sent a telegram. An incident, however, disturbed the peaceful demonstration, with the arrest of eight workers accused of abuse against the civil governor and incitement to violence. They were: Gervásio Augusto Madeira, António Teixeira, Manuel Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim Maria Carrapiço, António Soares, Francisco Cabecinha and Domingos Batista. They would continue to be detained for 51 days

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cia. Foram eles: Gervásio Augusto Madeira, António Teixeira, Manuel Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim Maria Carrapiço, António Soares, Francisco Cabecinha e Domingos Batista. Iriam permanecer 51 dias detidos até ao julgamento que só se efectuou a 16 de Maio de 1912. Em reunião expressamente convocada para o efeito, a Associação da Classe dos Corticeiros resolveu: «Socorrer pecuniariamente os corticeiros que estão presos, na cadeia desta cidade, a ordem de um ex-governador civil, liberal e tolerante, por este se achar ofendido com algumas palavras proferidas na manifestação operária de protesto contra as prepotências do governador civil de Évora, pela ocasião da última greve; promover uma sessão comemorativa do 1.º de Maio18». O Semeador ironizava: «Desconhece-se por enquanto, o fim que tencionam dar aos presos políticos de Portalegre. Como o espírito liberal que os processou se virou agora para os afonsistas fácil é profetizar-lhes o futuro»19. O semanário O Sindicalista publicava uma correspondência de Portalegre:

until their trial, which only took place on 16 May 1912. At a meeting convened expressly for that purpose, the Cork Workers Trade Union passed the following resolution: “Provide financial help to the cork workers imprisoned in the city jail, on the order of a liberal and tolerant ex-civil governor, as he took offence at some of the words spoken during the workers’ protest demonstration against the oppression of the civil governor of Évora, on the occasion of the last strike; to promote a commemorative session of the 1st of May18”. O Semeador mockingly stated: “The end they intended to give the political prisoners of Portalegre is at present unknown. As is the liberal spirit that is charging then and which has now turned to the Afonsists, so easy it is to predict their future19”. The weekly The Trade Unionist (O Sindicalista) published an account from a Portalegre correspondent:

“The movement of last January showed how much the Portuguese working class is capable of when confronted with the danger that threatens working brothers,

«O movimento de Janeiro último mostrou de quanto é capaz a classe operária portuguesa ante o perigo que ameace irmãos de trabalho, pois que em face dos acontecimentos de Évora, toda ela, reconhecendo quanta justiça e razão assistia aos nossos camaradas em luta com o monstro maldito do capitalismo e massacrados barbaramente pelas patas dos cavalos e pelas balas das carabinas, se levantou num enérgico e belo protesto, proclamando a greve geral, e prontos a ir onde fosse necessário. Os governantes de hoje, esquecendo as palavras de ontem, serviram-se de processos indignos para inutilizarem alguns dos nossos companheiros que mais luz têm derramado sobre o povo operário, prendendo a esmo, visto 25

since in view of the events at Évora, it recognises the justice and correctness of our comrades in their struggle with monstrous damned capitalism and brutally massacred by the hooves of the horses and the bullets of the rifles, yet stood firm to make a fine energetic protest, proclaiming a general strike, and ready to do what was necessary. The rulers of today, forgetting the words of yesterday, used undignified means to immobilise some of our comrades who have shed more light on the working people, arresting them at random, since what was needed was to arrest workers who were speaking the truth, as they were not comfortable with this. And how Portalegre could not forego the chance to contribute to that famous line of criminals, to the tune of


que o que era preciso era prender operários que dizem as verdades, que a eles não convém. E como Portalegre não podia passar sem dar um contingente para essa célebre fita de criminosos, contribui com o bonito número de oito camaradas de diversas classes a saber: três corticeiros, quatro sapateiros e um barbeiro, que há vinte dias se conservam presos, sem se saber qual será o destino que tencionam dar-lhes. É necessário que os operários portugueses saibam que não é só em Lisboa e em Évora que estão operários presos, porque Portalegre, apesar de ser uma terra onde quase todos os homens são liberais e conscientes, também os tem que são vitimas do mesmo movimento, e irmãos de trabalho, sendo conveniente que essa generosa subscrição aberta para minorar um pouco a sorte dos companheiros presos e das suas famílias, chegue até à cadeia desta terra, aonde há criminosos terríveis, a quem se arbitrou a fiança de 200$000 réis, enquanto a quem fabrica bombas e faz ir casas pelo ar se lhes estabelece a fiança de 500$000 réis! A toda a classe operária, e ao Sindicalista aqui deixo o meu apelo para que a todos se socorra igualmente, mostrando assim que entre nós não existe distinção e que somos igualitários»20.

eight comrades, from the following professions: three cork

Vista geral da Fábrica Robinson a partir dos Covões.

workers, four shoemakers and a barber, who have been kept

General view of the Robinson Factory from Covões.

in prison for twenty days, without knowing the fate intended for them. It is necessary that Portuguese workers know that it is not only in Lisbon and Évora where workers have been arrested, because in Portalegre, despite it being a land where men are almost all liberal and aware, also has its victims of the same movement, and working brothers, it is appropriate that this generous subscription is opened to relieve some of the lot of our arrested colleagues and their families, who have been sent to the prison in that area, where there are terrible criminals, with a bail set at 200$000 réis, while those who manufactures bombs and blow houses into the area have had their bail set at 500$000 réis! To the whole working class, and to the Sindicalista here I leave my call for everyone to help equally and to show that there is no distinction between us and that we are egalitarian”20.

Finally, O Semeador provided some more information:

“They say it is on the 17th of the current month that there will be the trial of the political prisoners in this city.

Por fim, O Semeador dava mais algumas informações:

Through information received from a friend, it seems there is some rigmarole in this process, which confirms

«Dizem que é no dia 17 do corrente o julgamento dos presos políticos desta cidade. Por informações de um amigo, parece-nos existir, qualquer tramóia neste processo, o que vem confirmar a nossa desconfiança sobre a parte carregada que os presos sofrerão, para dar largas a uma vingança política e em especial reaccionária para satisfação de muitos talassas que por aí abundam a pregar mais francamente e com mais segurança no êxito, do que no tempo da monarquia, o exter-

our suspicion of the loaded way in which the prisoners are suffering, giving vent to a political and reactionary vengeance to the satisfaction of many reactionaries that abound there and who can preach more freely and more safely in success, than in the time of the monarchy, of the extermination of those who dare to mess with certain idols... This is said since, contrary to what we had said, it was not the former civil governor of this district who had these impris-

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mínio de quem se atrever a bulir com certos ídolos... Vem isto a propósito de que, ao contrário do que tínhamos dito, não foi o ex-governador civil deste distrito quem mandou executar essas prisões a seu talante e nem fez selecção de culpados, tendo somente participado a ocorrência para provocar a respectiva devassa. Portanto são outros elementos, os responsáveis pela parcialidade e injustiça que se notam no fruto das investigações. Senão, digam como se deve encarar o facto de não ser pronunciado um cocheiro de gente rica, alcunhada esta de talassa, o qual tão saliente se mostrou na manifestação, que foi logo tomado como suspeito de estar ali assalariado para provocar tumultos e comprometer manifestantes? Era caso escuro, esta distinção, mas como positivamente já sabemos que ela não obedeceu, assim como outras variantes de investigação, à interferência directa do ex-governador civil, mas sim aos investigadores que só reservaram a tolerância para quem soube andar, não duvidamos em aplicar o adágio «pelo dedo se conhece o gigante» para tirarmos os devidos corolários do idealismo de certos espíritos...»21. A 17 de Maio realizava-se, finalmente, o julgamento dos detidos.

onments carried out at his pleasure and did not even select the guilty parties, as his role was just that of reporting the event which caused the respective inquiry. Thus it is other elements, those encharged with partiality and injustice that should be made note during the investigations. Otherwise, say how you cannot be labelled a coachman of the rich, and dubbed a reactionary, and say what was so noteworthy in the demonstration that led to them immediately being seized and suspected of being employed there to provoke rioting and endanger the demonstrators? It is a dark affair, this distinction, but as we know positively that it was not done, as well as other means of investigation, by the direct interference of the former civil governor, but rather the investigators who only reserved their tolerance for those who knew their path, we have no hesitation in applying the adage “by the finger ye shall know the giant” to reach the necessary conclusions regarding the idealism of certain spirits...”21.

The trial of the detainees was finally held on 17 May.

The Trial The eight workers were accused of offences against the actual Civil Governor, Dr. José de Andrade Sequeira,

O Julgamento Os oito trabalhadores eram acusados de ofensas ao então Governador Civil, Dr. José de Andrade Sequeira, crime esse punido pelo artigo 181° do Código Penal. O Dr. António de Sampaio pediu escusa de ser nomeado defensor oficial dos réus, pelo que foi substituído pelo Dr. Almeida e Sousa. Depois de uma reunião prévia com os réus, o Dr. Almeida e Sousa apresentou no tribunal um requerimento que foi exarado em acta22 (ver antologia, texto n.º 33).

a crime punishable by Article 181 of the Criminal Code. Dr. António de Sampaio was asked to be excused from being named the official defender of the accused, and was replaced by Dr. Almeida e Sousa. After a preliminary meeting with the accused, Dr. Almeida e Sousa presented a petition to the court as recorded in the minutes (see anthology, text no. 33) 22. After hearing the Public Prosecutor, the judge agreed and granted the petition. It was necessary, however, for

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Ouvido o Agente do Ministério Público, o Juiz anuiu e deferiu o requerimento. Era necessário, porém, que os arguidos pagassem a fiança, caso contrário teriam de recolher à cadeia. O Dr. Almeida e Sousa ofereceu-se para ficar por fiador, tendo os trabalhadores saído em liberdade. O julgamento suscitou diversas reacções. O correspondente de O Sindicalista, que assinava com as iniciais VT, comentava:

the defendants to make bail, otherwise they would have to have gone back to prison. Dr. Almeida e Sousa offered to stand surety, and workers were freed. The trial elicited various reactions. The correspondent of O Sindicalista, signing his articles with the initials VT, commented:

“The day of May 16 was anxiously waited for, when

«Esperava-se ansiosamente aqui pelo dia 16 de Maio em que deviam ser julgados oito camaradas nossos acusados de crimes para eles desconhecidos, de delitos que não cometeram, a acusação feita; tendo como testemunhas policiais, chauffeurs, médicos, administradores e livres-pensadores era, de que os arguidos tinham insultado a autoridade; pois nós, não negando que a mesma fosse insultada, afirmamos que não foram os presos, como o confirmaram alguns. Estes nossos camaradas limitaram-se a protestar energicamente contra as prepotências de que tinham sido vítimas os nossos camaradas de Évora. Mas como é necessário ferir os mais decididos, forjam-se facilmente as acusações e os crimes. Depois de 51 dias de reclusão em verdadeiras jaulas como se fossem feras perigosas, foram conduzidos ao tribunal. Os nossos camaradas acompanhados de oficiais de diligências, atravessaram serenamente a cidade, sorrindo, entre uma compacta multidão onde vimos muitos olhos marejados de lágrimas. Aberta a audiência, o advogado dr. Almeida e Souza fez uma magnífica defesa, terminando ele próprio por afiançar os presos em 200$000 réis cada um, até à execução do decreto de amnistia, o que produziu em todos uma bela impressão. Tendo recuperado finalmente a liberdade, nós os saudamos assim como a todos os camaradas encarcerados pelos mesmos crimes!»23. 29

eight of our comrades were to be judged on crimes unknown to them and of which they had been accused, of offences they had not committed, but the charges for which had been brought; using as witnesses the police, chauffeurs, doctors, administrators and freethinkers it was charged that the defendants had abused the authorities; on our part, while not denying that they had been insulted, we affirmed that it had not been the prisoners that had done this, as some of these had confirmed, but that our comrades had limited themselves to strongly protesting against the oppression that our comrades from Évora had been victims of. But as it is necessary to hurt the most resolute, crimes and accusations were easily forged. After 51 days of confinement in actual cages, like dangerous beasts, they were taken to court. Our comrades, accompanied by bailiffs, serenely crossed the city, smiling out on a compact crowd where we saw tears in many eyes. Open the hearing, the lawyer Dr. Almeida e Souza made a magnificent defence, finishing off by ensuring bail for the prisoners at 200$000 réis for each of them, followed by the execution of the decree of amnesty, which produced a fine impression in all. Having finally regained your freedom, we salute you and all our comrades jailed for the same crimes!”23.


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Trabalhadores de uma fábrica de azulejos de Portalegre (c. 1920). Workers from a Portalegre Tile Factory (c. 1920).

Relação cronológica dos conflitos sociais em Portalegre entre 1893 e 1920

Chronological list of social conflicts in Portalegre

1893 | 17 a 19 de Junho Envolvendo operários da Fábrica da Companhia de Lanifícios de Portalegre. A suspensão de trabalho tinha como objectivo o aumento salarial, o que foi conseguido.

1893 | 17 to 19 June

1899 | 18 de Abril Operários da fábrica de cortiça Robinson. Pela libertação de um operário preso durante a acção que visava impedir a saída para Espanha de matéria-prima, quando a fábrica apenas laborava, por falta da mesma, três dias por semana. O movimento não foi dirigido contra a entidade patronal, que até teve um papel conciliador. O operário foi libertado.

1899 | 18 April

1901 | 9 a 14 de Julho (?) Operários da Fábrica de Lanifícios de George Wheelhouse Robinson. Paralisação reivindicando aumento salarial ou trabalho garantido naquele empresa ou na fábrica de cortiça. A entidade patronal recusou. Desconhece-se como terminou o conflito.

1901 | 9 to 14 July (?)

between 1893 and 1920

Involving workers from the Portalegre Wool Factory (Fábrica da Companhia de Lanifícios de Portalegre) Work was suspended with the aim of increasing wages, which was achieved.

Workers from the Robinson cork factory. To release a worker arrested during the action that sought to prevent raw material being sent to Spain, when the factory was only operational for three days a week due to a lack of this. The movement was not directed against the employer, who even played a conciliatory role. The worker was released.

Workers from the George Wheelhouse Robinson Wool Factory (Fábrica de Lanifícios de George Wheelhouse Robinson). Stoppage demanding a salary increase or a guaranteed job at the company or at the cork factory. The employer refused. It is unknown how the conflict ended.

1904 | 17 de Dezembro. Seguida de lock-out até 20 do mesmo mês. Operários da Fábrica de cortiça Robinson. Contra o despedimento de um operário e pela transferência de um empregado, que foi espancado pelos grevistas. A entidade patronal despediu 11 trabalhadores, acusados de «cabeças de motim», que foram posteriormente readmitidos. 31

1904 | 17 December. Followed by the lock-out until the 20th of the same month. Workers from the Robinson cork factory. Against the dismissal of a worker and the transfer of an employee who was beaten by the strikers. The employer fired 11 workers on charges of being “ringleaders”, who were later readmitted.


1911 | 9 de Janeiro Chamuscadores da Chacina de Joana Serra. Paralisação envolvendo 12 trabalhadores, em solidariedade com um companheiro doente, que a entidade patronal despedira. Intervenção da polícia que dispersou os grevistas. As autoridades comprometeram-se a assegurar a subsistência do trabalhador em causa.

1911 | 9 January Workers at the Joana Serra Slaughterhouse. Stoppage involving 12 workers, in solidarity with a fellow worker, who had been fired by the employer. Police intervention to disperse the strikers. The authorities undertook to ensure subsistence for the worker.

1911 | 25 July, followed by the lock-out

1911 | 25 de Julho, seguida de lock-out até 27 do mesmo mês. Operários da fábrica de cortiça Robinson. Contra o despedimento de duas operárias, uma das quais dirigente sindical. Formaram-se piquetes de greve e uma comissão negociou com a entidade patronal. Foram presos e depois expulsos da cidade dois operários corticeiros de Estremoz que vendiam rolhas, acusados de incitamento à violência.

until the 27th of the same month. Workers from the Robinson cork factory. Against the dismissal of two workers, one of whom was a trade union leader. Picket lines were formed and a commission negotiated with the employer. Two cork workers from Estremoz, who were selling cork stoppers, were arrested and then expelled from the city, accused of inciting violence.

1912 | 29 January

1912 | 29 de Janeiro Diversas classes. Em solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora.

Various sectors. In solidarity with the rural workers of Évora.

1914 | 30 March

1914 | 30 de Março Operários da fábrica de cortiça de Abílio Baptista Pela manutenção dos salários.

Workers from the Abílio Baptista cork factory To keep their salaries.

1920 | September

1920 | Setembro Operários da fábrica de lanifícios de Oliveira Meca (antiga Fábrica Pequena). Por aumento salarial.

Factory workers from the Oliveira Meca Wool Factory (Fábrica de laníficios de Oliveira Meca), formerly the Fábrica Pequena). Over a pay increase.

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NOTAS

NOTES

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8

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14 15 16 17

18 19 20 21 22 23

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Diário das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, sessão de 27 de Janeiro de 1892, p. 13. Representação dirigida à câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa pelos Representantes de todas as Fábricas de Portalegre. Portalegre: Tip. Portalegrense, 1880. GOODOLPHIM, Costa – A Associação. História e Desenvolvimento das Associações portuguesas. Lisboa: Tipografia Universal, 1876, p. 72. Sobre este tema veja-se o trabalho de PISTOLA, Renato – “A Banda e a Cidade. A História da Sociedade Musical Euterpe da sua Fundação à actualidade”. Publicações da Fundação Robinson, n.º 17 (Novos Habitantes. Sociedade Musical Euterpe). Portalegre: Fundação Robinson, no prelo. CONDE, José Martins dos Santos – O Teatro em Portalegre. Portalegre: ed. do autor, 1989. VENTURA, António – Bombeiros Voluntários de Portalegre - 100 Anos de História. Portalegre: Associação de Bombeiros Voluntários de Portalegre, 1998. VENTURA, António – “A Fundação da Associação Comercial e Industrial de Portalegre”. A Cidade, Revista Cultural de Portalegre. Portalegre: Atelier de Artes Plásticas, Junho de 1982, I Série, n.º 5, pp. 36 e 37. VENTURA, António – Os Corticeiros de Portalegre. Actas Sindicais (1910 - 1920). Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 1987. VENTURA, António – O Sindicalismo no Alentejo. A tournée de propaganda de 1912. Lisboa: Seara Nova, 1977. pp. 85 e 86. VENTURA, António – Subsídios para a História do Movimento Sindical Rural no Alto Alentejo (1910 – 1914). Lisboa: Seara Nova, 1976, p. 159. CARVALHO, António José Torres de – Notas para a História do Jornalismo em Elvas. Elvas: Tipografia Progresso, 1932, p. 5., folheto n.º 9. VENTURA, António – Subsídios para a História do Sindicalismo rural no Alto Alentejo (1910 - 1914). Lisboa: Seara Nova, 1976, pp. 17 a 38. BARROSO, Joaquim Dias – Os Motins de Barbacena. Elvas: Tipografia Progresso, 189. Intransigente, n.º 316 de 21 de Janeiro de 1912. O Semeador, n.º1, de 16 de Março de 1912. Idem. Ver antologia, texto n.º 31: O Distrito de Portalegre, n.º 1939, de 31 de Janeiro de 1912. O Semeador, n.º 2, de 24 de Março de 1912. O Semeador, n.º 7, de 27 de Abril de 1912. O Sindicalista, n.º 73, de 21 de Abril de 1912. O Semeador, n.º 8, de 4 de Maio de 1912. O Distrito de Portalegre, n.º 1970, de 19 de Maio de 1912. O Sindicalista, n.º 78, de 26 de Maio de 1912.

Diário das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados, session on 27 January 1892, p. 13.

2

Representação dirigida à câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa pelos Representantes de todas as Fábricas de Portalegre. Portalegre: Tip. Portalegrense, 1880.

3

GOODOLPHIM, Costa – A Associação. História e Desenvolvimento das Associações portuguesas. Lisbon: Tipografia Universal, 1876, p. 72.

4

On this matter see the work of PISTOLA, Renato – “A Banda e a Cidade. A História da Sociedade Musical Euterpe da sua Fundação à actualidade”. Publicações da Fundação Robinson, No. 17 (Novos Habitantes. Sociedade Musical Euterpe). Portalegre: Fundação Robinson, in press.

5

CONDE, José Martins dos Santos – O Teatro em Portalegre. Portalegre: ed. by the author, 1989.

6

VENTURA, António – Bombeiros Voluntários de Portalegre - 100 Anos de História. Portalegre: Associação de Bombeiros Voluntários de Portalegre, 1998.

7

VENTURA, António – “A Fundação da Associação Comercial e Industrial de Portalegre”. A Cidade, Revista Cultural de Portalegre. Portalegre: Atelier de Artes Plásticas, June 1982, I Série, nº 5, pp. 36 and 37.

8

VENTURA, António – Os Corticeiros de Portalegre. Actas Sindicais (1910 1920). Lisbon: Instituto de Ciências Sociais, 1987.

9

VENTURA, António – O Sindicalismo no Alentejo. A tournée de propaganda de 1912. Lisbon: Seara Nova, 1977. pp. 85 and 86.

10

VENTURA, António – Subsídios para a História do Movimento Sindical Rural

11

CARVALHO, António José Torres de – Notas para a História do Jornalismo

12

VENTURA, António – Subsídios para a História do Sindicalismo rural no Alto

no Alto Alentejo (1910 – 1914). Lisbon: Seara Nova, 1976, p. 159. em Elvas. Elvas: Tipografia Progresso, 1932, p. 5., folheto nº 9. Alentejo (1910 - 1914). Lisbon: Seara Nova, 1976, pp. 17 - 38. 13

BARROSO, Joaquim Dias – Os Motins de Barbacena. Elvas: Tipografia Progresso, 189.

14

Intransigente, n.º 316 of 21 January 1912.

15

O Semeador, No. 1, of 16 March 1912.

16

Idem.

17

See anthology, texto No. 31: O Distrito de Portalegre, No. 1939, 31 January

18

O Semeador, No. 2, 24 March 1912.

1912. 19

O Semeador, No. 7, 27 April 1912.

20

O Sindicalista, No. 73, 21 April 1912.

21

O Semeador, No. 8, 4 May 1912.

22

O Distrito de Portalegre, No. 1970, 19 May 1912.

23

O Sindicalista, No. 78, 26 May 1912.


Antologia: os conflitos sociais de Portalegre na imprensa (1893-1920) Anthology: social conflicts of Portalegre in the press (1893-1920)

Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 34-59, ISSN 1646-7116

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N.º 1 Greve na Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre (1893)

N.º 3 Pedido de aumento salarial dos operários da Companhia de Lanifícios de Portalegre (1893)

Greve pacifica Foi attendida a gréve pacifica dos operarios da Companhia de Lanifícios de Portalegre. Já esta semana receberam o augmento requerido. É digna de todo o elogio a digna direcção pela forma honrosa com que resolveram a justa pretenção dos operarios.

Alguns operarios da fabrica da Companhia de Lanificios de Portalegre, vulgo Fabrica Pequena pediram augmento de salario. Não ha esperança que os operarios sejam ouvidos. A questão está pendente de resolução da direcção. Comércio do Alentejo, n.º 67, 25 de Junho de 1893

Comércio do Alentejo, n.º 68, 7 de Julho de 1893

N.º 2 Greve na Companhia da Fábrica Nacional de Lanifícios de Portalegre (1893) Grève pacifica Na fabrica Pequena de lanifícios houve, ao que nos dizem, uma tentativa de grève entre os operarios, parecendo obedecerem a um plano, a que fossem incitados. Foram todos, ou quasi todos pedir augmento de salario ao sr. commendador Duro, o qual, nos termos os mais prudentes, lhes prometteu apresentar a sua reclamação ao sr. director de mez, mas fazendo-lhes vêr as poucas probabilidades do seu bom exito n’este momento em que a companhia, a braços com a demorada crise que tem assoberbado todas as classes, todas as industrias, deminuiu os ordenados a todos os empregados superiores. É do nosso dever aconselhar os operarios a que saibam moderar as suas aspirações, embora justas em absoluto, e aguardar a sua realisação para occasião mais opportuna e conveniente. O Distrito de Portalegre, n.º 483, 21 de Junho de 1893

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N.º 4 Greve na Fábrica Robinson (1898) A questão da cortiça Antes de quaesquer consideração, que o caso suggere o que pela expansão de certas doutrinas ahi em fermentação preocupam todos os espiritos sensatos, exporemos os factos taes quaes nos foram transmittidos por pessoas de toda a imparcialidade e confiança. Um proprietario, natural d’esta cidade, mas rezidente em Evora, commetteu a venda da sua cortiça ao sr. W. Robinson, e, não tendo chegado a accordo sobre o preço, vendeu-a a um industrial hespanhol. Este pretendia transportal-a para a sua fabrica em Albuquerque, e os operarios, ao terem d’isso conhecimento, reuniram-se em numero approximado de cem, nas immediações d’esta cidade, com o fim de obstar á sahida da cortiça. O digno commissario de policia dirigiu-se logo com alguns guardas ao local, onde os operarios se achavam reunidos, tentou persuadil-os da illegalidade do seu procedimento, e, exgotados todos os meios suasorios, deteve um operario, que se lhe dirigira por forma inconveniente, e conduziu-o á esquadra. No dia seguinte, pela manhã, á hora da abertura da fabrica, todos os operarios reunidos ás portas do estabelecimento accordaram em não entrar para as officinas, sem que o seu companheiro de trabalho, preso no dia anterior, fosse solto; e, como


este movimento ameaçasse degenerar em protesto hostil ao acto da auctoridade, o sr. commissario pediu a intervenção da força armada para dispersar a multidão d’operarios. N’isto interveio o sr. W. Robinson, que, vendo baldados os seus esforços para que os operarios entrassem para as officinas, chegou a ameaçal-os, segundo nos informaram, mas não podendo nós garantir esta informação, de que fecharia a fabrica, se não lhe obedecessem. Então dirigiu se o sr. Robinson ao sr. Commissario, que, a instancias d’aquelle, declarou que só poria em liberdade o operario detido, se este fizesse certas declarações perante todo o operariado e se o sr. Robinson se responsabilisasse pela ordem. Por esta forma terminou toda a questão. Pela nossa posição, na imprensa, não podemos nem devemos deixar de fazer algumas considerações ácerca d’este acontecimento, embora ellas desagradem á classe operaria, porque preferimos incorrer no seu desagrado a occultar-lhe a verdade, falseando a nossa missão jornalística. As leis do paiz permittem que qualquer proprietario ou industrial venda para fóra do paiz a sua cortiça em bruto. Fazem-no os srs. W. Robinson, Bucknall, Esperança, fal-o quem quer. Portanto o proprietário, que vendeu a cortiça em questão a um hespanhol, praticou um acto permittido pelas leis do paiz; e o operarios, que a isso se queriam oppor, praticavam um acto não só contrario á lei, mas contrario á liberdade. Liberaes antes de tudo, contrarios a todos os privilegios, havemos de estar sempre ao lado do homem ou da classe que seja victima do despotismo, quer essa classe seja a dos proletarios, porque ante a liberdade todas as classes são eguaes, nenhuma tem mais direitos que outra, todas tem obrigações reciprocas a cumprir. Por muito respeitaveis que sejam os direitos da classe operaria, não o são menos os dos proprietarios; e, se aquella quer que respeitem os seus, deve respeitar os dos outros. Só assim haverá ordem, haverá progresso, haverá liberdade.

Julga se offendida a classe corticeira, porque a lei permitte a exportação da cortiça em bruto? Tambem ao nosso coração de portuguez, dóe e dóe profundamente que nós não saibamos explorar as nossas riquezas naturaes. Tambem a nós nos dóe que os nossos governos não tenham sabido proteger as nossas industrias, que o mesmo seria proteger a classe operaria, defendendo-a da concorrencia dos industriaes estrangeiros com pesadas contribuições sobre a exportação da cortiça em bruto. Mas este mal, que preza não só sobre a classe corticeira, mas sobre todo o paiz, não vem do proprietario, vem da lei, vem da falta de bons e favoraveis tratados de commercio com as nações importadoras das nossas melhores e mais ricas industrias – a cortiça e o vinho. Queixe se por tanto o operario da lei, da falta de bons tratados de commercio, proteste por todas as fórmas legaes junto dos governos; mas d’ahi a insurgir-se contra o proprietario portuguez, que ao abrigo d’essa lei vende a sua cortiça para fóra do reino, fazendo o que fazem todos, até os proprios estrangeiros, é o que não podemos applaudir, mas devemos até censurar para bem da ordem e do progresso, para bem do nome do operario portalegrense. Contra a permissão da exportação da cortiça em bruto protesta n’esta hora a classe corticeira do paiz, representada n’um comicio havido ha pouco em Lisboa. Contra tal permissão protestamos nós também, ao lado d’essa classe, porque entendemos, como ella, que é justo, que é legitimo, que é patriota esse protesto. Não podia, nem devia a classe operaria estranhar que o sr. commissario procedesse, como procedeu. Elle não fez mais do que cumprir em dever, o dever que tem a auctoridade de garantir a todo o cidadão o exercicio de um direito, como era o que tinha o proprietario de vender a cortiça a quem e como quizesse. Não estava na alçada da auctoridade revogar uma lei, um contacto feito entre Hespanha e Portugal, e por tanto não era d’ella que o operario devia exigir a satisfação da sua justa aspiração.

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Tem a classe operaria dado sobejas provas de muita cordura, de muito tino, a contrastar com a de outros pontos do paiz. Mantenha se pois n’essa linha de conducta, que assim ha-de ter sempre a sympathia, o respeito e consideração de todas as outras classes. M. O Distrito de Portalegre, n.º 765, 20 de Abril de 1898

N.º 5 Greve na Fábrica Robinson (1898) Questão corticeira. Narrativa No dia 12 do corrente pela 1 hora da tarde cerca de cem operarios corticeiros foram representar ao sr. governador civil d’este districto que os seus camaradas raspadores iam ficar sem trabalho, porque nas fabricas de cortiça da cidade faltava materia prima que deva soffrer as operações profissionaes d’estes operarios; mas que esta crise imminente de trabalho, dos seus camaradas, se conjurava se se conseguisse que a importante quantidade de cortiça comprada aqui aos srs. Barahonas pelo industrial corticeiro de Albuquerque, D. Julião Olhoa, fosse cosida e raspada pelos operarios raspadores de Portalegre, no que havia não só remedio á miseria prevista d’estes operarios, mas beneficio ao comprador, pois que a cortiça cosida e raspada era alliviada d’uma parte absolutamente inutil e muito redusido o seu peso, sendo mais facil o transporte para Hespanha e ahi menos pesado o direito de entrada, se houvesse de ser pago. Pediram os operarios ao sr. governador civil que se interessasse s. ex.ª pelo conseguimento do meio que expunham de conjurar a crise proxima dos seus companheiros de trabalho. S. ex.ª prometteu interessar-se por esta causa. No dia 14, partiu para Albuquerque um operario raspador, delegado dos seus camaradas, para pedir a D. Julião Olhoa que permitisse que a cortiça que tinha comprado em Portalegre fosse cosida e raspada n’esta cidade, fundamentando o pedido nas razões já expostas ao sr. governador civil de Portalegre.

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No dia 16, foi uma commissão de operarios corticeiros pedir ao guarda da cortiça comprada por D. Julião Olhoa, que não deixasse sahir cortiça alguma para Hespanha sem nova ordem de D. Julião, porque se esperava que este accedesse ao pedido que lhe dirigiram os raspadores das fabricas de cortiça de Portalegre por intermedio de um seu delegado. No dia 17 regressou a Portalegre o delegado dos raspadores com a noticia de não ter encontrado D. Julião Olhoa que estava ausente de Albuquerque, mas que o encarregado da fabrica d’este industrial lhe promettera que dentro de oito dias chegaria a Portalegre a resposta de D. Julião ao pedido dos operarios corticeiros d’este [sic] cidade. Á tarde espalhou-se a noticia da chegada de carros hespanhoes para conduzirem a cortiça a Albuquerque. Correram-lhe ao encontro os operarios, pedem aos carreiros que não levem a cortiça, obrigando-se o fabricante João Baptista Rainho a pagarlhes o transporte da cortiça. Tambem o sr. Rainho offereceu gratuitamente as caldeiras e officinas da sua fabrica para ahi ser cosida e raspada a cortiça antes de conduzida para Hespanha, como era desejo dos operarios corticeiros de Portalegre. Os carreiros declararam nada decidir sem ordem de D. Julião a quem iam telegraphar o occorrido. Telegrapharam. Cerca das 9 horas da noite pediram auxilio á policia para lhes garantir o carregamento e sahida da cortiça que vinham buscar. Esgotados os meios suasorios para conseguirem o deferimento da sua pretensão, dispunham-se os operarios a uma resistencia ostensiva á sahida da cortiça antes de cosida e raspada. Em presença da policia, reclamada pelos carreiros hespanhoes os operarios protestaram em nome da miseria proxima dos seus camaradas raspadores contra a sahida da cortiça em bruto, crua, e queriam saber dos carreiros se tiveram resposta ao telegramma e que resposta veio, se tinha vindo. A policia intimou os operarios a dispersarem. Protestaram elles de novo contra a sahida da cortiça. A policia não se conformou com a forma do protesto e prendeu o operario Joaquim António Carvalho, que só no dia seguinte pôde explicar as suas pala-


vras; depois de uma noite passada na policia, dormindo n’uma maca por não haver outra cama. Por causa d’estes acontecimentos a auctoridade officiou ao sr. commandante militar pedindo-lhe que tivesse de prevenção uma força de cincoenta praças. No dia 18 de manhã, os operarios de ambos os sexos da fabrica de rolhas do sr. George W. Robinson, sabendo que o operario Carvalho ainda estava preso, declararam que não trabalhavam sem ser posto em liberdade o seu companheiro. Em vista d’esta attitude dos operarios, foi reclamado pela auctoridade o auxilio da força militar que sahiu do quartel, sendo recebida com vivas pelos operarios. Avisado do occorrido o sr. George W. Robinson correu este á sua fabrica de rolhas, e informando-se da causa da attitude dos operarios, entrou immediatamente em conferencia com as auctoridades, afim de pôr-se termo ao conflicto de forma pacifica e digna de todos que n’elle estavam envolvidos. D’estas conferencias resultou a explicação das palavras que o Carvalho proferiu quando foi preso e do protesto que os operarios formularam pela sahida da cortiça. Esta explicação resumiu-se na affirmação das razões do protesto que deixamos referido. Á vista d’esta explicação, não havendo motivo para manter preso o Carvalho foi este posto em liberdade. Os operarios entraram logo nas officinas, e restabeleceu-se o socego publico. Á tarde os carros hespanhoes seguiram para Albuquerque sem impedimento, carregados de cortiça. O sr. George W. Robinson interessando-se mais uma vez pelos operarios corticeiros conseguiu no dia 20 que o resto da cortiça comprada aqui por D. Julião Olhoa e ainda não transportada para Hespanha seja cosida e raspada na sua fabrica, de Portalegre, antes de ser conduzida a Albuquerque, como se pretendia. Ficaram assim satisfeitos os operarios cuja pretensão, encaminhada do principio com são criterio, não daria logar aos acontecimentos narrados. O Distrito de Portalegre, n.º 765, 20 de Abril de 1898

N.º 6 Greve na Fábrica Robinson (1898) Por causa da cortiça A falta de protecção efficaz ás nossas industrias e de vigilancia ao trabalho manual, teem por vezes dado origem a conflictos muito serios e de graves consequencias. É aos governos que impende curar com a maxima attenção deste assumpto, promulgando leis não de repressão e de força, mas leis que beneficiem o operariado e o proprietario, leis que por consequencia evitem no todo aquelles conflictos, concorrendo desta forma para a ordem publica e para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das industrias nacionaes. Não peçamos ao estrangeiro o que em abundancia temos em casa. Vem isto a propósito d’esse pequeno movimento dos operarios da fabrica do sr. W. Robinson, na 3ª feira ultima. Narremos singelamente os factos, taes como elles nos foram contados, visto que não fomos testemunhas presenciaes. Os operarios tiveram conhecimento da venda de cortiça feita por um rico proprietario desta cidade, mas residente em Evora, ao industrial hespanhol sr. Julião Olhoa, de Albuquerque e resolveram manifestar-se conta a sahida da cortiça por isso que era trabalho que lhes fugia, e salarios que deixavam de ganhar. N’este intuito e reconhecendo a legalidade do contracto começaram por dirigir uma carta ao sr. Olhoa, em que lhe pediam que a cortiça antes de sahir do reino fosse cosida e raspada, carta que um operario levou pessoalmente a Albuquerque, indo no domingo uma commissão ao sitio dos Telheiros pedir ao guarda da cortiça que não deixasse carregar esta sem que viesse a resposta d’Albuquerque. Na 2ª feira de manhã chegou a resposta. O sr. Olhoa, por motivos que allegava, não podia aceder ao pedido. Os operarios então considerando que sendo a cortiça cosida e raspada em Portalegre era um beneficio para elles e também para o dono della, por isso que diminuía consideravelmente de

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pezo, tornando a conducção mais barato, deliberaram esperar ao fundo da rua d’Elvas os carros que o sr. Olhoa mandasse, impedindo que elles levassem a cortiça, não sahindo d’este proposito senão em presença da força. Queriam os operarios chamar com esta sua attitude a attenção das auctoridades e do governo para o facto da exportação da cortiça em bruto, tão contraria á industria corticeira a aos interesses do operariado. Conseguiram o seu fim, pois que lograram tornar conhecida a sua intenção. Ás 4 horas da tarde de 2ª feira chegaram 8 carreiros hespanhoes. A commissão informou-os do que havia, pelo que um d’elles dirigiu-se ao telegrapho a participar o facto ao sr. Olhoa. O operario Carvalho avisou em seguida os seus companheiros que estavam na fabrica e na festa da Senhora da Penha para estarem ao fundo da rua d’Elvas ás 6 horas da tarde. Dois carreiros ficaram aguardando a resposta ao telegramma e os demais seguiram para os Telheiros, a fim de darem descanço ás parelhas. Como a resposta se demorasse resolveram reunir-se ás 8 na Sociedade Operaria, o que fizeram. Seriam 8 e meia quando foram avisados de que os dois hespanhoes se haviam retirado para os Telheiros acompanhados de policia. Suppondo ter já chegado a resposta, dirigiram-se para a estrada de Sant’Anna vinte e tantos operarios a averiguar do que se passava. O sr. commissario, seguido de 6 guardas, não os deixou continuar o seu caminho, intimando-os a retroceder e a dispersar. Foi então que o operario Carvalho disse: «somos vencidos pela força; protesto contra isto» = querendo com estas palavras significar que protestava em nome de todos contra sahida da cortiça para o reino visinho. A phrase, porem, parecia ser dirigida ao sr. commissario, pelo que esta auctoridade, para se fazer respeitar, deu voz de prisão ao operario Carvalho, que foi conduzi-

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do á esquadra onde esteve até ás 5 horas da manhã, hora a que foi removido para a cadeia. Effectuada a prisão, mandaram os operarios uma commissão ao sr. commissario pedindo a soltura do seu companheiro, que segundo diziam, nenhuma intenção tivera em desrespeital-o e offendel-o. Foi nesta occasião que sahiu do quartel uma força de capitão, o que sendo visto pelos operarios, estes levantaram vivas ao exercito e ao regimento 22, apparecendo quasi em seguida o sympathico e opulento industrial W. Robinson, que informando-se do que havia e de qual tinha sido a intenção do operario Carvalho ao fazer o seu protesto, prometteu envidar desde logo todos os seus esforços para conseguir a sua liberdade. O operario explicou a sua phrase e sahiu da cadeia ás 9 e meia. Tout est bien qui finit bien. - O sr. Robinson com a benefica actividade e com zelo com que sempre tem tratado dos interesses dos seus operarios conseguiu que o resto da cortiça fosse aqui cosida e raspada, dando elle em Hespanha egual quantidade para não prejudicar também os interesses dos operarios d’Albuquerque. - No domingo ás 3 horas da tarde no jardim da Sociedade operaria reunem os corticeiros para assentarem nas bases d’uma associação de classe, a exemplo de tantas outras que se acham constituidas no paiz. Pertencendo a um partido conservador, limitamo-nos a lamentar os factos ocorridos, desejando sinceramente que a excitação de paixões ceda o logar á acalmação sempre necessaria em assumptos d’esta indole. Esperamos que o digno Comissario não se afastará das regras da prudencia, inseparavel da bem entendido [sic] energia, e que o operariado portalegrense, que em varias crises se tem ostentado disciplinado e ordeiro, não pretenderá agora dar uma prova de desrespeitar os alheios direitos. Correspondência de Portalegre, n.º 92, 23 de Abril de 1898


N.º 7 Greve na Fábrica Robinson (1898) A questão da cortiça No numero anterior do Districto, n’um artigo firmado - M -, conta-se a tentativa de alguns operarios corticeiros de Portalegre d’impedirem a sahida para Hespanha de cortiça em bruto, porque queriam que em Portugal se reduzisse a obra, fornecendo assim trabalho a operarios portuguezes. O articulista mostra muito judiciosamente que por lei é livre a todos venderem a cortiça das suas propriedades como, onde, e a quem melhor poderem e que os operarios não devem contrariar pela força essa liberdade legal. E isto não póde soffrer contradicção. Accrescenta porem o artigo: «Tambem a nós nos dóe que os nossos governos não tenham sabido proteger as nossas industrias, que o mesmo seria proteger a classe operaria, defendendo-a da concorrencia dos industriaes estrangeiros com pesadas contribuições sobre a exportação da cortiça em bruto.» É sancto o sentimento que dicta estas palavras e a idéa parece á primeira vista razoável, mas a sciencia e a experiencia e a pratica das nações são-lhe completamente contrarias. Uma nação que quer fomentar a sua riqueza não lança contribuições sobre a exportação; seria ficar vencida, no mercado do mundo, pelas nações que têem o mesmo producto, e desanimar essa producção no interior do paiz. Decerto que seria melhor que a nossa cortiça fosse para fóra em obra do que em bruto, mas era preciso que toda a cortiça que pudessemos produzir e manufacturar incontrasse lá fóra mercado facil e remunerador; depende isso de tractados de commercio, como bem diz o articulista; mas tractados de commercio não basta que um governo os saiba fazer, é preciso que os outros governos os queiram, e uma nação não tem meio de lh’os impôr; há de pois resignar-se a exportar o que lhe sobra, não pela fórma que lhe seria mais util, mas por aquella por que lh’a acceitam; Portugal e as outras nações que produzem cortiça quereriam exportal-a toda manipulada, era esse o interesse

de todos, do proprietario, do fabricante, dos operarios, do estado, do paiz inteiro, mas se uma nação teimar em difficultar a entrada da cortiça manipulada, como fazem, por exemplo, os Estados Unidos, ha algum meio de os obrigar a levantarem essas difficuldades? Se se prohibisse por lei ou se difficultasse a exportação da cortiça em bruto, sem haver mercado para toda a cortiça que o paiz produz, depois de manipulada, arruinavam se ao mesmo tempo os proprietarios de arvores de cortiça, os fabricantes e os operarios, aquelles porque lhes diminuiam os compradores do seu producto, os fabricantes e os operarios, porque, em se não podendo dar vasão á cortiça fabricada, em se não podendo vender, a fabrica fechava e os operarios ficavam sem trabalho; não basta fabricar, é preciso que o que é fabricado se venda para a fabricação continúe. Isto não quer dizer que não se recorra a governos e ao parlamento para que elles façam esforços para tentarem abrir mercados á cortiça em obra; mas não tenham os operarios a idéa falsa de que se melhora a sua situação prohibindo ou difficultando a venda, a exportação da cortiça em bruto. A Suecia produz ferro; o que diriam os operarios portuguezes se ella não deixasse de lá sahir o ferro em bruto; se quizesse que todo sahisse já em obra? Sahe o ferro em bruto para diversas nações e de o trabalharem vivem em todas ellas muitos operarios. Nós não produzimos algodão o que diriam os operarios portuguzes se os paizes que o produzem prohibissem que fosse exportado em bruto? O mundo economico é uma vasta associação, uma vasta confraternidade, é preciso conciliar os interesses de todos, a liberdade de todos, e não olhar e não querer simplesmente a d’alguns ou d’algumas clases. Na questão da cortiça estará alguma coisa nas forças dos governos, mas está tambem muito na dos industriaes, que, variando as applicações da cortiça, não fazendo só fabricas de rolhas, mas de tapetes, das mil coisas a que a cortiça se póde

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destinar, lhe podem dar um mercado mais amplo dentro e fóra do paiz; com prohibições de sahida, quer á força, que teriam de ser repellidas pela força, quer por lei, que cahiria por inepta, é que se não faz nada. O Distrito de Portalegre, n.º 766, 27 de Abril de 1898

N.º 8 Greve na Fábrica Robinson (1899) A questão da cortiça «Não podemos nem devemos deixar de fazer algumas considerações ácerca d’este acontecimento, embora ellas desagradem á classe operaria, porque preferimos incorrer no seu desagrado a ocultar-lhe a verdade, falseando a nossa missão jornalística.» Demais sabíamos nós, ao escrever aquellas linhas no nosso penultimo numero, que haviamos de incorrer nas iras da classe operaria, porque a pobre e santa liberdade está ahi soffrendo tractos de interpretação que a deixam a escorrer sangue, e a Justiça só é reconhecida como tal, quando não castiga os que a ultrajam. A classe, ao lado da qual temos estado sempre em todas as conjuncturas que a mim tem recorrido, a classe, que por isso talvez me honrou com diplomas de merito e com considerações que muito me penhoram vem agora injuriar-me, publicamente, n’um jornal, attribuindo as nossas observações ácerca da questão da cortiça a falta de sentimentos de justiça, a que, no dizer d’ella, somos avessos. É a eterna licção da Historia! Não presenceámos os factos por nós relatados, e por isso recorremos á informação de pessoas sensatas e que pela sua posição sabiam como os factos eram narrados por um e outro lado, não entrando no numero d’essas pessoas o digno sr. commissario de policia. Se houvesse alguma inexatidão involuntaria no que dissémos podia a classe operaria restabelecer a verdade dos factos, mas o

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que não devia era recorrer á injuria, se essa inexactidão em nada influia para que fossem justos, justissimos, todos os reparos que fizemos ao procedimento dos que se queriam oppor pela força ao exercicio de um direito, garantido pelas leis e pela justiça. E na verdade admittindo que os factos se dessem, como diz o grupo de operarios nem por isso seriam differentes as nossas observações. Era justo, era legal o procedimento de taes operarios? Deve a auctoridade n’um paiz livre permittir que qualquer classe perturbe pela força o direito das outra classes? Esta é que é a questão, esta é que é a pergunta que cada um deve dirigir á sua consciência. Interroguem-n’a e se ella lhes responder que a razão está do lado dos operarios que assim procedem, isto é, que não é justo que o proprietario venda a estrangeiros a sua cortiça antes de ser raspada no paiz, porque essa venda assim fere os interesses da classe operaria, digam-nos o que lhes responderia a consciencia se os negociantes e industriaes se oppozessem a que dessem entrada na cidade os generos destinados á sua cooperativa com o fundamento de que o exercicio d’esse direito dos operarios prejudicava profundamente os interesses do commercio e da industria? O que lhe responderia a consciencia se os operarios hespanhoes, quando se deu o grande e lamentavel incendio da fabrica do sr. Robinson, se oppuzessem a que este trouxesse de Hespanha para Portugal a cortiça de que precisava para a laboração da sua fabrica? Nós responderiamos que os negociantes e industriaes portuguezes e que os operarios hespanhoes praticavam um acto contra a lei, contra o direito e contra a justiça, assim como agora condemnámos o procedimento dos que se queriam oppor pela força ao exercicio do direito de um proprietario; e apostamos em que o operario responderia n’aquelle caso, como nós. Ora justiça que quer Deus para si e o Diabo para os outros, será justiça muito boa, mas nós repudiamol-a como a um Monstro de fauces abertas para tragar todo o progresso da humanidade.


Mas dizem: «Mas nós nunca nos insurgimos contra a saída da cortiça, só se pedia trabalho para raspadores, trabalho de grande conveniencia do comprador o ser feito cá. Por isso, só se pedia o que era justo.» Isto não é logica. Pedir-se em termos legaes ao comprador da cortiça que a deixe raspar no paiz por ser mais economico, é realmente um pedido justo, mas obrigal-o a que o faça, contra sua vontade, não será uma injustiça? Que teem os outros com os negocios do comprador, que elle ganhe ou perca? Quando se dirigiram em commissão ao sr. governador civil, quando escreviam ou telegraphavam ao comprador, os operarios realmente faziam um pedido por fórma legal; mas vir para a estrada publica á noite, em numero de 20 ou 100 (como quizerem) esperar os carros que haviam de conduzir a cortiça a Hespanha, chama-se a isto – pedir? A auctoridade exorbitou, intimando os operarios a dispersarem-se? «Mas, acrescentam os operarios, um operario foi preso, porque, dispersando já, protestou contra a afronta do sr. commissario mandar carregar as armas a seis policias.» Onde está a afronta? Se os operarios reagissem contra a ordem da auctoridade, de que serviriam as armas se não estivessem carregadas? Mas o operario não se revoltou, dizem, apenas protestou. Por isso foi apenas detido e depois solto, o que de certo lhe não succederia, se se revoltasse. O sr. commissario, estando todos os operarios em greve e a proclamar junto da fabrica que não entravam para as officinas sem ser solto o seu companheiro, o sr. commissario não quiz receber toda a commissão e recebeu apenas um dos seus membros, porque, se procedesse de modo differente, não procederia como manda a lei, procederia por medo, por coacção, e ai! de nós todos, ai! tambem da classe operaria, se chegassemos a tempo em que a justiça se administrasse por tal fórma.

Aconselham-nos a que não façamos politica em casos d’estes. Isto não se commenta. Pois se quizessemos fazer politica, não comprehende toda a gente que o nosso interesse politico seria pormo-nos ao lado da classe mais numerosa de Portalegre? Não o fizemos e preza nos termos de estar do lado opposto a uma classe, digna de respeito, consideração e de todo o apoio, quando está dentro da lei e da ordem; e se voluntariamente tomamos esta attitude, foi para não perdermos ensejo de lhe prestar um grande serviço, que talvez mais tarde me agradecerão, de os não deixar transviar do caminho que teem sempre seguido e que póde levar esta cidade ao maior auge de prosperidade, porque o futuro de Portalegre depende do futuro das nossas industrias – corticeira e fabril –, e, sem ordem, sem respeito pelas leis constituidas, não poderemos chegar aquelle grande desideratum. Eu sei que a classe operaria tem deante de si um grande problema a resolver, eu sei que ha injustiças sociaes que os habitos de muitos seculos têm vindo a accumular, eu sei que sobre ella pezam muitas forças contra as quaes precisa de unir-se para reagir; mas, por isso mesmo que algumas das reivindicações do operariado têm por fundamentos o direito, a justiça e a razão, é que a classe operaria tem obrigação indeclinavel de se instruir, e de se impor á consideração universal pelo respeito ao direito e justiça das outras classes. Estamos bem com a nossa consciencia, embora entristecidos por tão mal comprehenderem os que nos deviam ficar agradecidos. São as nossas ultimas palavras. O Distrito de Portalegre, n.º 767, 4 de Maio de 1899

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N.º 9 Greve na Fábrica de Lanifícios Robinson (1901) Gréve em Portalegre Declararam-se em greve os operarios da fabrica de lanifícios do sr. Robinson. Dirigiu-se-nos uma grande commissão d’esses operarios que nos vieram expor a causa da sua attitude. Allegaram que os preços por que estão sendo recompensados os seus trabalhos são diminutos e que por serem os seus salarios incompativeis com a subsistencia de suas familias não podiam continuar no desempenho das suas funcções. Disseram mais que tinham procurado o sr. Robinson a pedir lhe melhoria de condicções e que este cavalheiro não accedera aos seus rogos. Que em vista d’estes factos resolviam pedir o auxilio da auctoridade superior do districto para os auxiliar n’esta campanha que se affigura de toda a justiça. Esta noticia chegou-nos muito tarde e á hora do jornal entrar na machina. Não podemos, pois, alongarmo-nos nas considerações que desejavamos sobre este assumpto de alta importancia para a cidade. Promettemos voltar a elle no proximo numero e no entanto fazemos ardentes votos par que a questão se redima em breve e a contento de todos, operarios e patrões. O Distrito de Portalegre, n.º 881, 10 de Julho de 1901

N.º 10 Greve na Fábrica de Lanifícios Robinson (1901) Greve Os operarios tecelões da fabrica do sr. G. W. Robinson julgando-se lesados nos seus interesses de operarios, encarregaram uma commissão de pedir ao sr. Robinson o seguinte: 1.º Trabalho permanente na fabrica de lanificios ou na fabrica de cortiça com tanto que cessassem as longas paragens que soffriam.

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2.º Não podendo ceder ao primeiro pedido, desejavam um augmento no salario, de forma que, no tempo de trabalho podessem realisar economias para se manterem no tempo em que não ha que fazer. Não podendo ou não desejando o sr. Robinson, acceitar nenhum dos alvitres propostos, os tecelões abandonaram o trabalho e até á hora em que escrevemos, apesar de se moverem influencias junto do sr. Robinson defendendo a causa dos operarios, a gréve mantem-se. É um acontecimento deplorável que muito nos magôa o coração e fazemos votos para que o conflicto tenha uma solução agradavel tanto para os operarios como para o sr. Robinson. A Plebe, n.º 305, 14 de Julho de 1901

N.º 11 Greve na Fábrica Robinson (1901) Incidente Na sexta feira passada, pelas 9 horas da manhã, os operarios rolheiros da importante fabrica do sr. Weelhouse Robinson levantaram-se em protesto contra a saida d’um operario despedido, o sr. Cyriaco, e exigiram a mudança d’um empregado da pezagem de quadros, o sr. Joaquim do Nascimento. Como não fossem attendidos na sua reclamação resolveram abandonar o trabalho, e, lançando-se ao alludido empregado espancaramno, chegando ainda a feril-o. Parece, porém, que felizmente no escriptorio achavam-se os srs. Herbert e Milner Robinson, patrões, que evitaram que o incidente tivesse mais funestas consequencias, serenando os exaltados animos e fazendo com que os operarios voltassem ao trabalho. Testemunha presencial que nos deu estas informações, demonstrou-nos que aos operarios, d’esta vez, não assistiu razão e justiça no seu pedido. Está no caracter d’este jornal defender seja qual fôr a pretensão que seja caracterisadamente justa mas aos operarios , lembra-


mos a cordura, pois que com ella poderão conseguir os seus direitos e interesses, quando nelles sejam lesados. Ao entrar na machina o nosso jornal fomos informados que o sr. Robinson mandou fechar a sua fabrica até nova ordem.

rios apontados como cabeças de motim. O nosso ilustre amigo estimou deveras a solução da reabertura da fábrica, o que certamente agravou as condições económicas de algumas famílias.

A Plebe, n.º 485, 18 de Dezembro de 1901

O Distrito de Portalegre, n.º 1213, 21 de Dezembro de 1904

N.º 12 Greve na Fábrica Robinson (1904) [grafia actualizada]

N.º 14 Greve na Fábrica Robinson (1904)

À Última Hora Chegou à nossa redacção a triste notícia de ter sido fechada até segunda ordem a fábrica de rolhas do sr. George Robinson. Parece que a causa é motivada por ter sido despedido um operário e os seus companheiros pedirem para que se anulasse tal determinação que achavam infundada. Sentimos deveras que se desse tal facto e oxalá se harmonize tudo para bem dos operários e patrões.

Incidente Reabriu na última terça-feira (20) a importante fábrica de rolhas do Sr. Robinson, entrando para o trabalho todos os operários excepto 11, que não foram admitidos por serem considerados cabeças de motim.

O Distrito de Portalegre, n.º 1212, 18 de Dezembro de 1904

N.º 15 Greve na Fábrica Robinson (1904)

N.º 13 Greve na Fábrica Robinson (1904)

Uma comissão de operários da fábrica de rolhas do Sr. Robinson foi, no último Domingo (23-12-1904), agradecer ao Sr. Diniz Sampaio, digno Governador Civil substituto, o interesse que Sua Excelência tomou na resolução do incidente que se deu há dias naquele estabelecimento entre o operariado duma das oficinas e de que havia resultado a expulsão de 11 operários, que já foram readmitidos.

Operários de Portalegre Como noticiámos, no dia 17 do corrente, por causa de questões entre o pessoal operário, foi mandada fechar até nova ordem a fábrica de rolhas do Sr. George Robinson & Cª. O facto produziu, como era de prever, sensação na cidade, e tanto mais que se propalaram logo boatos de que estavam iminentes acontecimentos graves. O nosso prezado amigo Sr. Dr. Diniz Sampaio, digno Governador Civil substituto em exercício, depois de algumas conferências com a direcção da fábrica, alcançou a promessa de que na segunda-feira, dia 20, recomeçaria o trabalho na mesma fábrica, o que sucedeu, porém, ser excluídos onze operá-

A Plebe, n.º 486, 25 de Dezembro de 1904

A Plebe, n.º 487, 1 de Janeiro de 1905

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N.º 16 Greve na chacina de Joana Serra (1911) Notícias de Portalegre Companhia de Matança em Greve – Intervenção da Polícia Janeiro 10 – Um grupo de chamuscadores de porcos empregados na chacina da Senhora D. Joana Serra pôs-se ontem em greve, tomando como pretexto um facto que, a ser verdadeiro, merece toda a aceitação e o mais justo reparo. Nesse grupo, que é constituído pelos trabalhadores Paulo José Alegria, João da Rosa Gouveia, Francisco Gouveia, João Alves, Francisco Doutor, António Gouveia, Joaquim Caixeirinho, Caetano Tafeixa, António Maria Cardoso, Manuel Coutinho, António Merendeira e António Maria Cardoso, tinha por companheiro um tal Nicolau Manuel, homem de 42 anos de idade, que há um mês foi atacado de um ataque cerebral, ficando quase cego. Este infeliz homem trabalhou durante 28 anos na referida chacina, sendo ele o encarregado da matança e desmancha do gado suíno. Como se inutilizasse e não pudesse continuar o exercício das suas funções, a proprietária da chacina despediu-o e daí proveio a indignação do restante pessoal que ontem mesmo procurou a senhora D. Joana Serra, propondo-lhe o seguinte alvitre: Manter o seu desgraçado companheiro comprometendo-se eles a fazer o seu serviço. Não entendeu, porém, a senhora D. Joana, que persistiu na sua resolução e ordenou que o lugar fosse preenchido por outro indivíduo de nome José Costa. Os grevistas, vendo que o seu alvitre tinha sido rejeitado e que a nomeação do novo empregado redundaria em grave prejuízo para o seu companheiro de trabalho, redobraram os protestos e foram juntar-se ontem à noite nas imediações da chacina, onde se travaram de grande alteração com o empregado da mesma chacina João Meira, e de cuja altercação se apurou ser ele o verdadeiro culpado do que estava sucedendo. As ameaças iam passando a vias de facto quando a polícia interveio serenando os ânimos e dispersando a grande quantida-

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de de curiosos que ali tinham ocorrido aos gritos dos manifestantes. O grupo foi depois ao Governador Civil falar com o Senhor Administrador do Concelho, a quem expôs todos os factos, pedindo-lhe ao mesmo tempo que fizesse todos os possíveis para que o José Costa saísse, sem o que não retomariam os seus lugares. A autoridade prometeu advogar a sua pretensão envidando também os melhores esforços para garantir a subsistência do desventurado Nicolau Manuel, a favor de quem os grevistas tão honestamente se declararam. Diário de Notícias, n.º 16223, 12 de Janeiro de 1911

N.º 17 Greve na fábrica Robinson (1911) Em Portalegre A gréve da fabrica Robinson Há dias foi alarmada a fabrica de cortiça Robinson com um boato escandaloso entre o encarregado da oficina das mulheres João Pereira, e uma mulher casada. Chegando aos ouvidos do industrial, este, por sua vez, se havia de dar a maior atenção ao assunto, fez ezátamente o contrario, avolumando mais o escandalo, pela fórma seguinte: despediu imediatamente as operarias Carolina Salvaterra e Amalia Bispo, por estas se lhe terem dirigido a pedir-lhe que retirasse o encarregado da oficina, e que tambem todas as suas companheiras desejavam que a sua oficina não mais fosse dirigida por homems, mas sim por uma mulher, para evitar escandalos ou ruim fama. Por este motivo alvoraçou-se o resto do pessoal da fabrica, que protestou energicamente contra aquele despedimento, visto tratar-se tambem de uma vingança por aquelas companheiras serem assíduas leitoras e propagandistas de jornaes libertarios. O industrial, com ferocidade infame, e para não tirar a força ao encarregado, mandou logo tocar o apito e parar a fabrica intimando a saída ao pessoal no prazo de 10 minutos – faz lembrar


a espulsão dos jesuitas no tempo do Marquez de Pombal – e ao toque do apito ficou alarmada a cidade, pois que não é costume tocar às 11 horas, aglomerando-se grande massa de povo em frente a fabrica afim de ver do que se tratava. Começaram então aqui as infamias torpes lançadas, com todo o arrojo ás faces honradas de quem tudo produz. Após a saída da fabrica, resolveram os camaradas corticeiros reunir em assembléa geral afim de nomearem a respetiva comissão para entrevistar o industrial sobre o assunto; mas qual não foi o espanto da comissão, que esperava receber uma resposta não só satisfatoria mas tambem delicada, quando o industrial, com modos de inglez sem educação portugueza, responde da seguinte forma: «Escusam-se de se cançar, pois que amanhã, se quizer, posso lançar fogo á fabrica, e, como tenho muito dinheiro e muito que comer, vou-me embora e vocês cá ficam a morrer de fome. E olhem que sou capaz de o fazer». Esta foi a linda fórma como a beleza do industrial recebeu quem tanta riqueza lhe tem dado… A comissão voltou á Associação a dár a resposta, que foi tão agradavel que a assembleia resolveu declarar-se em gréve, sendo nomeadas numerosas comissões de vigilancia para durante a noute se vigiasse a fabrica, a fim de evitar qualquer desastre, causado por qualquer mal intencionado, ou mesmo por ordem do proprio patrão, visto a sua declaração. Uma outra comissão dirigiu-se ao governador civil, a participar o caso. Este cavalheiro, por sua vez, depois de larga discussão, declarou que não consentia a gréve senão nestas condições: Quem não quizer trabalhar não trabalha, e não admito que os senhores impeçam a entrada a quem quizer trabalhar, pois se o fizerem procederei. Os operarios indignaram-se com esta resposta e resolveram levar ávante o seu intento em favor das despedidas. Dirijindo-se á Associação, o governador civil tentou iludir o pessoal, dizendo-lhe que fosse trabalhar de manhã e não se importasse que o industrial despedisse alguem ou fechasse as

quatro oficinas, como tencionava, pois que alguma coisa se arranjaria… Vendo, porém, o governador civil que os seus planos eram frustrados, teve então a triste ideia de insultar a classe com esta ameaça pouco propria de um sensato republicano, como se declára: Se os senhores continuam no firme proposito de seguirem com a gréve, eu passo da benevolencia á violencia e mando sair o regimento 22, mando vir cavalaria e mais tropa, se fôr preciso, e mando fuzilar aqueles que não quizerem retomar o trabálho. Foi-lhe dito pelos camaradas Jacinto Bettencourt e José Miranda se esse procedimento pertencia á républica moderna, pois que na republica antiga combatia-se o fuzilamento, especialmente quando o proletario reclamava melhoria de situação. Pelo menos assim o diziam os grandes homens quando, em palanques apregoavam o evangelho da liberdade, igualdade e fraternidade. Mas o governador civil, no seu firme proposito de defender o capital, - como todos os outros – declarou que na qualidade de governador civil se entendesse que o fazia, pois que as leis da republica lh’o permitiam. Agora digo eu a todos os camaradas sincéros que tornem a andar pelas ruas da cidade feitos burros de Cacilhas, com gente d’esta ao cólo. A gréve seguia bem, sem ninguem se deixar iludir por promessas ou ameaças. As vigias durante a noite, não cessaram de observar a fabrica, impedindo a passagem a quem se aprocima d’ela sem primeiro ser reconhecido como cidadão de páz. Ao romper da manhã, começa a aglomerar-se o operariado em frente da fabrica, á espera das resoluções do industrial. As operarias, por sua vez, avançam á frente dos homens e vãose postar, em cordão em frente da porta da fabrica, na intenção de não deixarem entrar ninguem, afim de não ser furada a gréve. Mas qual não é o espanto de todos quando aparece o guardaportão João José d’Oliveira, que brusca e indecorósamente, ofende as desgraçadas filhas de cada um, arremessando-lhes

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valentes empurrões. Pagaria bem caro o atrevimento se não se metesse imediatamente para o interior da fabrica. Dão as 6 horas. Ouve-se tocar o apito chamando ao trabalho, quando aparece novamente o tal guarda-portão, que diz, em alta voz: quem quizer trabalhar, entre. Todos ficaram nos seus logares, escéto estes dois camaradas: Côrte Real e João Mendes. Estes amigos tiveram o arrojo de pular por cima das mulheres, que se encontravam sentadas, indo meter-se na fabrica. Como mais ninguem tivesse entrado, o industrial chamou as mulheres despedidas e aconselhou-as a irem para casa e a virem só quando as mandasse chamar, dizendo então que o resto do pessoal podia entrar. Levantam-se grandes protestos e gritos de «Ou trabalha tudo ou ninguem». Resolveu o industrial mandar parár as maquinas, para vêr se ás 9 horas alguem entraria. A esta hora é que foi atraiçoada a greve, pelos belos camaradas que tanta moral apregoaram dentro da associação, sendo estes os primeiros que desrespeitaram o cordão das mulheres, invadindo a fabrica e dando origem a que outros camaradas fossem levados na onda. Esses camaradas são os seguintes: Estevão Manuel Godinho, Abibal Francisco, Manuel Ruben, António Baláco, Francisco Carrapóla, Manuel da Horta, António da Ribeira de Niza, João Mendes, Augusto Bageira, José Marcelino e José Mendes Mourato. Á entrada d’estes amarelos houve grandes protestos e gritos de fóra com os traidores da gréve! Novamente torna o governador civil a chamar a comissão e declarou que já tinha conferenciado com o patrão e que estava resolvido que ás 2 horas todos fossem trabalhar e que ninguem era despedido. Ás 2 horas todo o pessoal entrou para a fabrica, e, depois de todos estarem nos seus logares, despediu as duas mulheres e o camarada João Pilatos, e fechou as quatro oficinas, cujos operarios mais se tinham imposto a favor das mulheres, ficando umas duzentas pessoas na rua.

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Tudo isto foi vingança do industrial, auciliado pela autoridade. Á noite, como se tivesse desconfiado que um gesto que o indusrial fez com um cavalo marinho que trazia, fosse de ameaça aos operarios, houve discussão sobre este ponto, entre os diversos camaradas. Os operarios António Curto e Augusto Penso, que tinhão vindo de Estremoz vender aqui rolhas, disseram uma cousa que é verdadeira, que se o caso se tivesse dado com os operarios corticeiros de outros lados a greve não se furava, nem o industrial tinha o arrojo de insultar os operarios. Foi o suficiente para logo a policia os prender, inventando que os nossos camaradas tinham dito que eram capazes de ir matar o industrial. As testemunhas provam ser uma falsidade. Os nossos camaradas de Estremoz encontram-se incomunicaveis. O industrial pensando bem na ofensa que tinha feito, e julgando que será chamado a contas, mandou chamar a comissão e disse-lhe que a ia processar por ela ter declarado que ele, industrial, tinha dito que ia largar fogo á fabrica. A comissão, porém, não se atemorisou. Se ela só disse a verdade! Carlos Pereira Ramos. O Sindicalista, n.º 39, 6 de Agosto de 1911

N.º 18 Greve na Fábrica Robinson (1911) Grave incidente Hontem, pelas 11 horas da manhã, ouvimos tocar o apito da fabrica de rolhas do sr. Robinson e como extranhassemos o facto, por ser fóra do costume, procuramos saber o que se passava. Informaram-nos de que devido a um caso pouco edificante passado entre um mestre, João Pereira e uma mulher, levara as operarias a manifestar de que prescindiam nas suas officinas de homens encarregados das mesmas visto terem uma sua collega com identico encargo.


Como não tivesse deferimento o pedido das operarias, estas pediram aos seus collegas as secundassem na sua causa, á qual elles adheriram, sahindo das officinas. Em virtude de tal resolução, o sr. Robinson, mandou fechar a fabrica até resolver o assumpto. N’uma reunião realisada no salão da Cooperativa apoz o incidente foi nomeada uma commissão para se entender com o sr. Robinson. D’essa commissão fazem parte os srs. Antonio Gaspar de Pina, Antonio da Silva, José Maria Miranda, Ignacio Miranda, José dos Remedios, João Lourenço da Silva, Francisco Ferreira, José Carlos, Antonio Severo, Pedro Caroço e José Maria Frazóa. Á hora do nosso jornal entrar na machina nada mais podemos adeantar. O que desejamos é que tudo se resolva a contento de todos. O Distrito de Portalegre, n.º 1885, 26 de Julho de 1911

N.º 19 Greve na Fábrica Robinson (1911) Pela cidade Greve na fabrica Robinson Hontem pelas 11 horas da manhã ouviu-se em toda a cidade o apito da fabrica. Este facto anormal produziu na cidade uma enorme sensação e de todos os pontos accorreu ao local da fabrica uma quantidade muito numerosa de gente julgando que havia incendio. Felizmente não era esse o motivo; mas infelizmente era um facto também grave que originára aquelle toque extemporaneo que alarmou a cidade inteira. Historiemos: O operário, João Pereira, encarregado d’uma officina de rolhas á machina era accusado de nas horas de descanso praticar a occultas na officina acções menos licitas. Este facto provocou os protestos de todas as operarias daquella officina as quaes nomearam uma comissão que foi expor o as-

sumpto ao sr. Robinson e pedir-lhe não só a expulsão d’aquelle encarregado mas a substituição de todos os encarregados das officinas das rolheiras por mulheres edoneas e competentes que as ha em todas as officinas. O sr. Robinson, prometteu tomar a queixa em consideração e effectivamente, pouco depois o mestre ou encarregado João Pereira era substituido por outro encarregado Joaquim Baptista. Como esta deliberação não satisfazia por completo aos desejos manifestados pelas operarias, estas resolveram abandonar o trabalho e pedir o auxilio dos seus companheiros de trabalho aderindo muitos operarios. Como o sr. Robinson visse a attitude do operariado determinou o encerramento da fabrica e foi por esse motivo que tocou o apito ás 11 horas da manhã. Logo que os operarios sairam reuniram se homens e mulheres, em sessão permanente numa das salas da Cooperativa Operaria Portalegrense e ali depois do assunto ser discutido, usando da palavra varios operarios deliberaram: Nomear uma comissão de operarios para falar com o sr. Robinson a qual por proposta votada pela assemblêa ficou assim constituída: António Gaspar Pina, representante dos encarregados; Antonio da Silva e José Lourenço Miranda, Pedro Caroço, Ignacio Augusto Miranda, José dos Remedios, João Lourenço da Siva, Francisco Ferreira, José Carlos, António Sevéro e José Maria Frazoa. Deliberaram dar conta á Assemblêa Geral do resultado do da conferencia com o sr. Robinson numa sessão marcada para as 6 horas da tarde na mesma sala da Cooperativa. Em seguida encerrou-se a sessão ficando em sessão permanente de vígilancia uma commissão composta dos operários srs: Lourenço, Patricio, Joaquim Caldeira, Domingos Ruivo, Humberto Ribeiro de Albuquerque, Lourenço Mouro e Innocencio Baptista. Ás 7 horas da tarde tornou a reunir a assembleia geral da Associação dos Corticeiros para tomar conhecimento da resposta

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que o sr. Robinson tinha dado á comissão que o procurou no escriptorio ás 5 horas da tarde. A resposta do sr. Robinson ás reclamações dos seus operarios feita pela voz da comissão foi: - Que mantinha a substituição do encarregado por outro; mas que não aceitava as condições que lhe eram indicadas. - Que não acedendo ao que ele desejava, ele poderia deitar fogo á fabrica, porque era rico e que eles operarios ficavam reduzidos á mizeria. Esta resposta causou uma grande impressão na assembléa usando da palavra muitos oradores e deliberando-se que a mesma comissão fosse conferenciar com o sr. governador civil expondolhe todos os factos para que a primeira autoridade do distrito visse a fórma corréta como eles procediam e a fórma como o sr. Robinson tinha recebido e respondido ás suas reclamações. Deliberaram mais nomear uma comissão de 20 operários para vigiar a fabrica sendo 10 para entrar de serviço de noite e outros 10 para entrar de serviço de dia. É claro que depois destes factos ficou declarada a greve geral. Os operarios vão publicar um manifesto, expondo ao publico as causas que os leva a esta situação. O Intransigente, n.º 262, Portalegre, 26 de Julho de 1911

N.º 20 Greve na Fábrica Robinson (1911) Portalegre Camarada redactor: Por meio de telegrama que se expediu, não podia esclarecer-se que se expediu tudo porque nos ficava muitissimo por dizer. N’uma reunião magna que se realisou no salão nobre da cooperativa de consumo; ficou nomeada uma comissão de seis membros, para estar de vigilancia permanente, e para esclarecer por meio de um oficio á Federação o que s passou na reunião e explicar-vos os pormenores que deram ocasião ao conflicto.

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Deu-se o caso da seguinte forma: – Ha aqui uma oficina de machinas de fazer rolhas por meio de vapor, que tinha á frente o celebre encarregado João Pereira, a quem patrão mandava fechar todas as oficinas á hora da refeição deixando dentro algumas operarias que habitam no campo. O dito João Pereira, abusando das ordens do industrial tendo uma como favorita, e sendo afeiçoada d’elle, ás horas prohibidas fechava a porta ficando elle e ella dentro, isto foi observado por algumas companheiras foi o que ocasionou ellas protestarem, e nomearam uma comissão a ir manifestar o seu descontentamento ao industrial não só para tirarem aquelle encarregado daquella oficina de mulheres. Deu-se o caso no dia 24 estando um dos patrões um tanto de accordo mas manifestando ao mesmo tempo o desejo que tinha de conferenciar com o seu primo Williams Robinson tirando aquelle encarregado, mas nomeando outro em sua substituição no dia 25. A mesma commissão de mulheres foi entrevistar o industrial Williams obtendo resposta negativa, dizendo-lhe ao mesmo tempo, que fossem trabalhar do contrario fechava a oficina, derivando d’ahi novos protestos não só daquella oficina com dos rolheiros mecanicos e quadradores manuaes, determinando nomear uma commissão composta de dez membros para manifestar ao industrial o seu descontentamento pela forma pouco correcta como respondeu á commissão de mulheres, não chegando porem essa commissão a conferenciar com o industrial devido a elle não dar tempo a isso por mandar tocar o apito para que o pessoal sahisse o que se fez. Mandou em seguida encerrar o portão dizendo, que aceitava uma commissão ás 5 horas da tarde afim de resolver o conflicto. Como não coubéssemos na associação foi a razão que reunimos na cooperativa. Foi ali deliberado nomear a commissão que ficasse de ir conferenciar com industrial, isto depois de haver acalorada discussão e algumas propostas que depois mandaremos dizer. Como esta já vai longa, amanhã seguem informações da resposta do industrial.


Pela comissão. Saude e revoloção social. Pelo secretario da comissão permanente. Humberto R. Albuquerque Por causa dos abusos commetidos pelo encarregado da officina da lixa para com as mulheres declararam-se em greve como fica dito os operarios corticeiros da importante fabrica do sr. George Robinson. Os grevistas reclamam a sahida d’aquella officina do encarregado, o industrial porem recusa-se a isso. N’este momento estão reunidos na cooperativa operaria os operarios afim de deliberarem o que entenderem conveniente para a solução da gréve. O governador civil que interveiu no assumpto espera conseguir bons resultados. Eram de prever os factos que agora se dão tendo sido o encarregado quem os provocou. C. Á ultima hora conta-nos, que a greve está em vias de solução, com o que nos congratulamos por se tratar d’uma questão de moralidade.

tencia para si e para a sua familia, era um gravissimo desastre para todos a paralisação do trabalho, que d’uma forma muito grave se havia de reflectir em todo o commercio local. Já aqui o dissemos. Para se fazer uma gréve é necessario a preparação antecipada. Pela accumulação de fundos de resistencia e saber se o que se deseja dos patrões é justo, attendendo aos interesses geraes do operariado que reclama. A quetão ventilada era no antender de muitos operarios de importancia relativamente mediocre e por isso talvez não encontrou o apoio geral de todos os companheiros. Aclaração Pede-nos o sr. João Manoel Dias Fereira, operário despedido da fabrica do sr. W. Robinson para no intuito de despezas boatos menos verdadeiros, propalados a respeito da sua interterencia na greve, que não é verdade ter este andado nas officinas comunican com os seus companheiros a largarem o trabalho, mas unicamente faria parte d’uma commissãs que devia falar com o sr. Robinson á própria hora do comflito; mas que não dhegou a falar por ter tocado o apito e terem sahido todos da fabrica.

O Corticeiro, n.º 3114, 29 de Julho de 1911, p. 4

O Intransigente, n.º 263, Portalegre, 30 de Julho de 1911

N.º 21 Greve na Fábrica Robinson (1911)

N.º 22 Greve na Fábrica Robinson (1911)

Gréve na fabrica Robinson Já na quinta feira, 27, entrou na sua normalidade o trabalho na fabrica de cortiça do sr. Robinson. A greve cahiu por falta de solidariedade entre os operarios, falta que elles explicam por não ter fundamento apreciavel as reclamações das suas companheiras grevistas. Foi portanto uma gréve furada em que perderam terreno aquelles que trabalham pela emacipação do operariado. Entretanto folgamos que se restabelecesse o trabalho porque a paralisaçãs da fabrica, desde que o operariado não está preparado para uma resistencia e lucta com falta de meios de subsis-

Gréve dos operarios rolheiros O facto culminante da semana foi a gréve do operariado da fabrica de rolhas do sr. George W. Robinson. Na terça feira ultima por 11 horas da manhã, inesperadamente, tocou o apito da fabrica, o que deu logar a alamar-se a cidade inteira. O que dera motivo ao toque fora o seguinte: De ha tempos existia entre os operarios a desconfiança de que o encarregado da officina de rolhas á machina, em que se empregam mulheres, João Pereira, entretinha relações ilicitas com uma operaria, e que nas horas do descanço, esta ficava no

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edificio e com ella o encarregado. Este facto trazia indignadas as restantes companheiras, que formaram uma commissão para traduzir as suas queixas perante o patrão. Parece que as recebeu o sr. Dawson, que mandou para lá o operario Joaquim Baptista em substituição do Pereira. Tendo pedido, porem, as operarias a substituição dos encarregados de todas as officinas de mulheres por operarias, e vendo que não eram satisfeitos os seus desejos, visto o patrão ter declarado que o serviço não podia ser feito por mulheres, estas resolveram abandonar o trabalho e foram pelas demais officinas pedir a adhesão dos companheiros. O sr. Robinson vendo, então, a attitude do seu operariado depois de lhes indicar que retomassem o trabalho, não sendo attendido, mandou evacuar a fabrica. Os operarios sairam, e, numa sala da Cooperativa Operaria, trataram do assumpto, constituindo-se uma commissão nomeada para se entender com o sr. Robinson, e outra commissão de vigilancia que ficasse em sessão permanente para tratar da resolução da gréve. A commissão foi recebida ás 6 horas da tarde pelo sr. Robinson e ás 7 horas, na séde da Associação de Classe dos Corticeiros, esta commissão dava conta aos companheiros do seu mandato, que se resume no seguinte: O patrão mantinha a resolução tomada, quanto ao encarregado, não acceitava a condição imposta e abriria a fabrica para os que quizessem trabalhar. Effectivamente, no dia seguinte, tocava ás horas costumadas o apito, não entrando senão poucos operarios, porque as mulheres, em frente de portão do edificio, de mãos dadas e em linha, evitavam a entrada dos companheiros. Esta situação não se manteve completa, ao apito das 2 horas da tarde, em que já a policia compareceu e uma grande parte do operariado entrou, retomando o trabalho. Esta resolução de os operarios voltarem ás officinas deve-se a que uma grande parte d’elles não se coadunavam com o movimento grévista. No dia de quinta feira já o serviço estava completamente normalisado, sendo despedidos sómente um operario e duas operarias.

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Notas Foram presos dois indivíduos que dizem ser operarios rolheiros em Extremoz e estavam incitando os operarios á gréve e a praticar violencias, sendo enviados para juízo. - A proposito d’uma phrase que se attribue ao sr. Robinson foram chamados ao escriptorio d’aquelle industrial alguns operarios. - Para a solução rapida da greve, muito contribuiram os esforços empregados pelo sr. governador civil, que, encarregado pelos operarios, se entendeu directamente com o sr. Robinson. A Plebe, n.º 827, 30 de Julho de 1911, p.3

N.º 23 Greve na Fábrica Robinson (1911) Pela policia – Por serem arguidos como incitadores á greve que ha dias se declarou na fabrica do sr. Robinson e por terem feito ao mesmo industrial, manifestações criminosas, foram enviados para o poder judicial, os operarios Antonio Nunes Curto, natural de Lisboa e Augusto Maria Penso, natural de Extremoz. A Plebe, n.º 827, 30 de Julho de 1911, p. 4

N.º 24 Greve na Fábrica Robinson (1911) Occorrencias policiaes Foram autuados e entregues ao poder judicial, Augusto Maria Penso, rolheiro, natural e residente em Estremoz, e Antonio Nunes Curto, d’egual profissão, natural de Lisboa, residente em Estremoz, por terem incitado á greve os operarios rolheiros da fabrica do Sr. Robinson, e terem feito manifestações com intuito criminoso. O Distrito de Portalegre, n.º 1886, 30 de Julho de 1911, p. 3


N.º 25 Greve na Fábrica Robinson (1911) [grafia actualizada] Ocorrências policiais Foram enviados ao poder judicial Augusto Maria Penso, natural de Estremoz, e António Nunes Curto, natural de Lisboa, arguidos de incitarem à greve os operarios da fábrica de rolhas de George Robinson e de terem feito manifestações criminosas ao mesmo industrial. O Intransigente, n.º 263, Portalegre, 30 de Julho de 1911, p. 3

N.º 26 Greve na Fábrica Robinson (1911) Portalegre Camarada redactor: Peço-lhe a fineza de dar publicidade no jornal «O Corticeiro» bastante conceituado afim de fazer constar a todas as classes trabalhadoras o que se acaba de passar aqui n’esta localidade entre os operarios corticeiros, e o capital. Há dias foi alarmado o pessoal da fabrica de cortiça do Robinson com a noticia de que na officina das mulheres o encarregado João Pereira, mantinha dentro da fabrica relações amorosas com uma mulher casada. Pois bem o industrial Robinson em vez de attender o pedido dos operários Carolina Salvaterra e Amelia Bispo afim de que o encarregado fosse retirado d’aquella officina despediu as referidas operarias, que reclamavam como medida moralisadora que aquelle fosse substituído por uma mulher. Nada mais justo. Porém o industrial Robinson, protestante e moralista género inglez, aproveitando a occasião pretendeu vingar-se das referidas operarias por ellas serem leitoras assiduas dos jornaes libertarios. Os operarios protestaram contra o injusto despedimento motivo porque o industrial fechou a fabrica mandando

sahir o pessoal no prazo de dez minutos. Isto deu-se pelas 11 horas da manhã ficando logo toda a cidade alarmada com o facto. Começa aqui a obra maldita do industrial e da auctoridade como se vae ver. Os operarios em face do insolito procedimento do industrial reuniram na cooperativa operario e ali nomearam uma commissão afim de ir entrevistar o industrial procedendo em tudo com a maior correcção. Eis o que respondeu o industrial á commissão segundo é voz corrente: – Escusam de se cançar porque se eu entender e me dér na vontade vou amanhã á fabrica e lanço fogo a tudo aquilo porque é meu e como tenho muito dinheiro e muito que comer vou-me embora e vocês ca ficam a morrer de fome, e olhem que sou capaz de o fazer. Tal foi, conforme constou, o que disse o industrial aos operarios que o teem enriquecido. A commissão voltou á assembléa a dar conta do seu mandato, que recebeu a resposta indignadamente declarando-se em gréve e nomeando commissões de vigilancia afim de evitar, que algum mal intencionado deitasse fogo á fabrica ou ainda o proprio industrial em virtude das declarações feitas á commissão. Uma outra commissão, foi conferenciar com o governador civil participando-lhe o facto e pedindo providencias. Vejamos agora o que o governador civil disse á commissão. Eu não consinto a gréve senão nas condições seguintes: Quem não desejar trabalhar não trabalha, não admittindo de modo algum que se impeça a entrada a quem quizer trabalhar, senão se fizer assim procederei contra os que desacatarem estas ordens. Isto indignou os operarios que tentaram manter a gréve a todo o transe. O governador civil andou illudindo a classe corticeira dizendolhe que fosse trabalhar de manhã e que não se importasse se alguem era despedido ou se fechavam quatro officinas como affirmava o industrial. Para se ver como elle cumpriu a sua palavra ahi vae uma amostra dos resultados da gréve. O camarada Emilio José Gazalho foi despedido, pois o governador civil disse aos operarios que não fizessem gréve, que elle lhes arranjaria um emprego o que não fez.

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Como o governador civil visse que os seus planos eram frustrados, começou por dizer, que ia mandar sahir o regimento do 22, cavallaria e toda a tropa que fosse precisa e mandaria carregar sobre os grévistas se elles não retomassem o trabalho e que os manadaria fusilar se tanto fosse necessário. A estas palavras responderam os camaradas Jacintho Betencourtt e José Miranda, que a moderna republica portugueza empregava processos de fusilamento, como as antigas republicas e que isso era a negação de tudo quanto tinham apregoado os falsos democratas da liberdade, egualdade e fraternidade. O governador civil disse, que se assim procedia era porque tinha poderes para isso. Agora perguntamos nós aos corticeiros será ou não tudo isto á paga condigna dos operários terem incesado as auctoridades republicanas? Revejam-se na licção dos factos!... Durante a noite do dia em que se deu a gréve commissões de vigilancia rondavam a fabrica não deixando circular senão aquelles a quem reconheciam serem inofensivos. Pela manhã os operarios em massa com as operarias a frente aglomeraram-se em frente da porta da fabrica formando um cordão afim de impedir que alguem podesse furar a gréve. O guarda portão João José d’Oliveira, mais conhecido pelo Pá-de-Pana começou a empurrar as mulheres fazendo-as afastar do portão o que lhe ia custando bem caro a ousadia se não se refugia no interior da fabrica. Ás 6 horas toca o apito para a entrada na fabrica sendo então dito pelo referido Pá-de-Pana, que o industrial tinha auctorisado a entrada a quem o desejasse fazer. Só dois operários entraram saltando por cima das mulheres que se encontravam sentadas, Côrte Real e João Mendes, não respeitando assim as resoluções da assembléa geral e abusando das mulheres como se fossem cousa inutil. Como mais ninguém tivesse entrado o industrial chamou as mulheres que tinham sido despedidas aconselhando-as a retirar para casa e irem quando elle as mandasse chamar e o resto do pessoal podia entrar. Então levantaram-se protestos e gritos ou trabalhavam todos ou ninguem.

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N’estas circumstancias o industrial mandou parar as machinas para abrir ás 9 horas afim de ver se alguem queria entrar. A esta hora entraram os operários seguintes: Estevão Godinho (O Pé Descalço) Annibal Francisco, Manuel Bolvi, Antonio Bajaco, Francisco Carrejola, Manoel da Horta, Antonio da Ribeira de Niza, João Mendes, Augusto Bagina, José Marcelino, José Mendes e Mourato. Quando entraram na fabrica foram apodados de traidores. Depois d’isto foi pelo governador civil chamada a commissão sendo-lhe dito que estava já resolvido com o industrial que ás duas horas fosse tudo trabalhar e que ninguem seria despedido. Ás duas horas da tarde tudo entrou para a fabrica e depois todos se encontrarem nos seus logares despediu as duas mulheres já citadas e João Pilatos e mandou fechar as quatro officinas que mais tinham auxiliado as mulheres. Tudo isto se passou com auxilio da auctoridade que se comprometeu a exemplo de Ferreira do Amaral a que ninguem seria perseguido se elles se submetessem. Á noite como se desconfiasse que um gesto que fez o industrial com um cavallo marinho era d’ameaça para os operários houve discussão entre camaradas Antonio Curto e A. Penso que tinham vindo de Estremoz vender rolhas e alguns corticeiros d’esta cidade a quem disseram, que se a gréve se tivessé dado n’outra parte nem a gréve era furada, nem se consentia que o industrial insultasse os operarios. Pois foi isto o bastante para que fossem presos tendo-se inventado para justificar as prisões, e mantel-os-incommunicaveis que elles haviam dito que eram capazes de matar o industrial, o que é falso como se prova com testemunhas. O industrial tendo reconhecido que tinha feito tolice em dizer á commissão, que deitaria fogo á fabrica se assim o entendesse, mandou chamar os camaradas que compõem a commissão e que são: José Miranda, Francisco Ferreira, Ignacio Miranda, João Lourenço da Silva, Antonio Severo, José dos Remedios, José Maria Frazôa e Pedro Caroço de que os ia processar em consequencia de terem propalado que elle deitaria fogo á fabrica se assim o entendesse.


Segundo nos consta, a commissão está no firme proposito de manter o que disse não temendo ameaças e dizer tão sómente a verdade. Honra lhe seja feita. Carlos Pereira Ramos O Corticeiro, n.º 115, 5 de Agosto de 1911, pp. 3-4

N.º 27 Greve na Fábrica Robinson (1911) Portalegre Camarada redactor: Não posso de maneira alguma deixar de lhes relatar o que se passou n’esta cidade em uma gréve que durou dia e meio sendo eu secretaria da Associação dos Corticeiros onde era bastante estimada, hoje porem é possível que tal não succeda por que vejo os traidores são mais estimados que os companheiros leaes. Em consequência da gréve fui despedida juntamente com outra companheira e um companheiro ficando nós sem pão e na miseria. Sômos victimas d’uma vingança do industrial, esse monstro maldito que tudo esmaga com o capital que possue. Eu desculpo os camaradas que não souberam manter a gréve com dignidade prejudicando-nos impensadamente desejando nós porem que nos auxiliem em tudo o que lhe seja possivel. Agora camarada redactor vou esclarecel’o ácerca do que originou a gréve. Na officina das machinas de quadrar e fazer rolhas estava um encarregado que mantinha relações com uma mulher casada, alem d’este encarregado outros tem havido que também teem tido amantes o que é vergonhoso para os nossos sentimentos de mulheres honestas. Tanto dentro da fabrica como fóra d’ella aquella officina tinha uma reputação escandalosa. Para por termo a este estado de cousas fomos expor ao industrial os factos que narrâmos dizendo elle que seriamos attendidas. No outro dia porem disse que ele é que mandava na sua casa e não acce-

dia ao nosso pedido do encarregado ser substituido por uma mulher, que as ha na officina mais habilitadas que os homens. E’ preciso que se saiba que o pae do industrial quando veio para Portalegre apenas trazia a camisa no corpo. Portanto, pedimos a todos os camaradas corticeiros que nos auxiliem na medida das nossas forças. As victimas da gréve Carolina Piedade Salvaterra, Amelia Augusta Frazôa e João Manuel Dias Pereira. N. R. A todos os camaradas corticeiros, Associações de classe, Secções e Comités, que desejem auxiliar aquelles camaradas podem remeter os donativos para Carolina Piedade da Salvaterra, Rua Alexandre Herculano em frente do salão Paraizo, Portalegre.

Camarada redactor: Pedimos-lhe que rectifique parte da materia contida na correspondencia d’esta cidade assignada por Carlos Pereira Ramos; e que se refere ás palavras trocadas entre o industrial Robinson e a commissão dos grevistas, que não é a expressão da verdade. O periodo da correspondencia que pedimos para rectificar é este: – Escusam de se cançar porque se eu entender e me der na vontade, vou amanhã á fabrica e lanço fogo a tudo aquillo porque é meu e como tenho muito dinheiro e muito que comer vou-me embora e vocês ca ficam a morrer à fome, e olhem que sou capaz d’isso, Ora isto não é verdade, porque o industrial não poderia proferir taes palavras. No dia 24 do mez passado foi uma commissão de quatro operarias conferenciar com o industrial sr. Dosen, dando este as providencias seguintes: Substituição do encarregado João Pereira por outro não sendo as referidas operarias despedidas n’aquellla occasião e sim duas depois do conflicto. O resto do artigo é quasi todo n’este theor, pelo que não agradou á classe corticeira por não ser a expressão da verdade. Como membros da commissão vimos esclarecer a situação no que entendemos ser justo,

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A commissão. Antonio Casemiro da Silva, A rogo de José Carlos, por não saber bem ler nem escrever, Humberto Ribeiro d’Albuquerque, Antonio José Severo, Pedro Manuel Caroço e José dos Remedios. O Corticeiro, n.º 116, 12 de Agosto de 1911, p. 3

N.º 28 Greve na Fábrica Robinson (1911) Portalegre Camaradas: Apoz a solução de qualquer gréve bem ou mal succedida é necessário redobrar de energia e seguir com mais firmeza a propaganda do ideal redemptor da nossa emancipação social, que se aproxima de nós vertiginosamente. É preciso n’estes casos conhecer os verdadeiros traidores que urdem na sombra e tentam introduzir na nossa classe a intriga originando recriminações mutuas pelo mau sucesso gréve. N’este momento é o que aqui está succedendo, por isso camaradas, alerta contra os traidores, abramos bem os olhos, descubramos quem são os desorganisadores do nosso trabalho de emancipação do jugo patronal, e então mostral’os perante o publico votando-os ao desprezo. Consta, que uns certos indivíduos tentam expulsar de Portalegre um nosso companheiro e que entre os promotores d’essa explusão há protestantes, catholicos e alguns corticeiros. Sendo assim, muito teremos que conversar com os que no seu tabernaculo pregam contrictos o amor e a tolerancia entre os homens e na vida mostram ter coração de fera. Conversaremos também com os corticeiros que andam feitos locaios da Republica esquecendo a camaradagem que devem manter pondo-se incondicionalmente ás ordens dos patrões. Diz-se também, que alguns elementos preponderantes entre a classe corticeira foram prestar vassalagem ao industrial Robinson. Será verdade?

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Se assim fór é o cumulo do rebaixamento moral d’aquelles camaradas. Camaradas: Reparem bem no dia d’amanhã, os vossos companheiros vão sendo pouco a pouco expulsos pelo industrial apezar d’este se dizer tolerante e fechar os olhos no tabernaculo e pregar o amor entre todos os irmãos. E acaso a Associação dos Corticeiros protesta? Não, submetesse! Que vergonha para todos nós, que fazemos uma figura tristissima perante todos os corticeiros do paiz tendo a nossa associação interdicta pelo industrial. Continuaremos. A. E. O Corticeiro, n.º 117, 19 de Agosto de 1911, p. 4

N.º 29 Greve na Fábrica Robinson (1911) Portalegre Como covardes e poltrões se portaram dois esbiros aggredindo o nosso companheiro Carlos Pereira Ramos. Pelas circunstancias que revestiram a aggressão viu-se claramente, que os auctores da proeza foram instrumentos passivos d’alguem que tem todo o interesse em mandar provocar e offender o nosso amigo Ramos e preparar a sua expulsão. Descanse porem o mandatario e os seus rafeiros, que o facto de pretender inutilizar os operarios, que não lhe agradam, não impede que nós livres das mãos dos grandes liberaes da joven Republica continuemos na defeza dos ideaes que tanto vos assusta e vos confundem. Continuae pois na vossa tarefa ignobil, que não callareis nunca a voz dos opprimidos, que a toda a hora echoará para vos apontar os vossos crimes e despotismo de democratas intolerantes. Baldado trabalho o de aliciar com falsa rethorica defensores que em vez de rehabilitarem comprometem. Vamos fazer a autopsia moral aos traidores da nossa classe e verão depois os camaradas sinceros que os rafeiros do Grão Turco são em tudo eguaes ao seu dono.


Segundo nos informam um dos indicados capoeiras é habil em manejar o punhal, logo não será surpreza alguma, que n’um futuro proximo tenhamos a registar algum crime. A.E O Corticeiro, n.º 119, 2 de Setembro de 1911, p. 4

N.º 30 Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora (1912) Em Portalegre O operariado d’esta cidade, por uma fórma cordata e ordeira, e movido por um nobre sentimento de solariedade, depois de haver reunido na Cooperativa, resolveu ir junto do sr. governador civil, para por intermedio de s. ex.ª protestar perante o sr. ministro do Interior contra o que pelas noticias que tinha, julgava os abusos das autoridades d’Évora, pedindo que elas fossem demetidas e manifestando ao mesmo tempo o seu apoio moral, aos grevistas da capital alentejana. No Governo Civil, que desde que o sr. José d’Andrade Sequeira desempenha o cargo de primeiro magistrado do distrito, é uma verdadeira casa do povo e onde sua ex.ª recebe sempre todos os que o procuram dentro da puresa das suas normas de bom republicano, entrou uma comissão delegada da multidão operaria, que aguardava nos baixos do edifício, na segunda feira pelas 14 horas. Exposto pela comissão o fim a que se propunha, o sr. governador civil por forma amavel e atenciosa que a todos os comissionados muito cativou, trocadas breves impressões, gentilmente acedeu em expedir ao sr. ministro do Interior, um telegrama com a exposição do que os operarios desejam. A seguir, a comissão deu conta a quantos a aguardavam da forma carinhosa por que havia sido recebida, resolvendo voltar para a Cooperativa a aguardar os acontecimentos. E de facto a grande massa dos manifestantes para ali se encaminhou.

Uma pequena parte, porem, ficou á porta do governo civil, deixando transparecer claramente a estulta pretenção de que se devia exigir que o ministro respondesse imediatamente ao telegrama que lhe havia sido enviado! Parece impossivel, mas é verdade! Este pequeno grupo, porem, dos manifestantes, já não eram os verdadeiros operarios. Era gente mais que suspeita nos seus propositos e intenções de mistura com conhecidos frequentadores da taberna ás segundas feiras e mais dias da semana. Á hora habitual, o chefe do districto, saía do edifício do governo civil, sendo imediatamente rodeado por quantos ainda ali se encontravam, a quem explicou pela forma mais presuasiva a impossibilidade de obter uma resposta imediata ao telegramma que, a pedido da comissão, havia expedido. Parecendo ficar todos convencidos, s. ex.ª dirige-se ao automovel que o aguardava e sem que ninguem de ponderação o suspeitasse, levanta-se enorme e agressiva gritaria. Desce novamente do carro o chefe do distrito, e não fazendo uso da força de policia que ali se encontrava, com uma prudencia que nem todos seriam capazes de manter, dirige-se para o meio do grupo, interpela frente a frente os manifestantes mais exaltados, que cobardemente declinam a responsabilidade dos gritos que haviam soltado. Retira-se s. ex.ª e pelas costas, quando já não podia ouvir, nova algazarra se levanta, que deixou indignados a ponto de estarem iminentes conflitos pessoais, muitos que no local se encontravam. Horas depois, corria na cidade, que o governador civil se visto obrigado a fugir! O boato infame e infamante, as boas almas, os refinadissimos tratantes que mentem sem sombras d’escrupulo, para conspurcar a dignidade dos que tanto a presam como J. Andrade Sequeira que é mais que suficientemente brioso, que não foge nas ocasiões de perigo, como mais de uma vez em sua vida tem provado, com risco da propria existencia, em momentos dificeis de campanhas do ultramar!

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– No dia seguinte os cabeças de motim foram enviados para juizo. – Entre a grande massa operaria, e por honra sua, foi asperamente comentada, e não perfilhada, a atitude dos desordeiros manifestantes. A Plebe, n.º 827, 3 de Janeiro de 1912, p. 3

N.º 31 Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora (1912) Adhesão operaria Na ultima segunda feira reuniram no Salão da Cooperativa Operaria Portalegrense, as associações de classe dos Corticeiros, Manufactores de calçado e Alvaneos, fazendo uso da palavra differentes oradores das mesmas colectividades, que trataram dos tristes acontecimentos na cidade d’Evora. Em seguida, n’um numero extraordinario de pessoas, encaminharam-se para o Governo Civil, onde foram estar com o chefe do districto, solicitando de sua ex.ª, dignasse telegraphar ao governo, que as associações ali representadas em grande numero adheriram aos seus companheiros em greve na cidade de Evora e por isso eram seus desejos de que fossem satisfeitos os pedidos por elles apresentados ao governo. Foi enviado telegramma n’este sentido. O Distrito de Portalegre, n.º 1939, 31 de Janeiro de 1912, p.2

N.º 32 Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora (1912) Portalegre Em cousequencia do telegrama que de ahi recebemos quando da gréve geral, os corticeiros, sapateiros e alvaneos reuniram

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na cooperativa em assembleia geral lavrando-se um protesto contra as violencias das auctoridades em Evora, que foi levado ao Governador Civil, com quem se trocaram algumas palavras irritantes motivo porque em 29 de março foram presos e processados tres corticeiros soçios da associação, quatro sapateiros e um barbeiro. Pedimos á Federação Corticeira nos indique a melhor forma de procedermos nesta conjuntura. A Direção N. R. Muito brevemente a Federação Corticeira vae occupar-se desse e outros assuntos que se prendem com os acontecimentos de janeiro findo, fazendo todo o possivel para que se remedeem todos os inconvenientes que houver. O Corticeiro, n.º 146, 13 de Abril de 1912, p. 4

N.º 33 Solidariedade com os trabalhadores rurais de Évora (1912) Pelo tribunal Estava marcado para o dia 17 do corrente o julgamento em processo correcional de Gervasio Augusto Madeira, Antonio Teixeira, Manuel Esquetim, Carlos Pereira Ramos, Joaquim Maria Carrapiço, Antonio Soares, Francisco Cabecinha e Domingos Batista, todos d’esta cidade, acusados pelo Agente do Ministerio Publico de terem ofendido por palavras o Doutor José d’Andrade Sequeira, quando exercia as funções de Governador Civil d’este distrito, crime previsto e punido pelo artigo 181.º do Codigo Penal. Como nenhum dos arguidos tivesse advogado constituido, foilhes pelo Meritissimo Juiz nomeado advogadi oficioso o Dr. Antonio Sampaio que á ultima hora pediu escusa. Encontrando-se n’essa ocasião presentes dois advogados, o digno juiz encarregou da defêsa o mais velho d’eles – Dr. Almei-


da e Souza – o qual declarou que aceitava a defêsa, mas que precisava de uma conferencia previa com os arguidos, visto que apenas conhecia um d’eles e precisava de os ouvir sobre a defèsa que tinham a apresentar. Com a devida autorisação, passou o referido advogado a conferenciar com os arguidos e, finda essa conferencia, voltaram a sala do tribunal, ditando em seguida o Dr. Almeida e Souza o seguinte requerimento, que foi exarado na acta: «Na sessão da Camara dos Deputados de 14 de Maio corrente foi apresentado um projecto de lei, assinado por vários deputados, cujo texto consta do jornal Diario de Noticias n.º 16705, de 15 do corrente mez, pelo qual se aclarava e interpretava a lei de 4 do corrente sobre a amnistia concedida a todos os individuos implicados em casos de gréve que estivessem presos ou tivessem sido pronunciados á data da promulgação d’essa lei. Tal projecto foi aprovado n’aquela camara, como se vê do Sumário da sessão da mesma Camara de 14 de Maio corrente, a paginas 1039, 1.ª coluna, embora a comissão de legislação criminal lhe tenha introduzido quaesquer alterações na redacção, como se do referido Sumário. Transitou esse projecto para o Senado e tambem mereceu a sua aprovação, como se póde ver no jornal Diario de Noticias de ontem 16 do corrente, n.º 16706. Vê-se pois que o Congresso da Republica tornou extensiva a amnistia concedida pela citada lei de 4 de Maio a todos os factos puniveis, que, relacionando-se directamente com casos de gréve, os tenham precedido, acompanhado ou seguido e que não tenham importado crime de homicidio nem qualquer dos crimes previstos na lei de 30 d’Abril ultimo. E, porque todos os arguidos n’este processo o são precisamente porque, no pleno uso do seu direito de cidadãos livres, protestaram com fundamento que se lhes afigurou justo, e reclamaram do então governador civil deste distrito que solicitasse providencias da autoridade superior relativamente aos casos da gréve d’Evora, facto que se deu justamente no dia em que

essa gréve estava na sua fase mais aguda, não póde restar duvida de que este processo, como d’éle se vê passim, teve por causa inicial um caso de gréve que foi a sua origem; e portanto, por esta relação intima de causa para efeito, deve aproveitar aos arguidos a aclaração já decretada pelo Congresso, á qual, para ser lei d’este paiz, apenas falta a promulgação do Chefe do Estado, que tudo leva a crer, será feita dentro d’um praso de poucos dias. N’estas condições seria inutil e até pouco equitativo que, decretada, como está, pelo Congresso uma aclaração à lei da amnistia oitada, este tribunal fizesse hoje este julgamento para – quem sabe? – amanhã o ilustre juiz ter de lhe aplicar uma amnistia. Acresce que a já bastante longa prisão de sete dos arguidos não deve ser agravada com a tortura d’um julgamento, que constitue um suplicio para os reus sem ser util á sociedade. E já que – donde menos era de esperar – houve tão pouca generosidade para com estes infelizes filhos do povo, bem dignos de melhor sorte; já que a sorte foi tão descaroavel para com eles que os atirou durante quasi dois mezes para a escuridão d’uma cadeia – emquanto outros mais felizes, tendo aliás praticado actos mais censuraveis do que estes, ficaram impunes e andam gosando o sol acalentador desta suave primavera –, justo é que pelo menos quando uma amnistia, cheia de generosidade està prestes a ser-lhes proveitosa, este tribunal mostre a mesma generosidade e compaixão, como testemunho eloquente de que aqui dentro não se sabe o que é paixão e mau humor, mas apenas impéra a serenidade calma que dignifica, e o respeito pelos altos principios da justiça, que, ainda não existam nas leis, são patrimonio da consciencia colectiva e muito especialmente dos magistrados encarregados da aplicação das mesmas leis. N’estes termos requere-se que este julgamento seja adiado até que transformada que seja em lei a ampliação já decretada pelo Congresso sobre amnistia, se veja se ela é ou não aplicavel aos arguidos».

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O meretissimo juiz, ouvido o Agente do Ministerio Publico que declarou nada ter a opôr, deferiu ao requerido, adiando o julgamento e em seguida lembrou aos arguidos não afiançados que, por força da lei, êles tinham novamente de recolher á cadeia, a não ser que consseguissem arranjar fiador. o que muito agradavel lhe seria, atentas as circumstancias especiaes em que se encontram. Levantou-se então o dr. Almeida e Sousa, seu advogado, e declarou que sendo ele a causa d’este adiamento não podia consentir que, por virtude do seu modo de ver como advogado os arguidos tivessem de soffrer mais tempo de prisão, embora preventiva, e que, desejando assumir completa responsabilidade pelos seus actos e opiniões, se oferecia como fiador de todos os sete reus não afiançandos, apesar de não os conhecer, e que n’esse sentido ia ser apresentado, como foi, requerimento ao meritissimo juiz. Prestada a fiança que estava arbitrada em 200$00 réis para cada reu, foram estes postos em liberdade. O facto produziu no auditorio, que era numeroso, grande sensação. Quando o sr. dr. Almeida e Souza, sabia do Tribunal o povo louvava sua ex.ª pela nobre acção e ao abraçal-o, o distincto advogado disse: Não quero manifestações, não quero manifestações d’especie alguma.

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Os arguidos foram depois a casa do sr. dr. Almeida e Souza, agradecer o grande favor, que sua ex.ª lhes acabava de fazer. O Distrito de Portalegre, n.º 1970, 19 de Maio de 1912

N.º 34 Greve na Fábrica Pequena (1920) Em Portalegre estão em greve os operários da fiação Os operarios da fabrica de fiação, conhecida como Fabrica Pequena e pertencente ao Sr. Oliveira Meca, do Porto, estão em greve há dias. Os operários, que ganham uns salarios de 1$40 a 1$80 pediram um aumento de 40%; o proprietario da fabrica concedeu-lhes 10% mas com a condição de trabalharem mais 2 horas por dia. Os operarios publicaram um manifesto dando explicações ao publico e declararam a gréve. Os salarios são insignificantes e a concessão de 10% é pouco menos que irrisorio, atendendo à carestia da vida que, por assim dizer, cada hora se faz sentir mais e mais. A Pátria, n.º 1061, Lisboa, 11 de Setembro de 1920, p. 5


Resumos e palavras-chave Abstracts and keywords Resúmenes y palabras clave

Publicações da Fundação Robinson 23, 2012, p. 60-61, ISSN 1646-7116

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PORTUGUÊS

ENGLISH

ESPAÑOL

Conflitos sociais em Portalegre no tempo dos Robinson

Social Conflicts in Portalegre during the Robinson period

Conflictos sociales en Portalegre en la época de los Robinson

Nesta edição das Publicações da Fundação Robinson focam-se os conflitos sociais e laborais ocorridos no concelho de Portalegre entre os finais do século XIX e 1920, tendo por base documental a imprensa local e nacional. Durante este período destacam-se no tecido industrial portalegrense a indústria corticeira e de lanifícios, ambas de tradição secular e empregando milhares de operários. É sobretudo no seio destas unidades industriais que, a par das novas sociabilidades promovidas pelo liberalismo, se vão formando movimentos organizados de classes – como os corticeiros – que reivindicam direitos sociais compatíveis com sua condição operária e que manifestam uma solidariedade de classe até então desconhecida.

This issue of the Publications of the Robinson Foundation is focused on the social and labour conflicts which occurred in the district of Portalegre between the late nineteenth century and 1920, based on documentation from the local and national press. During this period the cork and woollen industries were particularly strong in the Portalegre industrial fabric, both with a centuries-long tradition and which employed thousands of workers. It is mainly within these industrial sectors, alongside the new sociability promoted by liberalism, that class movements were formed – such as that of the cork workers claiming social rights compatible with their working condition and showing a hitherto unknown class solidarity.

En este número de las Publicaciones de la Fundación Robinson se enfocan los conflictos sociales y laborales acaecidos en la región de Portalegre de finales del siglo XIX a 1920, teniendo como base documental la prensa local y nacional. Durante este periodo se destacan, entre las industrias de Portalegre, la industria corchera y las lanas, ambas de tradición secular y que empleaban a miles de obreros. Es sobre todo en el seno de estas unidades industriales donde, junto a las nuevas relaciones sociales animadas por el liberalismo, se van formando movimientos organizados de clases – como los corcheros – que reivindican derechos adecuados a su condición obrera, y que manifiestan una solidaridad de clase desconocida hasta entonces.

Palavras-chave Séculos XIX e XX Portalegre Indústria Operariado Associativismo Sindicalismo Lutas Sociais Greves

Keywords Nineteenth and twentieth centuries Portalegre Industry Working class Associational Life Trade Unionism Social struggles Strikes

Palabras-clave Siglos XIX y XX Portalegre Industria Obreros Asociativismo Sindicalismo Luchas Sociales Huelgas

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