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A crise existencial das AFP chilenas
A CRISE
EXISTENCIAL DAS AFP CHILENAS
Os contínuos resgates de dinheiro aprovados pelo governo para atenuar os efeitos económicos da crise de COVID-19 fieram minguar o património dos fundos de pensões privados e deixou de fora do sistema milhões de chilenos.
Historicamente, o Chile tem sido visto pelas gestoras internacionais como o mercado por excelência na América Latina. Trata-se de um negócio dominado fundamentalmente por grandes investidores institucionais. Na região, os principais clientes das entidades estrangeiras são as AFP, um reduzido grupo de fundos de pensões privados, que gerem volumes muito elevados.
De acordo com os dados da Comissão Classificadorade Riscos do Chile, as AFP gerem 172.000 milhões de dólares, dos quais 95.000 estão investidos em fundos de entidades estrangeiras. Esses montantes forneceram-lhes um grande poder de negociação.
Quando se sentam à mesa, exigem por contrato às entidades com quem trabalham ter acesso à classe de fundo mais barata de que dispõem, seja qual for o canto do planeta em que a comercializam. Quando investem, os tickers costumam ser elevados, embora seja um tipo de investidor com o qual a gestora corre alguns riscos. O seu posicionamento nem sempre é a longo prazo; podem ser muito táticos,
provocando violentas oscilações nos fluxosde um fundo em períodos muito curtos de tempo.
MODELO EM QUESTÃO
Hoje, este bastião de que ainda dispõem as gestoras internacionais na América do Sul está em perigo. A crise de COVID-19 levou a um questionamento do modelo das AFP. Não as põem em causa apenas as autoridades políticas chilenas, mas também a própria sociedade, onde existe um debate muito acesso.
Para compreender o que está a acontecer, importa explicar este modelo e a forma como o Chile tentou travar os efeitos económicos provocados pela pandemia. No que diz respeito à sua estrutura, o sistema de pensões passou do antigo modelo de distribuição clássica, no qual os pensionistas recebiam as contribuições dos trabalhadores ativos, para um sistema de capitalização individual.
OS TRÊS RESGATES
“Inevitavelmente, todo o trabalhador deve aportar um mínimo de 10% do seu salário, realizando este pagamento
RANKING
AS GESTORAS INTERNACIONAIS COM MAIS ATIVOS NAS AFP CHILENAS
Os dados contemplam unicamente volumes em fundos de gestão ativa
GESTORA PATRIMÓNIO (MILHÕES DE DÓLARES) QUOTA DE MERCADO
1 Schroders
7.651 10,40%
2 J.P. Morgan AM 3 Baillie Gifford 4 PIMCO 5 DWS 6 Allianz Dresdner Asset 7 Robeco 8 NinetyOne 9 Moneda AM 10 HSBC Global AM
5.736 7,80%
5.147
7,00% 4.163 5,60% 3.719 5,00% 3.619 4,90% 3.355 4,60% 2.526 3,40% 2.315 3,10%
2.257 3,10%
11 Veritas 12 Goldman Sachs AM 13 Dimensional 14 Pictet AM 15 UBS AM 16 abrdn 17 BNP Paribas AM 18 PineBridge 19 Invesco 20 Lord Abbett 21 AXA IM 22 Lazard 23 Man GLG
2.138 2,90% 1.837 1.632 1.590 1.571 1.549 1.546 2,50% 2,20% 2,20% 2,10% 2,10% 2,10% 1.485 2,00% 1.437 1,90%
1.431 1,90%
1.324 1,80%
1.242 1.231 1,70% 1,70%
24 Barings 25 BlueBay 26 Amundi 27 GAM 28 Berenberg 29 Nomura 30 Vontobel AM 31 Larrain Vial 32 Fidelity Investments 33 Janus Henderson Investors 34 BlackRock 35 Credit Suisse AM 36 AQR 37 Eastspring 38 Morgan Stanley IM 39 Vanguard 40 Doubleline TOTAL
1.163 1.118 1.028 1,60% 1,50% 1,40%
969 964 892 801
1,30% 1,30% 1,20% 1,10% 657 0,90% 631 0,90% 567 0,80% 499 0,70% 417 0,60% 400 0,50% 298 0,40% 279 0,40% 262 0,40% 249 0,30% 73.726 97,3%
Fonte: Comissão Classifiadora de Riscos do Chile a 31 de outubro de 2021. Taxa de câmbio euro-dólar: 0,856 a 18 de janeiro de 2022.
INVESTIMENTO OFFSHORE DAS AFP CHILENAS
Mais de metade das carteiras das AFP está investida offshore
FUNDO DE PENSÕES PATRIMÓNIO (MILHÕES DE DÓLARES)
QUOTA DE MERCADO (%) INVESTIMENTOS OFFSHORE INVESTIMENTOS OFFSHORE / PATRIMÓNIO TOTAL
AFP Capital AFP Cuprum AFP Habitat AFP Modelo AFP Planvital AFP Provida
34.175 19,80% 18.219 53,30% 33.990 19,70% 19.609 57,70% 50.145 29,10% 28.737 57,30% 8.649 5,00% 5.059 58,50% 6.046 3,50% 3.236 53,50% 38.588 22,40% 19.776 51,20%
AFP Uno TOTAL
893 0,50% 481 53,90% 172.486 100% 95.116 55,10%
Fonte: Comissão Classifiadora de Riscos de Chile a outubro de 2021. Taxa de câmbio euro-dólar: 0,856 euros a 18 de janeiro de 2022.
unicamente pelas AFP autorizadas pelo Estado”, explica Andrea Carreras-Candi, diretora da EFPA España. “Em 2008, o governo chileno realizou uma grande reforma, introduzindo o Pilar Solidário, financiadopelo Estado e dirigido a 60% da população com menos recursos, que nunca tinham contribuído ou que recebiam pensões muito baixas, ao terem contado com um salário muito reduzido durante a sua vida laboral”.
Estalou a pandemia e chegou a crise. Para fazer face aos estragos económicos, o governo autorizou os participantes a resgatar 10% do seu plano de pensões. Aplicou-se em julho de 2020, com um limite de quatro milhões de pesos chilenos, o equivalente a 5.000 dólares.
Foi a primeira das três janelas de liquidez que se abriram para que os investidores pudessem retirar o seu dinheiro, já que em dezembro desse mesmo ano e em março de 2021 se autorizariam o segundo e o terceiro resgates sob as mesmas condições. De acordo com os dados reportados pela Superintendência de Pensões, os resgates nestes três processos somariam no total 50.000 milhões de dólares. Desse dinheiro, quase afetou fundos internacionais, centrando-se as saídas em produtos de ações americanas, japonesas e europeias; os ativos mais líquidos.
Representou uma entrada brutal de dinheiro na economia chilena, de mais de 20% do seu PIB, já que a maior parte se destinou a consumo. “A consequência é uma inflaçãopróxima de 6%, uma subida das taxas de juro e das hipotecas e uma queda do volume de empréstimos hipotecários, tendo-se reduzido o acesso ao crédito”, aponta Gonzalo Rengifo, diretor geral para a Península Ibérica e América Latina da Pictet AM, uma das muitas gestoras internacionais que, por causa de laços históricos e culturais, cobrem a região a partir do seu escritório ibérico.
MENOS PARTICIPANTES
No entanto, estas não foram as únicas consequências. A Associação AFP
A ASSOCIAÇÃO AFP DO CHILE ESTIMA QUE, DEPOIS DOS TRÊS RESGATES, 20% DOS AFILIADOS JÁ NÃO DISPONHAM DE DINHEIRO EM CONTAS INDIVIDUAIS. UM NOVO RESGATE FARIA COM QUE 4,5 MILHÕES FICASSEM SEM POUPANÇAS PARA A REFORMA VIA AFP
do Chile, estima que, depois dos três resgates, 20% dos afiliados já não dispõe de poupanças nas contas individuais. Um novo resgate de outros 10% faria com que outros 2,4 milhões ficassem fora do sistema das AFP. Consequentemente, 4,5 milhões de cidadãos ficariam sem poupanças para a reforma por esta via.
A proposta de permitir uma quarta retirada antecipada de outros 10% esteve muito próxima de ver a luz do dia. A câmara de deputados aprovou, mas requeria o apoio de 25 senadores. Recebeu 24 votos a favor. A iniciativa do projeto passou para uma comissão mista formada por representantes de ambas as câmaras, que finalmentea declinou. Mas o debate ficoulançado.
Existe uma confluênciade fatores que fazem com que o futuro das AFP seja muito incerto. Por um lado, está a vitória nas eleições do passado mês de dezembro de Gabriel Boric, da ala esquerda, partidário de abrir novas janelas de liquidez para que os chilenos possam resgatar o seu dinheiro. Por outro lado, sucedem-se as iniciativas parlamentares de partidos políticos de centro-direita que, temerosos sobre as possíveis políticas confiscatóriasque pode colocar em marcha o novo inquilino do Palácio da Moeda, instam não só a permitir novos resgates de 10%, mas até um definitivode 100%.
Na América Latina há precedentes. No Perú, Ollanta Humala disse que ia expropriar as pensões. No finalde contas, fez marcha atrás e permitiu uma retirada de 30%.
Aprovando-se a proposta de facilitar o reembolso total seria o fimdas AFP, o finaldos fundos criados há 40 anos para complementar os rendimentos dos chilenos na sua reforma. Seria o fimdo que para muitos foi um modelo de êxito na América Latina e também de um negócio para aquelas gestoras internacionais que conseguiram entrar nas carteiras destes grandes investidores institucionais.
Entrar num avião para empreender o longo caminho para Santiago perderia muito sentido.
NER T PAR
A OPINIÃO
DE ÁLVARO FERNÁNDEZ E MARIO GONZÁLEZ
Co-responsáveis de Desenvolvimento de
Negócio, Capital Group na Península Ibérica
COMO FAZER FACE ÀS QUEDAS DE MERCADO
Não seríamos humanos se não tivéssemos medo das perdas; o instinto natural é fugir dos mercados quando caem a pique. Estes sete princípios podem ajudá-lo a combater o impulso de tomar decisões emocionais em tempos de incertezas.
1. As ações historicamente tendem a oferecer retornos positivos no longo prazo, mas as quedas de mercado são inevitáveis; a boa notícia é que não duram eternamente. 2. A evolução do mercado a curto prazo é imprevisível, e os investidores que se mantêm à margem arriscamse a registar perdas nos períodos de fortes subidas após das quedas. 3. É normal que os investidores fiquemnervosos quando o mercado cai, mas a sua atuação nesses momentos marca a diferença entre o êxito e as perdas. 4. Um plano de investimento também pode ajudar os investidores a evitar decisões de investimento equivocadas. 5. A diversifiação pode contribuir para reduzir a volatilidade e evitar a tensão dos bear markets. 6. As ações são um elemento fundamental numa carteira diversifiada, mas as obrigações podem oferecer um certo equilíbrio.