boletim 6 - biblioteca mesmo, livro capas

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boletim 06

biblioteca mesmo, livrocapas




INFORME BIBLIOTECA MESMO

Como funcionário adjunto da repartição, no dia 17 do mês de setembro do corrente ano, apresentei ao público presente na Biblioteca do Sesc Prainha algumas considerações sobre a “biblioteca mesmo” e sobre o “livrocapa” que nesse breve informe de cunho técnico/ imaginativo passo a relatar.

[Rrlegpjjscremcljfr]. Enfim o que contém os livros? “Todos os livros, por mais diversos que sejam, constam de elementos iguais: o espaço, o ponto, a vírgula, as 23 letras do alfabeto”. Diria Borges que “Falar é incorrer em tautologias”.

E o que é um “livrocapa”?

A finalidade desse instrumento/informe, composto de palavras, é esclarecer determinadas dúvidas relativas aos procedimentos da repartição (biblioteca/livrocapa) e, além disso, registrar os artifícios do mesmo.

Ray Bradbury em Fahrenheit 451 aconselha não julgarmos um livro por sua capa. Os livros, segundo ele, são como os indigentes, “vagabundos em seu exterior e bibliotecas no seu interior”. Mas o que acontece com um livro que é apenas capa? Seu exterior passa ser seu interior e viceversa.

O que é a “biblioteca mesmo”?

Um livrocapa, como um casaco, veste outros livros ou coisas que podem se tornar livros (é sempre um bom abrigo, protege e transforma).

A biblioteca mesmo é uma biblioteca/ação formada a partir dos livros que são cobertos (sinalizados) pelo livrocapa ou dos livrocapas distribuídos. Por sua natureza avessa, a biblioteca mesmo é uma biblioteca invertida e o livrocapa um “abrigo”.

Como funciona a “biblioteca mesmo”? Na biblioteca mesmo os livros não permanecem em confinamento. Por isso, como anteriormente mencionado, dá-se o caso de uma biblioteca invertida. Explico, imagine dois tipos de usuários da biblioteca mesmo: o usuário que apresenta seu livro para ser coberto pelo livrocapa e o usuário que retira um livrocapa (uma folha carimbada com a palavra “livrocapa”), nas medidas que desejar (dentro das disponíveis) e dele faz-se um livro (apenas pela capa), faz-se livro cobrindo outros livros e objetos (fazendo deles livros) ou, se desejar, constrói/ inventa um conteúdo para o seu livrocapa. De qualquer modo, cada um sai com seu livrocapa (completo ou em construção) da repartição e para ela não retorna com o mesmo. A única coisa que permanece nos arquivos da biblioteca mesmo é um registro da existência de um acervo que se espalha, um acervo disperso, um acervo que deambula.

A “biblioteca mesmo” possui um avançado sistema de catalogação: Contratamos um funcionário invisível para realizar essa tarefa. Borges, na repartição, cada vez que é coberto um livro ou cada vez que é distribuído um livrocapa, registra as medidas do livro encapado ou do livrocapa distribuído. Juntamente com o registro das medidas dos livros ele acrescenta (ao cadastro da biblioteca mesmo) uma letra qualquer (que pode ser a primeira letra do nome do usuário) formando assim uma sequência de caracteres

REALIZAÇÃO

Ele, o livrocapa, funciona como uma espécie de dupla identidade para os que são abrigados. Passa ser livrocapa fulano de tal, livrocapa beltrano de tal, livrocapa sicrano de tal... O livrocapa, diferentemente da maioria dos livros, não tem uma medida fixa. Seu tamanho e formato dependem do livro que ele abrigará. Casacos pequenos, casacos médios, casacos grandes... Formatos quadrados, formatos retangulares, formatos irregulares... Abrigos opacos, abrigos semiopacos, abrigos translúcidos, abrigos semitranslúcidos. Um livrocapa pode existir por si só como livro e pode existir em seu sentido combinado. No primeiro caso temos um abrigo à espera de um abrigado e no segundo caso um abrigo que – com a ação de (re) vestimenta – incorpora o outro (re) vestido. A ação/intervenção de (re) vestir livros pode suceder de diversas maneiras. De assalto ou programada. Em caráter individual (apenas um livro) ou em caráter coletivo (vários livros). O livrocapa com sua ação quer recobrar o sentido caótico e coletivo da biblioteca reivindicado por Borges: “todos os livros contém as mesmas letras do alfabeto colocadas em ordens distintas”. Do mesmo Eu e você, assim como a biblioteca e o livrocapa, estamos completamente ou parcialmente sujeitos à república. Na república atual, curiosamente, os corpos que criam corpos (corpos intransigentes), são capturados como os poetas na República de Platão. Deles se pede distância, devem desaparecer para dar lugar aos ditos corpos produtivos. Silfarlem Oliveira Funcionário adjunto da biblioteca mesmo

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