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Esta é a primeira página de um livro. A primeira página de um livro-catálogo. A primeira página de um livro-catálogo acaba sendo a primeira página de um livro de livros. A primeira página de um livro-catálogo acaba sendo a primeira página de um livro sobre livros, porque as outras primeiras páginas desses livros existiram antes. A primeira página existe para que as outras possam existir na sequência, uma atrás da outra, presas por um grampo galvanizado, quando estão num grupo pequeno; ou com uma linha fina envolvida em cola, quando estão em bando; ou ainda, quando em multidão, precisam se organizar em cadernos. Ultimamente, a tecnologia de agrupamento tem sido só com o grude, o mesmo que se usa para consertar navios, talvez porque a maioria das páginas não sobrevive se for para o mar. Esta página poderia ser de papel Pólen com uma
Garamond bem serifadinha, como pedem os editores classudos, ou num brancão chapado, retinha, sem nada de barroco nas pernas das letras, como fazem os designers descolados. Tentei fugir dessas duas figuras que me rodeiam e apresento ela assim, como você está vendo, com a Roboto, talvez a Helvetica contemporânea do Google fonts, que é uma fonte versátil e de graça. Esta é a primeira página de um livro. Teve a petulância de vir na frente, bem na cara, antes da folha de rosto. Chutou a porta do prefácio, da epígrafe, da introdução, da folha de créditos, da folha de guarda e de todas as que querem ser abre-alas. Esta é a primeira página deste livro porque ela quis, e eu, editora, me deixei levar pela vontade dela, mesmo que um catálogo seja um livro de editor/a porque é um um livro de livros. Um livro de editora é meio que o espaço das coisas que estão, porque a editora mora no espaço do pontapé inicial. Esta primeira página também é assim: ela aparece como a primeira coisa aqui, ela está te segurando numa leitura que demora, ainda que seja para indicar o que virá daqui a pouco, quando você molhar o dedo na língua e a deixar para trás, ou quando você empurrar a barra de rolagem para baixo e der um clique se estiver com uma página digital, para ler a página da sequência: a segunda, a terceira e o bando todo.
Esta é a segunda página de um livro. A segunda página de um livro-catálogo. A segunda página de um livro-catálogo acaba sendo uma segunda página de um livro de livros. Esta é a segunda página, aquela que era para ser em branco, porque o texto anterior não foi grande o suficiente para correr para cá. Esta é a segunda página, as costas da primeira — juntas, as duas formam uma folha. Mas, como esta é o verso daquela, que é uma página faladeira, cansada de escutar até agora, ela também quis a tua leitura: não ficou mais em branco.
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Esta é a página que seria só para o título.
editora
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editora editora. Escolhi esse título com duas palavras iguais, ou a mesma palavra. A primeira “editora” se refere ao substantivo delegado à uma casa editorial, um espaço de fazer livros, uma proposta de espaço editorial, que pode ser fixo ou não, por isso a represento no título, e em algumas páginas aqui em fonte regular ou só com o contorno da palavra — uma linha preta que delimita um espaço. A segunda “editora” se refere ao substantivo feminino da palavra “editor”, uma pessoa mulher, que possui a função de fazer livros — ou publicações, como eu prefiro chamar. No caso, a editora é esta que vos escreve. Considero a miríade edições e eu, pessoa física, duas partes de uma mesma coisa. Pensei em colocar em caixa alta EDITORA, mas achei que eu ficaria gritando e exigindo reconhecimento demais como uma guria-mulher que edita, por isso preferi deixar “ela” em minúsculo e em negrito. A editora preenche a editora. Sem a editora, a editora seria um espaço sem livros – ou publicações, como eu prefiro chamar. Essa diferenciação, como um aparato editorial, me ajuda a indicar que, ao longo deste catálogo, quando a palavra editora em negrito aparecer, se refere à editora, substantivo feminino que se refere a quem faz publicações. Espaço e pessoa: quem veio antes? Imagino que a palavra “editora” começa um estar no mundo a partir da outra palavra: editora, a primeira — o espaço que incuba a editora em negrito e o seu fazer, que a alimenta com a história e as experiências do que surgiu antes da editora. Mas, na atividade de editar como prática artística, chega um ponto em que, como a clássica questão do ovo e da galinha, não há como dizer quem veio antes. Não existe como uma existir sem a outra. Quem cria a editora é a editora, e vice-versa.
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editora
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editora
Escrever é vingar-se da perda. Waly Salomão
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Editar, reproduzir e publicar é uma tentativa a mais de vingar-se da perda. Waly Salomão editado
editora
um livro para chamar de meu
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*na verdade, Lawrence Weiner disse isso para P. Blaser, em uma entrevista de 2001.
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editora escreve. Escreve junto com pessoas artistas e autoras quando corta letra, planta vírgula, transporta frase, muda palavra, preenche texto, põe, estica e exclui imagem, e trata de pensar um leiaute como lugar para todas as coisas que fazem parte do trabalho. Escreve junto. Escreve emeios para tradutores, revisores, produtores gráficos. editora escreve sobre os livros depois de prontos. Escreve para fazer um livro. Escreve — talhando, anotando e duvidando da escrita original — sobre os livros que faz, para defini-los de alguma maneira, às vezes para vendê-los. Escreve para que os outros possam ler o texto “sobre” antes de ler o livro em si. Escreve catálogos. Outro dia, veio o Lawrence Weiner dizendo: “Na verdade é muito simples, artistas são pessoas e pessoas fazem livros”*. Certo, mas eu andei pensando que, na verdade, é simples mas também é complexo. Artistas são pessoas e pessoas procuram um jeito para fazerem livros: pessoas procuram editoras ou outras pessoas que atuam como editoras para fazerem livros. Na maioria das vezes, nem se trata de uma “editora oficial”, mas meios de editar, dar alguma forma, de alguma maneira: às vezes, as pessoas nem percebem que essa tentativa de fazer, de criar meios já um ato editorial. Às vezes, falta segurança, um empurrão, dinheiro, meios de fazer, ou só estímulo mesmo para que consigam ver como aquilo que fizeram pode se tornar de fato em publicação. As situações editoriais entre as pessoas dão a ver isso, essas soluções para suporte de trabalhos. Até me dei conta, esses dias, que várias gráficas colocam o nome da empresa e sustentam, abaixo dele, o slogan “soluções gráficas”, em vez de indústria gráfica ou só gráfica. Se fosse pensar assim, consigo perceber as situações editoriais legendadas como “soluções artísticas”. Parece que, depois que a gente faz publicações, começa a olhar tudo como se qualquer coisa pudesse virar publicação. E acho que virou meio um vício: quando a gente passa a enxergar as formas de como um trabalho pode ser apresentado como publicação, fica difícil voltar a fazer pintura, instalação, vídeo, escultura... (ainda que eu não pintasse ou esculpisse antes). A publicação pode ser suporte, material, espaço e circuito e ainda gera convivência e criação entre as pessoas que a fazem. Essa cumplicidade que se dá entre artistas e editoras divide uma parcela de autoria, como é o caso de muitos curadores quando pensam exposição ou trabalhos com artistas. Esse “fazer a publicação junto” é o que me faz pensar que a
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**em 2010, pela Eduerj, Frederico Coelho publicou Livro ou livro-me sobre o desejo de livro e a impossibilidade de edição dos escritos babilônicos de Hélio Oiticica. Três anos depois, organiza todos os escritos, com César Oiticica Filho, e os publica como Conglomerado neworkaises tornando-os livro mesmo, com o selo Beco do Azougue editorial.
editora acaba por também escrever livros quando edita os livros dos outros, com os outros, ou até pelos outros, quando os autores já não são mais vivos, por exemplo. Editar gera envolvimento. É delicado e íntimo lidar com algo tão dos outros como um trabalho escrito, um trabalho de arte. Editar junto é um processo de construção que pode ser muito amplo, geralmente é sofrido, um tanto penoso, pode demorar ou ser rápido, pragmático e tranquilo, ou tudo isso se alternando no decorrer do tempo da produção editorial e dos obstáculos gráficos, conceituais e relacionais. Batata quente que passa, passa. Cada projeto demanda um processe de edição. Não é possível determinar caminho único, mas a sequência das etapas se assemelha, num percurso editorial: encontro com uma proposta editorial !> encontro com o trabalho/artista >>< busca de referências e materiais >><>>>> mediação com o artista >><?>>>> preparação de original/ experimentação de todo tipo >><?><?>>??> mediação com o artista >><?><?>>?<> tradução >><?><?>>?<?><> mediação de quem traduz com o artista e editora >><?><?>>?<?><?>> projeto gráfico >><?><?>>?<?><?>?>>< mediação do designer com o artista >><?><?>>?<?><?>?>>(?)< revisão de texto >><?>?>>(?)< mediação com o artista >><(?)<> impressão >(?)< mediação com o artista e gráfica >( )< livro pronto > mediação da editora com artista, com o meio e pessoas que não sabemos (>?). A palavra “mediação”, neste percurso, guarda com ela a ideia de relação editorial que teria infinitas listas, inúmeras tarefas, discussões e, muitas vezes, uma trava nessa linha do caminho editorial que parece fluida — uma trava que, enquanto acontece, a gente nunca sabe onde e quando exatamente vai acabar. Hélio Oiticica, em uma carta, quando queria publicar seu livro (nominado por ele como “Conglomerado neworkaises”, mas que só se tornou um livro com esse mesmo nome depois de sua morte)** se perguntava: “Como inventar um livro? Como conceber, planejar e executar um livro quando você não tem, de antemão, o percurso completo da empreitada?”. Nos emeios de acompanhamento trocados com algumas gráficas profissionais, eu achava curioso, porque sempre vinha anexada uma lista com cada etapa da produção gráfica, como uma linha do tempo, uma abaixo da outra. A cada avanço do processo editorial, por exemplo, passar da fase da “aprovação de boneco” para “autorização de impressão”, eles colocavam
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a frase “você está aqui” do lado da etapa em que o projeto se encontrava. Servia para localizar em qual fase do percurso estávamos. Se fôssemos criar essa mesma linha-lista de etapas para a produção editorial, ela seria extremamente variada — como a tentativa frustrada de tratar de categorias no diagrama editorial que está neste livro. Eu não saberia dizer se conseguiria olhar e incluir o “você está aqui” somente em um dos itens, porque envolve muita coisa, tem a viabilidade e a mão de quem está editando, somada à viabilidade técnica e os recursos disponíveis. A mão pesando sobre a ideia. Muita dúvida. Catástrofes naturais. Cada um querendo fazer o que quiser fazer. Decidir, transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo: tomar resolução ou resoluções sobre; deliberar, resolver. Envolve todos quererem a mesma coisa de jeito diferente. Meu amor e meu cansaço. Quando a publicação chega da gráfica, as mãos vão abrindo as caixas de papelão e pacotes kraft, ansiedade & histeria; pegam, agora em forma física, em volume e substantivo concreto, aquilo que era arquivo pdf. anexado no emeio; passam pelas páginas bem rápido, para saber se “tá tudo bem”. Um frio na barriga sentir cheiro de livro novo. Um frio na barriga pensar que pode ter ficado alguma coisa para trás, alguma coisa que não deveria ter sido esquecida.Já estranhei o que vi nas caixas, mesmo não sendo frustração. A falta e a sobra de mãos dadas. Às vezes, dá depressão-pós-parto e as caixas ficam de lado, vários dias. Já tive vontade de levá-las lacradas para o lixo, pela frustração. Já tive vontade de pegar algumas e levar no meio da rua — na frente do terminal de ônibus onde passa uma multidão de gente — para ficar lá, olhando os rostos, tentando adivinhar quais leriam aquilo, procurando entregar de mão em mão para os possíveis leitores, fazer dar match, como se as pessoas precisassem com urgência daquilo que eu acabava de publicar. Fora isso, depois da publicação pronta, quem participou da edição sabe que é possível conhecer cada pedaço dela, cada verada, cada escolha, reconhecer como foi construída e o porquê de cada decisão. E cada vez que uma pessoa de fora olha para a publicação na nossa presença, comenta sobre a edição, ressalta detalhes, (ouvindo a pessoa) podem ser poucos minutos, mas sempre, para mim, na minha cabeça, ouço aqueles efeitos sonoros de harpa, de lembrança, (ouvindo a pessoa)
***Ele escreveu isso e encontrei na página 15 do livro O pensamento vivo de Jorge Luis Borges, de Cristina Fonseca, publicado pela Martin Claret em 1987.
ce que, depois das publicações prontas, vendidas e/ou distribuídas, ainda é possível reeditá-las quando falamos sobre, no discurso modificado sobre elas, se livrando infinitamente. Estou sempre satisfeita, mas nunca tá bom o suficiente. Não sei se é exagero escrever sobre e levar tão a sério essas questões, mas as situações editoriais foram tão importantes para mim no papel também de artista, que decidi organizar aqui trabalhos que desenvolvi comigo mesma e com outras pessoas. Períodos de mediação e convivência para pensar uma mesma coisa com mais de uma cabeça. De entrar junto numa mesma linha de criação tentando equilibrar as coisas. É uma convivência com publicações ainda não públicas, com trabalhos que ainda não existem e que dependem da gente, do nosso pensamento e das nossas escolhas para existirem. Enfim, o que eu estou mesmo querendo dizer é que, quando se publica o livro do outro, a gente acaba publicando um pouco do nosso. Por isso, acho que este catálogo é o meu livro de escritora, de como não escrevi nenhum dos meus livros, quase como faz a Aurélie Noury****. Aqui eu escrevo descrevendo os experimentos editoriais que produzi, me apropriando do livro modelo e do caráter de catálogo das editoras comerciais, mesmo que eu considere a minha experiência na miríade edições.
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****refere-se ao título do texto “How I didn’t write any of my books” de Aurélie Noury, publicado no livro Publishing as Artistic Practice, organizado e editado por Annette Gilbert. Berlim: Sternberg Press, 2016, na página 50.
que me colocam remota nas situações editoriais de antes da publicação estar pronta, e fico ouvindo a conversa, mexendo a cabeça, (ouvindo a pessoa) ao mesmo tempo em que checo e lembro os porquês de cada coisa (ouvindo a pessoa). Respondo e conto uma pequena parcela de como foi o processo editorial (às vezes a fala soa justificativa). Mas, depois que a conversa acaba, já guardo no memorial o que foi dito-reagido e isso que vai aumentando o arquivo e redefinindo o modo de ver as publicações que fazemos. Noto que, com o tempo, o meu próprio discurso sobre o que eu faço vai sendo afetado pelas reações de quem lê. Essas pessoas que leem o que criamos, que compartilham suas leituras, nos revelam uma infinidade de coisas.... depois da publicação pronta. E aí, a gente que é editora, olha para a publicação e repensa sobre ela, que ela nunca está pronta, é uma edição infinita, atualizando sempre as definições de “erro” e “engano”. Dá sempre vontade de refazer, fazer de um jeito diferente, retomar. Mas a gente publica para se livrar. Não queria usar mais Borges, mas ele dizia que “publicamos para não passar a vida a corrigir rascunhos. Quer dizer, a gente publica um livro para livrar-se dele”***. E me pare-
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Escrevo a partir da relação que tenho com cada trabalho, de como cada um nasceu. Não sei descrever exatamente o que proponho como texto de cada publicação deste catálogo. Mas fica entre uma biografia que contempla uma descrição técnica e alguns comentários sobre cada um. E, por isso, cada texto sobre as publicações é parecido com outro em estrutura, mas diferente na escrita e no tamanho, pois assim determino com a linguagem a relação que tive com cada uma. Escrevo sobre, para que possam ser lidas mesmo sem a presença física delas. Esse livro aberto como alegoria.
O que seria da imagem romântica, sedutora, harmoniosa e paradisíaca das bibliotecas gigantescas, das pequenas também, das livrarias, dos sebos, dos lugares de livros, se esses livros não tivessem as editoras?
Estou falando de um espaço de edição fronteiriço. Um dos meus pés está pisando no terreno de editora tradicional de livros, e o meu outro
que seria
pé, o esquerdo, está pisando no terreno das artes visuais. A miríade edições está numa zona franca e se propõe a fazer um trabalho sincero
seria O que seria da imagem descolada, contemporânea, sedutora, fenomenal, harmoniosa e paradisíaca das exposições, das feiras de publicações de artista, dos acervos de arte e de galerias, se as publicações de artista não tivessem passado pelas editoras, e se os artistas não assumissem as suas próprias editoras usando de todos os meios para reproduzirem os seus trabalhos? Edição de livro. Edição privada, edição popular, edição pirata, edição artesanal, edição única, edição infinita, edição proibida, edição virtual, edição/reimpressão, edição fac-similar, edição do autor, edição parcial, edição revisada, edição comentada, edição traduzida, edição traduzida com notas do tradutor, edição esgotada, edição por demanda, edição subscrita. Edição de livro. Edição privada, edição popular, edição pirata, edição artesanal, edição única, edição infinita, edição proibida, edição virtual, edição/reimpressão, edição fac-similar, edição do autor, edição parcial, edição revisada, edição comentada, edição traduzida, edição traduzida com notas do tradutor, edição esgotada, edição por demanda, edição subscrita. Edição de exposição, exposição impressa, edição de exposição reimpressa, edição transcriada, edição transluciferada, edição de fanzine, edição de cartaz, edição de jornal, revista, pôster, folheto, ímã, bolsa, print, adesivo, edição apropriada, edição desescrita, reescrita, deslocada, apagada, sonora, e mais... = publicação de artista = publicação
espaço
editorial
miríade edições uma editora para chamar de minha
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Pronto. A partir desta página, vou tentar dizer o porquê de colocar letras e imagens em uma determinada sequência, gastar papel, o meu tempo, e o tempo da sua leitura, para falar do meu parque gráfico de diversões.
veio no meio
O que chamo de miríade edições, minha editora para eu ser editora, surgiu como escape editorial dentro da Letras Contemporâneas, que já existia desde 1993, na qual entrei apenas em 2011. Por falta de condições financeiras, eu assumi todo o organograma de uma editora de livro comercial: fazia o encontro com os autores antes, num escritório no brega Top Tower onde, para chegar, tinha que passar por uma praça de alimentação com todo tipo de comida, atravessando a nuvem de cheiro de fritura e água quente de cozidos que o exaustor não dava conta, mas o edifício dava conta de colocar e manter carpete nos corredores do prédio, usar dourado nos detalhes e nos demais aparatos corporativos e empresariais. Não achava que esse lugar de tão mal gosto combinava com uma editora. Depois de quase dois anos, passei a trabalhar em casa, deixando mais pessoal o espaço da editora. Recebia os possíveis autora e autores na sala da minha casa (recém-doutores e mestres que queriam publicar suas pesquisas em forma de livro, poetas e afins), sentávamos no sofá e tomávamos café com bolacha pintada e chimia. A biblioteca já estava perto para olharmos capas, papéis e exemplos de livros. Eu, ali, também fazia projetos para financiamento de livros, fazia a produção editorial em contato com tradutores, bibliotecárias que faziam ficha catalográfica, com a Biblioteca Nacional e a Agência Nacional do ISBN; emitia nota fiscal de saída de consignação e venda (essa parte era muito uó, cheia de programas digitais, cheios de campos com siglas das mais variadas que classificavam os livros dentro de categorias internacionais, tendo o livro e como um produto comercial). Fazia a faxina da editora e do estoque, que ficava no subsolo do prédio — era um apartamento onde moravam torres de caixas, que eu precisava manter e fazer o controle de estoque com mais de 30 mil unidades. A minha primeira tarefa, tendo em vista que a editora estava abandonada há três anos, foi escre-
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*Este texto é do prefácio da primeira edição do livro Memórias de um editor de Kurt Wolff, publicado no Brasil pela Editora Âyiné em 2018. O texto, escrito em 1965, apresenta o livro e trata sobre a figura do editor ressaltando seu anonimato. Nele, ironicamente ou não, a autoria é assinada como “O editor da edição alemã”.
ver sinopses e descrições sobre todos os 285 títulos, mesmo sem ter lido todos por inteiro, passando os olhos nas páginas e principalmente nas orelhas, fazendo uma leitura dinâmica e uma escrita sobre eles meio imaginativa (!!!) para atualizar o catálogo, colocá-los em visibilidade e desenvolver uma plataforma de comércio eletrônico. Cheguei a fazer cursinho de venda onlaine, desses que ensinam até a psicologia das cores (incluir a cor verde no botão “comprar”, pelo histórico de indicativo de positivo que ele tem). Fazia meio que tudo, e nada muito bem, ao mesmo tempo. Na equipe, só havia mais quatro pessoas além de mim: O Fábio, que era editor de texto e revisor dos livros; a Elô, que fazia a produção gráfica e procurava os melhores preços de impressão por todo o Sul do país; a Cléo, que era contadora e a quem eu enviava semanalmente notas e documentos, recebendo aulas de administração a cada telefonema, e o Daniel, da Livros & Livros, a principal livraria que vendia nossos livros, e que hoje é está com a Letras Contemporâneas. Fora essas quatro pessoas, tinha eu e eus. Para aparentar uma empresa de fato, uma coisa maior, quando as pessoas ligavam para a editora e eu passava o ramal de mim para mim mesma. Recebia e respondia emeios e às vezes assinava com nome diferente: “Carolina/atendimento e secretaria”, “Rebeca/administrativo”, “Bianca/orçamento”, pois tinha o controle de tudo, mesmo que aos trancos e barrancos. Tropeçava nos astros, desastrada. Nesse trabalho cansativo e empresarial, os livros estavam se tornando só objetos comerciais, eu já não tinha empolgação pelo que produzíamos e o que me faltava era participar da melhor parte, a de criar o livro e determinar como ele deveria ser. Como a editora já tinha uma cara e uma história antes de mim, com editor específico, era difícil entender o quanto isso era importante e como minhas propostas não cabiam ali. Uma empresa é sempre um reflexo do que pensam seus donos. Acho que eu entendi melhor isso neste ano, quando penso na quantidade de elementos tragicômicos que uma empresa, tipo a Havan, tem e como representam muito bem o seu dono. Uma editora é isso também, um reflexo de quem a cria. Um editor alemão* disse que “o editor não é anônimo, mas sinônimo do seu trabalho”. E isso me deu um pontapé para criar a minha parte da editora de verdade, sem compromisso, e para ser uma editora à minha semelhança. A miríade aconteceu. Veio no meio, afetada e movida por isso tudo. Buscava ser uma editora sem compromissos ou
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com outros compromissos. Uma editora sem compromisso seria, de fato, não ter qualquer compromisso empresarial e tentar fugir de todos os processos, organogramas, tarefas e modelos da editora tradicional que me soavam gastos, para criar uma coisa que pudesse ser uma editora, mas não só — que pudesse ser um espaço de experimentação. “miríade” era um dos sete nomes que havíamos colocado no contrato social original da Letras Contemporâneas, quando eu entrei. Citamos alguns nomes aleatórios na criação da empresa para poder publicar coleções e outras publicações na editora, e esse ficou para mim. Primeiro, porque é o nome do perfume da minha mãe, e mãe é aquela coisa sagrada, talvez a única coisa que considero um conjunto de coisa divina, e depois pelo significado — o de ser uma coisa meio indefinida, mas de conter uma quantidade muito grande de coisa, que significa também o número de dez mil. Cheguei a pensar que, ao completar dez mil exemplares de publicações, pararia minha a produção. Desde 2014, quando a miríade veio, tratei de muitas questões em um microuniverso a partir das artes visuais, que fizeram me perceber editora, desenvolvendo um processo artístico com a produção de publicações, nas relações com artistas, nas escolhas e nas produções compartilhadas com outras pessoas editoras, artistas, produtoras e designers até pensar a circulação, convivendo com outras pessoas em feiras, espaços expositivos e na rua, onde iniciei a circulação de produções que fiz, descobri fazendo. Minha falta de compromisso. Este livro aberto como uma saída.
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uma miríade
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Criar a miríade foi fazer perguntas para mim mesma e duvidar de um (o meu) processo artístico. As publicações que fiz para mim e com outras pessoas começaram a aparecer como complemento, às vezes desdobramento de um outro trabalho, às vezes como a própria obra, como caráter da coisa, historicamente falando. Se a artista submete seu trabalho à participação da editora, considerando que todo o livro é o trabalho, então qual é o papel da editora nesta ação? Se as escolhas, tão determinantes para o trabalho de construir um livro, são compartilhadas com a editora, até onde se compreende a autoria? A editora transformaria a ideia da/o artista? Que papel a editora exerce quando participa da concepção de um livro ou publicação de artista? Uma artista-editora pode criar um processo artístico quando está desenvolvendo projetos em uma editora? As perguntas ocupam a maioria do meu tempo. A miríade foi o espaço editorial que criei para tentar pensar em respostas enquanto produzia, acabou servindo para perguntar ainda e cada vez mais. Receber o material bruto e transformá-lo em um objeto para ser lido e visto é uma etapa da edição. Receber o material bruto e pensar na melhor cor, no papel mais adequado, no tamanho ideal para que o leitor enxergue bem, para que tenha um formato confortável para circular com o livro na rua e ler em algum banco da praça, para poder abrir o livro inteirinho em cima da mesa, ou, se o abrir inteirinho não é objetivo, se as margens não estão pequenas demais ou se são grandes o suficiente para os olhos respirarem na página, tudo isso eu considero uma etapa da edição. Receber o trabalho do artista que acha que seu lugar não é a parede, nem o cubo, nem a moldura, nem o muro da rua, nem o espaço digital, mas o papel, talvez muitas páginas, talvez só uma que se desdobre, ou uma em que as palavras tomem o espaço total da página, ou porque algum sentido deve ser dado à capa, por isso ela deve ser de determinada forma, porque a cor da fonte remete a algo, porque a gramatura influencia no sentido que quer se dar, assim ou assado, ou porque a disposição das palavras e o intervalo entre elas são exatamente o que o artista não encontrou na tela de algodão cru, na fotografia ou no desenho, ou porque é importante que tenha um furo, ou que seja bem lisinho, ou que tenha aspecto de luxo, ou que seja impresso no papel mais barato com capa triplex,
*Julio Plaza no texto “O livro como forma de arte (I)” na Revista Arte em São Paulo. São Paulo, n.6, abr., de 1982.
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**Trecho que está na página 169 do livro El arte nuevo de hacer libros, Ulises Carrión, publicado pela Tumbona ediciones, em 2008.
ou porque precisa ter transparência para combinar com algum outro elemento que só pode, só se ajusta, ou que melhor pode viver em um espaço de livro. Isso tudo, também edição. Antes mesmo de começar as escolhas editoriais mais específicas, só pelo fato, e pelo estado, e pelo fato de estar atenta ao que pode ser um livro, já me autorizo a considerar como uma etapa de edição, talvez uma pré-edição. Nos livros tradicionais, que comportam teoria ou literatura, o texto é a linguagem principal da obra, e, muitas vezes, independe de sua edição. Mas, na publicação de artista, acho que a relação entre texto e formato é diferente. A recepção de um livro pode se modificar completamente, graças a mudanças em sua forma de apresentação, não só a proposta física e material, mas o modo como se propõe a existir como livro. Ou seja, cada elemento na estrutura física da publicação contribui para a transmissão do significado ou do sentido da obra e, além disso, indica onde e como esta publicação pode circular. Logo quando começou a aparecer com mais força o formato de livros de artista (depois publicações de artista) no Brasil, essas questões já eram escritas por Júlio Plaza*: “Colocar o problema do livro é colocar automaticamente dois outros aspectos que lhes são inerentes, e que delimitam a produção do livro como trabalho artístico: primeiro, as relações entre o livro e seu sistema de produção industrial, e, segundo, as relações das artes entre si, sobretudo entre a literatura e as demais linguagens tais como: o jornal, a fotografia, o cinema, a propaganda e ainda tipos de reprodução tradicional como técnicas reprodutoras das linguagens, artístico-visuais”. Cada edição é formada por uma quantidade de elementos. Nessa formação, a editora assume um papel bastante amplo e responsável, pois é ela quem determina quais são os elementos. A editora arquiteta lugares de papel: esses chamados de livro ou de publicações de artista, comportam diferentes coisas morando neles, dos trabalhos mais pesados, soco no estômago, até os que dá vontade de ficar com ele sempre por perto, mamão com açúcar. Tem moradia para todos, nesse espaço que comporta propostas que puderam se ajustar a outros espaços. O Ulises Carrión, em uma das anotações só publicadas em 2008, escreveu que, se a "obra não pode existir de outro modo, a não ser no livro, estamos sem dúvida diante de um livro de artista, livros em que a forma-livro, uma sequência coerente de páginas, determina as condições de leitura que são intrínsecas à obra".**
****Ambas as publicações foram editadas em 2018 e estão disponíveis para leitura e download no site: plataformaparentesis.com
***Esse jeito composto de escrever um modo editorial é referente ao jeito que Salim Miguel descreve o início das edições Sul, em Memórias de editor de Eglê Malheiros e Salim Miguel, Escritório do livro, Florianópolis, 2002.
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E se o espaço é o papel, a página (como esta que você está olhando também agora), tratar disso é equivalente a pensar em uma pessoa curadora diante de uma exposição, de uma galerista, de uma diretora de instituição, de uma agente ou produtora de artistas. Porém, a diferença entre a editora e essas outras figuras é que a publicação de artista permite uma autonomia e uma liberdade que esses espaços institucionais já bastante conhecidos no sistema da arte não possuem. Enquanto as galerias, museus, livrarias e eventos literários alimentam um sistema de difusão já calejado com aspectos de uma intelectualidade elistista, que precisa de legitimidade, registros, ISBNs etc., a publicação de artista é muito mais libertária.Tanto para a autonomia do trabalho, que pode circular impresso em quantas cópias quiser, como onlaine, para que qualquer pessoa com algum aparelho com internet possa acessar. Um lugar móvel, movediço, mesmo que seja institucionalizado. Pelo fato de nossas publicações poderem ser uma infinidade de coisas, da capa-dura-luxo-impressão-colorida-caríssima ao xérox-p&b-do-jeito-que-deu-pra-fazer***, nosso trabalho pode ser visto como uma onda que vai passar logo, uma moda, ou arte menor, do “papelzinho”, mas sobre isso eu não vou nem falar, pois Fabio Morais já desaforou o bastante e incrivelmente em seus textos Eu não valho nada mas eu gosto de você e no Sabão, publicados pela parent(e)sis, dos quais participei da edição.**** Se a publicação é assim livre como concepção, isso acontece na circulação, o papel da editora não acaba quando o livro chega da gráfica. Publicar é também endereçar o trabalho para suas/eus possíveis leitoras/es. Livros nascem todos os dias. Aí é que surgem meios variados, da feira, livraria, banca especializada ou banca popular de feira de rua. Outra necessidade que veio no meio foi a de criar a flamboiã, um espaço nosso de juntar outras editoras e artistas dos “papeizinhos” que se sentiam deslocados e convivendo com uma ausência de espaços de circulação, e, posteriormente, a flamboiã [frete] — que levava a feira para lugares e eventos fora dos meios artísticos —, isso junto com meu parceiro de casa e trabalho, Marcos Walickosky, mas não me alongarei nisso porque renderia outro texto, fora daqui. Voltando: a publicação é o espaço em si, mas também é preciso procurar espaços para que ela seja pública mesmo,
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*****Christian Boltanski referiu-se a distribuição da publicação point d’ironie como uma espécie de garrafa lançada ao mar em uma conversa com Hans Ulrich Obrist: www.mglc-lj.si.
para que apareça, para que seja tocada, vista/lida, levada para casa, doada. Ou em qualquer outra situação, lugar possível, para que a autonomia do formato indique possibilidades de caminhos. E as publicações vão longe. Esse formato de existência permite que sejam emolduradas, lambidas na parede, amassadas, gastas, transformadas em outras coisas que a edição não tem mais controle. Nesse momento é que acaba o papel da editora na concepção física, quando a publicação vai sozinha com outras pessoas e a gente perde ela de vista, fazendo andanças em lugares que nunca saberemos ao certo, publicar é mesmo como lançar garrafas ao mar.***** Eu poderia ficar citando inúmeros exemplos de projetos incríveis, de editoras incríveis e de pessoas-pedra-brilhante que conheci nesses poucos (mas intensos) anos de fenômeno das feiras e de novas editoras independentes, mas talvez eu fuja do assunto desta publicação aqui, uma outra miríade. Voltando para minha questão, aqui, aviso que para cada publicação relacionada a seguir, tentei pensar num percurso. E comento no texto sobre cada uma.
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editora eu
Editar e publicar nas artes visuais não se resume a uma variação tão simples do processo de edição de livros tradicionais. Neste campo, os conceitos preestabelecidos se modificam. A tradução considera dublagem e transposição de linguagens; a imagem é parte e não ilustração; a dimensão, a apropriação, o texto e outros elementos gráficos ocupam o espaço impresso com uma atribuição única, que contribui para a construção da publicação. Assim como cada parte estética e formal constitui um trabalho de arte. A figura da editora se move, o espaço editorial também, e seus nomes mais ainda. Estou falando de uma editora centralizadora que quer ficar criando situações para editar. Criar um enclave dentro do território das artes visuais, da literatura, da agronomia, da minha casa, do museu, da rua, etc. Pegar uma fita, esticar em qualquer lugar ou situação e transformar um contorno de linha preta imaginária em um espaço editorial, fundando “exclaves”. Acho que estou tentando falar isso para justificar a variação de temas das publicações da miríade. E, me situando nesses enclaves e exclaves, não há uma regra de habitação, nenhuma legislação vigente, não há divisão rígida entre designer, editora, produtora editorial, autora, revisora. Tudo se mistura e até soma com encadernadora, impressora, etecéteras. Nunca soube responder qual é minha profissão, sempre usei a palavra “produtora” que funciona meio para geral. Quando eu fazia teatro, sempre era regrada em treinar dicção, voz, corpo, decorava texto, mas na hora de fazer a peça, eu era contrarregra e produtora. Adorava esse lugar de mover as coisas como se o palco fosse um jogo que eu poderia ter algum controle, no papel de agilizar tudo, preparar o terreno e ficar disponível para outros atuarem. Acho que continuei assim quando escolhi editar. Foi preciso pensar o que eu faço como trabalho de arte e levar as atividades de produção que eu fazia antes, para a edição, minha atuação do presente, para assumir o meu papel de artista como editora, ou editora como artista. Deixo nas últimas páginas deste catálogo uma entrevista com o “eu editora”. Aqui, vou tentar resumir: pensei em fazer um curso de editora, procurei na internet, mas não achei nada além de propagandas de curso com fontes CAPS LOCK GRITANDO e piscando marketings de escola à distância, em que os conteúdos não tinham nada a ver com o que eu pensava.
Tentei dar uma olhada em quem era editor no Brasil e pensei sobre suas atividades. Em vários casos, em oportunidades de vê-los pessoalmente, cheguei a conversar e a fazer perguntas. Dei uma passada geral em escritos e entrevistas com exemplos de editoras e editores conhecidos, de várias áreas. Nessa onda toda, Kurt Wolff foi um editor que me intrigou, pois, ao longo da sua atividade, bancou a publicação de autores pequenos. A partir de sua confiança e bom trabalho de editor, os autores viraram importantões da literatura, e, grandes nomes, geralmente publicam em editoronas. Ele tinha uma figura de pequeno editor e pensava muito sobre sua atuação de um modo relacional. Copio aqui um trecho sobre o que ele dizia num livro de memórias: “Há mais de cinquenta e cinco anos me fazem a mesma pergunta: onde você aprendeu a ser editor? E minha resposta é sempre a mesma: em lugar nenhum. Parece-me particularmente estimulante o fato de nossa profissão não ser algo que se ensine. Não creio também na necessidade de títulos acadêmicos. [...] Não levei nada de importante comigo, além do que se deve levar em abundância em encontros assim: entusiasmo. Claro que o entusiasmo deve estar associado ao gosto. Todo resto é secundário e se aprende rápido na prática. O passo seguinte é definir qual a linha editorial se quer seguir. Mas, isso também, em linha de princípio, é predeterminado pelo próprio gosto e entusiasmo. [Mas] deve-se prestar atenção para que o entusiasmo não leve a enganos e a excesso de otimismo”. Movida por gosto e otimismo, a miríade edições, eu e meu auto-conselho editorial, nesse tempo de vida, escolhemos publicar: materiais de pessoas próximas que precisavam de um empurrão para suas criações se tornarem publicações, coisas minhas, publicações de exposições e pesquisas de outras áreas e outros tipos de apropriação que partiram de alguma leitura anterior, além de livros tradicionais que poderiam ser editados se tornando um novo trabalho. Mas, no geral, são todas publicações que eu fiz para mim, que eu gostaria de ter, que são referências teóricas e artísticas, e que fazer a tiragem maior possibilitou configurá-las como publicações para serem distribuídas e vendidas. Um meio para desenvolver a edição também como linguagem e compartilhamento, apresentando a editora como um projeto editorial e ser editora como uma possibilidade de ser artista.
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Foi onde tentei experimentar a independência do formato publicação, num diagrama de classificações possíveis: com edição de múltiplos, objetos editados, tentando entender a diferença de um objeto para um livro: - Com edição de livro normal mesmo, para repetir e treinar; - Edição de exposição, para se pendurar nas paredes das páginas, exposição reimpressa para ocupar paredes já impressas com infiltração; - Edição de cartaz e folhetos, para descosturar e violar as páginas mesmo, para colar na parede da sala decorando as salas dos meus leitores hipsters, mas também para serem usadas em manifestações, nas paredes da rua como lambe. - Edição apropriada, copiando e roubando texto de um para fazer outro, e entendendo as fendas que se abrem com esse deslocamento. - Edição traduzida, transcriada e transluciferada, transportando palavras para nossa língua ou outras palavras e formas. Edição fac-similar, para repetir o que já é bom, mas acabou - Coleções de publicações, para pensar famílias de livros, e entre elas: uma que resgata livros de sebo e outra que reproduz e pirateia. - Edição de artista, de autora, de autor, ou autoedição, para me alimentar. Variações de fazer, para pedir aos leitores que se esforcem na variação de ler. Um percurso de cinco anos que se arquitetou movido por um desejo de livro, de querer mostrar para outras pessoas o que se via em âmbito privado e no campo das ideias e projetos, incluindo os fracassos (incorporados ou não). Este catálogo é publicado como registro e como parcela de comemoração. Todas as publicações aqui apresentadas foram feitas entre 2014 e 2019, com artistas e amizades. Uma acumulação listada e aglomerada. Além daqui, elas também estão disponíveis com mais imagens e com linques para vídeos, saites, materiais extras e a opção de aquisição, no site: www.miriadeedicoes. com e também nas feiras de publicações que participo.
diagrama editorial EDIÇÃO DE LIVRO
FOTOLIVRO
A GENTE CULTIVA ELA E ELA CULTIVA A GENTE 40
EMPILHAMENTO MÁXIMO 111
VOLUMES 110
EDITORA EDITORA [1]
EDIÇÃO DE MÚLTIPLO
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EDITORA EDITORA
FILOSOFIA DO LAR
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EDITORAS EDITORAS
PRA MORRER
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LULALIVRO 70
REMINISCÊNCIAS MIRA SCHENDEL 92
SAGU 94
ORIGINAIS 112
O TIPÓGRAFO E A CATATIPO 82
EDIÇÃO DE EXPOSIÇÃO EXPOSIÇÃO IMPRESSA
EXPOSIÇÃO REIMPRESSA
HACIA UN PERFIL DEL ARTE LATINOAMERICANO 68
DESENHO DE MONSTRO 52
EDIÇÃO DE CARTAZ AS TREVAS DO MEU TEMPO
RELES CHÃO
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BRASIL NOVO 48
EXUMAÇÃO 56
PODER EXECUTIVO 84
PUBLICAÇÃO DE ARTISTA
EDIÇÃO APROPRIADA EDIÇÃO TRANSCRIADA
EDIÇÃO TRADUZIDA PROIBIDO COLAR
EDIÇÃO TRANSLUCIFERADA
ALGARAVIAS (ENIGMÁTICO)
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MUITO TRABALHO 76
A INFORMAÇÃO ESQUARTEJADA 42
HAPPY TOPOGRAPHIES [LUGARES TERRIVELMENTE FELIZES]
EU PREFERIRIA NÃO
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GORDURA 62
EDIÇÃO PIRATA
O QUE É LEITURA? O QUE É LITERATURA?
QUASE IGUAL 1 QUASE IGUAL 2 QUASE IGUAL 3 QUASE IGUAL 4
O QUE É DESIGN?
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SOBRE A MORAL
O QUE É EDITORA?
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EDIÇÃO DE PUBLICAÇÃO
O QUE É BIBLIOTECA? 117
MIL PALAVRAS, MIL IMAGENS 74
O QUE É BIBLIOTECA? 118
UM BICHO QUE 102
EDIÇÃO DE AUTOR/ARTISTA #SEMHAPPYDAYS 96
SÓ VAI 100
EDIÇÃO DE FOLHETO MESMO PROIBIDO, OLHAI POR NÓS 72
GOSTO DE DELEUZE, MAS PREFIRO MEU PAI EDIÇÃO FAC-SIMILE O POETA DE CORDEL 80
NOVOS CONTOS 78
CARTAS DE AMOR / LOVE LETTERS 50
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publicações 2014 - 2019
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A GENTE CULTIVA ELA E ELA CULTIVA A GENTE MARIANA BERTA 2018
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Um livro pequeno, formato A6, com capa e páginas de papel Pólen 80g/ m², com fotografias e texto impressos em preto. A capa leva a imagem de fundo do trançado de palha que recebe por cima dela uma imagem de um broto na cor lilás, produzida com um carimbo feito de sabugo de milho. O título, assim mesmo em caixa baixa, “a gente cultiva ela e ela cultiva a gente”, só estampado na folha de rosto, faz referência à música “Caminhos alternativos”, de Zé Pinto, gravada no disco Cantares da Educação no Campo, 2015. Mariana enviou uma mensagem para o Movimento das Mulheres Camponesas de Santa Catarina/MMC, através da assessoria de comunicação do movimento. A mensagem iniciava uma conversa sobre definições de imagens artísticas daquele contexto tão longe da capital. A conversa seguiu com troca de fotografias de celular que foram a matéria para edição deste trabalho. A artista descreve essa publicação da seguinte maneira: “Tudo nesse singelo livrinho na verdade é uma enganação. Pra começo de conversa ele não é nada singelo. Fruto da parceria entre uma artista que na verdade é uma camponesa e três camponesas que na verdade são artistas, ele traz uma série de registros fotográficos que tentam esconder atrás de sua simplicidade técnica todo um conjunto de evidências e de lutas que remontam aos conflitos mais perenes da história da humanidade: a luta de classes e a luta pelo fim do patriarcado. A criança que sova o pão com a avó é mais subversiva do que parece, porque vai de encontro aos interesses dos grandes donos da terra no Brasil, os que em mais de 500 anos de invasão, movidos pela cobiça insaciável por lucros, sugam da terra sua vitalidade, masculinizam a natureza e sojificam o Brasil”. a gente cultiva ela e ela cultiva a gente foi parte integrante do Sagu, nome do projeto de pesquisa realizado por Mariana, no Trabalho de Conclusão de Curso de Artes visuais (UDESC). Sua versão impressa foi distribuída somente durante o VIII Encontro da Rede de Estudos Rurais, em agosto de 2018, no evento de 35 anos do Movimento de Mulheres Camponesas/MMC, em um espaço expositivo de feira, onde todas as mulheres participantes da publicação expunham seus produtos coloniais e trocavam sementes crioulas. Dividiu espaço com diversos outros livros escritos por mulheres do movimento, que também estavam sendo lançados. Depois disso, foi incorporado ao acervo de referência do Centro de Formação Maria Rosa, em Chapecó/SC.
A INFORMAÇÃO ESQUARTEJADA DE ALOÍSIO MAGALHÃES, REEDITADO POR GABI BRESOLA 2016
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Livro com frente dupla no formato de visualização retrato, com sua capa-quarta-capa-também-capa de papel ofsete branco e impressão das letras na cor preta formando um grande cálculo centralizado. Os números maiores, na parte superior, e, abaixo, um texto em forma de conta por extenso, como descrição. O acabamento grampeado prende o miolo de 48 páginas compostas por recortes de folhas de outdoors originais, em impressão digital. Formato fechado de 20x30cm. Esta publicação é uma reedição fac-similar a partir de Aloísio Magalhães e seu experimentalismo como designer e artista. A edição remonta A informação esquartejada, de 1971, constituída de páginas advindas de grandes outdoors que são transformadas em imagem abstrata, esquartejando informações, no formato de livro de Aloísio. Cada página revela parte de uma imagem, mas, devido à dimensão fragmentada, o que fica mais evidente são as texturas e a retícula da técnica de impressão da época, promovendo uma experiência totalmente visual, podendo ser manipulada em qualquer direção, já que possui as duas direções como capas. Nesta edição, publicada 45 anos depois da original, a operação foi a mesma, porém, a imagem impressa das folhas de outdoor seguiram a tecnologia atual: papel brilhante e com impressão digital. A relação se dá não mais com a retícula da serigrafia, mas com o pixel quadradinho do digital. A coleta das folhas de outdoor ocorreu em São José/SC, em uma empresa que, após muita conversa e exposição do projeto de publicação, forneceu as folhas utilizadas, desde que as marcas dos anúncios (uma de roupas infantis, outra de calçados de couro e a terceira de programação de uma casa de show de Florianópolis) não fossem identificadas. Ironicamente, este mesmo era o sentido do trabalho. Em suas capas invertidas é descrito o processo de reprodução da imagem para o livro: “18 cartazes de rua de 16 folhas, matéria-prima da edição [18 x 16 = 288] 288 folhas inteiras seriadas ao acaso e cortadas em oitavo [288 x 8 = 2.304] 2.304 folhas cortadas dobradas em fólio [2.304 x 2 = 4.608] 4.608 páginas no total para uma edição de 96 exemplares [4.608 : 96 = 48] 48 páginas em cada livro 96 exemplares desta edição [4.608 : 48 = 96]. Todo exemplar é único, não havendo repetição, já que cada um é formado por folhas diferentes”. Esta edição ocorreu após a consulta da obra de Aloísio Magalhães, que foi disponibilizada em acervo: aloisiomagalhaes.org/, onde estão vários de seus trabalhos em formato de pdf.
ALGARAVIAS (ENIGMÁTICO) DE WALY SALOMÃO TRADUZIDO POR GABI BRESOLA COM DESENHOS DE ISADORA STÄHELIN 2018
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Edição traduzida da obra Algaravias, de Waly Salomão, de texto para a forma de carta enigmática, em desenhos só de contorno preto. Todos os poemas, consequentemente, aumentaram o tamanho das páginas do livro, mas mantêm a estrutura textual, disposta e diagramada na mesma ordem. O formato segue o 14x21cm como o original, capa triplex com impressão 4x0 cores e miolo em Pólen soft 80g/m², publicado pela editora 34. Waly tinha ascendência árabe. Não gostava que o chamassem de “uóli”, com sonoridade da língua inglesa, pedia que o chamasse de “ualí”, com o ípsilon no agudo por que atestava, de algum modo, a origem árabe, e pedia uma leitura interpretativa de seu nome a partir de sua ascendência. Essa questão fonética também está presente em toda sua obra, que cospe palavras num ritmo poético, fazendo com que a leitura saia em disparado. De todos os seus livros, um que talvez possua nome e composição mais aproximada da pessoa-figura que ele era, talvez seja Algaravias, publicado originalmente em 1996. Começando pelo título, que tem origem árabe, e se define como uma mistura confusa de vozes, uma linguagem confusa, que pode ser ininteligível ou incoerente. Depois do contato com a análise de Roberto Zular sobre Algaravias: “É possível pensar que o alcance de Algaravias se dê pelo fato de Waly não abrir mão dos problemas que se colocavam até então, mas submetê-los a uma restrição formal que os comprimissem a ponto de fazê-los tornarem-se metáforas de si mesmos: o ato é mímesis do ato, o teatro é de gestos implícitos, a citação é tutano e câmara de ecos, a escrita em processo torna-se imagem, em suma, a compressão transforma tudo em metáfora, metáforas, metáforas, metáforas/ metáforas à mancheia”, fizemos um re-livro, uma tradução do original no sentido de trazer a via imagética e caótica de Waly, propondo outra leitura fonética e outro ritmo, um livro do mesmo livro, já que Waly disse que sempre sonhou em ser poeta de livro. A tradução realizada como a técnica do “enigma” (muito utilizada como atividade na escola) induz a inúmeras leituras (também caóticas) entre imagem e texto, quando, neste modelo, é preciso olhar para um desenho representativo de algo, interpretar seu nome por escrito, subtrair sílabas para então formar as palavras que compõem os poemas. Os desenhos foram realizados com Isadora Stähelin.
AS TREVAS DO MEU TEMPO PATRÍCIA GALELLI 2018 (OUTUBRO DE 2018)
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Cartaz reeditado em papel jornal Norbrite, área de tamanho A2, com impressão nos dois lados. Em um lado, que poderia ser chamado de frente, a frase “as trevas do meu tempo estão dentro da lei”, em uma mistura de fonte de diferentes famílias, variando com letras em maiúsculas e minúsculas. O desenho e preenchimento das letras não é opaco, demonstrando a textura de carimbo chumbo. No outro lado, que pode ser chamado de verso, um texto ocupa 90% da área impressa de fundo cinza. Na virada de 2017 para 2018, um grupo de artistas se reuniu na pousada Quinta da Gávea, fundada por Cristiano Moreira, numa cidadezinha do Vale do Estado, chamada Rodeio. Um espaço retirado. No vislumbre de um ano que virava de um golpe para um ano de eleições no Brasil, o grupo levantava possibilidades de trabalho na área artística e editorial, confabulava sobre o quão absurdo era o cenário político do país, como as leis eram uma extensa literatura com interpretações distintas e como seria fazer revolução sem armas. [verdade mais amarga, cuspe de graxa, usina de contingência UM TIRO UM TIRO UM TIRO UM TIRO, vai dar tudo errado...] Dentro da pousada havia uma biblioteca com uma oficina tipográfica com nome de Papel do Mato. Durante o dia 31 de dezembro, o grupo experimentou ácidos e impressões com tipos móveis. Patrícia listou as frases e imprimiu, usando tinta vermelha, 10 cartazes com a frase “as trevas do meu tempo estão dentro da lei”, apresentando-os como um aceite à provocação de Giorgio Agamben, em O que é o contemporâneo? Ela mesma diz que o cartaz procura olhar para as trevas do tempo presente. Para compor a frase na rama, foi cumprido o quebra-cabeça e a técnica secular, do passado, mas a frase é do presente, numa manifestação para não deixar de dizer com o que se tem. Após as eleições, a artista escreveu dois textos a partir desta frase. Um deles foi publicado no livro Escovar a história a contrapelo, organizado por Aline Natureza e Kamilla Nunes, e o outro foi enviado por email para a editora (vínculo político-afetivo). No aniversário da artista, a editora — que já publicou diversos trabalhos dela — a presenteou com 500 exemplares desta edição: uma folha com uma das faces fac-similar ao cartaz original e a outra face com o texto pós-eleição que ela havia enviado por email. O cartaz está sendo utilizado nas manifestações #forabolsonaro, contra a reforma da previdência, contra cortes na educação, contra quase tudo, contra o ruído da grande depressão: temos que dar conta. tá tudo bem, só que não tá nada bem.
BRASIL NOVO DE GABI BRESOLA 2015
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Coleção de cinco cartazes agrupados em um envelope cinza de papel Color Plus Roma 180g/m², tamanho A3, impressos a laser em preto e branco com imagens em baixa resolução e uma frase em fonte setentista. Como fecho do envelope, um adesivo com o título “Brasil novo”. O fundo do adesivo é composto por uma padronagem formada pela frase “toda propriedade é um roubo”, de Pierre-Joseph Proudhon. Outra versão em tamanho A4 foi produzida com o projeto gráfico e conteúdo mantidos, apenas houve alteração na cor do envelope para verde musgo Color Plus Brasil. Cada cartaz leva uma frase e uma imagem de origens distintas, apropriadas sem autorização e sempre combinando um momento histórico antigo e um contemporâneo relacionados ao espaço, ocupação de espaço, delimitações políticas e sociais e também da própria arte no contexto do Brasil com algumas proximidades. As imagens são frames de filmes do Cinema Novo e fotografias de arquivos históricos e de mídias de divulgação com frases dos próprios filmes e músicas. Na coleção estão as imagens e frases: “As massas vão invadir os palácios”: frase e frame de Terra em transe, de Glauber Rocha. “Marchamos para o abismo”: frase do filme Terra em transe, de Glauber Rocha, e frame de O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla. “Meta o grelo na geopolítica”: frase de Negro Leo e Ava Rocha da música Auto das bacantes, com a imagem de Beta Cáceres, do arquivo de uma notícia sobre ameaças que vinha recebendo meses antes de morrer. “O progresso é mato”: frase de Salma Jordana (Sertão Urbano, da Banda Carne Doce), com imagem de arquivo público que ilustra grileiros de um lado e indígenas do outro, posando para foto antes de uma batalha. “Quem tiver de sapato não sobra”: frase e frame do filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla. Com apropriações/roubos, esta edição pode ser uma exposição impressa ou um kit de cartazes, pôsteres ou lambes. O cartaz “As massas vão invadir os palácios” foi colado em instituições de arte em Florianópolis. Os cartazes “O progresso é mato” e “Meta o grelo na geopolítica” foram utilizados pelos movimentos sociais na Greve de Fome, em junho de 2018, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
CARTAS DE AMOR/ LOVE LETTERS CHRISTOPHER STRACHEY, DAVID LINK E GABI BRESOLA 2016
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Edição de trabalho em uma terceira fase de transcriação. Bloco branco formado por uma longa sequência de folhas quadradas de formulário contínuo, dispostas em sanfona, com as dobras exatamente na marca de picote. Impressão de uma carta de amor por folha (30x30cm), cada exemplar com 726 metros e 90cm de comprimento, pesando dois quilos. O bloco é embalado com papel seda branco com o texto “Podem os humanos escreverem sobre amor?” e ficha de créditos. De agosto de 1953 a maio de 1954, cartas de amor apareceram no quadro de avisos do Departamento de Informática da Universidade de Manchester com a assinatura “MUC”, sigla que significava “Manchester University Computer”, a primeira máquina de calcular eletrônica, programável e universal em todo o mundo; o protótipo totalmente funcional foi concluído em junho de 1948. Um dos primeiros programadores, Christopher Strachey, usou este computador com o gerador aleatório embutido do Ferranti Mark I para, a partir da função de probabilidade de combinação de palavras, gerar textos em forma de cartas de amor. Muitos anos depois, em 2004, o artista e arqueólogo de mídia David Link, que pesquisa o desenvolvimento de uma arqueologia de artefatos algorítmicos e geração de texto, construiu o trabalho LoveLetters_1.0, durante a dOCUMENTA 13. Consistia em uma instalação que reproduzia uma réplica funcional do Ferranti Mark 1, permitindo que os visitantes da exposição interagissem, gerando loveletters. Todas as cartas geradas foram disponibilizadas ao público em arquivo digital no sítio do projeto. Partindo de questões levantadas por Joasia Krysa (que fala deste projeto e das diferentes formas de escrever sobre amor em seus textos), esta publicação é composta pelo volume total impresso das loveletters, das 2.423 formas ou probabilidades de escrever cartas de amor com um mesmo conjunto de palavras. Seguindo a lógica da instalação de David Link, foi escolhida uma impressora de impacto (Matricial Epson Lx-300). A adaptação da impressora para que funcionasse na tecnologia atual precisou de um cabo de adaptação digital que foi realizada em parceria com Gustavo Reginato, na Editora Caseira. O trabalho de impressão (só de uso da máquina) demorou 15 segundos para cada carta, completando o tempo de 10 horas e nove minutos para imprimir quase um quilômetro de papel em cada exemplar. Devido aos materiais caros e escassos, só foram publicados três exemplares do trabalho.
dESENHO DE mONSTRO ORGANIZADO POR ADRIANA MARIA DOS SANTOS 2014
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Livro no tamanho A5 fechado, inteiro impresso em papel Couchê, com a capa na gramatura 240g/m², laminação brilho gloss e acabamento grampeado. As páginas em dupla ou individuais reproduzem trabalhos de mais de 20 artistas, todos com a presença do desenho de alguma maneira e impressos com as cores de seu original. Os trabalhos expostos dentro do livro são de artistas residentes em Santa Catarina e que participaram do projeto “Desenho de monstro”: Adriana M. dos Santos, Arthur Sampaio, Angelo Raviz Tokutake, Augusto César Benetti, Bruno Rocha, Camila Villacis, Caio Cesar Mayer, Clara Fernandes, Debora Pazetto, Fábio Ilmar, Giorgio Filomeno, Iam Campigotto, Itamara Ribeiro, João Müller, Juliana Crispe, Kelly Taglieber, Leandro Pitz, Luciana Afonso, Manolo Doyle, Marta Martins, Ocram (em memória), Ricardo Ramos, Ryana Gabech e Vinícius Domingues. Na abertura do livro há um prefácio de Jayro Schmidt, a apresentação de monstro — um texto constituído por caracteres, letras maiúsculas e minúsculas e números, inventando uma língua à parte — e um texto de apresentação escrito por Adriana Maria dos Santos, organizadora do livro e do projeto “Desenho de monstro”, como parte da pesquisa que realizou durante seu doutorado na UDESC e nas aulas independentes no Ateliê Monstro. É uma edição comum dedicada à figura do monstro como emblema de uma transgressão extrema que submete o outro à sua aparência de horror e dor, um ser que convida a uma passagem de um estado de compleição e apatia a um outro de reações internas que tangem a abjeção, ao medo e ao instinto de sobrevivência. Ler e ver desenhos de monstros, neste caso, implica estranhar-se sem reservas, o que se observa nos artistas desta edição, cujo formato, quase que de urna, nos convida a conviver com grutas e suas inevitáveis grotas. 234YRFHUODIU90VF SURIETHX, INOÇJDSK, SAOa88DIHA87YBX, 654DS54 VDG ADS SF GTRHRUJUIK EWFAOECNP, 983gUE US A6548F110492F 8S, AIOSDJAIO, jiodj99d8, D4035 5FU5. 83892w 3EDFTY7YH, G745 48. Com a colaboração de Ricardo Ramos no projeto gráfico, esta edição tentou traduzir pinturas, desenhos de pequenas dimensões, colagens, textos e objetos e outras técnicas mistas para o espaço impresso e fazer com que todos coabitassem as páginas. Foi o primeiro livro feito pela editora, a edição que fundou a miríade edições, em 2014.
EDITORA EDITORA GABI BRESOLA 2018
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Edição limitada. No formato 16x23cm fechado, o livro tem 168 páginas, com capa em papel Holler, também chamado de papel Paraná, de cor preta, com a ficha catalográfica e créditos estampada em um adesivo colado. Na quarta capa, o trabalho percurso editorial impresso só com os caracteres em forma de adesivo em fundo branco. A lombada, com costura aparente com linha amarela, evidencia as “vísceras” do livro e, de algum modo, segue a moda editorial da costura aparente que teve seu auge em 2018. Envolto em uma faixa de capa em tamanho A2 dobrada. Na parte externa, o título editora editora. Nas bordas, que se tornam orelhas, está impresso o texto “Pode ser ou é” dividido entre os lados direito e esquerdo. As páginas internas são de ofsete 90g/m², impressas com somente tinta preta. Os textos possuem margens superior e inferior pequenas, quase fugindo do livro. Os títulos são em fonte grande e subtítulos distorcidos em uma ideia de itálico inventado. O interior da capa, segunda e terceira capa é estampado com uma malha preta; impresso em cinza chumbo o agrupamento sobreposto da palavra “miríade” replicada dez mil vezes, aludindo ao próprio significado em grego da palavra e o nome da editora. A separação de capítulos ou partes do livro é realizada com preenchimento em cinza escuro, o mesmo tom utilizado no leiaute do programa Adobe Indesign. Para a reprodução de trabalhos gráficos entre os textos, o fundo preto chapado é usado para aludir o espaço editorial que continua além do livro. O trabalho é um livro-catálogo que enumera, classifica e define de forma técnica (com devidas licenças poéticas) todas as publicações de artista que a miríade edições produziu no período de 2014 até 2019, tanto na prática quanto conceitualmente. A linguagem é solta, em forma de relato e, em partes, enfadonha, realçando traços de tautologia a trajetória e a pesquisa da editora desde os textos iniciais. Descreve a história da editora, as relações de edição, diferenças de edição na editora tradicional e nas artes visuais, experiências e desventuras até uma entrevista editada da editora, em que se apropria de frases retiradas de diversos contextos. A publicação tem um caderno extra, o Paratexto, impresso em papel ofsete com capa amarela marca-texto, no tamanho 16x23cm, onde está o relato e todos os detalhes de construção de editora editora como uma pesquisa. Foram impressos apenas 5 exemplares para o evento de 1/08/2019.
EXUMAÇÃO DENNIS RADÜNZ 2016
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Edição de cartaz. Uma folha de papel ofsete grande no tamanho de 43x60cm, branca, com gramatura de 120g/m². Em uma só das faces há uma impressão ofsete em preto e vermelho. Um bloco de palavras, especificamente da palavra “terra”, se repete lado a lado, ocupando um espaço quadrado na parte inferior do cartaz, aproximadamente 36cm. No meio desta área de palavra “terra” há a frase “HUM corpO” que aparece como uma raiz. Na superfície da primeira linha de palavras “terra”, há um empilhamento de palavras “corpo”, que são colocadas como tronco, caule e galhos. Todas impressas em preto. Entre este corpo da superfície e a raiz lá embaixo se expandem outras letras sobrepostas impressas em vermelho: letras: o p r o c, que sugerem raízes dissolvidas do corpo de palavras “corpo”. Todas essas letras estão na fonte Olivetti Valentine, como uma impressão que parte da digitalização do poema “Exumação”. Este poema foi escrito em 1991, por Dennis Radünz, que pressionou as teclas de uma máquina de escrever Olivetti Studio 45. A folha no tamanho ofício passou duas vezes pela máquina, uma usando a fita preta e a segunda vez na parte vermelha da fita. Não era uma diagramação digital com ctlr+z nem delete. Esta folha, a que tinha “dado certo” foi enviada para o editor para ser publicada, mas se perdeu entre arquivos, telegramas, fax e outros documentos com cara de anos 1990. Isso aconteceu quando Dennis havia acabado de chegar para morar em Florianópolis. Na época, estava na editora Letras Contemporâneas, onde trabalhou por dois anos e onde mantinha uma relação de trabalho e amizade com Fábio Brüggemann. Passados anos, em 2016, o editor da Letras Contemporâneas recebeu a proposta de publicar Ossama, um livro de poemas de Dennis Radünz. Um livro de ossos, ossadas, ossarias – poemas que se levantam como vértebras no “sítio arqueológico” do tempo presente, um livro que reúne dez anos de escritura e reescritura, a quinta publicação do escritor. Ao mesmo tempo em que editavam o livro, o escritório da editora estava trocando de lugar. Coincidentemente, na mudança, o original de Exumação foi encontrado. Desta descoberta-retomada, surgiu a proposta de republicá-lo pela miríade, como este cartaz, e também de o reproduzir na segunda capa do livro Ossama. Exposto aberto e distribuído enrolado, fechado com uma lâmina de papel vegetal onde estão os créditos e a numeração do exemplar, a edição amplia o poema, no intuito de dar a ver as palavras entranhadas sem a marca do tempo, como uma ação de desenterrá-lo.
EU PREFERIRIA NÃO GABI BRESOLA, A PARTIR DE HERMANN MELVILLE 2016
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Livro em formato de papel ofício, 70g/m², com dez páginas brancas, impressas com tinta cinza escuro. A mesma frase se repete em cada um delas: “— eu preferiria não”. Blocadas como notas fiscais, seu invólucro é um envelope amarelo, que chamam na papelaria de escritório de “envelope papel ouro”, no tamanho de 26x36cm. No lado de fora, uma etiqueta branca com uma tabela onde se dispõe, como um cadastro de processo, o título, o ano e demais créditos. Esta publicação apropria-se da repetição da frase pelo personagem protagonista no livro Bartleby, o escrivão, de Hermann Melville. Um escrivão que vive no meio de carimbos, escrituras, notas e burocracias, na Wall Street, com chefe e colegas batendo ponto, entrada e saída, em situação parecida de trabalho que grande parte dos seres humanos vive. Bartleby esconde-se no seu canto, imperturbável, e recusa-se a fazer tarefas com uma invariável e desconcertante frase: “— eu preferiria não”. Em outras traduções, aparece como: “preferia não fazê-lo”, ou “acho melhor, não”. No caso, não fazer, pode não significar fazer outra coisa no lugar, mas demonstra uma reação apática, uma situação meio doentia de estado de trabalho. O ato da edição consiste em apagar, ou deixar de lado, todo o texto que é narrado pelo dono do negócio: um advogado. Permanece assim, só a frase que é dita e repetida ao longo do livro por dez vezes pelo funcionário Bartleby: desde o momento em que retrata a vida de um funcionário que faz seu trabalho de acordo com os pedidos e demandas, no início do livro, até a negação e consequentemente a desistência, a morte do personagem no fim do livro. A narração de um período que resume um ciclo vital de trabalhadores infelizes exercendo funções repetitivas, burocráticas, massivas; que racionalizam movimentos do corpo e da cabeça em atividades mecânicas. Profissões que grande parte de funcionários realiza em cartórios, repartições públicas ou em empresas, gastando grande parte do tempo diário de vida. Oh, Bartleby! Oh, Humanidade!
FILOSOFIA DO LAR GABI BRESOLA COM FÁBIO BRÜGGEMANN 2016
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Múltiplo em formato de pano de prato, 100% algodão, com impressão em serigrafia. São cinco toalhas em um kit que possui combinações de desenho e texto. São utilizadas imagens toscas já impressas nas toalhas com a inserção de frases filosóficas apropriadas de Emil Cioran, Friedrich Nietzsche e Jean Paul Sartre, escritas na fonte Monotype Corsiva. A série teve impressão de 500 exemplares de toalhas, 100 exemplares de cada estampa. Distribuídas e vendidas em feiras de publicações e arte especializadas e também inseridas na banca de um vendedor ambulante no centro comercial de Florianópolis. Os múltiplos ironizam e invertem o discurso autoajuda que os panos de prato contém. Para os casos de venda de unidades em feiras especializadas, uma cartela — com a descrição da coleção completa e créditos do trabalho — era entregue para os compradores, e a estampa escolhida era assinalada, imitando as cartelas de tipos de estampa que acompanham peças de enxoval. No Brasil, principalmente no Sul, onde a indústria têxtil tem força, é comum a venda de toalhas brancas ou de tons pastéis com a combinação de uma estampa (de uma cena inocente, uma coruja, uma paisagem com crianças, figuras alegres) impressas em cores fortes e uma frase religiosa, em sua maioria retiradas da Bíblia, ou as frases de “superação” disponíveis no portal www.pensador.com. Foi durante uma compra de kit de panos de prato “5 por R$10”, na sinaleira, que os artistas-autores desta proposta se depararam com a frase “Deus fez a mulher para entreter o homem”. O fato gerou muitas discussões entre os dois. Consequentemente, fez surgir esta publicação em formato de múltiplo, na tentativa de também utilizar circuitos como este para difundir frases como discursos infiltrados (uma edição de resposta). Assim, este trabalho se apropria do espaço de pano de prato, e do espaço de venda de rua. A produção manteve imagens fornecidas pelo catálogo de imagens da própria empresa de panos de copa, a Guabiarte. No espaço destinado para a frase bíblica foram inseridas diferentes sentenças retiradas de livros dos filósofos já citados. São elas: “Deus é um desespero que começa onde todos os outros terminam”, “O destino do homem é esgotar a ideia de Deus”, “O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”, “Somos muito injustos com Deus, porque não deixamos ele cometer pecados” e “Somos todos impostores que nos suportamos uns aos outros”.
GORDURA GABI BRESOLA A PARTIR DE PABLO KATCHADJIAN, A PARTIR DE JORGE LUIS BORGES 2019
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Uma edição apropriada que segue o formato e as especificações formais do livro original Aleph engordado, medindo 13x7cm, em papel Pólen, no miolo, e Color Plus Milano 120g/m², na capa. A impressão do título é em serigrafia com tinta amarela. Gordura mantém as características gráficas do original, mas acresce uma sobrecapa em formato de cartaz no formado A3 dobrado. Em um exercício de seminário acadêmico sobre apropriação na literatura e nas artes visuais, o grupo, formado por Gabi Bresola, Michal Kirschbaum e Marcos Walickosky, traduziu a sentença final do processo do Aleph engordado — o famoso caso em que María Kodama processou Pablo por ter adicionado palavras ao texto original El Aleph, de Jorge Luis Borges, caracterizando o procedimento como plágio e reprodução não autorizada — a tradução do texto revelava impressões jurídicas sobre a ideia de apropriar-se do texto alheio para tecer o seu próprio. Para a defesa de Pablo Katchadjian, foi preciso que a equipe de advogados de ambos os lados contassem a quantidade de palavras adicionadas, pois a lei permite a reprodução a partir da quantidade. A contagem concluiu que foram 5.600 palavras, as quais eram referidas na redação do processo pela defesa de Pablo, de María e pelo juiz, como “gordura”. Esta palavra empregada no título já anuncia o procedimento desta apropriação da apropriação. Gabi Bresola reproduz o original de Aleph engordado de Pablo a partir de Borges; mantém toda a estrutura e mancha de texto do original, porém, todo o texto de Borges é apagado. Apenas o texto das adições, as gorduras, incluídas por Pablo, ficam visíveis. A sobrecapa tem, como uma impressão vazada, a estampa da tradução do processo judicial, já publicada na Hay en português nº 8 (disponível em: plataformaparentesis.com/site/hay_en_portugues/). A ideia do procedimento de apropriação de Gordura foi apresentada para Pablo Katchadjian antes de sua publicação, o mesmo respondeu o emeio de “pedido de autorização” com: Querida Gabi, hola. Me alegra que haya quedado linda y que a todos les haya gustado. Con respecto al Aleph ese, me pasa lo siguiente: a mí el libro me parece que está bien, no tengo nada contra el libro. Pero... me pasa cada vez más como a los rockeros cuando les piden un hit y se ponen locos o abandonan el escenario. A veces yo, que soy de naturaleza amable, respondo mal cuando alguien me habla de esto. Así que, sobre si publicarlo o no, mi respuesta es no, no quiero, quiero que lean las otras cosas que hago y, en todo caso, no seguir alimentando a ese monstruo. Es un sentimiento normal, supongo. Dicho esto, te mando besos a vos. P.
GOSTO DE DELEUZE, MAS PREFIRO MEU PAI GABI BRESOLA COM NÉVIO BRESOLA 2017
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Com o subtítulo Glossário de termos filosóficos da Arte Contemporânea em vigor na região Oeste catarinense, este folheto imita o formato de página de dicionário. Impressa no papel Color Plus, frente e verso. Um dos lados reproduz a diagramação em duas colunas com os verbetes “de varde”, “esfrótole”, “verada” e “urcocáne”, com suas respectivas definições. No outro lado, consta a epígrafe do trabalho, uma citação de Deleuze, e abaixo, o linque do Soundcloud, endereçando a versão sonora do trabalho. Gosto de Deleuze, mas prefiro meu pai é o resultado da mediação entre dilemas da estudante Gabi Bresola para: entender a série de conceitos que professores e críticos de arte se apropriaram da filosofia e da sociologia pós-moderna para falar de arte; com a promessa de nunca desconsiderar o conhecimento empírico e todos os conceitos criados por semi-analfabetos, como seu pai. Da compreensão de que poderia haver alguma equivalência entre os dois meios e os conceitos, e depois da leitura de uma entrevista que Deleuze concedeu a Claire Parnet, em 2005, em que ele diz: “um filósofo não é uma pessoa que contempla e também não é alguém que reflete. Um filósofo é alguém que cria. Só que ele cria um tipo de coisa muito especial, ele cria conceitos. Os conceitos não nascem prontos, não andam pelo céu, não são estrelas, não são contemplados. É preciso criá-los, fabricá-los”, Gabi enxergou seu pai como filósofo de um meio específico, e qual dificilmente o meio acadêmico compreenderia tão facilmente — assim como incompreende diversas vezes os termos e conceitos filosóficos transportados para descrição de trabalhos de arte. E, portanto, em companhia dele, criou conceitos aproximados e que poderiam ser equivalentes aos da academia. São eles: “de varde”, que equivale ao conceito de “devir”; “esfrótole”, que equivale a ideia de “conjuntura” + “rizoma”; “verada”, ao conceito de “camadas”; e“urcocáne”, do conceito de “sublime”. Após a escrita, Névio e sua filha leram o texto editando as definições conforme a compreensão dele. Névio, depois dessa proposição, relia diariamente (e orgulhosamente) o texto, sentindo-se como filósofo mesmo. Em um dia aleatório, gravou sua leitura e enviou por Whatsapp para Gabi. A escuta gerou uma versão sonora do trabalho: o áudio foi editado e mixado por Felipe Martins e está disponível no Soundcloud: soundcloud.com/gabi-bresola/gosto-do-deleuze-mas-prefiro-meu-pai
HAPPY TOPOGRAPHIES [LUGARES TERRIVELMENTE FELIZES] GABI BRESOLA, A PARTIR DE DAMIEN RUDD 2018
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Uma caixa-capa branca com título e créditos em Helvetica preta no ofsete branco 240g/m². Em seu interior, está o trabalho de postais em forma de livro blocado, no qual cada página é um cartão no tamanho de 13x7cm: em um dos lados vem a imagem “printada” do Google Maps [verde (para área de terra), cinza (nos nomes e demarcações) e azul (na área de água)] com o nome do município; e, em seu verso, o nome do lugar e sua localização topográfica. Este trabalho é uma apropriação artística e editorial da publicação Sad Topographies, publicado pelo Estúdio Margem, em parceria com o artista Damien Rudd (estudiomargem.com.br/#sad-topographies/3). Damien é um artista que compila locais do Google Maps com os nomes mais deprimentes do mundo. Possui uma conta no Instagram Sad Topographies (instagram.com/sadtopographies/), onde posta frequentemente prints do Google Maps com a localização que evidencia seus nomes. Happy Topographies [lugares terrivelmente felizes] apropria-se da operação de Rudd no que se refere à compilação de nomes, só que ao contrário: reúne nomes de cidades do Sul do Brasil que expressam felicidade, bem-estar & alegria. Bom Retiro, Paraíso, Novo Horizonte, Barra Bonita, Campo Bom, Encantado, Vale do Sol, Paraíso do Sul, Harmonia, Alegria, Vila Flores, Esperança do Sul, Alto Feliz, Vista Alegre, Boa Vista do Sul, Lagoa Bonita do Sul, Monte Belo do Sul, Boa vista do Cadeado, Nova Boa Vista, Alto Alegre, Capão Bonito, Nova Esperança, Bela Vista do Paraíso, Paraíso do Norte, Jardim Alegre, Céu Azul, Nova Aurora, Bom Sucesso, Boa Ventura, Boa Esperança, Campo Bonito, Rancho Alegre… são alguns dos nomes terrivelmente felizes de municípios do Sul do Brasil. A escolha se deu pela pesquisa e observação do povo que vive em cada uma dessas localidades, e em como as nomenclaturas revelam questões sobre elas. A colonização do Sul é formada, basicamente, por italianos, alemães, poloneses e ucranianos, e o período em que ocorreu, de algum modo, explicam alguns nomes que demonstram uma ideia feliz de “mundo novo”, que “fundaram” nas “terras que conquistaram”. Além desses nomes, outros, que não fazem parte da publicação, como “Nova Trento”, “Nova Hamburgo”, “Nova Veneza” e “Treviso” reforçam a força dos europeus na constituição dos municípios ao lado de muitos outros com nome de raiz Guarani. Quando um lugar vira posse de alguém, e seu nome é dado a partir da situação, depois do tempo passado, é possível pensar no porquê ele se chama de determinado modo? Os nomes fundam os lugares ou os lugares suscitam seus nomes?
HACIA UN PERFIL DEL ARTE LATINOAMERICANO DE GABI BRESOLA E SILFARLEM OLIVEIRA 2018
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Edição de exposição reimpressa. Caixa-encarte com faca em formato de pasta, em Color Plus amarelo Rio de Janeiro, 240g/m², com o título “hacia un perfil del arte latinoamericano” alinhado bem na borda da margem superior, com a Helvetica bold na cor preta, impresso a laser. Dentro, 54 lâminas de papel sulfite Marfim simulando um Pólen soft, 75g, xerocopiadas frente e verso, com marcas de excesso de cópia. Duas lâminas de texto curatorial, uma lâmina de apresentação, uma lâmina de créditos, que tem seu verso carimbado com a palavra “reimpresión”, duas lâminas para os títulos e o restante das lâminas é ocupado por artistas participantes. hacia un perfil del arte latinoamericano é uma exposição impressa realizada originalmente em 1972, com curadoria e edição de Jorge Glusberg. Os trabalhos, de cunho político e conceitual, expostos em maio e junho do mesmo ano, na III Bienal Coltejer, organizada pelo Centro de Arte y Comunicación, em Medellín, Colômbia, foram adaptados para se tornarem uma publicação. Glusberg pediu para que cada artista ajustasse as dimensões de seus trabalhos de acordo com as normas do IRAM (Instituto Argentino de Racionalización de Materiales), um sistema econômico e de fácil reprodução. Assim, todas as obras foram realizadas em papel Ozalid TS negro, K 1.13.023, da Químia Hoechst S.A. Produzida no Centro e Arte y Comunicación, em Buenos Aires/AR, com a tiragem final de 2.000 exemplares. O modo de exposição original foi apresentado no mesmo formato (retangular) da publicação, como se fossem páginas soltas de uma publicação colocadas sobre a parede. Cada artista teve o espaço referente a uma página A5 para apresentar seu trabalho, que era impresso na parte inferior da lâmina, deixando o espaço da metade para cima para o título da obra, uma mini biografia e uma foto do artista alinhada à esquerda. O grupo delimita seu posicionamento baseado na tomada de “consciência” das “condições de existência social e material”. Nesse sentido, esta publicação apresenta e discute uma realidade latino-americana, de modo geral, marcada por regimes de exceção, pelo subdesenvolvimento e pela dependência política e econômica frente aos países desenvolvidos. Logo, em consonância com esta realidade, os curadores vislumbraram os meios de informação impressos como espaço expositivo transgressor, facilmente reprodutíveis e com possibilidade de ampla circulação. Esta edição foi feita para a exposição “Política de consulta e leitura” (no Memorial Meyer Filho) quando Silfarlem de Oliveira propôs com Gabi Bresola, refazer a mesma publicação como uma exposição reimpressa, inserindo três artistas brasileiros.
LULALIVRO DE GABI BRESOLA E SILFARLEM OLIVEIRA 2018
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Livro em formato A4 fechado. Na capa, o título “LULALIVRO” é colocado na fonte Galderglynn Titling Bl, a mesma utilizada nas peças gráficas da campanha eleitoral para presidente pelo Partido dos Trabalhadores. Em seu interior, uma folha de papel sulfite em formato A3, dobrada, se abre com a área completamente preenchida da repetição “lulalivro”, em caligrafia manual cursiva (escrita por Marcos Walickosky, com a mão esquerda), formando grades horizontais. Na terceira capa, espaço onde geralmente se inserem as fichas de entrada e saída dos livros nas bibliotecas, está impressa uma tabela com o cabeçalho contendo “data”, “entrada” e “saída”. Algumas linhas estão em branco, na terceira delas, é indicada a data de entrada e saída da prisão de Lula nos anos 1980. Abaixo, aparece preenchida apenas a coluna de entrada com a data de 7 de abril de 2018, para que a coluna de saída seja preenchida pelo leitor. O formato e a quantidade de exemplares foram pensados a partir do tamanho da prisão do (ex-)presidente, preso político, Luiz Inácio Lula da Silva. O preço de capa é de 13 reais, e 10% de cada exemplar vendido é destinado à conta do acampamento Lula Livre, instalado em frente ao presídio, em Curitiba. Os livros são acompanhados do texto a seguir: “A corda vermelha, aquela corda vermelha ainda faz livro? Amarra e junta as páginas”, “cada página um livro infinito”? ou “cada página uma prisão”? Le Livre (Ler Livre). Se livrar ou livrar-se. Pessoas são pessoas e livros são livros? Ambos não são corpos? Pela frente um livramento. Livro, formato da ficção estruturante. Como livrar? A data de entrada, no colofão carcerário consta 07 de abril de 2018, a data de saída não é anunciada. Uma e três prisões: a prisão da linguagem (escrita), a prisão da página, a prisão dos corpos. Como uma ladainha, da esquerda para direita, caligraficamente as letras (as operárias invisíveis da linguagem) se intercalam unidas, sem interrupção, em idas e vindas. As medidas da página (prisão gráfica) são proporcionais em escala de 1:25 ao tamanho da prisão dos corpos não gráficos. A tiragem dessa livragem arrasada está assentada no tamanho do solo, corpo de material enquadrante em sua fase (só)lida, delimitado pelas precisas barreiras métricas quadradas de tamanho 15 (5 x 3m). Dividindo essa livragem de solo pelos múltiplos do mesmo (lula livro), chegamos a um entablamento aglomerado composto por unidades (não exemplares). As linhas nas páginas formam a grade. Livre o livro, livre os corpos da linguagem no livro, livre os corpos. O enredo final dessa narrativa desemboca no seu meio, e seu meio no seu fim, seu fim no seu começo. Recomeçando, Lula livro. Recomeçando, LULALIVROLULA”.
MESMO PROIBIDO, OLHAI POR NÓS DE FELIPE MARTINS 2018
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Edição em formato de folheto impresso no tamanho de 10,5x14,8cm, em Couchê com impressão em 4x1 cores. Em um dos lados, o texto “Oração ao Cristo mendigo”. Uma imagem de santo no lado oposto. Há duas variações de imagem. O formato apropriado de santinhos é um desdobramento da instalação Mesmo proibido, olhai por nós, que reuniu diversas esculturas em gesso de santos da igreja católica e do sincretismo, escondidos por lona e sisal, com placas de metal anexadas na base, sobre os nomes originais de cada santo, repetindo a frase que intitula a instalação. A frase e o contexto do trabalho surgiram da pesquisa e resgate histórico do desfile da Escola de Samba Beija-flor, no carnaval de 1989, que tinha o enredo Ratos e Urubus, Larguem a minha Fantasia. Na ocasião, o carnavalesco da escola, Joãosinho Trinta, construiu um Cristo Mendigo como alegoria. O tema e figura do Cristo causou polêmica antes mesmo do desfile, provocando fúria em religiosos e levando o arcebispo Dom Eugênio Sales a entrar com um pedido judicial para proibição do uso da imagem. O pedido foi aceito pela justiça, mas mesmo assim, a escola entrou na avenida com Cristo Mendigo acompanhado de uma faixa com a frase “Mesmo proibido, olhai por nós” e coberto por uma enorme lona preta e que ao longo do desfile foi rasgada por todos que sambavam ao redor dela (youtube.com/watch?v=ykt0KMvgbDU). Esta publicação parte da pesquisa de Felipe que pensa a Escola de Samba como espaço educativo, utilizando a história do samba no Brasil e elementos que compõem um desfile como diretrizes para o ensino de arte e da história cultural brasileira. Os métodos de educação se estende para a longa história do povo negro no Brasil, que foi obrigado a omitir sua religiosidade escondendo seus santos desde a vinda nos navios negreiros até hoje, quando ainda há uma séria preocupação em esconder os terreiros para evitar ataques. Assim, este trabalho acontece com uma linguagem em forma de prece. Os santinhos são distribuídos gratuitamente e foram inseridos/ infiltrados em mobílias dispostas para panfletos de oito igrejas de Florianópolis/SC, e também em Laguna/SC, cidade escravocrata e rota de comércio de escravizados nos séculos passados, onde o artista nasceu e atua como militante do movimento, no Instituto Ganga Zumba.
MIL PALAVRAS, MIL IMAGENS DE SANDRA CHECRUSKI SOBRE, E COM, LEYA MIRA BRANDER 2017
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Edição de uma dissertação de mestrado em dois livros: mil palavras e mil imagens. Os dois livros no tamanho 12x18cm, em papel Alta alvura, com impressão ofsete, são brancos com os títulos na capa em cinza. Os dois se agrupam por possuírem uma cinta que os envolve, feita de papel Vergê Opala. No interior da cinta, está impressa uma das gravuras mais conhecidas de Leya, com a figura de uma menina de costas para o leitor e de frente para o mar, e, no lado de fora, estão os nomes de Leya e Sandra. Fechada, a publicação tem seu título e autoria confundidos em um encontro das duas artistas. As características e o pensamento de montagem no trabalho da gravadora Leya Mira Brander com destaque para a palavra, presente também na produção textual de Sandra Checruski, acabaram por nortear o projeto gráfico, feito por Tina Merz. A proposta de mil palavras, mil imagens veio da ideia de produzir um objeto de pesquisa (a partir do trabalho acadêmico “Leya Mira Brander: mil palavras mil e uma imagens”, escrito por Sandra Checruski), que pudesse ter uma leitura menos teórica. Foram selecionados um capítulo e um texto de introdução da dissertação e uma entrevista que estava como apêndice em duas partes: “mil imagens” é uma transcrição do áudio do primeiro encontro das artistas, onde os assuntos de identificação vão dos esotéricos a formação artística, trabalhos e processos artísticos; e “mil palavras”, que faz menção a uma gravura de Leya, e nomeia uma de suas exposições individuais. Adaptado para a publicação, o texto fala das imagens de Leya, analisando-as em relação à história da arte, tarô, fotos de família, o texto presente como imagem, apropriações e as palavras proliferantes no conjunto da obra de Leya, que excedem aquelas gravadas em suas chapas e contaminam de outra forma seu processo. Em uma das partes deste livro, Sandra constrói o “Pout-pourri amoroso”, utilizando um processo de montagem que articula comentários, gravuras de Leya, “figuras” de Barthes, e trechos do ensaio de Fabio Morais, intitulado para L, em homenagem à artista, no qual aponta um repertório musical que vai de Alcione a Chico Buarque. Este fato levou a editora a criar uma playlist do livro, que pode ser ouvida em: open.spotify.com/ user/12178365032/playlist/6qcdUA6fmOXSy2u3oTQU8V?si=TaWNsqrbTzOTxj8Si2fcZg
MUITO TRABALHO PABLO KATCHADJIAN COM TRADUÇÃO DE FÁBIO BRÜGGEMANN E DARÍO MARROCHE 2019
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Edição traduzida. Mucho trabajo foi traduzido para o português, resultando em 7 páginas com texto em fonte tamanho 2pt. É um romance escrito em 2008 e narrado em primeira pessoa por um protagonista masculino de 27 anos, um aspirante a escritor chamado Juan Ernesto. É também um romance de formação, iniciação, com componentes fantásticos, de mistérios, aventuras sexuais e reflexões sobre o mundo do jornalismo e da literatura, kafkiano, construído sobre a alternância do absurdo, do realista, do cotidiano e do sinistro, em que o protagonista ignora o que os temidos poderes esperam dele. Muito político, precisamente por causa da falta de política. A escrita durou um ano inteiro, e, ao se deparar com o livro finalizado, Pablo não estava contente com o resultado final, mesmo depois de tanto trabalho para escrevê-lo. Era um bom romance, mas se fosse seu primeiro trabalho como escritor. Sentia pouco, texto pequeno. Deixou guardado e decidiu, então, retomá-lo quando a editora o convidou para publicar uma proposta em uma coletânea de escrita contemporânea. Pablo diminuiu a fonte do tamanho 12 para o tamanho 2, condensando um livro de 202 páginas (espaçamento simples) em 7 páginas, cerca de 56.000 caracteres por página. É um convite para descobrir o romance, um romance que não pode ser lido e só por isso pode ser lido. É preciso óculos de aumento, lupa ou reprodução digital, para que possa ser ampliado em imagem ou outras peripécias já relatadas por leitores. E, apesar de tudo, o trabalho é enorme, existe e o romance está lá: escondido, fantasmagórico, de uma única maneira de evitar um fracasso inevitável, sem abrir mão da escrita. Publicado, originalmente em espanhol, em 2011, pela Spiral Jetty, Mucho trabajo foi traduzido em português, nesta edição. Antes disso, teve sua versão em inglês, francês e hebraico como convidado do Festival Internacional de Poesía e adaptado como ópera. Atualmente, está sendo adaptado para roteiro de curta-metragem por Adriane Canan, no Brasil.
NOVOS CONTOS DE ROGÉRIO SGANZERLA [CO-EDIÇÃO COM GRAFATÓRIO EDIÇÕES] 2018
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Edição fac-similar, artesanal, impressa em tipografia em tinta preta, com capa de papel Capa AG rosa, com ornamentos em clichê e miolo em Pólen. No tamanho 16×11,5cm, cada uma das 5 folhas do livro tem um conto infantil. A encadernação segue a original de folhas soltas com grampo escondido. A edição é recontextualizada gráfica e editorialmente. O livro fac-símile vai acompanhado de uma foto de Rogério em seu aniversário de oito anos e também de uma carta impressa em papel bíblia com a letra manuscrita e um texto de Zenaide Sganzerla, mãe de Rogério, que hoje tem 99 anos, contextualizando a cena de origem do livro e um pouco da figura que era o cineasta quando criança. Esses três itens vão dentro de um envelope com motivo brasileiro, onde o endereço de remetente é o da casa da família de Rogério, em Joaçaba, cidade onde escreveu o livro. No envelope, são inseridos carimbos e selos colocados manualmente. Todos os envelopes têm combinações de carimbo e selos diferentes. Os selos são comemorativos e contém referências cinematográficas tendo opções de: selo comemorativo de 50 anos do filme O bandido da luz vermelha; selo do filme La Chinoise, do Godard; selo com o rosto de Orson Welles; selo com o rosto de José Mujica e selo comemorativo dos 100 anos de Joaçaba. Os carimbos têm desenhos gráficos e em tinta azul clara, preta e vermelha, e levam frases ditas por personagens dos filmes de Rogério: “Quem tiver de sapato não sobra”, “O terceiro mundo vai explodir”, “O sistema solar é um lixo” e “Tudo é Brasil”. Originalmente, o livro surgiu de um apanhado de papeizinhos que Rogério escreveu quando tinha oito anos, foi sozinho a uma tipografia de Joaçaba querendo imprimir um livro, entregou ao tipógrafo, e saiu de lá com sua primeira publicação: Novos Contos, de 1954. Tempo mais tarde, com 18 anos, Sganzerla escrevia sobre cinema para o Estadão, e com 22 anos seria aclamado como um dos cineastas mais radicais e inventivos do Brasil ao estrear com seu primeiro longa-metragem, O Bandido da Luz Vermelha (1968). Para ele mesmo, e para muitos de seus amigos e críticos, a obra precoce seria o indício de sua criatividade anárquica, que se manifestava desde a infância. Após ser publicado, Novos Contos foi lançado em Joaçaba, acompanhado da oficina “Tipografia Sganzerla” produzindo cartazes de filmes fictícios e demonstrando aos participantes o processo e impressão em tipos móveis. O livro foi lançado em diversas cidades brasileiras, destacando São Paulo, onde tivemos a Helena Ignez conversando com o público sobre a figura de Sganzerla em diversos contextos e sua relação com a infância.
O POETA DE CORDEL DE VICENTE MORELATTO 2018/2020
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Livro pequeno, edição fac-similar, no tamanho 11x15cm, impresso em tipografia nas fontes nominadas pelo tipógrafo Ednilson Neckel como “retorno” e “claro”. Segue exatamente as características do original, com acabamento em grampo exposto e capa e miolo no papel Pólen 80g/m². Vem embalado por um invólucro preto de tecido com o aplicação de CKC2020, um composto anti-chamas. Vicente Morelatto, poeta, piloto de avião, professor, fundador de escolas e movimentador político, acreditava que seu destino era ser mártir, por isso, aos 26 anos, ele decidiu contar, em versos, a história que ainda hoje assombra os moradores da cidade de Chapecó: o linchamento de quatro presos políticos que foram espancados com pauladas, facadas e golpes, sendo arrastados e queimados em praça pública, movido por estímulos de um conchavo entre coronéis, um delegado e um padre. Os episódios que marcaram com fogo o ano de 1950 e a praça central da cidade são relatados nas sextilhas do poeta, o homem que fez da poesia de cordel o instrumento para denunciar os fatos da chacina. História do incêndio da Igreja de Chapecó e o linchamento dos quatro presos foi o título que deu aos seus versos, entregando à história a incumbência de reconhecer o seu feito, já que a morte foi seu destino imediato pós-gráfica. Na semana de sua morte, saíram da gráfica os 400 livros que ele deixara para impressão e difusão, mas apenas 100 chegaram às mãos da população. Os outros 300, que estavam com um mascate amigo de Vicente, foram confiscados e queimados. Assim, chegava ao fim a tentativa de tornar conhecidos nos mais distantes recantos os 120 versos que narravam o que acontecido em 1950. Ilka Goldsmith e Cassemiro Vitorino, que estavam pesquisando sobre o poeta para o um filme, localizaram dois exemplares originais escondidos por pessoas que não tiveram seus livros confiscados na época. Observando o histórico de pesquisadores e artistas que foram ameaçados em outros momentos por tocarem nesta história, com cuidado, a equipe atuou montando e editando o livro em uma gráfica que estava no seu último mês de funcionamento. Os 1.400 exemplares fac-similares do livro foram impressos e dispostos em uma parede de varais montados na praça Coronel Bertaso, no dia 26/01/2019. Na ocasião, enquanto o texto era lido pelo grupo de teatro Vertigem em voz alta, os livros eram distribuídos para a população que passava por ali. Destes, 200 exemplares restantes foram disponibilizados para a editora que produziu uma edição especial, contendo um livreto extra e um pen card com o arquivo do filme e making of do processo de produção. Além da versão impressa, todos o itens da publicação estão em formato digital, disponível em: margotfilmes.com.br/opoetadecordel
O TIPÓGRAFO E A CATATIPO DE GABI BRESOLA COM EDNILSON NECKEL 2019
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Edição de livro em tamanho 14x21cm, formato paisagem. Impressão toda em tipografia. Na capa de papel camurça rosa, a palavra “tipógrafo”, em alinhamento reto justificado, e a palavra “catatipo” é impressa com espaçamento irregular, indicando um suposto alinhamento errado da matriz, ambas em preto. As fontes, de tipos móveis, variam de família. O miolo de papéis sulfite colorido tem impressão de clichês com desenhos variados: cachorrinhos, computadores, arcadas dentárias, órgãos humanos, peças automotivas, árvore, caminhãozinho, representações de pessoas: mulher com cabelo longo, mulher lendo um livro, homem com enxada na mão, criança com mochila, etc. Todos impressos em preto, ocupando as páginas como padrões de estampa. Entre os desenhos, textos são inseridos na cor rosa, variando com fontes diferentes para cada frase. Esta publicação surgiu em janeiro de 2019, da convivência de Gabi Bresola com Ednilson Neckel, durante a impressão do livro História do incêndio da igreja de Chapecó quando trabalharam juntos por um mês. Ednilson não é um tipógrafo que sabe a história da família Helvetica, tampouco sabe os nomes oficiais das fontes, pois na sua tipografia é ele mesmo quem batiza, colando com fita durex nas gavetas: “fina”, “meia grossa”, “de jornal”, “clara”, “imendada”, “preta forte”. O tipógrafo, apelidado de Pitty, há mais de 30 anos imprime todo tipo de material: de nota fiscal a bilhete de rifa, até cartão de visita. Nunca estudou tipografia nem design, mas conhece cada pecinha da Gutenberg que mexeu pela útlima vez na impressão do título mencionado. A cada processo que o livro passava, Pitty dava uma aula prática para Gabi, ensinando-a a decorar a ordem do alfabeto na caixa de tipos; em como olhar no sentido certo as letras p, b, q, d, (já que em formato físico, elas todas são iguais); em como calcular espaços entre linhas e letras, as quantidades do vazio em números. Gambiarras gráficas, ditados inventados, lembranças de toda sua trajetória eram feitas e ditas de modo simplório e cheio de gírias durante o processo. Todas eram anotadas por Gabi, apelidada de Catatipo — já que demorava muito tempo, em relação ao tipógrafo, para escrever palavras de chumbo. Ao final do processo, Pitty deu de presente 3 caixas de clichês para Gabi, já que a gráfica estava fechando no mês seguinte, e com isso, tudo seria derretido. Da amizade e relação de mestre e aprendiz, este livro é um arquivo afetuoso da experiência, mas que pode ser lido como um guia tipográfico e que até pode ser considerado como conhecimento empírico, mas é tão complexo e oficial quanto tudo que a editora já leu e entendeu sobre tipografia e design gráfico nos livros e aulas sobre o assunto.
PODER EXECUTIVO DE GABI BRESOLA 2018
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Edição de cartaz. Impresso em papel Glassine 1x0, com fundo preto e texto em branco. Possui duas versões em papel sulfite A4 e A3. Uma massa de texto preenche o fundo do projeto gráfico, um compilado de frases que destacam nomes e relatam acontecimentos reais, como: “JOSÉ COLÍRIO OLIVEIRA GUAJAJARA era cacique da Aldeia Travessia, na Terra Indígena Cana Brava, no estado do Maranhão. O líder indígena lutava, como muitos da sua aldeia, contra a invasão das terras indígenas e exploração dos seus recursos, em particular, por madeireiros. No dia 26 de Setembro de 2016, três dias depois da morte de José Queirós Guajajara, José Colírio foi assassinado com um tiro à queima-roupa em frente à sua família”. No meio da massa de texto, está localizada a palavra: PODER EXECUTIVO, em caixa alta, na fonte Co-helvetica negrito. Em 9 de dezembro de 1998, a Assembleia Geral das Nações Unidas lançou a Resolução 53/144, com a “Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos (Defensores de Direitos Humanos). Em um dos artigos, a Declaração destaca o papel dos Estados, que possuem o dever de “adotar medidas adequadas no plano legislativo, judicial, administrativo e outros a fim de promover a compreensão por todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição dos respectivos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”. Uma declaração que não foi levada a sério pela maioria dos países. Em 2017, foi lançado o banco de dados do HRD Memorial, para elencar todos os defensores de direitos humanos (DDHs) mortos desde que a Declaração entrou em vigor, o sítio hrdmemorial.org. Este cartaz desdobra a palavra “executivo” a partir de um Governo de Estado que se coloca no lado oposto ao das vítimas. Há um jogo visual que parte deste contexto, com tamanho de fontes: PODER EXECUTIVO no tamanho grande para ser visto de longe, em contraponto com um texto com nome e dados de todos os ativistas brasileiros\as, em tamanho bem menor. Os nomes e fatos foram retirados do HRD Memorial, colocando-se como um único texto, uma malha de palavras que só pode ser lida de perto. Uma proposta visual de leitura na forma literal que sugere uma leitura política. Poder executivo foi o Boletim 12 da par(ent)esis, em maio/2018; fez parte da exposição Reunião do Clube do Múltiplo no Museu Victor Meirelles, em junho/2018; foi exposto no “Encontro de Filosofia e Arte: a urgência da arte” em formato de banner (3mx1m45), em outubro/2018; e, integrou uma inserção na exposição reimpressa hacia un perfil del arte latinoamericano.
PRA MORRER DE CORBÉLIA ALVES 2016
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Múltiplo de papel em fita de plástico fosco com letras adesivas douradas de funeral, cinco unidades colocadas em pequenos rolos dentro de embalagem de papel amarelo cintilante 90g/m², com o título “pra morrer” em hotstamp ouro envelhecido, e, uma cartela de plástico rígido com o texto da autora e créditos impressos. Fechado no tamanho 10x10cm. Corbélia foi, originalmente, uma artista floral mas sempre aspirante a escritora. De sua convivência diária na floricultura, onde trabalhou enquanto não concluía o curso de Letras e não trabalhava na área, e com pesquisa em escrita criativa e não-criativa, constatou os textos que escrevia no seu trabalho. Em atendimentos de serviços florais para nascimentos, casamentos, formaturas e funerais, escrevia cartões, mensagens, parágrafos e outros textos para os clientes, além de passar um tempo com eles discutindo sobre o que era escrito. Atentou assim para os episódios de funerais como fonte para desenvolver um trabalho de escrita. Selecionou tanto frases que escrevia para faixas inseridas nas coroas funerais, quanto frases clichês que eram repetidas na floricultura e nos velórios em todas as vezes em que uma notícia de morte aparecia e que ela ouvia enquando dispunha crisântemos no defunto. A publicação traz cinco rolos com parte dessas frases: “Para morrer basta estar vivo" , “Morre gente que nunca morreu antes”, “Descansou”, “Melhor morto do que vivo e sofrendo”, “Quem é vivo sempre aparece” e “Deus me livre, mas mereceu”. O texto da cartela é uma narrativa de humor mórbido, com detalhes de pessoas/personagens que falaram as frases e as circunstâncias em que foram ditas durante os velórios e debatidas. A tiragem foi de sete exemplares numerados, devido ao alto preço de compra da tipografia adesivada. Teve seu primeiro lançamento na floricultura Arte Flores e contou com um debate da autora com Andreia Zanella e Grazielli Alves, duas floristas especializadas no processo de produção floral em ocasiões mortuárias, na produção de arranjos e decoração dos caixões, abordando flores e morte e a relação com os clientes que são recebidos por elas em seus estados de luto recente. Depois deste múltiplo, as frases se desdobraram em títulos de capítulos de um romance de artista, com o mesmo título, que Corbélia desenvolveu na Residência do Espaço Arte Contemporâneo, em Montevidéu/UY, 2018.
PROIBIDO COLAR DE WALTER BENJAMIN TRADUÇÃO: FÁBIO BRÜGGEMANN E FLAVIA RAMOS 2017
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Edição retraduzida, Proibido colar reúne quatro livrinhos A6, impressão e papel ofsete, com textos de Walter Benjamin, com treze sentenças em cada um deles: “Treze teses contra esnobes”, “A técnica do escritor em treze teses”, “A técnica do crítico em treze teses” e “Número treze: sobre livros e putas”, com um contorno nas bordas verticais que se conectam quando todos os livros são colocados agrupados sobre o cartaz A3, dobrado em seis partes, que vem junto com a frase "proibido colar cartazes" impressa em letra maiúscula. Ainda que em outras passagens de “Einbahnstrasse" o número treze também apareça, em "Ankleben verboten" é aquele em que Benjamin salienta o apreço pela taxonomia, neste caso ligado ao número em questão. A impressão e a edição são simples e econômicas. Os quatro livros possuem molduras que, sobre o cartaz, formam uma só imagem gráfica. O acabamento dos quatro livros é grampeado e a diagramação dos textos foi feita no sentido horizontal. O cartaz é uma peça extra em que consta a palavra “cartazes” depois de “proibido colar”, criando uma proibição autorreferente e também condensando a proposta de retraduzir o texto, o qual em outras edições foi traduzido por “Proibido colar cartazes”. Os textos são um excerto do livro Rua de mão única [Einbahnstrasse], escrito por Benjamin nos anos de 1928. A maior parte das edições, tanto para o português quanto para o espanhol, traduziram como “Proibido colar cartazes”. Nesta edição, os tradutores Fábio Brüggemann e Flavia Ramos mantiveream o original alemão, “Ankleben verboten", que omite, ainda que seja compreendido em alemão como tal, a palavra “cartazes”. A palavra “colar”, em português, remete a outros significados que não somente o explicitado no título dado por Benjamin. Denota a ideia de “colar” em provas e o tão contemporâneo “colar” depois de copiar: copy and paste, ctrl c + ctrl v, em alusão às colagens que tanto fazemos cotidianamente nos computadores. Esta tradução considera resgatar palavras e oxigenar na tradução, em uma tentativa de contemporizar o pensamento de Benjamin que ainda é uma referência teórica relevante.
RELES CHÃO DE SEBASTIÃO GAUDÊNCIO BRANCO 2016
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Cartaz com 41x58cm branco ofsete com apenas uma imagem formada por sobreposições de imagens, impressa no centro, em tons de cinza, que sangra para os lados direito e esquerdo, e outra impressa na vertical com uma imagem de monotipia feita com chapa de madeira de pinheiro crua. Abaixo desta imagem, um recorte de uma imagem de página com rastro de neve na vertical e textura de pinus na área direita. Abaixo das sobreposições de imagem, o texto “quantos horizontes necessários são, para descobrir que lá, no fundo, todo mar é terra firme? quantos são para descobrir que lá, no fim, toda linha é utopia?” restando uma margem branca na área do papel acima da imagem e outra abaixo do texto. Impresso em ofsete, os 200 exemplares são distribuídos enrolados como um cilindro, com uma folha de papel vegetal contendo créditos e espaço de numeração. Reles chão é o nome da exposição que Sebastião realizou em 2016, em dois lugares: na cidade de nascença, Lages/SC, e em Florianópolis/SC, cidade onde mora há mais de dez anos. Os percursos feitos por ele, dirigindo em horas de observação com olhar frontal (que sempre tentou ser panorâmico), nas viagens que fazia como motorista, se mostraram como períodos para pensar a tão clássica e batida ideia de paisagem. Considerando as divergências, contrastes e aproximações entre serra e mar, a proposta dos trabalhos usava a representação da linha como objeto. Tanto como delimitadora, no limite entre seu estado de fronteira, de horizonte, de percurso, mas também a linha física e o traço com desenho construtivo. Para desenvolver as imagens, Sebastião coletou grande parte dos materiais para matrizes em edificações de obras e fez com madeiras nativas da Serra. O espaço de impressão foi de tecidos e páginas de livros retiradas de uma edição com várias imagens que representavam frio e neve. Impressas em preto, as partes brancas de neve, como rastros e paisagem de fundo, se apresentavam como desenho. A partir da dupla leitura com a bibliografia anti-tropical de A estética do frio, de Vitor Ramil, o artista fez impressões com suas matrizes cruas. A paisagem abstraída com simplicidade e minúcia perseguiu a narrativa com horizonte e o binarismo entre os dois lugares e as duas técnicas advindas delas. O cartaz foi um propósito para expor o processo entre curadora e artista, com um pedaço do texto da exposição e um pedaço de imagem. Uma linha com as duas coisas que atravessa a página e torna-se um novo trabalho, sem nunca saber ao certo onde é seu início e seu fim.
REMINISCÊNCIAS MIRA SCHENDEL DE GABI BRESOLA, RENÊ BIROCHI, SEBASTIÃO G. BRANCO E SOFIA BRIGHTWELL 2019
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Uma edição de livro a partir de vários livros, especificamente da biblioteca de Mira Schendel. Em formato de 16x23cm, blocada, a publicação é envolvida por uma sobrecapa que ao mesmo tempo também é capa em Markatto Naturalle. Na sobrecapa, dois textos sobre a coleção de livros: um sobre o projeto que antecede a publicação e outro é um texto poético de Renê sobre a relação pessoal, histórica e afetiva que possui com os materiais originais do livro. Frases, bilhetes, dedicatórias, cartas, anotações, sublinhados, rabiscos, fragmentos de papel, selos, insígnias coloridas, registros da livraria Canuto, capas de seda, carimbos, livros de amigos recebidos como presentes, catálogos, desenhos chineses, esboços de trabalhos, cartões postais, vazios ou escritos, folhas amareladas, folhas sem abrir, desbotadas pelo tempo, fungos e manchas, fósforos usados, alguns fios de cabelos entre páginas. Reminiscências de Mira que aparecem na coleção/biblioteca de livros herdada em 1988, logo após a morte de Mira Schendel, por Renê. Os livros apresentam um conjunto temático relativamente homogêneo e coerente com a trajetória de Mira em torno do campo da filosofia, da psicologia e da arte. Mais que um conjunto de livros ou de postais de uma artista que transformava palavras em objetos-imagens, densos de significados e deslocados de seus contextos originais, reencontramos na sua biblioteca vestígios e traços desses deslocamentos tão marcantes. As marcas deixadas por Mira, suas reminiscências, resgatam suas ideias originais em anotações feitas nas margens, nas linhas e nos espaços vazios das páginas em diálogo com o conteúdo de cada livro. Esta publicação, como um resultado da leitura, análise e digitalização desta biblioteca se coloca como um livro formado por páginas diferentes de uma seleção destes livros. Cada página da publicação reproduz um fac-similar de página, formando uma terceira margem de livro, um livro-biblioteca, que torna público alguns vestígios de leituras passadas de Mira. A distribuição do livro é gratuita, e em seu interior foram inseridos fac-similares de postais que eram da artista e que também fazem parte da coleção de Renê
SAGU DE MARIANA BERTA 2018
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Livro no formato 14x21cm, tem capa com papel Vergé amarelado, o mesmo que se usa para impressão do certificado de conclusão de graduação, impressa 1x0, com Pantone 222u, da cor de vinho cozido de sagu. O miolo é de papel Pólen 80g/m², com 104 páginas, impresso em 1x1 na cor preta. Mixando imagens digitalizadas, fotografias e texto, esta terceira edição do livro tem o projeto gráfico de Tina Merz. Sagu é um livro meio que exposição, que reúne trabalhos de Mariana Berta, os quais partem das vivências da artista em seu ambiente de origem, que é o Oeste catarinense, e da observação que ela faz das disjunções entre os saberes provenientes de suas raízes camponesas com o circuito da arte e da construção de conhecimento dentro da academia. Em seus trabalhos, Mariana insere os sabores, memórias, vozes e autorias rurais na biblioteca, na escola, no ambiente de estudo e difusão da história da arte, com a potência de desestabilizar as noções estanques de campo e cidade, e provocando questionamentos que afrontam a estética do agronegócio com a apresentação da sensibilidade camponesa e seus valores. A estrutura crítica da linguagem é baseada na relação de produção do sagu, que mistura o vinho que vem da uva, fruto que nasce no alto das parreiras, nobre e importado, com a mandioca, a tuberosa genuinamente brasileira, que nasce embaixo da terra e que tem lugar menor na culinária brasileira, mesmo sendo uma raiz brasileira. Produzido como semente, este livro é propositivo e inaugura o pensamento de artista agricultora no estado. Possui textos metafóricos e ao mesmo tempo teóricos, páginas com frames de vídeos e links para que sejam acessados para além da leitura nas páginas. O livro possui uma página carimbada com um de seus trabalhos Authorized by colonization e um pequeno folhetinho solto com a oração “Rainha da discórdia” (originalmente publicada e exposta solta na exposição “Interior”, na qual a editora, a designer e a autora participam como artistas). O lançamento foi na casa da artista, com preparo público da receita de sagu enquanto trechos do livro eram lidos por seus amigos Um dos textos foi gravado por Flávia Person no Episódio #010 do PodCast VER.SAR - práticas artísticas, maternidades e feminismos de Priscila Costa Oliveira. Disponível em: soundcloud.com/podcastversar/versar-010-flavia-person-le-mariana-berta
#semhappydays DE GABI BRESOLA 2018
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Livro de Instagram, no tamanho do celular 13x6cm, onde foi composto digitalmente, é encadernado com espiral preto. Suas páginas são de sulfite comum 75g/m², inteiro impresso a laser, em preto, só frente, em 102 folhas, duas de capa na frente e no verso. O miolo de 100 folhas impressas reproduz prints de postagens do projeto #semhappydays do perfil de Instagram (@gabibresola). O trabalho inicial consistiu em uma performance na rede do Instagram, realizada durante 100 dias por Gabi Bresola. Todos os dias postava alguma imagem com legenda em forma de relato que retratava, sempre, alguma situação tragicômica ou fatos tristes que ocorriam com ela. Os 100 dias eram contabilizados com o título “dia 1”, “dia 2”, até chegar ao 100, com a hashtag #semhappydays no final de cada uma das postagens. #semhappydays é uma sátira a #100happydays, uma hashtag que faz parte de um projeto de influenciadores digitais e marqueteiros portugueses para estimular as pessoas a postarem, durante cem dias das suas vidas, seus momentos felizes para que fossem vistos, curtidos e elogiados por seus seguidores. As imagens “tagueadas” de #100happydays variam entre fotografias de pessoas bem cuidadas na praia, comendo algo muito gostoso, ou com boa aparência de instafood, passeando com pets, beijando seus namorados, adquirindo objetos e eletrodomésticos, entre outras imagens similares. #100happydays teve alta adesão de brasileiros e, inclusive, foi utilizada por recursos humanos em grandes empresas como forma de estímulo criativo para seus funcionários. #semhappydays consistiu em realizar a operação oposta, entre maio e novembro de 2018. Com assuntos variados, de um modo irônico, as postagens partiam de ocorrências pessoais relacionando com contextos universais que puderam ser identificados por usuários seguidores. O perfil continua onlaine com parte das postagens.
SOBRE A MORAL DE ALBERT CAMUS POR DANIEL LEÃO E DJULY GAVA 2016
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Edição de livro que estava dentro de um livro, Sobre a moral é uma publicação em formato padrão de 14x21cm, com capa branca, escrito em preto “Sobre a moral”, alinhado na parte superior, e “Albert Camus” alinhado na parte inferior, ambos centralizados. Lombada quadrada e miolo com 100 páginas de papel ofsete 75g/m². Destas, 99 são em branco, e, na última, consta a frase: “Eu não conheço nenhum dever que não seja o de amar. E para o resto eu digo não. Eu digo não com todas as minhas forças”. Andando a caminho do mercado, Daniel, amigo da editora, questionou sobre os custos de produção de um livro impresso, querendo saber qual a diferença de imprimir um livro com todas as páginas com e sem textos; como seria produzir um livro em branco, que não era totalmente em branco? Para responder com certeza, houveram diversas consultas e orçamentos com diferentes gráficas. As respostas foram de valores altos, pois justificaram que produzir um livro com somente uma página impressa, daria no mesmo, pois teria processo similar aos demais livros com todas as páginas impressas. Pois, embora e justamente as páginas não tivessem nada escrito, o trabalho de refile, montagem, costura e cola eram os mesmos, assim como o tempo e uso dos funcionários, porque a impressão quem faz é a máquina. Deste modo, o projeto gráfico variou em diversos testes com inúmeras cores para a capa, mas no fim, acabou sendo feito totalmente na cor branca, com duas áreas impressas: primeira capa e frente da última folha, penúltima página. Djuly Gava e Daniel Leão conceberam esta publicação a partir de uma anotação, de setembro de 1937, do filósofo e escritor franco-argelino que dizia: “As nuvens se acumulam acima do claustro e a noite pouco a pouco assombra as lápides onde se inscreve a moral que atribuímos àqueles que estão mortos. Se eu tivesse que escrever aqui um livro de moral, ele teria cem páginas, e 99 ficariam em branco. Na última, eu escreveria: ‘Eu não conheço senão um só dever e este é aquele de amar’. E, para o resto, eu digo não. Eu digo não com todas as minhas forças. As lápides me dizem que isto é inútil e que a vida é como o sol que nasce e se põe. Mas não vejo o que a inutilidade subtrai à minha revolta e sinto o que ela acrescenta’’. A tradução (livre) foi feita pelos autores com a colaboração de Bruno Velasco.
SÓ VAI GABI BRESOLA 2019
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UM BICHO QUE DE PATRÍCIA GALELLI 2015/2016
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Formato quadrado,15x15cm, branco, com impressão em serigrafia preta. Sobrecapa em papel cartolina duplex preta com tinta branca. Na capa, só o título, e nas contracapas há uma textura de escritos com nanquim, técnica utilizada para escrever-desenhar os bichos que se alastram pelas folhas costuradas manualmente com linha preta. A primeira edição teve 60 exemplares e a segunda (com o mesmo projeto gráfico mas impressa a laser) teve 40 exemplares. Um bicho que é um livreto, um “micro-bestiário”, que concede uma página para cada bicho existir. Cada bicho é um pedaço desenho e um pedaço texto, uma proposta que junta a imagem do bicho e a frase do que o bicho é ou representa, em nanquim, técnica que precisa de precisão. Patrícia é escritora e trata o nanquim como se fosse caneta, assim, imagem e grafia de fundem virando uma coisa só. São 12 bichos. Cada um deles é formado por partes de bichos que até já existem por aí. Na primeira vista, parece que são identificáveis, mas quando se olha mais devagar dá para notar que, por mais que um tenha asa de passarinho ou rabo de caracol, no fim, não é nenhum nem outro, é ainda outro bicho que só existe na fauna literária de Patrícia. Sua descrição varia: “Um bicho sozinho é um bicho que pensa pra dentro” e “um bicho assustado é um bicho que grita com as asas”. Os bichos não têm nome, contrariando a relação de poder que os homens exercem sobre eles. São bichos que não se sujeitam, imaginações com vontade própria. Amáveis, porém profundos; ariscos, mas possivelmente muito mais humanos. A embalagem/cartaz é uma sobreposição de todos os bichos formando uma mancha gráfica impressa em serigrafia branca sobre papel preto. O colofão de cada edição é o que as diferencia, mencionando o período que foram impressas: uma durante o fenômeno atmosférico-oceânico do “el niño” que passou na Ilha de Santa Catarina em dezembro de 2015, e outra sobre o início de um fenômeno catastrófico-golpista, em 18 abril de 2016, que ainda está em passagem no território nacional.
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COLEÇÃO EDITORA PESSOA FÍSICA PESSOA JURÍDICA
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Edições de textos, trabalho de artistas e proposições de autoras e autores sobre o processo editorial, conversas e histórias editoriais das pessoas que trabalham com isso e que as veem como uma atividade cotidiana, que não se separa da vida pessoal. Em cada publicação, a abordagem da atuação é pensada com linguagens diferentes, que incluem foto, performance, entrevista, relação com a internet sobre o quê ou pode ser edição. Para a criação desta coleção, o ponto de partida foi o trabalho de conclusão de curso da editora desta editora, que reuniu os primeiros títulos: Originais, Volumes e O que você faz quando faz ou pensa estar fazendo edição? e, depois, uma combinação de reunião de outros trabalhos já publicados, editora editora [1] (que só teve sua primeira edição nesta coleção, depois virou título independente) e editoras editoras, que nesta coleção ganharam uma nova roupagem editorial. Todas as publicações desta coleção são editadas com materiais simples disponíveis em papelarias e acabamentos comuns.
EDITORA EDITORA [1] POR GABI BRESOLA 2018 Edição de luxo. No formato 21x29,7cm fechado, o livro tem 112 páginas com capa em papel branco em alta gramatura, estampada em fonte Arial, tradicional, e, bem grande, o título “editora editora”. Na lombada externa estão descritos títulos de publicações de artista em fonte bem pequena, aparentando uma textura se não forem vistos bem de perto. A lombada interna tem costura aparente, evidenciando as “vísceras” do livro e, de algum modo, seguindo a moda editorial da costura aparente que teve seu auge em 2018. Na segunda e terceira capa, uma malha preta impressa em cinza chumbo agrupa e sobrepõe dez mil vezes a palavra “miríade”, aludindo ao próprio significado em grego da palavra. O trabalho é um livro-catálogo que enumera, classifica e define de forma técnica (com devidas licenças poéticas) todas as publicações de artista que a miríade edições produziu no período de 2014 até 2019, tanto na prática quanto conceitualmente. A linguagem, um tanto enfadonha, repleta de relato pessoal, realçando traços de tautologia e alterego desde os textos iniciais, em que tenta descrever a história da editora, relações de edição, diferenças de edição na editora tradicional e nas artes visuais, experiências e desventuras, até uma entrevista editada da editora em que se apropria de frases ditas em conversas, escritas em emeios, gravadas em entrevistas que fez, áudios de Whastapp, livros de entrevistas, trechos de falas de/com editores/as, designers e artistas. Publicada com a colaboração editorial de Lívia Aquino, Raquel Stolf e Regina Melim, em dezembro de 2019, cumprindo o trabalho de instrução “autoinstrução” e finalizada durante uma banca de qualificação.
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EDITORAS EDITORAS POR VÁRIAS AUTORAS 2019 Edição de luxo. No formato 21x29,7cm fechado, o livro tem 80 páginas com capa em papel Vergé em alta gramatura. O título, com a fonte Garamond, é sobreposto com os nomes das editoras convidadas. Cada um dos nomes com uma fonte diferente, eles ocupam graficamente a região da capa e parte da lombada. Na terceira e quarta capa estão descritos mais 500 títulos de publicações realizadas pelas editoras participantes do livro, em fonte bem pequena, que formam um único texto como uma malha de estampa. O conteúdo do livro é formado por conversas transcritas, realizadas entre 2010 e 2019 com editoras brasileiras, mas principalmente as atuantes em Santa Catarina: Eglê Malheiros, primeira editora mulher da primeira editora de livros de literatura e arte em Santa Catarina, na Edições Sul; Dorothée de Bruchard, professora, escritora e tradutora da editora Escritório do livro, que criou a coleção “Memórias”, trazendo depoimentos de “pessoas dos livros”; Zahidé Lupinacci Muzart, fundadora da Editora Mulheres nos anos 1990, publicando somente autoras e conteúdo ligado ao gênero; e Regina Melim, editora da plataforma par(ent) esis, a primeira plataforma de pesquisa e publicações de artista do estado.
VOLUMES GABI BRESOLA 2016
Foto-livro formado por 25 imagens sangradas impressas em preto sobre papel reciclato no formato A6 e acabamento grampeado. Com capa em papelão e título em adesivo retangular branco. Volumes é um texto que se lê em palavras que estão nas fotografias de um estoque de uma editora comercial. O exercício comum de quem trabalha em estoque de livros é de, a cada vez que abre uma caixa para retirar livros que vão para livrarias, ou para guardar os que foram devolvidos, escrever no lado externo das caixas os títulos e as quantidades contidas em cada volume. Desse modo, um estoque onde só se enxergam as caixas de papelão e se leem todos os seus conteúdos do lado de fora faz com que as estantes, caixa sobre caixa, caixa ao lado de caixa, formem uma parede de escritos, de sinalizações do que está contido por trás do papelão. As caixas foram fotografadas separadamente por Gabi Bresola e organizadas em uma sequência, a mesma da ordem de páginas deste livro para formar uma narrativa. O texto, se retirado das imagens, também pode ser lido como uma ordenação de títulos. A lista desses títulos aparece no final do livro com seus respectivos autores A produção deste livro de imagens com um texto camuflado surgiu, também, com a frase de Umberto Eco, que afirma que “todo texto é uma máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça sua parte”.
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EMPILHAMENTO MÁXIMO DE GABI BRESOLA 2016 Edição de livro planejado em outro livro, um livro de fotos: um caderno de imagens impressas no papel Markatto em uma gramatura de 120g/m², tornando um agrupamento de fotos que parecem plaquetes. Com encadernação espiral, em um envelope preto, não há capa, pois a proposição referencia a nota 66 do livro Notes, de Marcel Duchamp — livro com pequenas anotações sobre ideias de trabalhos, sobre as obras que estava produzindo, jogo de palavras e onde discorre sobre o conceito de inframince ou infraleve (possível tradução). A nota número 66, reproduzida a seguir, descreve o planejamento de um livro em uma época que não havia sido desenvolvida e difundida a encadernação simples e popular que é a espiral: “Para texto da Mariéenmise à nu, ou seja: fazer um livro redondo, sem começo nem fim (que as folhas sejam destacadas e colocadas em ordem para que a última palavra de cada folha repita na folha seguinte/páginas não numeradas). Que a lombada seja feita com espiral em torno da qual as páginas são viradas”. Empilhamento máximo faz com fotos a operação que ele supõe que fosse com palavras. São reproduzidas 20 imagens de registro de uma performance. Na primeira, um corpo feminino nu está disposto sobre o chão de um estoque de livros. Na direita, uma estante imensa com diversas caixas de papelão; no fundo da sala, as janelas com vidros bastante empoeirados, que impossibilitam enxergar o terreno baldio que há no quintal abandonado do lado de fora. Esta imagem se repete 20 vezes, e, em cada repetição, são adicionados livros nas costas do corpo no chão. Na imagem 17, os livros começam a desabar; na 18, só há imagem do vulto do movimento dos livros caindo; na 19, o corpo mesclado com os livros caídos; e, na 20, os livros caídos no chão sem o corpo. Como não há início nem fim, estas podem ser tanto as imagens iniciais como as imagens finais. E, se as páginas forem folheadas rapidamente, o livro pode ser lido como flipbook.
ORIGINAIS DE GABI BRESOLA E FÁBIO BRÜGGEMANN 2016 Publicação composta por dois livros agrupados em uma plaquete de papel sola cinza claro, 21x21cm. Um lado da plaquete está encadernada com espiral transparente em páginas sulfites brancas, impressas em preto, o livro “boca”, de Fábio Brüggemann; e do lado oposto o livro “encontro marcado” de Gabi Bresola. A encadernação permite que ambos os livros sejam lidos separadamente ou concomitantes. Pois os dois conseguem ficar de costas ou se sobreporem, como se estivessem se abraçando. Esta referência gráfica é dos livros de Tomma Wember, que viveu a clássica história de ser invisibilizada em seu trabalho editorial e gráfico, fato que consta no texto Errata histórica, de Tina Merz. Os textos surgiram de uma proposição. Um casal de editores que se separa e não entende o porquê exatamente. Ao pensar que poderia ser por causa da experiência de ter uma editora em comum, os dois se propõem a escrever a mesma história: que iniciasse desde o momento em que se conheceram até a criação e extinção da editora. O texto deveria ser escrito em uma semana, sem que se comunicassem. Após o término, ambos trocariam os textos como se estivessem apresentando originais para uma editora, e se proporiam a fazer revisões (de caneta vermelha) no conteúdo do texto, tentando separar a ideia de que aquela literatura, que poderia ser ficcional, tratava de algo real. A publicação final expõe os dois textos com uma conversa em forma de revisões anotadas nas bordas e entrelinhas nas páginas. Como qualquer original revisado, as anotações apontam erros, ou supostos erros, e sugerem alterações no texto alheio, mas, neste caso, os editores colocam em risco a função do profissional em um limiar: como revisar tecnicamente algo tão subjetivo e pessoal? Não há indicações deste procedimento no colofão do livro, apenas a epígrafe de Borges: “Só os erros nos pertencem”.
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O QUE VOCÊ FAZ QUANDO FAZ OU PENSA ESTAR FAZENDO EDIÇÃO? DE GABI BRESOLA 2016/2019 Edição transluciferada no formato 10x21cm, impressa em impressora multifuncional, no sulfite verde água, com capa em cartolina. Realizado como um trabalho em progresso, estre livro trata de uma conversa, a partir de várias conversas que se estabeleceram ao vivo, por escrito em emeios, gravadas em entrevistas, áudios de Whastapp, livros de entrevistas de/com editores/as, designers e artistas de/com Alberto Martins, Ana Lima Cecilio, Ana Luiza Fonseca, Cláudio Giordano, Cleber Teixeira, Damián Ortega, Dennis Radünz, Fabiano Curi, Fábio Brüggemann, Fabio Morais, Fernanda Grigolin, Gabi Bresola, Graziella Beting, Gato Preto, Gustavo Motta, Heloisa Jahn, Kurt Wolff, Manon Bourgeade, María Berríos + Pablo Lafuente, Max Schumann, Michel Zózimo, Pablo Lobato + Yuri Firmeza, Paulo Bruscky, Pedro Franz, Pedro Vieira e Luiz Vieira, Pedro Paulo Graczcki, Peter Downsbrough, Rachel Gontijo, Regina Melim, Sol Le Witt, Traplev e Ulises Carrión sobre o ato de editar. Neste pastiche e bricolagem, ou sample, as falas são picotadas e realocadas, para que todas as vozes se tornem uma só, a da editora Gabi Bresola, para que responda a questões de edição editando. Não há indicação da origem exata de cada frase, apenas a citação das pessoas envolvidas nos créditos.
COLEÇÃO MAIS UNS PASSOS
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Livros morrem todos os dias era o título de uma trabalho de Telma Scherer. Ao perguntar sobre a morte dos livros, um longo diálogo se estendeu até o espaço do sebo entrar na conversa. Na visão da artista, o livro ali no sebo poderia estar morto, não pensando o contrário, mas revisando esta colocação, esta editora propôs um debate sobre a morte do livro. A conversa se deu na flamboiã - feira de publicações de artista, que ocorre anualmente em Florianópolis. A partir da conversa (disponível em vídeo no Youtube), gerada com o público e os editores presentes, surgiu a proposição de recriar livros que estavam em sebos da cidade. Movidos pelas referências do Sebo Encanto Radical, de Fabio Morais, e pelo livro Reprint: Appropriation (&) Literature, de Annette Gilbert, acabaram percorrendo sebos, selecionando livros para pensar em propostas de sobrevida e promover uma nova conversa aberta sobre apropriação de edições. Nossa editora propôs repensar a clássica coleção Primeiros Passos, publicada pela Editora Brasiliense. Foram eleitos seis títulos, com assuntos que fazem parte do universo editorial e, para cada um deles, um artista foi convidado para trabalhar o conteúdo e a forma do livro original, respondendo com uma intervenção a pergunta: “O que é” de cada título. O que é editora? foi respondido por Marcos Walickosky, O que é fanzine? por Beatriz Perini, O que é biblioteca? por Tina Merz, O que é literatura? por Fabio Morais, O que é leitura? por Lívia Aquino, O que é design? por Pedro Franz, ainda em processo de escrita e finalização.
O QUE É EDITORA MARCOS WALICKOSKY [A PARTIR DE “O QUE É EDITORA?” DE WOLFGANG KAPP] A intervenção de Marcos Walickosky foi baseada no procedimento de revisão. O artista já havia feito um trabalho semelhante, em 2016, reunindo títulos de romances populares de bancas de rua, bastante famosos dos anos 1990 e 2000, com histórias de casais heteronormativos. A ação era de trocar nomes das mulheres e de homens formando casais homossexuais, reeditando os textos. Neste título, a proposta aconteceu utilizando apenas uma caneta Bic azul sobre as páginas do próprio original. Em todas as vezes em que aparece a palavra “editor”, o artista incluiu a palavra “a”, realizando uma espécie de revisão de gênero da palavra e confundindo a ideia de editora substantivo e editora sujeito. A primeira edição foi entregue no dia 11 de abril de 2016, como presente de aniversário para a editora, embalada em uma página do jornal da seção do horóscopo, o pacote aludia tanto ao mês de aniversário e ao sol em áries, quanto a referência à editora Brasiliense, que nos anos 1980 pagava aos redatores de horóscopo do jornal Estadão para que indicassem livros da editora nas previsões diárias de cada signo. Este trabalho foi referência para originar esta coleção Mais uns passos, dois anos mais tarde.
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O QUE É BIBLIOTECA? POR TINA MERZ [A PARTIR DE “O QUE É BIBLIOTECA?” DE LUIZ MILANESI] Este trabalho aconteceu enquanto Tina Merz se dedicava a pensar os trabalhos e a trajetória que Cleber Teixeira, poeta e tipógrafo carioca, teve em Florianópolis. A casa de Cleber era um ponto de encontro para conversas sobre livros, troca de livros, edição de livros e outras trocas culturais, e agora está se tornando, de certa maneira, um centro cultural, desde 2015, quando sua companheira, Maria Elizabeth, criou um projeto com o objetivo de organizar a biblioteca com o acervo da casa. Uma pequena parte dos milhares de livros nas prateleiras foram impressos pela editora de Cleber Teixeira, a Noa Noa. Usando uma prensa tipográfica manual, mesmo modelo utilizado por Virginia Woolf, publicou 69 livros clássicos nacionais e internacionais. Tina foi uma das curadoras da exposição Editora Noa Noa e Cleber Teixeira: Poeta, cavaleiro sem cavalo e tipógrafo, que reuniu cartas, fotografias, livros editados e textos editados, e diversos objetos. Ao receber o livro O que é biblioteca? nesta proposta, respondeu com um trabalho em forma de documento timbrado contendo o seguinte texto: “Certificado, sobre a aquisição de uma ideia. O livro O que é biblioteca?, que se encontra, sob o número 000000, no acervo da Biblioteca Cleber Teixeira, e que ali permanecerá, de agora em diante também é parte do trabalho de Gabi Bresola, que deve ser compreendido no projeto editora editora. Florianópolis, 11 de junho de 2019”. * essa compra de uma ideia, quem na verdade fez primeiro foi o Johannes Cladders, nessa mesma data, só que em 1975, com Braco Dimitrijevic.
O QUE É FANZINE? POR BEATRIZ PERINI [A PARTIR DE “O QUE É FANZINE?”DE HENRIQUE MAGALHÃES] Como artista, designer e fazedora de zines, Beatriz utilizou o conceito do Fanzine na época, a partir de seu surgimento dentro do movimento punk, situando-o no Brasil, com a cena riot girl, das bandas feministas punk dos anos 1980 e 1990, que tinham a lógica do “faça você mesma”, difundida entre as pessoas do movimento através do conteúdo de zines que produziam. Foi a ascensão das mulheres ocupando os palcos, escrevendo músicas, textos, tocando instrumentos, compondo e editando. Ao mesmo tempo em que homens do movimento as boicotavam, chegando ao ponto de desligarem a energia elétrica e invadirem o palco durante shows que elas faziam. A intervenção de Bia nesta publicação foi a de apagar o espaço do texto de Henrique, deixando apenas algumas frases sobre zine, soltas como recorte de papel. Organizada em uma caixa transparente, a publicação contém: 1. a capa do livro original com as frases do livro recortadas e soltas. 2. papéis em branco e outros retalhos de diversos tipos de papéis, com diferentes dimensões, texturas e estampas de épocas distintas (papel jornal e de carta dos anos 1980, envelopes dos anos 1990, misturados com materiais contemporâneos, entre outros); e 3. ferramentas de papelaria básica, suficientes para a criação de uma zine (pacotinho de cola, tesoura, fita colorida, canetas, etc). A mesma quantidade de objetos foi inserida em cada edição, porém, as estampas e cores são variáveis. Ainda, no interior da caixa, entre os papéis, há um pequeno texto da artista sobre a impossibilidade de definição de zine em que defende que, justamente pela infinidade de conceitos possíveis ao longo de cada década, com transformações nos modelos de cada
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grupo/movimento que se apropriou deste meio, qualquer tentativa de definir zine pode ser considerada abstrata; e que seria contraditório, uma vez que esta publicação traz o potencial de liberdade, autonomia e autoexpressão a partir da prática e da materialização. Os objetos disponibilizados na publicação, deste modo, permitem que ela possa ser lida propriamente como um conjunto de elementos da matéria sobre o assunto ou como uma incitação para que se produza um zine (faça você mesma).
COLEÇÃO QUASE IGUAL POR MARCOS WALICKOSKY 2019
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Publicações em forma de cópias de textos sobre apropriação, autoria, reprodução, cópia e plágio como escrita. Este trânsito de texto para pensar a escrita nas artes visuais tocando no território da literatura são tratadas na pesquisa Escrever-através, de Marcos Walickosky, o curador desta coleção. A coleção Quase igual é composta por quatro textos reproduzidos com impressora multifuncional, jato de tinta, em papel A4 sulfite branca e encadernados manualmente com costura (quase igual 1, 2 e 4) e grampo (quase igual 3). Cada livro é colocado em um plástico transparente com fecho zip, referenciando o projeto gráfico de Escrever-através . A produção foi feita em casa (a mesma casa do curador e da editora) e lançada no evento “Ctrl c + Ctrl v: sobre apropriações e procedimentos de escrita nas artes visuais”, realizado na Flamboiã 2018. quase igual 1 Plagie, copie, manipule, robe, reescriba este libro, de Valeria Mata. quase igual 2 Theory, de Kenneth Goldsmith. quase igual 3 Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 da Casa Civil/Subchefia para Assuntos Jurídico/Constituição Federal Brasileira. quase igual 4 Xerox Book, de Seth Siegelaub.
o que você faz quando faz ou pensa estar fazendo quando faz edição? entrevista editada
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o que é editar?
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Ish, é muita coisa... Se você me perguntasse há poucos anos atrás, quando eu comecei trabalhar com isso, a editar, eu diria que era olhar e organizar a sequência das páginas, pensar uma narrativa e propor um conceito ou mesmo um pensamento de publicação que eu iria imprimir em um determinado local. Mas agora eu acho que não. Acho que isso é só a parte gráfica, a preparação de original que também faz parte do processo de editar... porque cada vez mais eu quero pensar o livro junto com outras propostas e outros trabalhos que eu realizo. Edição. Editar. A palavra edição tem dois sentidos: decupar o trabalho até que ele chegue em um ponto em que ele é apresentável, e editar no sentido de publicar. Na verdade, são duas coisas mas seguem o mesmo pensamento. Acho que até antes de eu editar, de autoeditar, eu me aproprio. Só o fato de eu me apropriar de muita coisa já é um exercício de edição. Você tira uma coisa de um contexto, reedita. Transporta coisas. Já é um exercício de remixagem. É complexo. Hoje, quando fala assim “edição”, já não mais se restringe ao campo gráfico. Pra mim, colocando esse termo, eu penso em manipulação de sentidos, de você estar se apropriando de um recorte, juntando um com outro. Você se apropria de conceitos para gerar outros. Nisso se confunde tudo, a questão de edição de imagem, de texto, e que se expande não só para uma coisa impressa, mas também sonora. Entra o sampler de edição, de looping. De uma coisa até cinematográfica, e no cinema se diferencia a ideia de “montagem” para a ideia de “edição”, né? Mas no meu sentido de princípio, eu acho que parte desse princípio de sonoridade. Um som remixado. Eu parto desse princípio de sensação. Eu sempre tento pensar em um formato ou no conteúdo, motivo de fazer aquilo. E aí o “pós isso” é a fase que compreende o publicar. Editar pra mim é diferente de publicar é... tem uma coisa disso... tive trabalhos que eram de coleções, anotações, textos esquecidos, não editados, trabalhos de artistas de perto de mim, que eu acabo pegando aquele universo para dar uma forma e aí editar no sentido de publicar. Nesse caso, acho que tem esse sentido do publicar ser só um passo a mais do que eu já estava fazendo antes como artista
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pois é, me fale sobre auto edição, como funciona?
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ou autora também, que passa para ser como editora. Aí eu acho, sim, que editar é um pensamento de montagem. E para isso eu gosto de pensar na teoria de montagem, além da relação com a sonoridade, mas o sentido de recontextualização, de capturar coisas privadas e torná-las públicas, pensar em um circuito, na circulação de cada publicação de acordo com a personalidade que ela tem. Penso nisso para as publicações e coisas externas, mas também internas do meu processo, pois tem o caso de fazer trabalhos meus, uma coisa de me publicar sem ser uma edição de artista, então publico com nome de editora, como umas espécie de escudo, talvez uma autoedição camuflada.
Eu acho que é um fluxo… uma dinâmica que é muito forte e muito íntima. E eu gosto justamente por isso, eu acho que surgem coisas, surgem revelações... Ai, parece muito lugar comum o que eu tou falando, mas o pior é que eu acho isso mesmo, de verdade, e eu acho que revela coisas, não é que eu não sabia de algo que estava ali, mas revela, revela, sendo dentro de si, e também sendo com outras pessoas, no processo, coisas surgem. Eu costumo ser bem basiquinha comigo por pura insegurança. Nunca fui editada por ninguém e acho que isso é meu maior problema. Se auto editar é meio que lidar com os próprios prazeres e monstros. Meu amigo naturólogo disse que eu nunca fui ao psicanalista ou psicóloga porque eu mesma fico me fazendo terapia e que vou ter uma surpresa quando for, porque esse espaço confortável vai acabar. Espero.
como funciona esse processo de editar com autor/as, artistas, quem mais?
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Olha, acho que é tipo uma paquera, como ficar com uma pessoa que você acha bonita. Parece uma boa ideia, rola o affair, um crush, mas só no primeiro e segundo beijo é que a gente vai ver exatamente o que encaixa e o que não rola. Mas para tentar saber, é preciso tomar iniciativa, ir pra perto, largar as frases de efeito, mostrar o melhor de si, conquistar a outra pessoa, e no processo é que a gente vê. Tem umas que a gente se apaixona de cara, outras a gente demora mais um pouco, e aquelas que a gente gosta mas não ficaria de novo. E aí vê se essa relação é monogâmica ou se dá pra chamar um/a designer de fora pra fazer uma coisa mais coletiva (risos). Mas agora, sério: na realidade, é um processo bastante egoísta e caprichoso, elejo o que eu gosto e o que quero ver e ler. Também penso na possibilidade de poder contatar as autoras/es para traduzir, publicar etc. As respostas quase sempre são bastante generosas e positivas por partes das/os artistas, só em alguns casos que não. Geralmente, é por convite direto e também pelas relações de afinidade, quando alguém apresenta algum projeto. Cada instância é diferente. Os processos só surgem a partir das proximidades e de afinidade, e, com o passar do tempo e circulaçãozinha da editora, mais gente tem se interessado e aparece para propor projetos. Temos só que criar um espaço de consenso e encontrar os recur-
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sos mínimos do projeto, desde os aspectos materiais até as condições de trabalho, de troca e distribuição. Nesse sentido, os conteúdos selecionam de antemão por estas aproximações breves entre editoras/es e autoras/ artistas. O processo começa com esse contato com a artista, o desenvolvimento do projeto junto dele ou dela; a pesquisa e a produção dos materiais e impressão, que, dependendo, envolve mais pessoas, revisoras, tradutoras, bibliotecárias, designers, produtoras gráficas, e também gráficas, protótipos, papelaria e até a distribuição, com a participação em feiras, divulgação pelo site e redes sociais. Além das pessoas e empresas, os meus trabalhos também são em coautoria com a máquina. Dependemos de softwares, de computadores, de um escritório mínimo, e não mais só um prelo. Dependendo do projeto, ainda é necessário retomar métodos seculares, como a prensa, para relevo seco, a tipografia etc. O mais importante é não utilizar a máquina como um simples instrumento de reprodução, para criação de distorções, sobreposições e efeitos, e acho que experimentos ligados ao azar e audácia, nada de design desnecessário e decorativo. E nisso tudo, a editora é o que diminui, o que avisa as/os autoras/es quando existem palavras demais, imagens demais, ou quando está faltando (isto em menor escala) e cria com ela/e. A principal atividade de uma editora é ler, leitura no geral e amplo. Sua aptidão pessoal é saber ler em diversos registros, sucessiva ou simultaneamente, e, ao fazer seus pares reconhecerem as necessidades específicas do texto, do projeto gráfico e se empenhar em atendê-las. Nem é preciso dizer que a atividade da editora deve ser o oposto da autoritária: ela espera poder ser útil, mas jamais deverá pressionar ou ditar para a/o artista sua própria opinião. (O que mais rola é ver editoras que viram “editadoras” por aí). Eu fico pensando na intervenção que é editar. Quanto mais sutileza você tiver na entrada da edição, mais você pode intervir no trabalho que alguém te apresentou. E isso é um problema para designers que prezam (às vezes exageradamente) pela forma, papel... Tenho um pensamento de duas vias também: 1) a ideia, que me veio pela Irma Boom, de uma arquitetura do livro; 2) a percepção de artista e da editora como quem colabora e não como clientes. Pensar numa arquitetura do livro me faz vê-lo não só como um
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objeto, mas como um espaço: como algo que eu, como editora no pensamento de designer, ajudo a projetar no qual quem lê pode entrar, pode perceber este espaço, suas dimensões e materialidades, pode deslocar-se por ele, isto é, o livro como algo com uma estrutura física. Se em todo trabalho de design o/a cliente já é parte responsável da coautoria do projeto, no caso de publicações de artista essa relação é, pra mim, muito mais próxima e simbiótica. Talvez eu esteja pensando apenas em minha experiência pessoal, e realmente não sei como é para outras editoras que fazem publicações de artista, mas no meu caso, quando faço projetos gráficos para livros de artistas, acredito que não há clientela ali, mas sim pessoas que colaboram. É ampliar o espaço, não só a forma, mas também ajudar a encontrar uma lógica própria daquele trabalho naquele lugar. Vem uma pessoa, artista, te apresenta aquilo, você consegue entender aquela ideia, é um poder bem camaleônico. Editar é entender a ideia, estar aberta pra vários tipos de objeto e poder fazer intervenções sutis que não destruam a ideia inicial, mas que construam formalmente ou conceitualmente um sentido, pois eu acho que quando alguém procura uma editora, ou uma equipe editorial, procura também uma interlocução, então, para que essas intervenções construam um caminho, deve haver essa interlocução da editora, para que o projeto e a intenção das/os autoras/es cheguem até a pessoa que vai ler. E isso tem a ver com uma coisa, não necessariamente a ver com clareza, rigor, concisão, que é pensar (aí vem a segunda questão — o pensar) que roupa cabe naquele texto, que tipo combina melhor, que mancha, que formato, que papel, e, por fim, escolher a roupa de cima, a capa, o invólucro. Essa apresentação do livro, o objeto que fará com que quem lê, tenha ou não empatia com o livro antes mesmo de saber se o que tem dentro lhe interessa. E isto não pode ser gratuito, não pode a editora pensar em moda, em escolher uma roupa só porque que ela/e (ou o/a designer) gosta daquela roupa, mas tem que ser uma que sirva bem o material todo. A editora deveria ter um grande repertório gráfico e, às vezes, tem, sim, que fazer algo que talvez nem seja de seu agrado, usar uma cor que não seja a sua de predileção, deixar algumas coisas de lado. Eu me eximo de fazer muitos projetos gráficos por falta de repertório. Não posso escolher uma tipologia só porque acredito que estou
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você me confunde um pouco, às vezes chama de livro tradicional, às vezes publicação de artista. o que é isso, uma publicação de artista?
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inovando, se a proposta não for inovar. Editar é escolher. A editora faz essa parte com poder de editar, intervir. Você recebe o projeto, pensa nele, entende ele, procura entradas e facilita ou constrói essas portas de maneira que o projeto possa ser publicado. A editora e essas/es profissionais ficam nessa etapa: antes do publicar. Isso é bem simbólico, estar na parte que a gente entra no “antes de ser publicado”, pensar nessas especificidades e se preocupar, pensar em como isso vai cair na mão de várias pessoas. O principal é, em vários momentos, ser a figura que pergunta para a equipe, pra/o artista, e pra si mesmo: tem certeza disso?
Por Ulises Carrión ter inaugurado uma bibliografia sobre essa nova arte, e escrito de um modo belíssimo no já clássico Que és un libro? posso até chamá-los de livros,
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como surgiu a necessidade da transição de uma editora comercial para a miríade / editora editora?
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mas chamamos como categoria “publicações de artista” nas artes visuais, por vezes acho que só “publicações” resolveria. Livro é um volume como qualquer outra coisa mas que tem um agrupamento e uma sequência de páginas. E às vezes trabalhamos com projetos editoriais que cagam pra sequência e agrupamento. Todos os trabalhos que temos editado são textos/livros onde se ouve a voz da/o artista ou a própria obra. A publicação de artista tem esse status, mesmo com toda a difusão, ainda é um formato que mora no limbo das classificações. Publicações de artista podem ser o que elas bem quiserem e acredito que elas não bem-querem esse lance todo de classificação.
Tem a ver com o fato de me sentir muito limitada. Tanto no design, características físicas gerais dos livros, quanto no funcionamento comercial da coisa. Isso foi uma clareza que só veio depois. Não moldo as produções de acordo com o mercado, fazendo concessões, mas, sim, penso que elas vão se relacionar com outras editoras, com outras publicações, com espaços, com pessoas que agora já conheço também, e isso é uma coisa que me empolga muito, sabe... é uma rede que têm suas questões, sabemos, claro, mas eu acho muito potente. Eu sei que ali, nas feiras, meus trabalhos serão vistos por de-
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onde você acha que estão as diferenças entre
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terminadas pessoas, e meu ato editorial será entendido, diferente de outros espaços. É uma coisa que tem uma lógica muito distinta do mercado tradicional e que nem vale fazer tanta comparação. Diferente de ficar lançando notas de consignação, ter que estar dentro de um planejamento estratégico de vendas e a carga toda que qualquer empresa de outros tipos de produtos carrega. Mas, assim, digo isso porque eu não comecei a fazer livro num movimento contra a editora comercial. Foi ligado ao fato de eu querer ter estar presente em mais etapas. Sobre a ideia, sobre o processo de produção, sobre o livro em si, e agora, hoje em dia mesmo, com as todas essas questões bem distantes, confesso que ainda tenho dificuldade de abrir mão por inteiro. Gosto de me vestir de editora mesmo, do início ao fim (mesmo que a ideia de fim não seja um fim). Quando trabalho com outras pessoas, na concepção do livro além de artistas/autoras/es, tenho dificuldade de conciliar os desejos com designers, confesso, em algumas vezes até dá treta, mas eu acho maravilhoso quebrar a cabeça pra ver que tipo de acabamento pode reforçar ao contrário contrapor uma ideia, bom, assim, assado, eu gosto muito de trabalhar com pessoas também, eu sou uma pessoa de bando. Mas, pra mim, pessoalmente, às vezes chega num “nível lágrimas” que largo mão e dou liberdade total pra/pro designer se virar com a/o artista. Sempre fico desesperada, mas eu acho muito incrível pela troca intensa com as pessoas, e é isso que diferencia de fazer um livro sozinha. Existem muitas pontes entre as duas coisas, pois um nasceu do outro, de certa forma. Acho que as publicações que fazemos são filhas de um casamento entre artistas, designers e editoras de livros tradicionais de literatura.
editar livros tradicionais e editar publicações de artista?
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Em um livro de literatura, por mais tradicional que seja, a edição pressupõe a pesquisa sobre o/a autor/a, sobre seus escritos anteriores, sobre seu estilo e, no caso das pessoas vivas, o diálogo com a editora é imprescindível. Não é diferente na edição de publicação de artista. Há muita participação da editora. O livro, como é geralmente identificado ou conhecido, está numa classificação do pessoal da Letras, da Literatura, mas, historicamente, artistas também se sentiram atraídas/os pelos aspectos físicos, políticos e sociais do livro e do espaço que ele propõe. O livro tem uma enorme riqueza devido a suas associações culturais e históricas, e muita/os artistas se sentiram puxadas/os por estas possibilidades conotativas. O livro é uma obra múltipla da que se pode produzir muitas cópias exatas, assim que se convertendo em uma forma de arte pública. Se você publicar 1000 cópias, tem uma audiência potencial mínima de 1000 pessoas leitoras. Porém, a diferença entre a arte pública convencional (por exemplo, as esculturas públicas que se vêm sempre no mesmo entorno arquitetônico), o livro é visto quase sempre uma pessoa de cada vez, misturando as formas de ir a público e ao pessoal. Eu penso que artistas se sentiram atraídas/os pela ubiquidade do livro e pela facilidade que seguiu o impulso das vanguardas com a ideia de descer a arte do pedestal, tirar do museu e devolver à vida cotidiana (e às mãos) das pessoas. Podemos falar de livro como espaço alternativo, como um modo de iludir o sistema institucional e comercial através de um sistema alternativo de produção e distribuição. Nesse sentido, muitas/os artistas, desde os anos sessenta, se interessam por esse modelo econômico de produção artística que essas espécies de o livro oferecem. No lugar de uma economia altamente baseada em produtos
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deveríamos perder o medo de faltar o respeito com o livro tradicional?
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de luxo a um preço muito alto (por exemplo o de mercado de arte), a publicação de artista está ligada com relações econômicas reais e, portanto, sociais. É o contrário de um “gênio da pintura”, que produz obras mestras cujo valor incalculável sobrevolta sobre a história e as relações econômicas; quem cria livros de artista cria também produção industrial. Chega perto do mundo editorial dos livros tradicionais, mas não é. Péra, antes de continuar, quero dizer que isso vale pra quem produz vários exemplares de publicações de artista. Existem exceções de artistas que produzem L-I-V-R-O-S-D-E-A-R-T-I-S-T-A, livros de artista como esculturas, que fazem um, dois exemplares no máximo, que tratam do desenho do livro como escultura, experiência sensorial, essa coisa de livro de gesso, livro de filtro de café, livro de materiais outros, ressalto pra ti, aqui, que não estou me referindo a isso, essa lógica não cabe para o que eu me debruço, e não saberia pensar nessa lógica de existência, pois ela segue o da pintura, escultura, da coisa original e restrita... o que não me interessa. Mas, voltando, a/o artista e a/o editor/a quando pensam seus trabalhos, se assemelham no modo de trabalho dos de uma editora tradicional, pois têm que calcular o preço da matéria prima, o processo de produção industrial de serviços, impressão e encadernação, os custos da distribuição e, ao final, com um pouco de sorte, até pode sobrar um lucro simbólico. Em troca, existe a certeza e a autonomia da publicação como obra e de artista em relação às instituições. A diferença é que toda publicação de artista é um trabalho de artista(s), e o livro tradicional, ou que tem um design mais tchãnanã, nem sempre é um trabalho de artista, às vezes é só um livro ok com um design cuidadoso, que às vezes até passa do limite.
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Risos. Me lembrei da cena em que meu pai mandava a gente lavar a mão pra folhear a bíblia. Tinha que mostrar pra ele conferir se tava bem limpa, aí ele deixava ver — desde que a gente virasse as páginas devagar e sobre a mesa. Por esse excesso e exigência eu tenho receio com respeito a qualquer livro, mas como tirei o sagrado da minha bíblia e a vejo como um livro de literatura de diferentes autorias sobre um socialista e uma sociedade assassina, já acho que faltei totalmente o respeito com ela, e penso que o respeito é bem relativo quando se fala em livro. Por exemplo: se falarmos de apropriação de texto, que é uma coisa presente em várias publicações da miríade, com alguns literatos, certamente alguns dirão que é literatura fácil e falta de respeito com o texto original, puro, que falta respeito com as intenções da escrita original. Enquanto que eu acho que é uma das poucas literaturas possíveis atualmente. A figurona do livro é ou pode ser pensada como uma coleção de diversos — textos novos e de arquivos, escritos por ativistas, filósofas/ os ou artistas; imagens de trabalhos de artistas; fragmentos de publicações — isso que interessa pensar. Não tem a ver com um respeito ao livro como transmissor de conhecimento, símbolo da intelectualidade etc. É mais uma exploração de limites, também ao publicar conteúdos que de outro modo não dariam luz pra essa forma. A intenção, além de linguagem, é a de estar fora dos circuitos do mercado, que permite jogar com suas mesmas funções e características. Não é uma declaração de intenções, não se trata de só explorar o formato “livro”, mas é um exemplo representativo de nossos (poucos) fundamentos: fazer livros e objetos publicáveis com poder radioativo. O livro pode ser o recipiente acidental de um texto cuja estrutura é relevante. E é assim que começa a nova arte de fazer livros. É, em todo caso, um exercício de amor e respeito ao livro como paradigma da cultura e da transmissão de conhecimento e, principalmente, da arte. Talvez isso seja perder o respeito? O livro que eu edito é do chão das artes. É do ponto onde eu edito. Aquela hora que você fala: Tá... Tá bom! É a hora que não está pronto do ponto de vista da literatura ou do mercado editorial tradicional, mas tá pronto dentro do meu pensamento em artes visuais. Na verdade, eu produzo bem de um jeito agora-como-der-pra-fazer. E respeito muito isso, porque acho mais importante fazer. Agora, se isso é
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a edição acaba sendo um processo artístico?
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faltar o respeito com os livros tradicionais eu já não sei. Eu tento não faltar respeito com nenhum, mas pelo meu excesso de ironia, quase sempre sou mal interpretada.
Sim. Eu não vejo diferença entre eu estar ali desenhando ou estar escrevendo, ou de estar no Word fazendo um texto, ou de estar com a minha designer gráfica resolvendo projeto de livro. E vou além, acho que se me chamassem pra dar uma aula ou palestra, poderia ser um trabalho. Não sou uma teórica, uma oradora que sabe fazer um discurso, eu simplesmente acho que poderia traduzir meu trabalho naquele tipo de proposta. Pra mim, é parte do trabalho, é obra também, eu não disassocio. Acho que o dia em que eu for ~dar uma palestra~, achando que eu sou palestrante, eu não vou: é farsa! O que eu faço é meu trabalho artístico. Se você me fala que sua obra é uma aula, é obra. Acho que eu consigo ser esquizofrênica a ponto de misturar tudo. Eu existindo em alguns lugares, tensionando relações, espaços, cultura, é parte do meu processo, mais do que uma instalação, uma foto, meus trabalhos estão jogados no mundo. Editar pra mim é fazer um trabalho, não importa como, mas que eu vou fazer mil, quinhentos, duzentos... mas é esse jogar a mensagem no mundo não só de uma forma romântica ~ jogar a mensagem no mundo ~ mas também de uma forma de configuração de cultura. Acho que a cultura é esse “anônimo”, essa voz coletiva. Eu acho que é isso: livro é uma voz coletiva. Acho que o mundo da edição, do livro, do texto, é mais aderido a esse “sem voz” da cultura do que o objeto de arte. Pra mim, editar é ser parte dessa voz coletiva.
e você enxerga esse mesmo processo como um processo que também pode ser curatorial?
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Ah! Claro! Quando publico, posso pensar também como uma exposição. Todo projeto é como se estivesse organizando uma exposição, no caso, as paredes e o chão seriam o material que eu utilizaria para imprimir. Não faço nenhum tipo de diferenciação. A lógica de pensar o espaço e como apresentar um trabalho ali é muito próxima ao de uma sala em uma galeria. O que diferencia é o tempo que esta exposição permanecerá. E isso é outro aspecto da edição que me interessa muito. Outro dia, topei com um depoimento do Kenneth Goldsmith, no qual ele dizia que gostava do modo lento e demorado do ato de publicar livros, porque era radicalmente oposto ao mundo da arte onde se espera que se apresente uma exposição por ano. Que é preciso um grande esforço em ambos os casos, mas uma exposição em uma galeria tem, em geral, exatamente um mês de duração, e o trabalho exposto desaparece, ou vai para casa de colecionador/a ou para o depósito de artista. O contrário se dá com as publicações, porque parece que elas têm uma vida útil eterna, nova ou usada, elas ficam em circulação por tempo indeterminado. Além disso, acho mais generoso, porque você tem um tempo mais distendido para se relacionar com ela. Você tem um tempo humano pra se relacionar com os trabalhos desta exposição. Quantas vezes for necessário ou tiver vontade, em diferentes lugares e contextos. Aí é que entra também o interesse
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entendi... queria que você me falasse um pouco sobre como é ter uma editora
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de artistas pelo formato e o interesse de curadoria como edição. Acho que não há muitas diferenças entre quem faz curadoria e quem organiza uma exposição/catálogo. Em relação à curadoria, podemos pensar também na distinção entre um editora e uma organizadora. Uma pessoa que faz a curadoria pode agir como quem faz a edição, usando desse diálogo produtivo com artistas. Mas também pode se comportar mais como um/a organizador/a [que também edita, sim, não é um juízo de valor], trabalhando informações/objetos prontos, acabados. Ainda assim, quem organiza e faz curadoria trabalhará com elementos posteriores às obras: as sequências, as legendas, os modos de expor. Então, volta a um sistema de edição. A questão é que nem sempre o/a curador/a conhece os meandros do livro. Mais uma vez: não é uma questão de juízo, mas de entender em que espaço se está trabalhando, suas reais possibilidades e limitações.
É um fenômeno interessante ter uma editora. Durante muito tempo, entrei em conflito com a linguagem do meu trabalho, com o produto final, com a destinação dele e com os canais de comercialização. O que faço é pura experimentação, mas como “brinquei de editora” durante quase 5 anos da minha vida, vou tentar responder misturando essas lógicas. No início, cheguei a fazer muitas edições, até em papel importado. Mas sempre me con-
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e quem são as pessoas que
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fundi em relação à comercialização desse produto. Que produto é esse, o que ele pretende, e como chegar lá? Eram perguntas elementares que eu me recusava a fazer porque, ainda com resquício do esquerdismo juvenil, eu queria fazer com que os produtos (ainda que tivessem alguma sofisticação) chegassem a um número maior de pessoas leitoras. Isso foi uma bobagem, e não tinha coragem de assumir. Errei demais a mão. Nunca mostrei minhas frustrações impressas. Além das perguntas subjetivas, tem o compromisso. Desde o compromisso físico até o financeiro e intelectual, e eu acho que eles andam separados, mas às vezes eles andam juntos. Depende da concentração de força que se dispõe para isso. Passei e passo o dia entre livros que não existem, estão por serem escritos ou nunca chegarão a serem impressos. Não trabalho mais na roça, mas tenho as mãos escalavradas. De noite, volto para casa enxertada de palavras, ideias e livros que ainda só habitam minha cabeça. A paixão de editora não é o resultado financeiro, mas a aventura, se dá um resultado, que é uma espécie de júbilo quando vejo cada publicação se concretizar... Basta você publicar algo que não demora muito para querer publicar mais, e ter uma editora faz aparecer aqueles que querem publicar alguma coisa e querem ter uma editora também. Nos últimos anos, ter editora até virou moda. Mas não é fácil. Eu, se fosse detalhar meu trabalho, noventa por cento do que fiz não tem, não teve e nem terá retorno financeiro. Triste, mas é. Eu acho que é uma preocupação de toda editora para se manter viva. Já pensei que as editoras são as empresas mais procuradas no mundo da produção comercial, e ao mesmo tempo as menos lucrativas. Um livreiro de Cachoeira do Sul disse que a maior incoerência é termos muito mais editoras que livrarias, é como se tivéssemos 1.000 frigoríficos e 50 açougues no Brasil inteiro. E os frigoríficos ainda tentassem acabar com os açougues. Dá pra imaginar?
compram da sua editora, clientes?
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Não gosto muito da palavra “cliente”. Não sei dizer. Ahh, tem umas três ou quatro pessoas cativas, mas existe uma tradição de comprar livros que é a de ir na livraria, olhar, ler etc. Minhas coisas não estão na livraria. Se fosse pensar essa relação com a galeria, menos ainda daria. Então eu tateio pelo que existe no e-commerce, algumas pessoas que pedem pelo Instagram, site, etc., eu sei os nomes, e só. Tem umas e uns seguidoras/es fiéis. E acho que a internet acaba sendo uma espécie de livraria que tá estabelecida na rua número zero, onde as pessoas só passam por onde os algoritimos deixam, ou que podem se encontrar direto quando digitam nome ou dados do livro que estão procurando. Isso é estranho de pensar... Fora isso, minha “clientela” são as pessoas que compram nas feiras e que eu conheço por alguns minutos, crio afetos e que depois elas vão embora. Eu publico muita gente catarina, então o negócio fica meio local. Mas nesse local também tento abranger. Quando publiquei Leya Mira Brander, estiquei minha fronteira, e depois disso teve o Novos contos, que é de autoria do meu conterrâneo, e que teve lançamentos em vários pontos do Brasil, isso faz com que crie um diálogo maior com públicos diferentes. Se for pensar em assunto que o livro trata, a gente fala com pessoas de cada assunto para além do povo das publicações. Mas costumo fazer coisa de perto, por pessoas próximas, pelo que quero ver circulando. Faz um tempo, minha mãe me perguntou isso: pra quem que eu fazia o que eu faço. Na impossibilidade de responder algo preciso, respondi com a figura de linguagem da garrafa lançada ao mar. A gente publica sem saber quem vai ler. Ela brincou sobre a inutilidade disso e reforçou dizendo que além de inútil, em Joaçaba só tem rio, que o máximo que eu fiz na vida foi pescar, que não caberia nem eu me justificar sobre meu público ou a falta dele com a ideia de jogar garrafa em mar. E aí, de frente pra ela, como se ela tivesse razão sobre o assunto de às vezes eu não “atingir o meu público”, pensei na analogia da pesca
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então é tudo e exatamente isso que você faz, quando faz, ou pensa estar fazendo edição...
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mesmo. Se a gente soubesse com exatidão a localização do peixe, a gente não pescaria, era só entrar, mergulhar a mão e pegar o bicho com facilidade. Mas como eu não entendo da pesca de lança, pra tentar ouvir/enxergar e jogar uma certeira no peixe, eu continuo catando minhocas, enfiando em anzol, ficando na beira d’água e fazendo silêncio, enquanto imagino que leitoras/es comerão da minha isca. Nenhuma minhoca, até hoje, me pareceu desperdiçada.
Nossa! Eu fiquei pensando enquanto eu te respondia, eu pensava no que eu faço ou tento fazer quando estou editando. Principalmente o que eu penso fazer que é: fazer pensar. No limite, fazer eu mesma pensar. E eu te coloco uma outra coisa, que é a coisa do querer. Possivelmente o que você quer fazer, o que eu quero fazer quando eu estou fazendo uma edição. Nesse sentido, tem alguma eficácia, pois já se perde muito tempo pensando. Daí, fazer pensar, fazer querer, leva a gente a se perguntar se a gente está realmente fazendo alguma coisa quando a gente está editando ou pensando em fazer todas essas coisas. Fora fornecer material para um mercado de bens simbólicos, que é o que todo mundo faz nesse âmbito de arte, de edição, de pensar. Acho que a única coisa que dá pra fazer são mais algumas perguntas. E aí, a principal pergunta é o que que dá pra fazer quando a gente pensa
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e por que editar?
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fazer essas coisas. O que dá e vale a pena editar?… Edito minhas amizades, umas coisas conceitinho, umas coisas que parecem bestas. Eu penso que edito, mas sou editada; uns pensam que faço fortuna crítica, outros, que faço apagamentos — como aquele remoto corretivo Liquid Paper — na superfície do texto ou imagem dos outros; talvez eu não saiba o que exatamente faço quando edito. E por isso que faço e continuo fazendo.
Pois é... o porquê, por que porquê? Porque não é só editar, é também ter um espaço editorial de relacionamento. Trabalhamos domingos, feriados e dias santos. Por gosto e entusiasmo. É quase uma empresa sem administração, é um trabalho em que as vezes se confunde pessoa física com pessoa jurídica, matéria prima intelectual, relação de autoria, quase que uma relação de amor. Enfim, também é empresa e é trabalho. Mas a verdade é que nós queremos trabalhar só com aquilo que nos dá prazer e acreditamos que com uma editora podemos fazer isso... publicar só o que gostamos e continuar a escrever, criar... Edito para abastecer de descobrimentos as minhas futuras visitas aos sebos, quando achar o livro feito pessoalmente, ao custo de dias e dias de labuta bovina, lá na poeira, ao preço de R$ 2, promocionalmente; Quando edito, penso que estou fazendo arquivo, acervo, acúmulo, antídoto contra toda a desaparição; mas, enquanto edito, penso que também estou fazendo entulho, fardo de papel impresso, delírio de coisa gráfica. A editora que se preocupa com as pessoas, especificamente com outras pessoas leitoras, com a conversa que vão ter com outras leituras e editoras no futuro. Preocupa-se também com o passado. A edição pode ser encarada com um tipo de manutenção da memória, lutando contra aqueles que determinam sua morte. A editora consegue manter muitas coisas vivas. Editar é um espaço de poder. O que é esse golpe, contragolpe, trevas que estão dentro da lei que nós estamos presenciando agora? Não é a coerência do passado? O mundo está em guerra. Sempre esteve em guerra. Nós paramos de fazer guerra? Não paramos de fazer guerra, não aprendemos. Tem que olhar para trás:
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por que guerrear, será que não tem jeito? O exemplo não é muito feliz, mas pode-se pensar em outro. Eu só quero explicar que minha ação como editora se pauta nisso, quer dizer, continuo como editora a fazer meu trabalho de leitora. Mesmo que como um sopro, tenho que dar minha contribuição sempre que possível, editando coisas que já aconteceram e que, para mim, merecem ser lembradas, cutucadas, e aí sim, aparece a possibilidade de nossos livros serem radioativos. Pra mim, edição é um espaço de poder, e quando penso em poder, eu trabalho desconstruindo as relações de poder, em especial, isso é um pensamento político. Então eu só vou realizar um processo de edição se ele estiver vinculado ao meu pensamento e à minha prática também política, e não só artística. Eu não acredito na separação entre arte e política. Quando realizo um processo de edição, ele pode ser um vídeo, um livro ou qualquer outra forma ou maneira de se pensar uma questão de arte, plataforma. Quando penso na edição de uma publicação, olho pra natureza da publicação. Como é que funciona, quais são as formas e como trabalhar isso dentro da publicação. Pra mim, também o ato de editar é um ato relacional. De alguma maneira, eu não estou editando o trabalho só pra mim. Eu tô me comunicando e conversando com uma outra pessoa. Envolvem questões políticas, mas também envolve esse encontro. Eu quero me encontrar comigo mesma e com os outros. Por isso eu publico, eu edito... Sem ter motivo eu não edito. Tem que ter sentido. Eu só edito se tiver sentido. Eu ando procurando sentido para editar alguma coisa. Pra qualquer coisa, na real, porque eu tô/fico em crise de sentido. O que que ainda tá fazendo sentido? é um desmonte dos significados que acontece muito rapidamente. De uma semana pra outra, de um dia pro outro, tudo se desmonta, os sentidos vêm se perdendo, aí é nesse sentido que eu tô sem sentido pra fazer alguma coisa em edição. Mas ao mesmo tempo eu não paro de editar, eu tô editando todo o tempo. Meu princípio ativo do pensamento ou do subjetivo é a edição, é o sampler, é o código, tentar inserir códigos para ressignificar e tal, acho que mais por aí... eu sempre me cobro... não me cobro, mas tento procurar um sentido para continuar a editar. Eu penso nessa sua pergunta! Que motivo eu tenho para editar? E penso, porque além de editora também toco uma feira de publicações de artista e colaboro
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obrigada. assim que for editada, lhe envio.
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na par(ent)esis, então não é só neste espaço editorial que eu preciso me perguntar, também não é só nele que sofro e nem só nele que sou a pessoa mais satisfeita do mundo. Ser editora é uma batalha pessoal, porque editar é um ato político, sim, até cafona e óbvio dizer isso, mas é… Por enquanto, faço isso por não pensar em fazer outras coisas. Pra gastar o tempo e dinheiro que não tenho. Eu acredito que haja nas próprias publicações discussões para isso, existe livro para não nos darmos tiros e a gente que edita, edita pra não dar tiroteio. Enfim, acho que não dei uma resposta muito assertiva…
Obrigada eu.
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posfácio
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Tudo que fiz até agora é prólogo e desejo de publicar. Quase tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu. a editora
Esta é a última página de um livro. A última página de um livro-catálogo. A última página de um livro-catálogo acaba sendo a última página de um livro de livros. A última página de um livro-catálogo acaba sendo a última página de um livro sobre livros, porque outras primeiras páginas desses livros existiram antes. A última página existe porque outras existiram antes. Se você está lendo ela, pode ser que já tenha passado por todas as que antecederam ou veio aleatoriamente ou diretamente aqui. Mas todas as que vieram antes pensaram no problema de criar em forma de publicações e de livro mesmo. A tentativa até aqui foi a de colocar o problema do livro (ou de muitos tipos de livros) em um livro. E o problema de um livro é, primeiro, não ser. Ficar tão inescrito, quanto permanecer não lido, e ocupar a cabeça até que feche pra balanço para publicar seu esvaziamento. O segundo problema de um livro é ficar desperto e pronto querendo e não querendo leitores, indeciso entre a esperança de estar de folga e a esperança de não ter folga nenhuma. Com as páginas vacilantes, cochilando e piscando para os dedos que passam. O terceiro problema de um livro é dar seu sermão e virar as costas esperando comoção nas margens onde a língua cruza o olho, sem declarar nenhuma experiência de pânico, nenhuma cumplicidade, nenhuma identificação ou dúvida neste tumulto. A provação de um livro é não dar pistas de ser provação, é ser neutro e leigo. O problema de um livro, principalmente, é ser só livro na superfície; vestir capa como capa, se enterrar em morte-livro, e se sentir tudo, menos livro. Tomara que em algum centímetro quadrado da sua mão o encostando, ele consiga respirar palavras vivas com o hálito de algum sentido e ser respondido com reação de alguma livrescidade. Esta última página serve para indicar que, para o momento, era isso. Te solta pra dizer que não será mais necessário molhar o dedo, pois depois daqui só há uma terceira e quarta capa com uma sobrecapa abraçada. Esse livro aberto como uma dúvida.
última consideração: este livro-catálogo é acompanhado do livro paratexto “escrever publicações”
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