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Festival de Recordes

Há 50 anos, um torneio de arrancada na Marginal

Existem fatos na vida que marcam para sempre. O caso do Lorena dourado e do Festival de Recordes é um deles. Isso foi em 1970. O quintal da minha casa era grande, mas nem sempre parecia assim, já que meu pai gostava de espalhar carros nele. Mais ou menos como eu faço hoje. Parecia um estacionamento público, pois cada dia havia um carro diferente por lá. Até que um dia ele chega com um dos quatro fusquinhas da frota do Curso Marazzi de Pilotagem, todos amarelos com uma faixa azul cortando ao meio. Até aí, nenhuma novidade.

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Mas as coisas começaram a mudar quando ele chegou com um mecânico e algumas ferramentas. Em poucos minutos, o fusquinha se tranformou em uma carroceria jogada no chão e um chassi pelado. Logo depois, chega uma carcaça de um Lorena acidentado, sem capota, crua, sem pintura e sem fundo, que foi colocada no chassi do Fusca. O Lorena era um dos fora-de-série da época, como o Puma. Assim que o “protótipo” ficou pronto, saiu funcionando.

Só fui saber o motivo daquela “gambiarra” à noite, quando fui, junto com meu pai, para a oficina da escola de pilotagem, ainda na rua Iperoig, no bairro das Perdizes, ajudar a pintar o carrão.

O Lorena foi pintado com várias latas de tinta Colorgin spray, que naquele tempo só existia nas cores dourado e prateado (servia para pequenos trabalhos manuais). O carro se tornou, então, dourado. Lembro que o protótipo consumiu muitas latas de tinta e muito tempo na pintura, pois, como não tinha fundo para pintura, não era fácil cobrir aquela superfície irregular da fibra de vidro crua. E o resultado também não ficou tão bom. Mas a beleza não era o objetivo. Na madrugada, o carro ficou pronto.

Além da pintura, foi providenciado um santo-antônio “prá inglês ver”, de cano de água, e, dos dois lugares, um pedaço de fibra fechou o espaço excedente para que o carro se tornasse um monoposto.

Esse detalhe até que deixou o carro interessante, pois lembava muito alguns carros de turismo europeus que tinham a capota e o pára-brisa retirados para reduzir a resistência aerodinâmica, em que uma chapa deixava apenas o piloto de fora. Feio mesmo era o enorme bocal do tanque de combustível, na frente do carro.

O desafio seria na manhã seguinte. A av. marginal do Rio Pinheiros, em um trecho ainda não aberto ao tráfego, era o palco. Carros de todos os tipos, vindos de todos os lugares, participavam do Festival de Recordes, em um dia especialmente quente.

Era 14 de novembro de 1970. Um a um, os carros iam largando e marcando seu tempo no trecho de 1 km. Estava chegando a vez daquele feio protótipo com motor de Fusca 1.600, inscrito na categoria Classe da A Divisão 4, para protótipos até 1.600 cc.

Quase na hora da largada, no entanto, o motor apagou. Corre daqui, corre dali, meu pai saiu do carro, tirou o capacete e me pediu para comprar dois

O feioso protótipo Lorena rumo ao recorde

teve até um Fusquinha original, aproveitand a festa

picolés de limão, no carrinho da Kibon ali perto. - Tem que ser da Kibon, não pode ser de outra marca!

Fiz o que ele mandou, mesmo sem entender, e lhe dei os sorvetes. Ele pegou um, desembrulhou - naquele tempo o picolé da Kibon era apenas embrulhado - e derreteu-o inteirinho na bomba de gasolina do frankstein. O motor voltou a funcionar. Recolocando o capacete, ele me falou: - O outro é para você. Está muito calor!

Logo em seguida aquele Lorena dourado bateu o recorde da categoria, com 174,900 km/h, conquistando um belíssimo troféu em forma de volante. Antes de ser desmontado, o feio carrinho ainda participou de outras provas, algumas delas longas, sendo que para isso houve a necessidade de melhorar a segurança do protótipo e instalar equipamentos de iluminação, como faróis e lanternas. As traseiras eram aquelas de carroceria de caminhão, mais feias impossível.

Hoje, 50 anos depois, lembro com muito carinho desse dia, apesar de que alguns detalhes eu já esqueci. Dos outros carros, principalmente. Graças ao meu amigo Julio Penteado, que depois de quase 20 anos que o conhecia fiquei sabendo que ele também estava por lá, pude ver algumas cenas que ele próprio retratou.

Um fotógrafo profissional também estava lá: Yussi Lehto, que gentilmente me deu as duas únicas fotos que ele fez do carro e de meu pai. Mas são suficientes. Depois de tanto tempo lembrando desse dia, ver essas fotos, principalmente as do carro que eu ajudei a pintar, me emocionou muito. De concreto, guardo apenas o troféu, que por sinal está precisando de uma reforminha.

Ah! O desengonçado tanque de gasolina, que depois participou de várias Mil Milhas, em vários fusquinhas “penicos”, eu ainda guardei por muito tempo.

Protótipo amato-Ford, de salvatore amato

Gabriel Marazzi

A corrida

Organizado pelo Automóvel Clube Paulista e promovido pelo Jornal da Tarde, o Festival de Recordes foi uma prova de “quilômetro lançado”, ou seja, os participantes percorriam um trecho de aceleração e a média de velocidade era cronometrada no quilômetro final. Eram três quilômetros reservados para a prova, o primeiro para aceleração, o segundo para o cálculo de velocidade e o terceiro para desaceleração e frenagem.

Isso na ida e na volta, pois o resultado era a média das duas passagens.

Foi um festival de excentricidades. Além do Lorena do Marazzi, que provavelmente foi o participante mais comentado, muitos protótipos montados de última hora também apareceram.

Apesar de alguns automóveis modernos muito potentes, ironicamente o vencedor foi o piloto Camilo Christófaro, com sua famosa carretera número 18, que acabou batendo o recorde de velocidade anteriormente atribuído a Bird Clemente, com um Opala, na rodovia Castello Branco.

A briga principal era “novo x velho”, pois o empresário Alcides Diniz, que chegou com seu novíssimo Lamborghini Miura, achou que a prova já estava ganha, com sua marca de 224,413 km/h de velocidade média. Logo depois, Camilo e sua carretera cravaram 236,737 km/h, vencendo o Festival e batendo o recorde de Bird, que era de 232,510 km/h.

Luiz Pereira Bueno ficou em terceiro, com 198,192 km/h, pilotando um Ford Galaxie da Equipe Bino, equipado com um motor de sete litros.

O quarto colocado foi uma surpresa, Eduardo Celidônio cravou 194,886 km/h de média com um protótipo equipado com motor Corvair. E em quinto lugar, chegou o filho do Chico Landi, o Luiz, pilotando um velho Ferrari Monza com motor Corvette.

Havia outra carretera naquele dia, a de Antônio Versa, que chegou em nono lugar. Equipada com motor

a carretera Chevrolet-Corvette 4.500 de antônio Versa (fotos acima e abaixo)

Corvette, teve média de 174,832 km/h.

Carlos Alberto Sgarbi acelerou com um Chevrolet Opala com motor aumentado para 3.900 cm3, chegando em sexto lugar com 189,074 km/h.

Tite Catapani, que estava lá com um Alfa Romeo GTV, curiosamente não constava como incrito na prova.

Salvatore Amato ficou em 11o, com seu protótipo, e Josil Garcia em 14o, com um Fusca.

Para quem desdenhou o carro mais feio daquele dia, o resultado pode ter feito alguns pensarem melhor. Expedito Marazzi atingiu a média de 174,900 km/h com seu protótipo VW Lorena 1.600, ficando em oitavo lugar na classificação geral e primeiro na categoria Divisão 4 Classe A, até 2.000 cm3 de cilindrada. Com esse resultado, detém até hoje o recorde da categoria.

Resultados

1º. Camillo Christófaro Chevrolet Corvette 236,737 km/h 2º. Alcides Diniz Lamborghini Miura 400/S 224,413 km/h 3º. Luis Pereira Bueno Galaxie 7.000 198,192 km/h 4º. Eduardo Celidônio Snob’s Corvair 194,886 km/h 5º. Luiz Landi Ferrari Corvette 4.500 192,978 km/h 6º. Carlos Alberto Sgarbi Chevrolet Opala 3.900 189,074 km/h 7º. Aldo Pugliesi Puma 1.600 177,572 km/h 8º. Expedito Marazzi Protótipo VW 1.600 174,900 km/h 9º. Antonio Versa Chevrolet Corvette 4.500 174,832 km/h 10º. Anatole Cirello Volkswagen 1.700 171,635 km/h 11º. Salvatore Amato Amato Ford 1.600 170,843 km/h 12º. Stanley Ostrower Kinko VW 1.600 168,564 km/h 13º. Célio Huggemeyer Volkswagen 1.600 150,220 km/h 14º. Josil José Garcia Volkswagen 1.600 145,248 km/h 15º. Luis Filinto Silva Jr. Volkswagen 1.600 141,312 km/h

O alfa romeo Giulia sprint Veloce de tite Catapani não estava inscrito na prova

Eduardo Celidônio ficou em 4o com seu snob´s Corvair

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