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Subida de Montanha

Na estrada de Santos

Naquele dia chuvoso e com neblina de 1958, intrépidos pilotos e seus automóveis enfrentavam a difícil serra do Caminho do Mar

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“Se você pretende, saber quem eu sou, eu posso lhe dizer. Entre no estrada nova, a serra da Via Anchieta – hoje bem velha –, mas, naquela época, os dois vel. O regulamento da prova dividia os automóveis em duas classes, os normais e os espemeu carro, e na estrada de caminhos eram normalmente ciais. Os primeiros eram origiSantos, você vai me conhecer”. utilizados pelos paulistanos nais de fábrica, com preparo

Em 1958, certamente o rei para ir e vir da Baixada livre, porém mantidas as caracRoberto Carlos ainda não havia Santista. terísticas principais, com classicomposto a música “As Curvas De forma parecida com o que ficação em quatro categorias, das Estrada de Santos”, mas sua até pouco tempo atrás se prati- até 250 cm3, até 1.300 cm3, até inspiração pode ter vindo da II cava em São Paulo, no Pico do 2.000 cm3 e Força Livre. Os Subida de Montanha, prova de Jaraguá, a prova do Caminho especiais eram carros de corrivelocidade realizada na Estrada do Mar reunia aficionados por da, com qualquer motor, chassi, Velha de Santos, o antigo carros e competições no pé da suspensão e freios, separados Caminho do Mar. Está certo serra, para cumprir a subida de em duas categorias, com motor que Roberto Carlos se referia à 7,2 km no menor tempo possí- até 2.500 cm3 e Força Livre.

o simca 1200 de J. A. barbosa de Campos

A chegada da romi-isetta, debaixo de forte neblina Fiat 1.100 de scatamacchia Citroën 11 de r. Marchini

No dia da corrida, exatamente em 10 de agosto de 1958, o clima era de euforia. O público se posicionou ao longo do trajeto, como em provas de rali, para ver de perto os carros e os pilotos.

Na largada o tempo estava bom, mas da metade do percurso até o topo da serra, mais precisamente da chamada Curva da Morte até o fim, a neblina tomou conta da paisagem. Prevista para a 8h00, a largada foi dada às 10h15, porque os organizadores queriam esperar o tempo melhorar, sem sucesso. Mesmo assim, a prova transcorreu bem, apesar da visibilidade prejudicada.

Inaugurando a Força Livre da classe Especial, o piloto Rafael Gargiulo, com um monoposto equipado com um motor Ford 8BA, estabeleceu o recorde da pista, com o tempo de 7m13. Na categoria de até 2.500 cm3 , o vencedor foi Plínio Cerqueira Leite, com um Volkswagen especial, um protótipo parecido com o Porsche 550 Spyder, em 7m51 (foto maior).

Foi a classe normal, no entanto, que reuniu a maior quantidade de participantes, todos com modelos mais conhecidos do público, como DKW, Fusca, MG ou Porsche. O vencedor da categoria até 250 cm3 foi Álvaro Andrade, com uma Romi-Isetta; até 1.300 cm3 venceu Flavio Del Mese, com DKW; até 2.000 cm3 o Porsche de Guy Whitney foi mais rápido e na Força Livre venceu a prova Waldemyr Costa, com Nash Healey. Na categoria até 1.300 cm3 havia ainda MG, Simca 1200 francês e Fiat 1100. Até 2.000 cm3 participaram Citroën 11 Légère e Porsche.

Quanto aos pilotos, além dos vencedores da classe especial participaram alguns nomes hoje conhecidos, como o designer Anísio Campos, com um Simca Conversível 1952, Hans Ravache e Godofredo Viana Filho. Destacaram-se o piloto Flavio Del Mese, que saiu do

A. Castrucci e seu MG td

o vencedor da Força Livre, rafael Gargiulo

Rio Grande do Sul com seu DKW 1951 para participar da prova, Wilson Fittipaldi, que narrou a prova pela Rádio Panamericana, e Primo Carbonari, que realizou um filme jornalístico da prova para divulgá-la nas salas de cinema de todo o Brasil.

Muitos não puderam participar da II Subida de Montanha por uma razão hoje óbvia, mas na época não muito lembrada pelos pilotos: a falta do capacete. A comissão organizadora foi firme na questão e seguiu à risca as regras da FIA – Federação Internacional de Automobilismo, com a supervisão da Comissão Desportiva Regional do Automóvel Clube Brasileiro, de Ângelo Juliano e Osvaldo Fanucchi, e pela Polícia Rodoviária. A entrega dos prêmios, troféus e medalhas, foi feita na sede do ACB, na rua Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo.

Para a realização desta reportagem utilizei material gentilmente cedido pelo engenheiro Jorge Lettry, chefe da equipe Vemag de Competição nos anos 60, que esteve na prova como repórter do Jornal HP, um dos organizadores da II Subida de Montanha. As fotografias são de seu acervo pessoal, assim como as informações retiradas de seu texto feito para o antigo jornal. No dia em que estive com Lettry em sua casa, no município de Atibaia, SP, para que ele me contasse esta história, passamos nada menos que oito horas conversando sobre automóveis, corridas e pilotos. Jorge Lettry faleceu aos 78 anos de idade.

A próxima vez que você passar pela estrada de Santos, hoje Rodovia dos imigrantes, a mais moderna do país, lembre-se que há mais de 60 anos a história era outra, e que, antes de Roberto Carlos imortalizar a Via Anchieta, heróicos pilotos fizeram história no antigo Caminho do Mar. Gabriel Marazzi

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