gráfica botânica: relatos de jardins

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GRUPO FORA GRÁFICA BOTÂNICA: Relatos de Jardim

Dezembro de 2017


EDITORIAL

Gráfica botânica é uma publicação que surgiu do convite para a exposição Arte para uma cidade sensível, com curadoria da Brígida Campbell no Museu Mineiro entre setembro e novembro de 2017. Nossa proposta "adote um jardim" consistia em distribuir caixas-terrários para jardineiros e jardineiras da cidade de Belo Horizonte. Cada um teria a liberdade de cultivar o que quisesse dentro da caixa a partir da concepção do terrário como um fragmento simbólico de jardim. Depois de dois meses as caixas seriam coletadas e reunidas em uma estante botânica no jardim do museu.


O convite foi realizado por meio de uma chamada aberta no facebook e recebemos muitas respostas. Inclusive de várias partes do Brasil. A partir daí surgiu a ideia de expandir o conceito de terrário, de modo a abarcar narrativas de jardim que pudessem ser compartilhadas por meios virtuais. Assim nasceu a Gráfica Botânica, uma oficina gráfica que reúne exploradores gráficos e botânicos. Esta é a primeira edição que partiu dos relatos que recebemos entre Agosto e Setembro de 2017 e que integraram uma oficina realizada ao lado da estante botânica no Museu Mineiro.

Os participantes foram convidados a se apropriar livremente dos relatos. Na mesa de edição, eles passaram por operações de recorte e colagem, nasceram conversas, que partiam da identificação dos participantes da oficina com o conteúdo dos relatos. Também houve quem preferiu trabalhar com suas próprias referências simbólicas, e trabalhos que por seu conteúdo e forma encontram-se publicados na íntegra.

Agradecemos a todos e a todas pelas colaborações! Grupo Fora Bruna Maresch, Camila Argenta, Gabriel Scapinelli, Nara Milioli


SUMÁRIO Marcos Turíbio / trabalho realizado durante oficina Gráfica Botâni-

06 e 07

ca, a partir dos relatos e imagens enviados por Mariana Berta Marina Berta / relato de jardim enviado por e-mail

Marilane A. Santos /

trabalho realizado durante oficina Gráfica

08 e 09 10

Botânica, a partir dos relatos e imagens enviados por Tatiane Rosa Tatiana Rosa / relato de jardim enviado por e-mail

11 à 14

Ismael Paul / relato de jardim enviada por e-mail

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Ludmila Britto / trabalho realizado durante oficina Gráfica Botânica,

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a partir dos relatos e imagens enviados por Janete Anderman Janete Anderman / relato de jardim enviado por e-mail

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Inaê P. G. Coelho/ trabalho realizado durante oficina Gráfica

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Botânica, a partir dos relatos enviados por Laís Velloso Laís Velloso / relato de jardim enviado por e-mail

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Danielle Dias / relato de jardim enviado por e-mail

Desconhecido / trabalho realizado durante oficina Gráfica Botânica,

20 à 23 24

a partir dos relatos e imagens enviados por Vânia Buxbaum Vania Buxbaum / relato de jardim enviado por e-mail

25 e 26

Santana Dardot / relato de jardim enviado por e-mail

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Bianca Pataro / relato de jardim enviado por e-mail

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Luiza Fainblat / relato de jardim enviado por e-mail

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Nara Milioli / trabalho realizado durante oficina Gráfica Botânica

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Lara M. Paiva / trabalho cedido durante oficina Gráfica Botânica

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Gabriel Scapinelli e Bárbara M. Basseto / relato de jardim enviado por

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e-mail

Ines Linke / relato de jardim enviado por e-mail

Maíra Lima / trabalho realizado durante oficina Gráfica Botânica

Annaline C. Piccolo / relato de jardim enviado por e-mail

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Rainha da Discórdia, eu te invoco não cederás aos ambientes planejados sabes do valor de uma mudinha trocada com as vizinha sentes o frio que emana dos pisos laminados, brancos onde aparece tudo as sujeira e o pé não gruda direito que o teu fogão a lenha alí não tem lugar que uma lareira de ligar na tomada nunca nem cozinha aquela tua fortaia ou as batata doce

Rainha da Discórdia, lembre sempre da tia Lourdes, Concórdia plena a piazada tudo indo na casa da Cleide, depois da reforma Lourdes não sabia nem que roupa usar naquela casa estranha aquele lustre que a arquiteta insistiu em pendurar, que se enozava tudo aquela bosta

Rainha da Discórdia, e a imagem triste daquele caramanchão de enfeite onde ninguém sentava mais pra olhar as pessoa passando tomando um chimarrão e comendo umas bolacha aqueles toco de árvore chique mórbido que ficaram no lugar do pé de cinamomo “porque ele fazia sujeira” de onde saíram tantas suculentas?

Rainha da Discórdia, me dê coragem, eu acredito no jardim da Cleide.


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Caminho de gente “Naquele tempo a gente não ia ao médico, quando adoecia tomava chá e se não melhorava ia na benzedeira.” (Seu Miguel) Escutar as gentes, aqui parece ser o lugar mais apropriado para isto. Percebi assim que cheguei no interior da ilha que as pessoas param o que estiverem fazendo e se entregam a boa conversa. Cena comum é parar atrás de um carro no meio da estrada, o motorista com vidro abaixado trocando um dedo de prosa com alguém que estava passando. São outros ritmos. Uma vida é vivida quando narrada, na linguagem dos gestos, do visionar amplo e profundo, dos sorrisos e silêncios. No olhar do outro reconheço o lugar que habito e nele, uma ancestralidade familiar. Dona Maria¹ tem um jardim de borboletas, faceiro em cores e diversidades. Fui visitá-la dia desses: Tati Rosa -(batendo palmas no portão) - Dona Maria! Não demorou, para ela aparecer na porta da casa, olhando com olhos cerrados pra ver se me reconhecia enquanto se aproximava até o portão. TR – Bom dia! Dona Maria – Bom dia minha filha. TR – Tudo bem com a Senhora? DM – Vai se vivendo com a graça de Deus. Você mora por aqui? TR – Sim, eu moro na antiga casa da Janete lá em cima do morro, mudei pra cá há pouco tempo. Mas eu já lhe conheço de outra época, a senhora que não lembra de mim. Eu sou amiga do Eduardo seu antigo vizinho, lembra agora? DM – Ah o Eduardo...E como é teu nome mesmo? TR – Tatiana DM – Tatiana isso mesmo. ¹ Dona Maria moradora antiga da região, mora no sopé da trilha que leva a nossa casa. Sua tia foi uma das primeiras moradoras dali, suas terras começavam na estrada e iam até o morro do sertão. Casada com o Seu João, diariamente se encontram os dois na estrada levando trato para as vacas.


TR – Dona Maria eu sempre passo por aqui e fico admirando seu jardim eu estou ajeitando o quintal lá de casa e vim ver se a senhora me consegue uns galhos de roseiras pra fazer estacas. DM – Ah minha filha consigo sim, só que tu vai ter que voltar semana que vem, por que eu só podo a roseira no mês de Junho quando começa os aniversários dos santos. De início o Antônio² me ajudava mas agora ele tá com um problema no braço... TR – Então semana que vem eu volto e lhe ajudo a podar. Pode ser? DM – Tá bom. TR – Obrigada, até semana que vem. DM – Certo minha filha. Meu querer era muito de trocar conversa com Dona Maria e de ter de suas mãos estacas da rainha das plantas. Assim que os santos começaram a se manifestar no mês de Junho tratei de descer a trilha que liga nossas casas e ir ter com Dona Maria. TR - Oh Dona Maria! (batendo palmas) Lá estava ela no jardim, acocorada, revirando a terra. DM – Entra minha filha. Levantando veio ao meu encontro. TR – Bom dia! DM – Bom dia. Não é que ela veio mesmo? (sorrindo) TR – Pois é. Tudo bem com a senhora? HDM – Ando com uma dorzinha bem aqui. (apontando para o baixo ventre) TR – Será que foi alguma coisa que a Senhora comeu? DM – Não sei já faz um tempinho. TR – Mas a senhora tem aqui o funcho que é muito bom pra aliviar dores de barriga. (apontando pro funcho que crescia em profusão por ali) DM – É mesmo né filha um chazinho de funcho é coisa boa. Passeamos pelo jardim reconhecendo plantas, falando sobre suas propriedades. TR – Dona Maria esta aqui não é a mirra? DM – Olha, aqui a gente conhece como pacholi. ² Seu Antônio marido de Dona Maria


TR – A senhora sabe que onde eu morava eu plantei uma vez um galhinho e ela veio forte e cresceu dando flores miúdas de cor lilás. DM – Tu quer um galhinho desta? E sem esperar eu responder pegando um galho. Percebi que ela se abaixou e arrancou o galho lá debaixo do arbusto. Enquanto pegava, explicava: DM – A gente tem que pegar estaca assim, escolhe um galho mais velho, forte. A planta não pode estar com flor. Se tiver galho que cresce perto do chão assim do lado da planta... Rente do tronco... Olha este aqui é muito bom pra fazer muda por que cria raiz fácil. Quando a gente quebra melhor que ele faça um barulho. E ela pegou mais um e quando quebrou fez um estalo. DM – Ouviu? Assenti com a cabeça. Tirando as folhas do galho me alcançou dizendo: DM – Pronto agora é só fincar inclinado na terra. (Outro dia, conversando com o Seu Miguel, ele comentou sobre o pacholi: - Minha mãe usava para perfumar sabão caseiro feito de sobra de gorduras.) Na frente do terreno, no muro de pedras pendia uma cascata de capuchinhas. TR – Estas capuchinhas estão lindas! A senhora sabia que dá pra comer? DM – Sabia não. TR – Sabe o gosto do agrião? As flores têm o sabor bem parecido. Dona Maria abriu mais o olho, acho que meio admirada ou não acreditando muito. Apontando para o lado como que mudando de assunto, me mostrou uma plantinha ornamental: DM – Mas eu gosto mesmo é daquela, o tal do rabo de gato, não é bonitinha? Arrancou uma muda e me alcançou, considerei o gesto um presente sincero de Dona Maria para embelezar meu quintal. Então começamos a poda das rosas. DM – Aqui minha filha vamos começar por esta, mas cuidado é espinhenta que só. Ela dá uma rosa vermelho sangue muito cheirosa. Ela começou tirando galhos de cima para baixo. Quando percebi que ela estava tirando muitos galhos, falei: TR - Não precisa tirar muitos não, eu só queria umas estaquinhas da rosa da senhora.


DM – Não se preocupe, a rosa não é minha, a rosa é da roseira. Silêncio enquanto continuava o trabalho com a segurança de que sabia o que estava fazendo, me alcançando os galhos que eu ia amontoando no chão. Passamos da roseira vermelha para a branca: DM – Ah esta é muito boa para fazer chá e banhos. Tão doce... Chá de pétalas de rosas acalma coração apertado. Uma amiga das bandas da Fazenda do Rio Tavares que me contou que quando o filho dela saia à noite e não voltava em tardes horas, a única coisa que aliviava sua aflição era o tal do chá de pétalas de rosa. E assim passamos aquela manhã de rosa em rosa, podando seus galhos. Ao final: DM – Toma minha filha, enrola estes galhos neste pano velho, senão tu vai te arranhar toda para carregar. TR – Muito obrigada por tudo Dona Maria. DM – Não tem de quê. Vai com Deus. Muitos daqueles galhos não vingaram, plantar roseiras é coisa de muita sapiência, mas as duas roseiras que sobreviveram já deram as primeiras flores e suas pétalas estão secando no fogão com folhas de menta para banho ou chá. Por outro lado, a mirra, o rabo de gato e a capuchinha que por fim pedi, não pararam de crescer e florir, a não ser a capuchinha que desaparece no inverno e reaparece no início da primavera... Mistérios.

Entrevistada: Dona Maria.


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Olyus julgadorys GRAVURA EM METAL


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EXERCÍCIOS DE PINTAR

E FOTOGRAFAR PLANTAS para tecer a existência. Investiga-se a perspectiva do ser: planta. ao enaltecer essa conduta, Ser planta é a ação contemplativa de se estar vivo. Exercício pleno de presença. Em miudezas de semente que tudo contém das miudezas em centímetros por dia das horas que se enamora de sol e de lua do frescor das águas profundas em raiz fincadas na terra. das invisíveis relações subterrâneas

Do ar que solta seus pólens e se enamora de insetos. E longe vai até a morte. E cravada na pedra infimo movimento em todo o planeta. exercícos de presença.


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i. Dente de leão - Sachê de quê ? Rosmarino camomila

Nunca abandonei a água que vinha regada advinha? de lágrimas de jarros. Sálvia não chora.

lavanda azul.

Sálvia enxuga aveludada

- Tiraram do jardim:

inconsistências de ser só.

Planta desidrata - Colocaram na xícara: -Planta reidrata - Vão tomar no jardim Planta ingrata? - Grata.

Sàlvia insegura circula em vasos. Marrons. Pretos. Azuis. Artérias. Morar moradas de jardins de poucos pequenos donos. Sálvia de

Alho pro futuro. Confta em forno lento o óleo em alho a cabeça de dente lhes

- Mais chá ?

limpar coração.

tem.

- Sachê!

Sóbria pulsação.

Meio raiz,

- Sachá?

Lenta digestão.

- Chachê. - Cachê? - Mate leão. _______ ii. Sálviali quando nasci, fui sálvia à beira rio cheiro que prega verdades em água corrente. Nunca fui de florir, vivi de pétalas caídas. Verdes. Folicular. Alongadas. Folha séria. Serenando esverdear.

_____ iii. Terralhos afetivos todo mundo já comeu alho

planta sem lugar. Se mole ou se duro, a sua flor bem vale dez vinténs. Quisera todo mundo

todo alho já bafejou todo

comer alho de manhã

mundo

quando acorda desa-

cresce só. Dentro terra d’água. Rameja verde os maldizeres que retém. Curador de bruxarias. Curadorias.

justado negando o tempo de iansã. Fica alerta fca forte já dizia minha mãe canã,

Sorria sóbrio sem males.

que: nas raízes de pé,

Pra seu bem.

todo alho ali crescido,

Assa o passado.

é cabeça de fé.


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Contos-paisagens. Experiência de um para outro, do olhar e o espaço. 1.Sono - Caminhar e observar o espaço, dois tons de amarelo enxergo. Cachinhos de flores amarelas. Folhas ao chão em um tom de amarelo (estou envelhecendo). (08.11.14) 2.Folhas de goiaba. Fruta de goiaba. Goiaba. (12.01.15) 3.O que aquela arquitetura me traz. Atrás daquele jardim exuberante, em suas cores e formas. (26.03.15) 4.Olhe para baixo, olhe para roxo e verde. Olhe para aquela folha roxa e verde. (21.05.15) 5.Desabrochar de um abraço. (26.04.15) 6.Com um risco de vermelho em um envolver verde, uma pequena forma floral. (03/10/2015) 7.Bambu em uma construção de esquerda e direita. Desenho de retas no ar. (26.05.15) 8.Parando lentamente, cactos em uma árvore em várias direções. (20.07.15) 9.Memória é muito mais esquecimento, do que lembrança. (01.09.15) 11. Aquela folha é de limão? Tem cheiro de limão, olha. Nossa! Quantos limões. (25.05.15) 12.Curvaturas de galhos. Estrutura harmônica de uma paisagem. (06.04.15)


13. Luz a cada tom aberto. Em diversos tons. Pode escolher, temos diversos. Verde musgo, verde militar, verde claro e outros que não conheço. Mas surgem por vezes com a luz. (04.04.15)

14. Esta semana as árvores e suas curvas estão me chamando bastante atenção. Árvores altas ou baixas, com galhos em um desenho curvo harmônico. (07.04.15)

15. Bolinhas amarelas, muitas bolinhas amarelas. Uma árvore de folhas de bolinhas amarelas. Mas quando chegam ao chão suas bolinhas desaparecem. (03.09.15)

16. Dia muito quente, porque escolhi bem esse dia para ir ao Jardim Botânico. Caminhando, ou derretendo, mas observando tudo, vejo uma árvore incrível, ao passar a mão em sua folha, sinto que é aveludada, paisagem palpável. A procura de uma folha no chão para levar embora, ao encontrar e ao tocar percebo que seu aveludado não existe mais, me senti enganada. (18.09.15)


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Rio de Janeiro, RJ, 03 de dezembro de 1958... Tijuca...Cheguei! Lá pelos quatro anos de idade, a lembrança da emoção ao plantar caroços de feijão no quintal da casa de minha avó materna em São João de Meriti, e vê-los, a cada retorno, crescendo. Uma lembrança bem agradável e silenciosa. A lembrança de uma plantação que parecia grande e muito especial. Lá pelos 13 anos, na Tijuca / Rio de Janeiro, tinha o total apoio de meu pai para que eu pudesse ter meus vasos de plantas sem cair na cabeça de ninguém que passasse na rua. Ele cuidadosamente protegia o parapeito da janela do apartamento com fios de arame. Uma lembrança de pequenos vasos que só eu cuidava e sabia o valor deles. Lembro-me de um vaso com a planta de nome dólar e outras com flores bem pequenas, talvez kalanchoes. Lá pelos 29 anos, em Teofilândia-BA, já casada e com filha, tive a sorte de morar numa casa com um grande quintal e, de início, nada plantado. Pois, então, dei asas à imaginação e plantei desde a grama toda do quintal até uma linda cerca viva de sabiá e várias árvores frutíferas como abacate, limão e mamão. Até uma macieira que, para encantar mais ainda nossos dias, deu uma duas/ três maças, que vários amigos iam visitá-la. Ah! Neste local, minha primeira horta com três lindos canteiros. Dentro de casa, claro, começaram a crescer o tamanho dos vasos. Como era bom. Muito aprendizado. Comprava vasos, envernizava, plantava e muito verde ia nos abraçando, encantando e nos alimentando. Nesta casa, a escola local fez um trabalho com as crianças pequeninas. Saíram pela vila - pois é, morávamos numa vila de funcionários de uma empresa - para que elas apreciassem os jardins, aprendessem sobre plantas e escolhessem o mais bonito. Foi uma grande emoção receber um diploma das mãos destes pequenos com o título de jardim mais bonito da rua!! Nesta mesma Teofilândia, mudamos de casa. Contra a minha vontade, pois não queria deixar minhas plantas para trás. Nesta outra casa, a grama já estava plantada me esperando. Mas o prazer de construir mais três canteiros de horta, ainda maiores, me aguardava. Encontrei lá uma frondosa mangueira com deliciosas. Nesta ocasião, já com meu segundo filho,


plantamos seriguela, mamão, limão e goiaba. E mais, como tínhamos um segundo quintal sem nada plantado, aproveitamos para plantar: mandioca, milho, melancia e até gergelim. Um sucesso!!! Ah! Nesta casa, um singelo pinheiro de Natal plantado num vaso, depois do seu primeiro Natal dentro de casa, foi transplantado para o jardim. A cada ano crescia mais e mais e a cada ano aumentava a quantidade de luzes de Natal que nele, um amigo, quase que malabarista, colocava para iluminar o pinheiro. Por volta dos meus quarenta e três anos, mudamos para Itabira -MG, deixando para trás muita coisa plantada. Levei alguns vasos “baianos” e me apropriei da varanda do apartamento para colocá-los. Na ocasião, uma cena inusitada quando o caminhão de mudança parou na porta do prédio e abriu: pessoas que passavam na rua perguntaram se era caminhão vendendo plantas. Exagero! Eram alguns vasos que realmente não consegui deixar para trás. Mas confesso que alguns tiveram que ficar no hall do prédio pois não davam no apartamento. Bem que meu amado marido tinha avisado: leve o mínimo!!!! Nesta mesma cidade, mudamos de apartamento, e mais uma vez plantas foram ficando pelo caminho. Neste segundo prédio me apropriei do minúsculo jardim da entrada do prédio e ali plantei e cuidei durante todo o tempo em que moramos lá. Plantei Érica! Nunca esqueci quando descobri o nome desta planta tão delicada e linda. O nome de uma amiga dos tempos de Teofilândia. Hoje, setembro de 2017, aos cinquenta e oito anos, morando em Belo Horizonte - MG, quando penso em todas as plantas que fui deixando por onde passei, me encho de alegria e da vontade de quem sabe, plantar e plantar. Alguns poucos vasos me cercam aqui e merecem todo o meu cuidado. Esta natureza é uma das coisas que mais me emociona com suas diversas cores, formatos, cheiros e poderes. E sim, merece todo nosso respeito!



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Me traz folhas de mangueira? Aquelas que adubam a terra pelo envelhecer. Vou fazer um buquê de folhas, mas tem que ser de mangueira. Quero sentir o amarelo ocupando de passado suas fibras. Quero ver a decomposição da cor tomando conta da sala. Quero o quintal preso em uma jarra e o tempo em que pisei folhas secas repousará sobre a mesa. Terei o cheiro e o gosto da minha infância. Terei o verde branco de sal. Terei os pés sobre o tapete de sombra. A boca lambuzada e os dentes cheios da polpa entranhada. Vou subir nos galhos fortes acariciando meu buquê de memórias. Apanhar a fruta mais madura e mais alta acenando lá na grimpa a embalar o jarro de folhas secas das mangueiras que vivi.


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1. fala em que há a interação entre dois ou mais indivíduos; conversa. 2. contato e discussão entre duas partes; troca de ideias.


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BEM COMUM - CULTIVOS / SALVADOR / LÍNGUA-DE-VACA Jorge: Sou do Conde, litoral norte da

Ana: Língua-de-vaca traz a minha lem-

Bahia e lá, 'língua-de-vaca' é conhe-

brança a minha vó! Pois ela gostava

cida como bredo. É usado como in-

muito de cultivar esta planta para fazer

grediente de uma espécie de guisa-

comida, era uma coisa simples, mas era

do, com azeite de dendê e se come

uma delícia. Saudades da vovó! Sau-

na Semana Santa. Segundo a crença

dades das línguas-de-vaca comidas!

popular, não se deve consumir o bre-

Saudade de todos os casos contados

do colhido nos locais onde costuma

quando se comia língua-de-vaca!

passar cortejos fúnebres. É costume, no interior, depois das missas de corpo

Clara: Tem uma flor por cima, tem uma

presente, as equipes e seus cortejos

folha que parece uma língua, tem um

seguem das igrejas até o cemitério.

palmo do Gabriel mais 4 dedos da Clara, são 4 lugarzinhos, que guardam

Rosa: Adoro língua-de-vaca! Minha

folhas com 42 folhas mais 3 florzinhas

ex-sogra, que é de Tucano, no inte-

nascendo e duas bolotas em cima,

rior da Bahia, fazia moqueca de lín-

tudo isso dentro de um vaso preto com

gua-de-vaca (deve ser o efó, não

terra marronzinha meio preto e existem

sei...). Sua irmã, que é naturalista,

7 folhas rasgadas, mais 8 botões de flor

me ensinou a comer crua, na salada.

e uma folha doencinha que deixa bran-

Agora estou separada, mas sogros

co.

são para sempre. Conceição

Fernandes:

Quando

comíamos

te muito tempo fonte de alimento

gua-de-vaca

para mim e meus irmãos. Plantáva-

delícia!

mos muitas no fundo do quintal, com

temperos frescos, azeite doce, na frigi-

carne de sertão, tudo refogado, era

deira, cavar umas concavidades e co-

uma delícia. Também servia como or-

locar nelas os ovos, tampar e deixá-las

namento dos vasos em nossas casas

ficar no ponto! Oremos a Deus e demos

imaginárias

graças a Deus por todas essas

nas

brincadeiras

nós, muitos irmãos pobrezinhos.

entre

vilhas.

ensopadinho

criança,

Bonfim: A língua-de-vaca foi duran-

com

Aferventar,

de

lín-

Hum!

Uma

temperar

com

ovo.

mara-


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