Água e ócio: revelando nascentes em Votuporanga - SP

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Gabriel Alves Tunes T.G.I. 1

Ă GUA E Ă“CIO revelando nascentes em Votuporanga1 - SP


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Gabriel Alves Tunes

ÁGUA E ÓCIO

revelando nascentes em Votuporanga - SP

Universidade de São Paulo Instituto de Arquitetura e Urbanismo Trabalho de Graduação Integrado I Comissão de Apoio Permanente David Sperling Luciana Schenk Lúcia Shimbo Joubert Lancha Professor orientador Fábio Santos

São Carlos - SP junho 2017

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As cidades delgadas 3 Ignoro se Armila é dessa maneira por ser inacabada ou demolida, se por trás dela existe um feitiço ou um mero capricho. O fato é que não há paredes, nem telhados, nem pavimentos: não há nada que faça com que se pareça uma cidade, exceto os encanamentos de água, que sobem verticalmente nos lugares em que deveria haver casas e ramificam-se onde deveria haver andares: uma floresta de tubos que terminam em torneiras, chuveiros, sifões, registros. A céu aberto, alvejam lavabos ou banheiras ou outras peças de mármore, como frutas tardias que permanecem penduradas nos galhos. Dir-se-ia que os encanadores concluíram o seu trabalho e foram embora antes da chegada dos pedreiros; ou então as suas instalações, indestrutíveis, haviam resistido a uma catástrofe, terremoto ou corrosão de cupins. Abandonada antes ou depois de ser habitada, não se pode dizer que Armila seja deserta. A qualquer hora do dia, levantando os olhos através dos encanamentos, não é raro entrever uma ou mais jovens mulheres, esbeltas, de estatura não elevada, estendidas ao sol dentro das banheiras, arqueadas debaixo dos chuveiros suspensos no vazio, fazendo abluções, ou que se enxugam, ou que se perfumam, ou que penteiam os longos cabelos diante do espelho. Ao sol, brilham os filetes de água despejados pelos chuveiros, os jatos das torneiras, os jorros, os borrifos, a espuma nas esponjas. A explicação a que cheguei é a seguinte: os cursos de água canalizados nos encanamentos de Armila ainda permanecem sob o domínio de ninfas e náiades. Habituadas a percorrer as veias subterrâneas, encontram facilidade em avançar pelo novo reino aquático, irromper nas fontes, descobrir novos espelhos, novos jogos, novas maneiras de desfrutar a água. Pode ser que a invasão delas tenha afastado os homens, ou pode ser que Armila tenha sido construída pelos homens como oferta para cativar a benevolência das ninfas ofendidas pela violação das águas. Seja como for, agora parecem contentes, essas moças: cantam de manhã. Ítalo Calvino - As cidades invisíveis

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O SUMÁRIO A INTRODUÇÃO

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AS INQUIETAÇÕES INICIAIS

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O COTIDIANO DOMESTICADO

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A CIDADE DAS BRISAS SUAVES

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MARINHEIRINHO E BOA VISTA

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A CIDADE E A ÁGUA

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A ÁGUA E O ÓCIO

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AS FUTURAS PRETENSÕES

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A BIBLIOGRAFIA

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Pavilhão espelhado no Vieux Port em Marselha (França), projeto de remodelação do escritório de Norman Foster. (foto: fosterandpartners.com)

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A INTRODUÇÃO Este trabalho considera, como ponto inicial, que as remodelações urbanas são ferramentas que domesticam territórios fora da lógica de [re]produção de espaço capitalista, e não um meio de melhorias socioambientais para uma população em vulnerabilidade socioeconômica como sempre é falado. A produção do espaço urbano, que por vezes ignora seus aspectos informais, gera conflitos entre o cotidiano informal dos corpos que habitam este espaço. A informalidade como meio de resistir à produção – e reprodução – de espaços formais, de espaços espetacularizados. E, perante a isto, quais seriam o papel e o limite da arquitetura. A água, elemento presente na maioria das cidades do sudeste brasileiro, é neste trabalho objeto de interesse pelo seu caráter dialético no percurso histórico das cidades. Ela foi razão para a fundação das cidades mais antigas devido à necessidade de abastecimento, e com o crescer das cidades passa a ser ignorado e ser fundo para, hoje, terem a devida atenção com intuitos de privilegiar o local e, consequentemente, gentrificá-lo. As nascentes serão reveladas à população em intervenções que possibilitem usos lúdicos e propositivos de espaços públicos, servindo como resistência aos processos especulativos presentes nas cidades atualmente.

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Cruzamento da Rua da Consolação, Avenida Rebouças e Avenida Paulista, em São Paulo, em horário de pico de trânsito. (fotomontagem própria)

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AS INQUIETAÇÕES INICIAIS A sociedade do consumo, do espetáculo e da individualidade faz de cada pessoa um individuo: um ser não-coletivo. Não interessa mais experiências em que se propõe sem esperar lucro material ou imaterial. O indivíduo-espectador é passivo em todas as ações e espera que a cidade esteja a sua volta dando-lhe o esperado. Shoppings estão sempre cheios como se fossem catedrais do consumo, com o grande altar da praça de alimentação, as pequenas capelas do consumo em vitrines de lojas e sua arquitetura cada vez mais bela por dentro e fortalecida ao seu redor para proteger este santo espaço do consumo. Por fora há o perigo, o desconhecido e o marginal que são cada vez mais excluídos devido à ameaça gerada. Segregamse os já excluídos e intensifica-se a segregação já presente em nossa sociedade. O medo das ruas, o medo do coletivo, o medo de propor sem lucrar ou o puro e simples medo leva as pessoas a viverem em seus feudos de uma única pessoa. Reclamamos em alto e bom tom nas redes sociais – praças e espaços públicos do século XXI – nosso isolamento e nossa solidão, mas ao mesmo tempo preferimos o entretenimento pronto para consumo em sites como NetFlix. Quer-se o luxo, a segurança e a moda, mas não há nenhuma busca. Vêem-se catálogos e escolhe-se o que comprar para ter seu status colocado em uma selfie nas redes sociais. A cidade não é mais um lugar aprazível, mas apenas uma floresta cheia de perigos que devem ser segregados e jogados o mais longe possível das fortalezas dos feudos que frequentamos. Mesmo assim, há espaços onde a lógica individual – ou

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individualista – ainda não possui tamanha força. Um reduto que, por ser excluída da lógica vigente, cria outra lógica: uma que se possa usufruir sem pagar nenhum ônus. Espaço onde se constrói coletivamente uma rede social vinculada a algo físico e real, espaço onde as relações sociais constroem-se mutuamente e dela usufruem à sua maneira, coletivamente, intuitivamente, espontaneamente e até mesmo improvisada. Mas para estes espaços ainda faltam infraestruturas de vital importância às pessoas, infraestruturas que nominam os espaços da cidade em Formal e Informal. Infraestruturas que, implantadas nesses espaços de necessária resistência, os tornam vinculados à lógica individual, espetacular e consumista. A lógica que

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exclui é a mesma que se impõe ao excluído como única saída à exclusão. Não há escapatórias. Resistir é preciso!

Igreja Nossa Senhora da Aparecida, a “Igreja Matriz” de Votuporanga SP. (fotomontagem própria)

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Escadarias do Mercado Municipal de Manaus - AM. (fotomontagem prรณpria)

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O COTIDIANO DOMESTICADO Os processos de domesticação aqui podem ser chamados de espetacularização urbana, onde espaços da cidade tornam-se homogêneos e controlados, as ações dos habitantes do local são cada vez mais passivas – tanto é que se chamam de usuários aqueles que usam este novo tipo de espaço – e o consumo vêm a ser regra dominante no local de uso controlado. Ou seja, a lógica dos shoppings centers passa a ser comum nos espaços livres das cidades. Os corpos habitantes das cidades tornam-se homogêneos e sem vontades próprias. Elementos das cidades ganham holofotes de modo a vendê-la, tornando-a um produto ao comércio global, como uma empresa que busca avidamente lucro. De resto, a cidade é cada vez mais genérica, com espaços cada vez mais estéreis e comuns, repetidos ao redor do globo como parâmetros de comparação para qualificar cidades em rankings. Em meio a isto, os corpos tornam-se manequins, sem rostos, sem vontades, sem vida, sem HH registradas em si mesmo. O espetáculo – que cada vez mais está presente nas cidades e seus espaços públicos e, para além, nos projetos de remodelações desses espaços – retira de cada ser habitante dos espaços da cidade o poder de participar ativamente de sua construção. A visão domina todos os demais sentidos do corpo de modo a torná-lo cada vez mais passivo quanto às proposições de uso, de modificação, de intervenções, ou seja, de construção dos espaços vivenciados e experienciados. Os corpos que ainda resistem à dominação do espetáculo passam então a serem domesticados através de seus espaços para, então, adentrarem à lógica hegemônica vigente e obedecerem às vontades do Capital e

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daqueles que o gerenciam. Perde-se a compreensão de ser coletivo e de ser político para o desfruto dos prazeres do turismo e da aventura que a cidade pode oferecer. Cada novo elemento inserido em seu contexto faz dela um evento inédito que atrai pessoas de todos os cantos para ali também participarem. O ato de domesticar é o próprio espetáculo. De tão consolidado esse processo de espetacularização, muitos de seus efeitos acabam por tornar-se a própria lógica organizativa da dinâmica urbana, atuando de modo estrutural e não mais apenas contingente, na medida em que desvinculamse de sua justificativa contextual para generalizarem-se como um padrão lógico de pensamento e comportamento. (BRITTO, 2015:49-50)

Podemos ver que o consumo e a comunicação em tempo real são modos de controle desta sociedade. Consumo e Espetáculo se confundem e nos seduzem, fazendonos meros espectadores obedientes ao Capital, sendo todos homogêneos e iguais. A cidade, antes palco das relações humanas, hoje se torna um mero entremeio, um caminho, local de fluxo ou um mapa das infraestruturas viárias que conectam os espaços onde a sociedade consome os produtos a ela veiculados pelo marketing e criam este espetáculo que é o sair às ruas para deslocar-se. Esse processo de homogeneização dos corpos e das cidades, enquanto expressão do atual modo de produção se caracteriza por duas palavras de ordem: consumo e espetáculo. Ambas, em sua dimensão exponencial, o marketing e a espetacularização da vida constituem, hoje, a instrumentalidade

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fundamental do controle social. Entretanto essas duas palavras são indissociáveis, pois o consumo passou a ser espetáculo e o espetáculo, consumo. De um lado, basta considerar o infinito universo de produtos veiculado pela mídia em sua dimensão publicitária de intermitente propaganda, martelando cotidianamente nossos cérebros objetivados, estimulando-os e seduzindo-os, através de multiplicidade de dispositivos e artifícios que conduzem ao marketing, o qual, por sua vez, é espetacularizado e o espetáculo, um inevitável consumo. (MAGNAVITA in BRITTO;JACQUES , 2015:29)

As cidades são palcos do que se faz necessário à sua venda, à produção de lucro, e cada elemento existe para este espetáculo. Cada uso cotidiano se coloca como prática segregadora e despolitizante para a sociedade, para os habitantes da cidade. Objetos e produtos não são para ser duráveis, mas sim descartáveis de modo à nunca interromper a produção, o consumo e a troca de produtos. Os espaços da cidade tomam esta lógica da efemeridade para si e faz das remodelações urbanas uma necessidade para especular e revender o mesmo espaço a outras (e a cada vez mais) pessoas. Locais que antes nunca tiveram os olhares sobre si agora o possuem e de modo a retirar deles lucro, olhos que veem detalhes que possam ser exaltados e revendidos agradavelmente à população – e até mesmo à própria população local. O tempo entra num ritmo frenético e veloz, a vida torna-se a janela de um trem de alta-velocidade onde o que se vê são vultos da paisagem em movimento, ou melhor, os vultos da paisagem por onde se movimentou o trem. Sentado, passivamente, espera-se algo que

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chame atenção, uma novidade que delicie os olhos. E um novo produto nos é apresentado, mas como uma cachoeira vista do trem, ela rapidamente passa e outra novidade virá para deliciar-nos. A noção de tempo real faz parte do discurso contemporâneo a propósito da velocidade e da aceleração de nossa época. Isso tem a ver também com a evolução das telecomunicações e da informática, a televisão, a inteligência artificial, o hipertexto, a interação globalizada, a transmissão das informações imediatas, a internet etc. Estamos na idade da simultaneidade, do acontecimento imediato. O tempo, sendo ínfimo e não podendo mais ser percebido, a sensação de espaço percorrido não existe mais, e a velocidade pode ser considerada “transcendental”. Não há mais percurso, distâncias a vencer. A velocidade dilata o tempo no instante em que ela estreita o espaço. (JACQUES, 2007:49)

Através das tecnologias de informação cada vez mais avançadas, as relações colocam-se de modo a não terem vínculos duradouros, pois ele passará com tamanha velocidade que não se faz necessário criar raízes ou vínculos, pois o novo virá do mesmo modo que o velho se foi: instantaneamente. Participação e atuação, proposição e criação, ações estas pouco são realizadas na vida, de modo a torná-la uma peça teatral da qual não temos poder, somos inertes à passividade imposta a nós, e o espetáculo continua, cada vez mais efêmero, cada vez mais surpreendente e chocante em sua instantaneidade. Parece, a efemeridade, uma

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À esquerda: Fotomontagens da Nova Babilônia, projeto urbano do situacionista holandês Constant Nieuwenhuys. (fonte: dismantlingarchitecture.wordpress.com)


Acima: O aplicativo do Google Maps que também pode ser um jogo Pac Man em qualquer cidade do mundo bastando selecionar a opção. (fonte: Google Maps) À direita: Jan Vormann. Dispatchwork. 2007. (fonte: o-que-vem-a-rede.blogspot.com.br)

causa – ou mesmo consequência – da rapidez com que a vida torna-se tediosa, o quotidiano nos é dado e nele ficamos, cada vez mais entediados e cada vez mais mecânicos nela e para ela. A dimensão pública vai perdendo cada vez mais sua dimensão política de contrato social e acaba reduzindo-se à administração do trânsito, da rede de água e de esgoto, etc. Na verdade, o espaço público vai diminuindo ao ser capturado e privatizado, restando apenas e tão somente aquele necessário para a circulação de mercadorias, inclusive de mercadorias humanas; esvazia-se a dimensão coletiva e o uso multifuncional do espaço público, da rua, do lugar de ficar, de encontro, de prazer, de lazer, de festa, de circo, de espetáculo, de venda. Assim, funções que recheavam o espaço público e lhe davam vida migraram para dentro de áreas privadas, tornando-se, em grande parte, um espaço de circulação. (ROLNIK, 2000:04)

Cada uso cotidiano se coloca como prática segregadora e despolitizante para a sociedade, para os habitantes da cidade. O ato de comprar suprimentos para o lar – sejam produtos de limpeza para o mês, sejam ingredientes para o jantar com amigos – torna-se não apenas um espetáculo, mas uma saga onde nosso cavalo alado em sua armadura metálica irá enfrentar o terrível mar de engarrafamentos até chegar à grande ágora do século XXI para enfim realizar o ato de

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comprar, em meio às propagandas sedutoras que nos deliciam os olhos e abrem nosso apetite consumista. O indivíduo solitário retorna a ligar os motores de seu cavalo contemporâneo para retornar ao lar, e a saga se repete até que esteja novamente no refúgio de seu lar. Nossos corpos, nossos seres, nossos habitats, nossas relações, enfim, tudo e todo o que de nós emana e flui que forma a sociedade relaciona-se como atores aos mandos de um único diretor: o Capital. Porém há aqueles marginais, “delinquentes” que estão fora desta lógica e a ela criam resistências que, neste trabalho, procura fazer exalar de seus epicentros para toda a Cidade do Consumo Espetacular.

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Largo da Batata, São Paulo, Brasil. (fonte: Google Maps)

Usar o corpo nos espaços da cidade é um modo de resistir a esta espetacularização da cidade e da vida cotidiana inserida nela. Cada corpo registra em si as experiências, e através delas propõem-se novas maneiras de relacionar-se com estes espaços, diversificam-se as relações em meio ao trânsito e compartilhamento de corpografias de cada pessoa que, através destes atos, constroem-se novos espaços. Fazêlo é resistir à passividade excludente do espetáculo. A corpografia registrada em cada corpo habitante das cidades pode ser um modo de reflexão e, em seu limite


– ou mesmo em seu partido – um modo de (re)projetar cidades. Uma corpografia urbana é um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta. (JACQUES, 2008)

A deriva e a criação de situações – jogos situacionistas – colocam-se contra a espetacularização da vida cotidiana, já presente nos anos 1960. Derivar – ou em outros termos, os atos errantes nos espaços urbanos – é um modo de ser ativo nos espaços urbanos, de ser propositivo em meio ao cotidiano rígido. Criar situações e por eles ser errante é um modo de cartografar estas experiências no corpo.

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Paraisópolis, São Paulo, Brasil. (fonte: Google Maps)

Llacuna del Poblenou, Barcelona, Espanha. (fonte: Google Maps)

Os praticantes ordinários das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo, através da prática, vivência ou experiência dos espaços urbanos. Os urbanistas indicam usos possíveis para o espaço projetado, mas são aqueles que o experimentam no cotidiano que os atualizam. São as apropriações e improvisações dos espaços que legitimam ou não aquilo que foi


projetado, ou seja, são essas experiências do espaço pelos habitantes, passantes ou errantes que reinventam esses espaços no seu cotidiano. Para os errantes – praticantes voluntários de errâncias – são sobretudo as vivências e ações que contam, as apropriações feitas a posteriori, com seus desvios e atalhos, e estas não precisam necessariamente ser vistas (como ocorre com a imagem ou cenário espetacular), mas sim experimentadas, com os outros sentidos corporais. Os praticantes da cidade, como os errantes, realmente experimentam os espaços quando os percorrem e, assim, lhe dão “corpo” pela simples ação de percorrêlos. Estes partem do princípio de que uma experiência corporal, sensório-motora, não pode ser reduzida a um simples espetáculo, uma simples imagem ou um logotipo. Ou seja, para eles a cidade deixa de ser um simples cenário no momento em que ela é vivida. E mais do que isso, no momento em que a cidade – o corpo urbano – é experimentada, esta também se inscreve como ação perceptiva e, dessa forma, sobrevive e resiste no corpo de quem a pratica. (JACQUES, 2008)

O caminhar vai além do ser apenas um meio de locomoção, faz parte do percurso, indissociáveis a partir do momento que se cria situações deles, inclusive os errantes resignificam a paisagem através do percurso e do caminhar e tornam-no labirinto. O caminhar, sendo ele errático, é um meio de resistência à espetacularização contemporânea das cidades. A verdadeira cidade vivida por todos ainda está viva nos corpos errantes que ali vivem nos espaços de resistência, nos espaços excluídos, nos espaços ainda não espetacularizados.

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Reurbanização da orla do lago Propocany. RS+ Architects. Tychy (Polônia), 2014. (fonte: archdaily.com.br)

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Igreja Nossa Senhora de Aparecida (Igreja Matriz) e Praรงa Fernando Costa, onde estรฃo a fonte e o monumento aos fundadores. (foto prรณpria)

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A CIDADE DAS BRISAS SUAVES A partir do tupi-guarani, votu (“vento”) e poranga (“bonito”). O termo foi repassado, através dos anos pela sua população, como “brisas suaves” e não “vento bonito”. Votuporanga, cidade fundada em 8 de agosto de 1937 no noroeste paulista a partir do desmembramento de uma fazenda de café falida com a crise de 1929. Hoje, cidade-pólo da microrregião onde se encontra, com presença de indústrias de movelaria e carroceria de caminhões, possui um centro universitário que é reconhecido na mesorregião. Sua principal praça, onde a cidade foi fundada, está no divisor de águas dos córregos Boa Vista e Marinheirinho. A cidade, segundo o CENSO 2010 do IBGE, possui 84.692 habitantes – com estimativas de 92.032 para o ano de 2016 – dentre os quais 82.319 pessoas (97,2% da população) vivem na área urbana. O município abrange uma área total de 421,69 km² cujos 40,6 km² estão dentro do perímetro urbano – o que faz a área urbanizada do município possuir uma densidade populacional média de 202,75 hab./ha. Com a chegada da Ferrovia Araraquarense na década de 1940, o município e seu Patrimônio Velho – nome dado ao loteamento fundador da cidade – expande sua malha urbana ao sul ao prolongar suas ruas – bairro então chamado Patrimônio Novo – e ao implantar projetos urbanísticos vindos do escritório de Prestes Maia – o bairro Cidade Nova e Estação. A partir da década de 1970, com a instalação do primeiro distrito industrial na zona norte, a cidade passa a expandirse rapidamente para as proximidades das indústrias. O triângulo formado pela estrada de ferro e as duas rodovias que cortam o município deixam de serem

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Década de

1930

Década de

1940

Década de 26

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limites da expansão urbana no final da década de 1970, quando ao norte da rodovia nasce o primeiro loteamento popular, financiado pelo BNH: o bairro Pozzobon. Desde então, há um adensamento de comércios e serviços no centro, unido com o adensamento populacional de suas periferias, sobretudo ao norte e a sudeste. Os distritos industriais saturam-se, criando novos distritos – hoje o município conta com seis distritos industriais e de serviços. Na última década, os bairros não-centrais passam a diversificar os usos, tornandose predominantemente residenciais, com comércios e serviços locais, e a zona norte passa a ser mais independente do centro da cidade com a implantação de bancos, hospitais e supermercados. Entretanto, nos últimos cinco anos, a cidade passa a deslocar alguns usos do centro da cidade para a zona leste, então em expansão de classes média: espaços culturais como teatro, museu municipal e biblioteca seguem para novos edifícios próximos às lagoas do córrego Marinheirinho; a prefeitura passa a construir um novo edifício para ela e suas secretarias em novo loteamento a leste, ao lado do futuro shopping center; o estádio municipal é demolido para dar lugar a um supermercado, transferindo-se para leste; em inúmeros lotes vazios nesta região são construídos

Nova Concha Acústica e sua cobertura e iluminação recentes. (fonte flickr.com/photos/prefvotuporanga)

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Década de

1960

Década de

1970

Década de 28

1980


restaurantes, bares, clínicas médico-estéticas, academias, faculdades, residências coletivas, parque da cidade e espaços de lazer. Junto aos deslocamentos, o centro recebe atenção especial. A principal rua da cidade – a Rua Amazonas – é a zona de principal comércio da cidade, reunindo inúmeras lojas de departamento, supermercado, bancos e lojas populares. Em 2009 foi aprovada uma renovação

Rua Amazonas - rua de comércio popular - nas noites de dezembro, quando o comércio fica aberto até as 22h. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)

Rua Amazonas - rua de comércio popular - e suas palmeiras e bancos pós -remodelação. Ao fundo vê-se a Igreja Matriz. (foto própria)

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Década de

1990

Década de

2000

Desde 30

2010


no trecho central desta rua aos moldes da Nova Oscar Freire (São Paulo) e desde então seu caráter não mudou muito, mas instituições municipais passaram a sair de suas proximidades para transferirem-se à zona leste da cidade. Implanta-se um Poupatempo no antigo Mercado Municipal; o anfiteatro municipal recebe uma cobertura à la Calatrava, os novos lotes vazios recebem torres residenciais visando as classes de alta renda de Votuporanga.

Residências demolidas no centro de Votuporanga. (foto própria)

Novo empreendimento imobiliário terreno que sempre esteve vago no centro da cidade. (foto própria)

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LEGENDA novos espaรงos deslocamentos terrains vagues


Edifício do Mercado Municipal. Parte dele ainda é usado para comércio e outra recebe o Poupatempo, enquanto uma terceira parte continua sem uso. (foto própria)

Poupatempo, terrain vague e novo empreendimento ao fundo. (foto própria)

Terreno de construção do shopping center, que agora anuncia o futuro Ibis Hotel. (foto própria)

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Os processos de especulação de terras e deslocamento do centro tem início nesta cidade do interior paulista. Procura-se resistir aos processos de espetacularização – no sentido de manter o original e não de ir contra algo – desde o início destes. A cidade pode ter seu processo invertido, sendo o cotidiano e o ócio programas a serem adensados ao invés de uma passividade dos corpos ao usar a cidade, exaltando um elemento ignorado desta cidade, um elemento que antes informal pode vir a ser qualificado sem ser especulado.

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Praças e parques de Votuporanga. (fonte: CUCATO, 2015)


Parque da Cultura visto a partir do sudeste. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)

Parque da Cultura à noite. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)

Aos fins de tarde a população vai até o Parque da Cultura para praticar esportes como a caminhada. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)

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A cidade de Votuporanga vista pelo satelite. Estão destacados a mancha urbana, as rodovias (linha negra), a linha férrea (linha cinza) e os córregos Marinheirinho (a leste) e Boa Vista (à oeste).

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MARINHEIRINHO E BOA VISTA O córrego do Marinheirinho, a leste do centro da cidade, é o principal corpo d’água da microrregião, desaguando no rio Grande, na divisa dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Este córrego nasce na borda sudeste da mancha urbana logo adentrando na cidade e recebendo represamento, tanto para um clube privado quanto para parque público e represa de abastecimento, então o córrego percorre as bordas leste e norte da cidade e segue em direção noroeste após unir-se ao córrego Boa Vista. A zona leste da cidade caracterizase por uma população de classe médio-baixa e baixa, com pequena presença de comércios e serviços que, de certa maneira, já é expressiva. Nos últimos cinco anos, através da implantação do Parque da Cultura (antigo Centro de Lazer do Trabalhador) e de um Centro Cultural, a região passa a atrair os olhares da cidade, recebendo vários bares e restaurantes nas bordas do parque, uma grande movimentação aos fins de tarde e fins de semana e a transferência de alguns equipamentos municipais (como biblioteca e teatro municipais). Porém ainda há enormes vazios ao seu redor, que são paulatinamente ocupados por usos como academias, restaurantes e bares que atraem público cada vez maior. Marinheirinho foi um córrego ignorado por muitos anos em Votuporanga, tal qual ainda é o córrego Boa Vista, na borda oeste da cidade. Sua nascente está em meio aos bairros ao sul da cidade, próximo à Estação Ferroviária, onde hoje habita a população mais carente da cidade e que foi a primeira expansão da cidade, projeto do escritório de Prestes Maia. O córrego atravessa o miolo de quadras que antes tinham favelas e hoje é canalizado com uma calçada margeando-a, até cruzar a principal avenida da região,

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Lagoa existente nos fundos do Assary onde a pesca e banho são comuns.

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Avenida João Gonçalves Leite. Assary Clube de Campo à direita e Parque da Cultura à esquerda.

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Centro de Informações Culturais e Turísticas em meio à lagoa do Parque da Cultura

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Margem leste da represa de abastecimento no bairro São Cosme. Vê-se a chegada dos afluentes à represa.

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Margem oeste da represa de abastecimento em trecho que teve urbanização após o ano 2010.


onde hoje há um parque – feito apenas de gramados com calçada e banco em suas bordas. O córrego, então sai da malha urbana para margeá-la num percurso entre os bairros novos e tradicionais e a rodovia, recebendo alguns outros afluentes, até atravessar a rodovia e passar a margear os distritos industriais, seguindo ao norte até encontrar o Marinheirinho ao noroeste do município.

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4 3 2 1 Trecho urbano do córrego do Marinheirinho. A sequencia de lagos (do sul ao norte) são do Assary Clube de Campo (privado), do Parque da Cultura e da represa de abastecimento.

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Nascente de um afluente do córrego Boa Vista.

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Canalização do Boa Vista onde antes havia uma favela.

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Trecho canalizado do córrego Boa Vista com criação de passeio paralelo ao curso d’água.

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Parque do Boa Vista onde há apenas o córrego canalizado e luminárias em meio ao gramado.

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Córrego do Boa Vista, sob a Avenida República do Líbano, em seu trecho final dentro mancha urbana


Ambos córregos possuem afluentes que nascem dentro da malha urbana, algumas próximas ao Patrimônio Velho e outras na zona norte da cidade – em bairros ainda mais novos e ao norte do Pozzobon. Os afluentes que vêm do centro estão canalizados e tamponados sob avenidas de fundo de vale, enquanto os da zona norte receberam atenção nos últimos anos devido à erosão existente nas proximidades.

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Nascente e trecho urbano do córrego do Boa Vista, no sudoeste da cidade. O bairro de projeto do escritório de Prestes Maia, que foi uma das primeiras expansões da cidade afim de alcançar a linha férrea, hoje é um dos mais carentes de Votuporanga.

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Represamento próximo à nascente de um afluente do Marinheirinho. É uma chácara presente no limite da mancha urbana.

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Nascente de um afluente que recebeu replantio em sua área de APP.

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Trecho canalizado do afluente. As árvores são de replantio.

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Canalização do córrego no Parque Santa Amélia.


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3 2 4 O bairro de Santa AmĂŠlia, na zona norte, possui um dos afluentes do cĂłrrego do Marinheirinho. O trecho de parque foi criado nos anos 2000 com intuito de conter a erosĂŁo existente no local.

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Votuporanga vista desde o leste. Em primeiro plano as lagoas do córrego do Marinheirinho, estando à esquerda o Assary Clube de Campo e à direita o Parque da Cultura (ainda em construção). (fonte: www.flickr. com/photos/prefvotuporanga)

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A CIDADE E A ÁGUA A água, elemento presente nas cidades brasileiras, possui uma relação dialética com as cidades em seu percurso histórico. As primeiras vilas fundadas pelos portugueses em território americano foram no alto de colinas próximas a cursos de água, de modo a se proteger com uma vista privilegiada do entorno e obter abastecimento de modo rápido e simples. Com o crescimento acelerado das cidades no século XX, os corpos d´água começam a ser empecilho ao desenvolvimento das cidades, e inúmeras soluções surgem de modo a controlar estas águas. Córregos, rios e riachos passam a ser ignorados e tornam-se fundo para as cidades: são canalizados, tamponados e escondidos ao receberem o progresso em arranhacéus e avenidas de alto fluxo. Das metrópoles, estas soluções passam a ser realidade também das demais cidades brasileiras. Os córregos, nas bordas de Votuporanga, sempre foram esquecidos pela cidade, que do alto da pequena colina cresceu ao sul para encontro da ferrovia e depois ao norte para privilegiar sua indústria recém-criada. Regiões próximas ao centro da cidade onde estão as águas demoram a ser urbanizadas, e quando o são, copiam os modelos vigentes nas metrópoles: surgem as avenidas de Votuporanga. Os anos passam e demais ruas ganham pavimentação, casas recebem muros maiores e com mais elementos visando à segurança, o solo é impermeabilizado sem controle, e as chuvas começam a causar incomodo com suas enxurradas e enchentes. Os rios voltam a ser problema e novas soluções são testadas para, de certo modo, escondê-los ainda mais. Obras e mais obras infraestruturais são implantados nestes locais: galerias pluviais maiores e reservatórios

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5 Principais presenças de água em Votuporanga. LEGENDA piscina fonte/chafariz torre d’água enchente erosão espaço oficial uso espontâneo

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subterrâneos se colocam sob as ruas. Nascentes e afluentes permanecem escondidos sob as avenidas, enquanto suas proximidades recebem as infraestruturas necessárias. Os córregos continuam esquecidos pela cidade, mesmo que algumas pessoas os utilizem para seu pequeno momento de banho ou de pesca. Hoje, ao expandir para leste e norte, a cidade aproxima-se das águas, fazendo delas um elemento norteador da especulação destes novos espaços da cidade. Parques são criados e os córregos que por neles passam são canalizados para guiar o curso da água, do mesmo modo que instalam-se equipamentos para guiar o lazer das pessoas que ali frequentam. Nos últimos anos, estas mesmas águas escondidas, após tantos problemas gerados, passam a ter devida atenção com intuitos de privilegiar o local. Os corpos d´água não são mais vistos como problemas, mas como solução para vários problemas urbanos. Transformamse em parques, recebem bancos e passarelas, tem suas margens reflorestadas e tornam-se espaços de fruição. Em Votuporanga, as águas escondidas continuam debaixo de avenidas e ruas enquanto as águas ignoradas recebem diferentes modos de atenção conforme seu lugar na cidade: o Parque da Cultura a leste recebe centro cultural e diversos usos ao seu redor, seu desenho, mesmo que pouco detalhado, é rico em diversidade; o Parque Santa Amélia e o Parque Boa Vista recebem desenho pouco detalhado e pouco diverso, enquanto a represa de abastecimento é apenas chamariz de atenção para novos empreendimentos imobiliários, sem receber nenhum tipo de desenho. O Parque da Cultura usa de suas águas como atração principal de suas intenções. Em meio a suas lagoas foi construído um centro cultural que recebeu o acervo da biblioteca municipal e do museu da cidade – estes antes no centro da cidade – junto com a criação de ateliês de arte, espaço para apresentações e cursos vinculados à arte e cultura. Ao seu redor há academias a céu-aberto, brinquedos infantis, quadras de areia, anfiteatro ao ar livre e a única ciclovia da cidade. Suas águas represadas não podem ser tocadas.

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Aos fins de tarde e finais de semana os corpos dos habitantes de Votuporanga vão até o parque para usufruir de seus equipamentos. Todos os dias, ao amanhecer e ao entardecer, várias pessoas caminham ao seu redor, criando um alto fluxo de corpos circundantes ao parque. Em suas proximidades, vários bares e restaurantes novos usam do parque para atrair clientes.

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Chafariz da Praça da Matriz. (foto própria)

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Chafariz da Praça São Bento. (fonte: www.flickr.com/photos/ prefvotuporanga)


Locais que antes nunca tiveram os olhares sobre si agora o possuem e de modo a retirar deles lucro, olhos que veem detalhes que possam ser exaltados e revendidos agradavelmente à população – e até mesmo à própria população local. Este parque, segundo os jornais locais, é “uma das melhores opções de lazer e acesso à cultura da região” (A Cidade, agosto 2016).

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Torre d’água da SAEV vista a partir da UNIFEV. (foto própria)

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Torre d’água da SAEV vista a partir da Santa Luzia. (foto própria)

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Poço profundo da zona sul. (fonte: saev.com.br)

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Praça da Matriz. (foto própria)

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Represa de abastecimento no córrego do Marinheirinho, a leste da cidade. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)

Praça Octaviano Nogueira. (foto própria)

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Poço profundo da zona norte. (fonte: saev.com.br)

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Parque Santa Amélia. (foto própria)

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Praça do “Tobogã”. (foto própria)

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Estação de Tratamento, no centro de Votuporanga. (foto própria)


Fonte comemorativa para a Princesa Diana de Gales. Gustafson Porter + Bowman. Londres, 2004. (fonte: www.archdaily.com.br)

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A ÁGUA E O ÓCIO Procura-se resistir aos processos de espetacularização – no sentido de manter o original e não de ir contra algo – desde o início destes. Para tanto, este trabalho escolhe uma cidade do interior paulista onde se vê elementos iniciais deste processo: instituições municipais saem do centro e deslocam-se para bairros afastados onde já começam obras para construção de infraestruturas como parque, centro cultural e shopping center, vazios urbanos deixados no centro recebem enormes edifícios residenciais de alto padrão, e os vazios nos bairros especulados recebem usos diversos que atraem cada vez mais pessoas. Usar o corpo nos espaços da cidade é um modo de resistir a esta espetacularização da cidade e da vida cotidiana inserida nela. Cada corpo registra em si as experiências, e através delas propõem-se novas maneiras de relacionar-se com estes espaços, diversificam-se as relações em meio ao trânsito e compartilhamento de corpografias de cada pessoa que, através destes atos, constroem-se novos espaços. Fazêlo é resistir à passividade excludente do espetáculo. A corpografia registrada em cada corpo habitante das cidades pode ser um modo de reflexão e, em seu limite – ou mesmo em seu partido – um modo de (re)projetar cidades. Destacar e revelar as nascentes que existem em Votuporanga é um modo de criar pequenos espaços de resistência, onde o tempo pode desacelerar de modo a permitir que estes corpos entrem em contato com a água neste tempo lento. Molhar os pés, encher garrafas ou moringas, sentir a brisa úmida num dia seco ou quente, espreguiçar-se ao som de correntezas, banhar-se em cascatas, relaxar ao som das águas.

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Greenwood Pond. Mary Miss. Des Moines, Iowa (EUA), 1996. (fonte: marymiss.com)

Ankarparken. Stig Andersson. Malmö (Suécia), 2001. (fonte: sla.dk/en/ projects/ankarparken)

Place des Terreaux. Ch Daniel Buren. Lyon (Fr danielburen.com)

Perceber e reconhecer estes espaços pela cidade e completá-los na memória física – a corpografia – vem a ser um novo modo de sentir a cidade e reconhecer que em seu território de onde vem e para onde vão as águas que dela emergem. Pulverizar o lazer ainda vinculado em determinadas regiões da cidade. Partindo destes elementos, espaços e processos, propõe-se elevar a água de especulador à resistência, fazendo dela elemento norteador de intervenções na cidade que procuram fomentar o uso dos espaços de modo ativo, de ser um incentivador de eventos cotidianos e denominador-comum de diferenças ao mediar conflitos existentes. A água e os espaços que ela se fará presente deixarão de ser apenas locais de infiltrar e escoar, mas também de jogar, olhar, brincar, sentar, dançar, mover, conversar, ser visto, produzir, compartilhar, parar, enfim, toda uma gama de ações que sejam imprevistas e propostas no momento do ato, sem predeterminação ou imposição.

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As intervenções serão divididas em três camadas: a primeira serão as nascentes que serão reveladas à cidade de modo a unir através da materialidade


hristien Drevet e Rainer Schmidt. Killesberg Park. Stuttgart Tanner Fountain. Peter Walker. Harvard rança), 1996. (fonte: (Alemanha), 2013. (fonte: rainerschmidt. University (EUA), 1984. (fonte: asla.org/ com) awards/2008/08winners)

e o jorrar desta água que nasce; a segunda são os espaços já oficiais do município onde as águas estão presentes – sejam piscina ou reservatório para abastecimento – e que passarão a ser acessado pelos cidadãos de modo livre e desimpedido; a terceira será a qualificação de cada espaço já utilizado pelos corpos que procuram se refrescar, passar o tempo ou se divertir em atividades como banhos e pesca. Unindo estes espaços haverá toda uma rede de ruas com biovaletas drenantes onde as águas das chuvas serão levadas às partes baixas da cidade e, então, encaminhadas de modo lento e progressivo aos corpos hídricos do município. O projeto de Bernard Tschumi para o Parc de la Villette em Paris e a instalação Hídrica: Episódios de Nydia Negromonte exposto na XXX Bienal de Artes de São Paulo possuem elementos e conceitos importantes para os prosseguimentos deste trabalho: elementos que se repetem de modo igual ao mesmo tempo que permite apropriações diversas através do jogo de elementos que muda a cada repetição unido ao sistema único que evidencia uma rede invisível e seu funcionamento.

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Waterfall. Olafur Eliasson. Versalhes (França), 2016. Parc de la Villette. Bernard Tschumi. Paris 19eme (fonte: olafureliasson.net) (França), 1998. (fonte: www.tschumi.com/projects/3/)

Olafur Eliasson e seus trabalhos com água também são referencias para este projeto. Em Waterfall, realizado na lagoa de desenho racional de Versalhes, o artista propõe uma cachoeira que cria um ponto focal na perspectiva entre o palácio e a lagoa. A represa que cria a lagoa de Versalhes é elemento onde a água cria um plano horizontal estático que a cachoeira quebra ao introduzir não apenas a água na vertical, mas também som e movimento à esta água da lagoa, tornando-a dinâmica. Em outro trabalho instalado numa galeria dinamarquesa, Olafur Eliasson realiza um tratamento topográfico com pedras em seu interior a fim de abrigar um córrego. Riverbed cria uma interação entre as salas de exposição desta galeria junto com o que parece ser uma paisagem transportada para um espaço interno/fechado. As nascentes de cada afluente dos córregos de Votuporanga serão demarcadas de modo a se apresentarem como espaço de interação cidade-água, corpo-água e corpo-cidade. Locais onde a água já se faz presente serão repensados de modo a permitir que os corpos dos cidadãos usufruam destas águas. Espaços ainda ignorados pela cidade que tem seu uso frequente no lazer e ócio terão atenção de modo a qualificar o uso corrente e demais usos possíveis.

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Hídrica: Episódios. Nydia Negromonte. Instalação realizada no Museu de Arte da Pampulha e na XXX Bienal de Artes de São Paulo, 2012. (fonte: otempo. com.br/diversão/magazine/memórias-fluxos-e-ciclos)

Riverbed. Olafur Eliasson. Humlebæk (Dinamarca), 2014. (fonte: olafureliasson.net)

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Rede de ruas com valetas drenantes e locais de intervenção. INTERVENÇÕES revelando as nascentes água como lazer e ócio qualificação de espaços subutilizados

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AS FUTURAS PRETENSÕES A zona norte da cidade, por conter um adensamento da população e das camadas deste trabalho, será o foco de projeto para a sequência deste Trabalho de Graduação Integrado. Captação de águas profundas, piscinas municipais, três nascentes e um parque criado para deter os processos erosivos de um córrego serão os principais espaços a serem repensados a partir das chaves deste trabalho. Praias e piscinas farão parte de um jogo urbano onde os corpos poderão parar suas atividades e interagir com a água acumulada nestes locais. Cachoeiras e névoas aguçarão os sentidos dos corpos que poderão entrar em reflexão consigo mesmos ou admirar a beleza que diferentes formas de água podem tomar. Valetas drenantes e reservatórios vinculados à espaços de lazer e esporte serão espaços pedagógicos aos cidadãos fazendo-os entender que a natureza e os corpos d´água possuem seus fluxos e narrativas através do tempo. Aquedutos e fontes transportam as águas e colocarão os corpos numa outra escala perante ao espaço vivenciado e também ao relacionarem-se de maneira biológica.

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Real Gabinete PortuguĂŞs de Leitura. Rio de Janeiro. (fotomontagem prĂłpria)

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