A ESTRUTURA COMO ESCULTURA o pilar em vilanova artigas
Gabriel Alves Tunes Luis Espallargas Gimenez orientador
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S達o Carlos Julho de 2014
2. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
GABRIEL ALVES TUNES
A Estrutura como Escultura o pilar em Vilanova Artigas
Relatório final de atividades da bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade de São Paulo. Bolsista graduando do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientador: Prof. Dr. Luis Espallargas Gimenez
São Carlos - SP Julho 2014 A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .3
4. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
AGRADECIMENTOS Além dos meus queridos pais e amigos, agradeço aos demais pela ajuda, pelas conversas e por compartilhar documentos. Aline Ayami Kobayashi Carlos Roberto Monteiro de Andrade Eliana de Azevedo Marques Felipe de Araujo Contier Guilherme Teixeira Wisnik Inna Flávia Mascarin José Samuel Giongo Joubert José Lancha Lessandro Gimenez de Carvalho Lucia Zanin Shimbo Luis Espallargas Gimenez Natália Pauletto Fragalle Nelson Kon Paulo Yassuhide Fujioka Roberto Martins Gonçalves Valeria Valente E aos demais que a memória não me ajudou a lembrar
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6. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
Sumário Introdução
09
Objetivos
13
Metodologia
15
Antecedentes e influências
17
Pilar, estrutura e concreto
25
Arte, escultura e filosofia
35
Sobre as obras selecionadas
45
Considerações finais
59
Referências bibliográficas
61
Iconografia
67
Anexo: Relatório de visita
71
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Introdução Todo edifício depende de elementos estruturais, como laje, viga, pilar e fundação, para sustentá-lo. São esses elementos resistentes os que neutralizam esforços, cargas próprias e suportadas. Fazem parte da construção e, algumas vezes, não se apresentam como tais, outras vezes constituem elementos evidentes e explorados formalmente pelos arquitetos. No final do século XIX e inicio do século XX, o projeto parece ser pensado de maneira cada vez mais racional e a forma parece obedecer à função, sem explorá-la além do necessário. A lógica estrutural passa a ser pedagógica, muitas vezes deixa evidentes encaixes ou junções, e mostra a independência entre estrutura e vedação. [...] a pesquisa de uma arquitetura prática e econômica, de volumes e linhas puras, onde os elementos decorativos fossem reduzidos ao mínimo e correspondessem a uma função, sem jamais esconder a estrutura do edifício.1
1. BRUAND, 1981, p. 64.
Busca-se a forma pura, simplificação de métodos e desenho claro que se transformem no canteiro pela técnica lógica que faz da arquitetura uma atividade objetiva, e faz pensar que a arquitetura é mais uma operação do raciocínio do que uma questão artística. Contanto, num período em que a técnica – razão construtiva – predomina, alguns arquitetos decidem fazer dos elementos estruturais, mais do que a resposta à sustentação do edifício, elementos artísticos, plásticos ou esculturais. Paradoxalmente, é nesse mesmo período que esses arquitetos voltam a considerar a técnica como um tema de estudo relevante em sua formação, aprendem como fazer a estrutura, como construí-la e, até, como calculála. A tecnologia passa a fazer parte do cotidiano do arquiteto, pois, para realizar a obra de arte é preciso conhecer a estrutura – já que, a obra de arte é uma homenagem à técnica e, especialmente, à estrutura. A tecnologia é o conjunto das técnicas que se aplica ao canteiro de obras e à indústria da construção, ou seja, é uma habilidade humana que permite fabricar, construir e utilizar instrumentos para produzir objetos de uso. Porém a técnica também pode ser entendida como um processo social, que evolui e se modifica conforme os homens progridem no decorrer da história.2 Logo, esta habilidade humana torna-se um processo social que pode levar à disputa de classes, seja por confronto direto, seja por dominação.
2. Conferir VARGAS, 1994, p.15 e MARCUSE, 1996, p. 113.
Neste estudo, o trabalho de Vilanova Artigas é o foco, não só pela compreensão de todas as partes da construção e dos detalhes de instalações que se unem a um desenho que explora o encontro entre plástica, função e estrutura, que expõe um caráter inovador, ilustrado no trato que ele tem com materiais e estrutura.3
3. Conferir GABRIEL, 2003, p. 107-8.
Em sua obra, nota-se esta preocupação artística com a sustentação do edifício.4 Os pilares indicam, assim, uma alternativa formal para o projeto, que reafirma a arquitetura no campo da arte, ao exaltar o objeto com formalismos de intenção e motivação artística, sem comprometer a realidade construtiva. Prestigia-se a técnica que atua no modo de pensar, intencionar, projetar e construir.
4. A preocupação com a sustentação do edifício não é plástica, mas sim a apresentação deste. A sustentação não é um problema artístico, em todo caso, fazer pensar que sustenta e fazer entender essa condição pode ser um problema artístico.
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5. ARTIGAS, 2004b, p. 200. 6. GIANNECCHINI, 2009, p. 63.
Eu, como engenheiro-arquiteto, ainda guardo a necessidade de sentir como a técnica contribui e pode ser pensada artisticamente para determinar as formas.5
A investigação formal que Artigas realiza – este “destaque dominante”6 – é contrária a toda a formulação funcionalista que a arquitetura do século XX preconiza: a racionalização da construção em todas as suas etapas, pela escolha do mais simples e puro. Percebe-se, então, que o pilar transcende a simples função estruturante e busca, através do desenho do arquiteto, uma exploração plástica provinda da arte. O pilar compreendido como exploração e expressão artística do desejo do arquiteto é, no título, anunciado em A Estrutura como Escultura. Escolhe-se este título, pois, além do jogo de palavras, a escultura é um modo de expressão artística. O trabalho divide-se em quatro capítulos que analisam a produção do arquiteto a partir de chaves distintas para facilitar a compreensão das hipóteses, aqui, sugeridas. O primeiro capítulo monta um histórico da obra de Artigas anterior à fase dita brutalista e busca possíveis influências que o arquiteto possa ter. O segundo capítulo sintetiza um histórico do pilar na arquitetura desde a Antiguidade Clássica até o início do século XX e, então, discute como o pilar e a tradição de ornamentá-los entra no período moderno, juntamente com toda a estrutura além de relacionar o material usado – o concreto armado – com o que virá a se discutir no terceiro capítulo. Este capítulo busca na filosofia a razão de tal exploração plástica, e como o homem, o observador, se relaciona com a estrutura tornada objeto estético. Por fim, no último capítulo, há a análise da estrutura material e da estética do pilar na obra do arquiteto a partir do dito anteriormente.
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Objetivos Este trabalho pretende formular hipóteses para explicar como são as etapas de elaboração e construção desses pilares que, com sua forma, “fazem cantar o ponto de apoio”7, especular sobre a intenção que motiva a apresentação da estrutura como uma escultura e narrar como é usada a “técnica construtiva para alcançar uma expressão estética”8 desejada mesmo num período que a razão construtiva define a forma e a técnica arquitetônicas.
7. Frase de August Perret que Artigas usou para explicar o pilar da FAUUSP em sua prova para professor titular em 1984. Conferir ARTIGAS, 2004b. 8. GIANNECCHINI, 2009, p. 01.
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Metodologia Levantamento de textos e iconografia das obras cujos pilares são analisados neste trabalho. Os textos do arquiteto são comparados com os seus pilares para constatar se suas premissas teóricas se cumprem na prática. Entrevistas com engenheiros calculistas a respeito da forma dos pilares. Suas opiniões sobre a conformidade estrutural e a vantagem construtiva são confrontadas com os argumentos do arquiteto. A partir da filosofia, formulam-se hipóteses sobre a forma dos pilares e sua compreensão pelo observador. Busca de possíveis referências de projeto para o arquiteto e comparação de obras de mesmo período.
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Antecedentes e influências Os projetos de João Batista Vilanova Artigas (1915 – 1985) são referência para os arquitetos, principalmente de São Paulo, muito por sua influência na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ele próprio afirma que em seus primeiros anos sofre influência do arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright; anos depois percebe-se em sua produção uma influência do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, até que o arquiteto paulista consolida sua estética personalista e ajuda a estabelecer um estilo9, hoje conhecido como Arquitetura Brutalista Paulistana (Escola Paulista). Frank Lloyd Wright (1867 – 1959), considerado um dos mestres da arquitetura moderna, é a primeira referência experimental. No começo de sua carreira, trabalha com Louis Sullivan (1856 – 1924), e depois sozinho. Suas prairie houses são casas com grandes beirais, paredes de tijolo e concreto aparentes, possuem planta em forma de cata-vento, com uma lareira ao centro. Tais projetos do norte-americano são base para a casa do arquiteto paulista em 1942 no bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo. Nesta residência, Vilanova Artigas troca a lareira pela torre hidráulica: banheiro no centro da casa e, ao lado, a cozinha; na área periférica estão os
Fig. 3: casa Rio Branco Paranhos, Vilanova Artigas, São Paulo, 1943.
9. Denota-se estilo pela sua peculiaridade perante a hegemonia do projeto moderno, tal qual ocorre com Oscar Niemeyer e a Escola Carioca. Ambas estão dentro do Movimento Moderno Brasileiro, porém decide-se separar suas produções – tal qual Bruand o faz – com base nestas escolas para auxiliar no estudo.
Fig. 1: Vilanova Artigas.
Fig. 4: casa Casa Darwin D. Martin, Frank Lloyd Wright, Buffalo, 1904. Fig. 2: Frank Lloyd Wright.
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cômodos. O grande telhado de quatro águas sustenta-se sobre paredes de carga com tijolos aparentes simplesmente pintados. A mesma referência é retomada na residência Rio Branco Paranhos e Rivadávia Mendonça, próximas à Vila Madalena.
Fig. 6: Primeira casa do arquiteto, Vilanova Artigas, São Paulo, 1942.
10. IRIGOYEN, 2002, p. 156.
Há uma obra em Wright que se mostra uma forte referência para a exploração formal de Artigas: o Florida Southern College (Lakeland, 1938). Artigas a conhece numa viagem que realiza aos Estados Unidos em 1946 com uma bolsa da Fundação Guggenheim. Biblioteca, salas de aula, capela, centro estudantil; todas as construções foram projetadas com expressivas estruturas de concreto armado, cujos pilares recebem um destaque que até então não era comum na obra de Wright. O motivo é retomado nas numerosas galerias e passagens cobertas [...]. A imagem arquitetônica surpreende por sua analogia conceitual com certas experiências estruturais de Artigas, como o ginásio de Guarulhos (1960).10
Fig. 5: Florida Southern College, Frank Lloyd Wright, Lakeland, 1938.
11. Marcel Breuer com sua casa no MoMA, construída quando Artigas estava em New York com bolsa da Fundação Ford, foi a primeira aparição do telhado borboleta. Essa casa é a base de Artigas para sua segunda residência e para a primeira residência Bittencourt, ambas do mesmo ano da residência Czapski. É possível que até Le Corbusier, na casa Errázuriz (Chile, 1930), tenha usado como referência o projeto de Breuer. Neste trabalho a produção dos pilares massivos e expressivos de Breuer terão atenção.
12. KAMITA, 2000, p. 16.
13. Concreto aparente não é sinônimo de brutalismo. Assim como brutalismo, segundo alguns teóricos, não é sinônimo de arquitetura moderna. 14. Banham inclui a Escola Secundária de projeto do casal Smithson (Inglaterra, 1949 – 1954) na lista, porém visualmente não há semelhança com os projetos de Vilanova Artigas.
A influência de Le Corbusier (1887 – 1965) em Vilanova Artigas é clara na casa Czapski (São Paulo, 1949), que possui um telhado borboleta11, rampas e pilotis, além do concreto branco e panos de vidro, semelhante à sua segunda casa (São Paulo, 1949), que também possui tais elementos. Em Londrina há muitas obras deste período que também se aproximam da forma corbusiana. Além do projeto do cine Ouro Verde e do edifício Autolon, merecem destaque a Casa da Criança e a rodoviária de Londrina, ambas de 1950. A primeira é bastante próxima do partido corbusiano: pilotis, blocos ortogonais de diferentes alturas, rampas de circulação e o jogo escultórico de volumes na cobertura. A rodoviária, por sua vez, revela uma entonação singular da sintaxe corbusiana, indicativa de uma influência paralela, manifesta já desde meados da década de 40.12
A marca visual de maior peso na fase brutalista de Artigas provavelmente vem de Le Corbusier. As obras do final da década de 1940 – como a Unité d’Habitation de Marseille (1947 – 1952), a Chapelle Notre-Dame-du-Haut (Ronchamp, 1950 - 1955) e o Convento Saint-Marie de La Tourette (Lyon, 1957 – 1960) – têm o uso do concreto aparente13, não tratado, com as marcas do madeiramento das formas a vista, o que chama a atenção de muitos arquitetos. No livro de Reyner Banham “O brutalismo na arquitetura: ética ou estética?” apresentam-se a Unité d’Habitation e as Casas Jaoul (Paris, 1956) de Le Corbusier como as primeiras14 de ordem brutalista. En resumen, mientras que el brutalismo de Le Corbusier representa un paso atrás voluntario respecto al
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técnico del movimiento moderno, el brutalismo de Vilanova Artigas pretende dar un paso al frente en el contexto del subdesarrollo brasileño, respondiendo a las especificidades locales del país con vistas a la superación de su atraso.15
Fig. 7: Unité d´Habitation, Marselha, Le Corbusier, 1947.
15. WISNIK, 2010, p. 13. Original em português: “Feitas as contas, enquanto o brutalismo de Le Corbusier representa um voluntário passo atrás em relação ao progressismo técnico do Movimento Moderno, o brutalismo de Artigas se pretende um passo à frente no contexto do subdesenvolvimento brasileiro, respondendo a especificidades locais do país com vistas à superação do seu atraso.”
Fig. 8: Convento Saint-Marie de la Tourette, Lyon, Le Corbusier, 1957.
Fig 10: Le Corbusier.
Fig. 9: Capela Notre-Dame-du-Haut, Le Corbusier, Ronchamp, 1950.
Ou seja, segundo esta frase de Wisnik, a mesma estética do concreto aparente provém de diferentes modos de representar ou criticar a realidade vivida. Tais afirmativas vêm de falas de Artigas que refutam sua proximidade com a produção externa, porém insiste-se, neste trabalho, em procurar as possíveis influências, sejam brasileiras ou estrangeiras.
Fig 11: Segunda casa do arquiteto, Vilanova Artigas, São Paulo, 1949.
Vilanova Artigas também tem publicações que, além de expor seus ideais, influenciam pessoas do meio arquitetônico. Dois dos principais textos de critica são “Le Corbusier e o Imperialismo” de 1951 e “Os Caminhos da Arquitetura Moderna” de 1952. Ambos criticam o capitalismo e a produção arquitetônica, e propõem um novo modo de fazer arquitetura. Após escrever estes textos, Artigas revê sua produção e decide parar, pois ele se dá conta que produz da maneira que critica. Neste período ele se volta para o ensino na FAUUSP. Um ataque frontal e virulento aos dois maiores protagonistas da arquitetura moderna mundial, mesmo considerando a alta temperatura do ambiente político da época, requeria uma dose significativa de ousadia e coragem. Condenar, nesses termos, as bases ideológicas do movimento moderno, tendo-se em conta sobretudo a reconhecida importância de Le Corbusier para o desenvolvimento da modernidade arquitetônica no Brasil, era algo inusitado. Acrescente-se o fato de que o próprio Artigas tinha reconhecidos débitos para o organicismo de Wright em suas
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16. KAMITA, 2000, p. 08.
obras de 1940 a 1943, e depois com a linguagem corbusiana, na fase entre 1944 e 1952.16
17. FERRAZ (org.), 1997, p. 72.
Com a Casa Baeta, em 1956, o arquiteto retoma os projetos com um novo modo de projetar, e marca, assim, um ponto de inflexão em sua obra. A fachada da casa é uma empena cega de concreto armado com o madeiramento das formas aparentes. “Aqui, ponho as tábuas da empena na vertical, como se fosse a concepção estrutural da casinha da minha infância. Foi a primeira vez que se fez uma empena desse tamanho.”17 A estrutura da casa passa a ocupar o formalismo que o arquiteto passa a ter em obras posteriores, com o concreto aparente com as marcas das formas de concretagem. Em 1958, com o projeto da casa Rubens Mendonça, outra inflexão, inicia-se o uso de pilares oblíquos que assumem a componente dos esforços.
Fig. 14: Segunda casa Mário Taques Bittencourt, Vilanova Artigas, São Paulo, 1959.
Fig. 12: Casa Baeta, Vilanova Artigas, São Paulo, 1956.
18. Idem, p. 82.
Fig. 13: Casa Rubem Mendonça, Vilanova Artigas, São Paulo, 1958.
A partir daí o concreto aparente, bruto, sem tratamento após desforma torna-se padrão em seus projetos, os elementos de sustentação tomam formas oblíquas com a justificativa de se adequarem melhor aos esforços da estrutura. A segunda residência de Mário Taques Bittencourt (São Paulo, 1959) é o projeto que marca definitivamente o novo projeto de Artigas: “duas paredes de carga, em concreto armado que permitiram a resolução do conjunto estrutural, apoiado em quatro pontos.”18 Para chegar a estes quatro pontos, a parede estrutural prolonga-se em triângulo para transferir as cargas para a fundação. Este mesmo processo de produzir um ponto na parede estrutural para chegar à fundação ocorre de maneira semelhante no edifício na Cidade Universitária da FAUUSP (1961 – 1969). Os elementos, formas e atitudes adotadas por Vilanova Artigas na fase brutalista certamente têm influências externas. Ao se olhar a produção de arquitetos estrangeiros num período anterior a estas obras, intui-se um paralelo com a obra do paulista. Além de Frank Lloyd Wright e Le Corbusier, arquitetos já citados, é o caso de acrescentar Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer, Pier Luigi Nervi e Marcel Breuer. Na obra do carioca Affonso Eduardo Reidy (1909 – 1964), o concreto aparente com a marca da forma aparece pela primeira vez no Colégio Experimental Brasil-Paraguai (Assunção, 1952 – 1965) e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1953 – 1968).
Fig. 15: Museu de Arte Moderna, Affonso Eduardo Reidy, Rio de Janeiro, 1953.
19. C. Portinho in BONDUKI (org.), 2000, p. 174.
A estrutura do corpo principal do museu, o Bloco-Exposição, é constituída de 14 pórticos em concreto armado, espaçados de 10 em 10 metros, vencendo um vão de 26 metros entre os apoios. Os montantes desses pórticos bifurcam-se a partir do nível do solo, de forma a que uma parte receba o piso do segundo pavimento, e a outra, prosseguindo em sentido divergente, receba a viga de 4 metros de vão, onde serão sustentadas, por meio de tirantes, as lajes do terceiro pavimento e da cobertura. [...] Na construção do edifício do museu, procurou-se, sempre que possível, utilizar os materiais no seu aspecto natural, tirando partido de suas cores e texturas, predominando o emprego do concreto e da alvenaria de tijolos sem revestimento, do alumínio e do vidro.19
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Apesar do Colégio Experimental Brasil-Paraguai ser anterior ao MAM-RJ, este está em solo brasileiro e chama atenção por ser o primeiro edifício em concreto armado aparente em terras tupiniquins, o que pode ter influenciado Artigas, que nessa época projeta o Estádio do Morumbi, onde não há nenhum revestimento previsto sobre o concreto intensivo. O MAM-RJ usa do concreto aparente e deixa à vista as marcas das tábuas da concretagem nos pilotis oblíquos. Porém não se aponta uma justificativa ética para deixar à vista o concreto bruto como se afirma em Artigas. Outro brasileiro que usa pilares oblíquos é Oscar Niemeyer (1907 – 2012), principalmente no Conjunto Kubitschek (Belo Horizonte, 1951) e no Parque do Ibirapuera (São Paulo, 1951). Seus pilares em “V” que unem, geralmente no andar térreo, dois ou três pilares que sustentam os demais pavimentos em um único que chega ao solo com carga tripla.20 Este ideal de unir cargas de vários pilares num único ao chegar ao térreo foi usado em Artigas de modo característico próprio: as empenas buscam apoio num ponto ao chegar ao solo.
20. Com exceção do parque Ibirapuera, que Oscar usa pilares oblíquos para segurar as cargas dos balanços das lajes no andar térreo. Faz isso na direção do pórtico.
Fig. 16: Pavilhão das Indústrias, Parque do Ibirapuera, Oscar Niemeyer, São Paulo, 1950.
Com exceção feita a este paralelo, há aproximações de ambas as partes que mostram as condições brasileiras em que se encontram: a adesão ao Partido Comunista, a necessidade de introduzir os ideais modernos no Brasil e encontrar uma forma que aproxime o homem com a obra – a Nova Monumentalidade21 de Sert, Léger e Giedion. Niemeyer o faz com a exploração formal de suas obras que se tornam ícones aos homens, aos brasileiros. As colunas dos palácios da Praça dos Três Poderes em Brasília são agregadas pelos brasileiros de tal modo que se cria uma identidade íntima a partir delas. Artigas faz o mesmo a partir da expressividade tátil, visual e escultural de suas obras. Percebe-se que o paulista sente profunda admiração pelo carioca, o elogia, respeita e o toma como referência. Sérgio Ferro considera que a Escola Paulista origina-se da insatisfação de Artigas com o formalismo de Niemeyer. Porém o arquiteto paulista pode ter agregado a essência carioca para fundar sua forma, ou seja, ele foi uma espécie de discípulo de Niemeyer.22 Logo a arquitetura paulista é, de certo modo, uma continuação dos trabalhos que se iniciaram no Rio de Janeiro na década de 1930.
21. A questão será mais bem estudada. Conferir CONTIER, 2013.
22. Conferir FERRO, 1986, p. 68-9 e SANOVICZ apud WOLF, 1988, p. 56.
O momento em que há uma aproximação entre os arquitetos, e a ideia de continuidade fica clara, é em 1958, com a publicação da autocrítica de Oscar Niemeyer na revista Módulo, e a resposta a este depoimento feita por Vilanova Artigas, publicada na revista Acrópole. Neste mesmo ano da publicação destes textos, Niemeyer projeta Brasília – obras como a capela Nossa Senhora de Fátima e os palácios do governo – e Artigas projeta a residência Rubens Mendonça – obra que está em sua fase de inflexão. Neste sentido, passaram a me interessar as soluções compactas, simples e geométricas; os problemas de hierarquia e de caráter arquitetônicos; as conveniências de unidade e harmonia entre os edifícios e, ainda, que estes não mais se exprimam por seus elementos secundários, mas pela própria estrutura, devidamente integrada na concepção plástica original.23
23. NIEMEYER, 2003, p. 239.
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24. ARTIGAS, 2003, p. 240.
Trata-se de documento rico de sugestões para a análise da atual etapa do desenvolvimento da arquitetura brasileira. Niemeyer nos comunica confiança no destino da nossa arquitetura e da cultura nacional. Numa demonstração de grande sensibilidade, define com segurança o significado de certos aspectos decorativos que imaginamos que, de certa forma, envolviam nossas expressões arquitetônicas, traçando o rumo certo para evitá-los.24
O que Niemeyer mostra é que a estrutura agora é o elemento de sua exploração formal, o que já tinha sido feito nas obras como o Conjunto JK em Belo Horizonte (1951). Artigas aproxima-se mais da forma das colunas brasilienses do que dos pilotis em “V”, e atribui sua forma ao desenho dos esforços solicitantes que há nas estruturas em concreto armado que projeta. Imagina-se, porém, que todos os arquitetos brasileiros tenham conhecido o trabalho de Pier Luigi Nervi (1891 – 1979), engenheiro italiano que, desde as primeiras obras, expõe a estrutura de concreto aparente, com formas obliquas: os hangares em Orvieto (1935), o Palácio de Exposições de Turim (1947 – 1949) e a Sede da UNESCO em Paris (1953 – 1958, em conjunto com Marcel Breuer e Bernard Zehrfuss). Nervi passa parte da vida pesquisando como a estrutura de concreto se comporta e como se submete às leis da estática, criando assim as estruturas oblíquas e de secção variável que Artigas parece apreciar e reproduzir em seus projetos.
Fig. 18: Embaixada Italiana no Brasil, Pier Luigi Nervi, Brasília, 1970.
Fig. 17: Edifício-sede da UNESCO, Bernard Zehrfuss, Marcel Breuer e Pier Luigi Nervi, Paris, 1953.
Na sede da UNESCO vê-se o conjunto estrutural vertical tomar a forma que, segundo seus projetistas, aproxima-se dos esforços do material à carga e melhora o desempenho da estrutura. Este período de projeto e construção coincide com o período de afastamento de Artigas. É possível que Artigas, em sua reflexão, tenha conhecido essa produção e os escritos de Nervi sobre os diagramas dos esforços. A Embaixada Italiana no Brasil (Brasília, 1970 – 1977), também projeto de Nervi, possui pilares oblíquos que unem carga na razão 4:1, além de conduzirem internamente as águas pluviais. Estes pilares de concreto aparente possuem forma tetraédrica que conduz melhor as cargas, segundo seu autor. Marcel Breuer (1902 – 1981) também explora suas estruturas de modo massivo, une cargas de vários pilares num único ao chegar ao solo e usa o concreto armado ostensivamente. O batistério da Abadia e Universida
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de de San Juan (Minnesota, 1953-61) possui pilares oblíquos que se rendem ao reticulado da laje e busca afinar-se ao se aproximar do chão. E na biblioteca deste mesmo local, há um pilar em árvore com 12 pontos de apoio para descarregar em um único, e transmitir a carga da cobertura ao solo, além de permitir uma maior área para mesas de estudo e de estantes para livros. Ademais dos projetos que sua exploração também passa às lajes e paredes, como o auditório da Universidade de Nova York, University Heights (1956-61), e a cobertura da biblioteca do Hunter College, New York (195559).
Fig. 19: Batistério da Abadia e Universidade de San Juan, Marcel Breuer, Minnesota, 1953
Fig. 20: Biblioteca da Abadia e Universidade de San Juan, Marcel Breuer, Minnesota, 1953.
Fig. 21: Biblioteca da Abadia e Universidade de San Juan, Marcel Breuer, Minnesota, 1953. Maquete do pilar e planta de cobertura.
Talvez seja este o arquiteto o que mais se aproxime da estética do brutalismo paulista, porém é difícil supor algo sem as devidas provas. Artigas negava insistentemente toda e qualquer referência externa que possa ter tido, ele justificava-se pelo que se vê escrito e reescrito por diversos pesquisadores de sua obra. Porém, é com base nestas possíveis influências que se pode entender sua obra e o contexto em que elas se situam. Deixar à vista a mecânica da construção expressa na forma dos fluxos vetoriais que a atravessam (cargas, empuxos, pesos, ventilação, iluminação, movimento das águas) e as marcas do seu ciclo produtivo pela utilização franca dos materiais e pelos sinais dos processos de execução (concreto aparente) são algumas das estratégias adotadas. Nada disso teria condições de ser algo mais do que uma forma de retórica sociológica, não fosse o talento plástico do arquiteto, que consegue resolver todos os conflitantes dados implicados numa forma expressiva. Ou seja, é a conversão dos problemas do contexto em problemas de forma que faz a obra de Artigas ir além do mero discurso ideológico. O mérito é manter-se no plano da linguagem arquitetônica, atuar sempre com conhecimento de seu vocabulário e sintaxe, operando em seu interior e estendendo criticamente seus limites.25
25. KAMITA, 2000, p. 34.
Toda a fase dita brutalista do arquiteto paulista é concomitante com o período de ditadura militar no país. Segundo alguns escritos, toda a obra de Artigas não é nada mais do que sua convicção transpassada ao plano da arquitetura, com a intenção de promover a conscientização artística, política e social daqueles que frequentassem os edifícios por ele projetados.
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Pilar, estrutura e concreto O pilar é uma estrutura fundamental na construção, juntamente com a laje, a viga e a fundação. Este elemento tem a função de sustentação vertical, e trabalha essencialmente a compressão. O pilar pode ter variadas formas, transversais e longitudinais, porém o pilar que possui forma circular na transversal recebe o nome de coluna. A coluna tem importante histórico que vai além da sua razão estrutural, devido à atenção plástica recebida desde muito, elevando sua função a outras esferas. Para nós, interessa que, ao longo do tempo, um sistema de construção em madeira copiado em pedra cristalizou-se em uma formula linguística conhecida por Vitrúvio, assim como por nós, como a “ordem dórica”. Esta cristalização possui um paralelo obvio na linguagem. Em algum momento, palavras, expressões, construções gramaticais foram inventadas para preencher uma necessidade particular de comunicação. Essas necessidades imediatas já estão há muito esquecidas, mas as palavras e suas relações ainda formam o idioma que usamos para inúmeras finalidades, inclusive a poesia. O mesmo acontece com as cinco ordens da arquitetura.26
Fig. 22: Ilustração do Treatise de Sir William Chambers, 1759, que mostra a evolução hipotética da ordem dórica a partir da casa primitiva.
26. SUMMERSON, 1982, p. 16.
A citação anterior faz referência à origem da primeira ordem clássica: a ordem dórica. Sem querer adentrar na discussão donde e como surgiram as ordens da arquitetura grega – e de todo ordenamento clássico até hoje presente e, às vezes, retomado –, utiliza-se deste comentário para iniciar uma compreensão do ordenamento clássico. Todos os elementos que constroem a coluna grega tem motivo de existir, seja no âmbito artístico ou estrutural, como também seus subelementos. Capitel, fuste e base possuem seu desenho específico e, com o tempo, tornaram-se mais complexos e com desenhos mais entalhados e rebuscados. No caso das estruturas desenhadas por Vilanova Artigas, o que mais interessa é o capitel, onde “a coluna [...] se transforma em flores e conversa numa outra linguagem”27.
27. ARTIGAS, 2004a, p. 224.
O capitel é basicamente o alargamento, na área da secção transversal da coluna, que serve de base para sustentar o entablamento como um todo. Não só as questões estruturais nele se encontram, mas também preocupações estéticas, pois, como se vê, o capitel é entre as partes, a mais trabalhada em uma coluna, a que define, com maior peso, a ordem arquitetônica. A frase de Artigas sobre a coluna transformar-se em flores pode parecer uma analogia à ordem coríntia com suas folhas de acanto estilizadas que desenham o capitel desta coluna. Tais ramas unem o fuste canelado à arquitrave. O elemento que suporta o peso da construção se compara ao homem que sustém um peso sob ele28, e sabe-se, através de Vitrúvio, que a coluna está proporcionada pelas medidas do corpo, e que as ordens estão associadas aos gêneros de homem (dórica), mulher (jônica) e jovem (coríntia). Há um momento que esta relação torna-se tão mimética que a coluna não possui um fuste circular, seja liso ou canelado, mas a escultura de uma mulher, uma cidadã da cidade de Cária, no Penopoleso. Caryatids, Vitruvius explained, were named after the women of the small town of Carya in the Peloponnese. The town had sided with the Persians in the wars, or least had remained neutral. After the Persian defeat their enslaved women were shown carrying the heavy weight (of the cornice) to give the same warning the Persian telamones
Fig. 23: Nomenclatura dos subelementos do entablamento e capitel da ordem dórica. 28. Das colunas antropomórficas, a que o fuste recebe a escultura de um homem, denomina-se Atlante, quando for uma mulher, Cariátide.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .25
29. RYKWERT, 1999, p. 133. Tradução livre: “Cariátides, como explicou Vitrúvio, são as mulheres da pequena cidade de Cária no Peloponeso. A cidade haviam se aliado com os persas nas guerras, ou menos, mantevese neutro. Após a derrota persa, suas mulheres escravizadas foram mostradas carregando o peso pesado (da cornija) para dar o mesmo aviso aos telamones persas veiculadas em Esparta.”
conveyed in Sparta.29
Além da discussão histórica sobre seu significado, coloca-se aqui a questão sobre o uso da representação do corpo humano em lugar do fuste. O corpo sustenta o que vem acima (o entablamento) e ele se representa como tal: as estátuas dobram o pé direito do lado esquerdo do prédio, e vice-versa. Ou seja, o corpo adquire função estruturante e se apresenta como se comporta perante o suportado. Mesmo antes dos gregos, outras civilizações da antiguidade já constroem com base nos ornamentos, e o pilar sempre tem destaque através do capitel. Egípcios utilizam as folhas e flores de lótus e persas colocam animais nos capitéis. O capitel tem sempre esta função estética presente, elevando a atenção da coluna, do elemento que sustém o céu artificial que há sob aqueles que ali vivem.
30. Conferir KAUFMANN, 1982.
Todo este ordenamento e regras seguem os anos e passam por diversas culturas representadas de diferentes modos: o período medieval e as construções das igrejas e catedrais românicas e góticas; o Renascimento e o surgimento da pilastra; o Barroco e sua exuberância; e o Neoclássico com suas renovações que marcam o começo da Era Moderna30. Em todos estes períodos, o pilar teve uma atenção especial e lugar de destaque, até
Fig. 24: Uma jovem, a coluna coríntia e as relações que possuem entre si.
26. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
que os primeiros modernos passam a “limpar” a construção, e consequentemente o pilar, de toda decoração. Após a queda do Império Romano, os povos cristãos que ali vivem constroem seus templos com base no que já há construído, daí o uso da basílica romana para reunião da igreja, e a partir disto a leitura de como se construir. O capitel continua a ter sua atenção especial, isto se vê nos monastérios, nas igrejas e em outras construções pertencentes à Igreja. Os estudos evoluem a ponto de que o capitel, nas estruturas góticas, eleva-se a ponto de criar a cobertura e as ramificações dela. Os arcos ogivais partem das colunas e criam o surpreendente desenho da cobertura das catedrais. Aí a construção demanda uma forma: os pilares destinados a sustentar diversos arcos subdividem-se em outras tantas colunas correspondentes ao número de arco, tendo estas um maior ou menor diâmetro consoante o peso que lhes é imposto, sobressaindo cada uma por si até as abobadas que devem suportar, terminando em outros tantos capitéis, também proporcionais à sua carga. Do mesmo modo, os arcos são finos ou grossos, compostos de uma ou mais ordens de pedras de cantaria em razão de sua função. As paredes entre estes pilares tornam-se inúteis nos grandes edifícios, desaparecendo completamente e sendo substituídas por armações ou rendilhados em pedra decorados com vidraças pintadas.31
Fig. 25: Coluna da Igreja de Notre-Dame de Paris.
31. Viollet-le-Duc in FUSCO, 1984, p. 25-6.
Nestas mesmas catedrais góticas o uso da escultura se faz presente em cada momento, como um grande livro que conta a história local e bíblica. Algumas destas esculturas tomam para si a função de suporte para elementos acima destes, mesmo sem ser suportes da estrutura principal da construção, são suportes para subelementos que constituem partes arquitetônicas: pórtico, pilastra, gárgula, contraforte, etc. O Renascimento retoma a ordem clássica, os arquitetos do período estudam, pesquisam e documentam toda a informação por eles coletada, e criam tratados sobre seus estudos. O primeiro deles é o de Alberti, que atribui toda uma razão às ordens, além de conferir a veracidade do Tratado de Vitrúvio, e rebater o que ele encontra de diferente nas pesquisas de campo. A partir daqui a ordem clássica retorna e segue os anos conforme os tratados escritos.
Fig. 26: Palazzo Rucellai, Alberti, Florença, séc. XV. Uso da pilastra, pilar embutido na parede.
Fig. 27: Fachada ocidental da Catedral de Chartres. Três das figuras de jamba da esquerda. séc. XIII.
Fig. 28: Gravura a água-tinta segundo um desenho (já perdido) da Cátedra de São Pedro, Bernini, Roma, 1956-66.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .27
O período que vai desde o Renascimento até os primeiros modernos são de variadas interpretações destas ordens e dos ornamentos que adornam os edifícios. Questões de volume e forma estão intrínsecos ao uso do edifício e sua relação com seu entorno. E o pilar, ou melhor, a coluna vem unir-se a este jogo de volumes e, muitos perdem sua função estrutural agora desempenhada pela parede. Fachadas, pórticos, arcadas e tudo mais possuem colunas, e o jogo de entablamento e capitel passa a ter novas relações e formas. Estas explorações seguem até que tudo se torne mero adorno nas construções, são apenas peças adicionais colocadas nas paredes, sem nenhuma função a não ser de enfeitar a construção. Isto faz que arquitetos questionem sua necessidade e decidem banir de toda arquitetura o ornamento que fosse. O Movimento Moderno segue e evolui conforme o passar dos anos.
32. Considera-se interface o encontro entre sistemas construtivos como, por exemplo, o encontro entre a vedação com caixilhos e a viga pré-moldada de concreto armado. 33. Conferir PULS, 2006.
34. SUMMERSON, 1982, p. 115-6.
35. Tradução: “A arquitetura é o jogo sábio, correto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz”. 36. Apesar de abusar nesta afirmação, Le Corbusier refere-se à arquitetura como um assunto de dominância visual. Sendo a escultura um assunto de dominância visual, então se interpreta, a partir da frase, que a arquitetura e a escultura sejam esferas de mesmo domínio.
Os cinco pontos da arquitetura moderna propostos por Le Corbusier formam uma espécie de gramática da Arquitetura Moderna, com leis e regras análogas a das ordens clássicas, porém, agora, outros fenômenos entram em cena. Em toda esta discussão surgem, anos depois, críticas à monotonia dos edifícios modernos e à falta de beleza, como têm as construções de períodos anteriores. O ornamento é, além de um detalhe construtivo das interfaces32 dos elementos arquitetônicos, um modo de agradar o olhar do observador que frequenta tal construção. A arte do habitat está no construído, enquanto o vazio deixado é de utilidade humana e de seus afazeres.33 Se inicialmente a arquitetura moderna foi considerada vazia e desinteressante pela maioria, foi doloroso descobrir que, à medida que seus produtos se multiplicavam, eram considerados ainda mais vazios e menos interessantes, tão atraentes quanto uma cabeça de Gorgona. As intenções humanas do Movimento Moderno não tocaram o coração de ninguém. Para todos, exceto para os poucos informados, a arquitetura moderna não comunicava nada, senão tédio.34
A frase “L’architecture est le jeu, savant, correct et magnifique des volumes sous la lumière”35 de Le Corbusier faz que a arquitetura seja antes uma escultura36: um jogo de formas e volumes que, através da luz e da sombra, causam prazer a quem vê. Le Corbusier admite que a arquitetura é, além de um problema construtivo que deve ficar perfeitamente resolvido, também um problema estético, visual, artístico. A escultura tem razões, métodos e fins diversos ao da arquitetura, e ao dizer tal frase o francês une estas artes. Nesta atitude retorna-se à exploração plástica da estrutura, sem retomar o ornamento clássico, para que o jogo de formas e volumes faça sentido. O pilar retorna ao centro da atenção e ganha o destaque que sempre teve, porém, no século XX, a justificativa deve ser através da razão: a razão estrutural e estática e o comportamento do material são os argumentos mais fáceis e compreensíveis para explicar o que, na verdade, seria uma exploração plástica na estrutura. Este discurso se espalha por todas as obras construídas neste período. Razão estrutural e exploração plástica se confundem e o pilar novamente transcende a função de apoio e transferência de cargas, e a arquitetura retoma os holofotes para si. As ordens reaparecem numa versão cubista em várias obras e, em casos específicos, as cariátides também tem seus momentos no palco da arquitetura. Nasce então uma “Arquitetura Estrutural”, uma espécie de ciência volta-
28. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
para a arte, cuja forma nasce dos estudos estruturais e de sustentação da própria forma apreciada, ou seja, considera-se a expressão estética de seu comportamento físico e das forças e cargas transmitidas e descarregadas no solo. O artista passa a ser, então, mero intérprete de verdades das ciências físicas e não mais um homem guiado pelo Espírito, pela emoção, pela Musa ou qualquer outra inquietação ou inspiração. A compreensão deste modo de fazer arte que os engenheiros possuem fica compreensível no artigo de Pier Luigi Nervi para a revista brasileira Habitat (1950, n. 03), dirigida pelo casal Bardi, que comenta a pesquisa do engenheiro italiano sobre o concreto e sua forma estática. Durante boa parte de sua vida, Nervi pesquisa patologias em estruturas de concreto armado, e deste modo, aprende formas estáticas eficazes para cada função. Em outras palavras a eficácia estática é fruto antes da forma da estrutura e duma sua atitude resistente espalhada, do que de concentrações de ações agentes e de secções resistentes, fixadas ao longo de elementos isolados.37
Neste artigo, ele também comenta a pré-fabricação de formas para seriação da moldagem do concreto in loco, com as formas estáticas não lineares e ortogonais. Nervi, em alguns trechos, trata da estrutura resistente pela forma das isostáticas das tensões como uma expressão estética da estática do edifício, que cria formas de grande apreço a partir da própria estrutura e de seu comportamento, aliviando seus esforços através da forma estética definida. O admirável está no fato de que nós, limitando nossa tarefa à de modestos interpretes de verdades físicas, descobrimos harmonias de forças imprevistas, altamente expressivas.38
Fig. 29: Laje-cogumelo de uma das obras de Nervi. Reparar no “capitel” do pilar e no desenho das nervuras da laje. 37. NERVI, 1950, p.17.
38. Idem, p.18.
Ainda antes de todo o Movimento Moderno, pensamentos como estes existem em arquitetos do século XIX, como Viollet-le-Duc, que já possuía desenhos de pilares oblíquos, ou com forma em “V” que, segundo ele, seguiam os esforços da estrutura. [...] sentimento significa para ele [Viollet-le-Duc] raciocínio inconsciente e a beleza é o modo mais eficiente de satisfazer uma necessidade. “Uma coluna, uma pilastra, esculpidas exactamente segundo a resistência da matéria e na razão do que devem suportar, não podem deixar de satisfazer o olhar”.39
Ou seja, não é tão atual à modernidade a expressão plástica vinda da estática dos materiais, ou ao menos validada por ela. Ornar sem ornamento, esta exploração plástica da estrutura feita neste período pode ser justificada por Nervi na frase abaixo: As nervuras duma laje disposta ao longo das isostáticas do momento adquirem um movimento curvilíneo de grande eficácia estética; mais expressivas ainda são as nervuras duma laje cogumelo, isto é, duma laje sustentada por pilares sem vigas principais. As nervuras duma grande tubagem que funciona como ponte-canal, colocadas ao longo das isostáticas das tensões principais apresentam um jogo de curvas que poderia parecer fruto duma sensibilidade decorativa requintada.40
39. Viollet-le-Duc in FUSCO, 1984, p. 21. Grifo do autor.
40. NERVI, 1950, p. 18.
A exploração exagerada da estrutura leva a alguns críticos a questionarem se tal exploração formal é de fato a representação da estática da estrutura e do material empregado. Esta atitude não é única dos paulistas, pois os cariocas já fazem há algum tempo, lajes flutuantes, pilares oblíquos, cascas e abóbadas que despertam interesse plástico extremo. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .29
41. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2004, p. 66.
Servir de tipo, modelo ou partido, exigia da estrutura, em certos exemplos da arquitetura brutalista, função extra e inconforme com a tarefa estrutural arbitrada pela ortodoxia moderna do século XX. Tal emprego estrutural deturpou a estrutura adequada, clara, simples, econômica e eficiente da arquitetura moderna – quase sempre uma estrutura reticulada, ortogonal e, sobretudo, recolhida e discreta – para torna-la estrutura saliente, exagerada e obliqua, de grande apelo dinâmico, com notável expressividade reiterada pelo acabamento rude e táctil do material e pela monumentalidade conferida por medidas que fizessem menção às cargas e esforços físicos.41
Monumentalidade esta que retoma a importância que a estrutura vertical tem em períodos anteriores, que mostra e marca gerações vindouras com avanços tecnológicos desta era e um conhecimento que gera a possibilidade de realizar “megaestruturas” com este material polivalente – ou seja, que pode ser industrial ou artesanal sua feitura. O ponto de apoio, que sempre teve seu lugar de destaque, recebe novo trato, que refaz através de justificativas contemporâneas sua expressão estética. Porém, é possível que toda esta exploração seja apenas uma vontade reprimida dos engenheiros de serem artistas plásticos, e esta afirmativa apenas será posta abaixo em estudos de engenheiros de estruturas que de fato justifiquem a forma através de seus cálculos. Talvez esta união entre estática e estética em Vilanova Artigas esteja ligada à sua educação politécnica e de ter em sua bagagem cálculos estruturais e leis físicas sobre os corpos; e por ser um engenheiro que aspira ser artista – Artigas convive com o grupo Santa Helena de pintores proletários paulistanos – e realiza obras condicionadas pelo conhecimento adquirido na Escola Politécnica da USP onde também cursa disciplinas de desenho artístico. Une o conhecimento técnico à exploração plástica para produzir estruturas resistentes e, por consequência, esculturas apreciáveis.
42. K. Fiedler in FUSCO, 1984, p. 85.
O pensamento arquitectónico não é um mero reencontrar e combinar, nem um formar e construir segundo leis dadas, mas um processo que contém em si mesmo a própria lei universal, na medida em que ele deve ser considerado como um pensamento, devendo consistir num esforço para trabalhar o próprio material como sendo um produto espiritual cada vez mais puro. Só podemos reconhecer a consciência arquitectónica em sentido artístico onde um processo de desenvolvimento espiritual se revele nas formas ou onde surja uma tendência viva para uma cada vez mais pura expressão espiritual no desenvolvimento das formas arquitectónicas. E devemos aqui salientar que a forma, da qual falamos como algo de espiritual, não deve ser pensada como se pudesse ter uma existência independente, não ligada a alguma matéria, como se o espírito pudesse criar uma forma segundo certas regras e leis, para depois lhe dar uma expressão através da sua encarnação na obra arquitectónica. A forma não tem outra existência que não na matéria e a matéria não é para o espírito um simples meio de expressão da forma, mas o material através do qual a forma em geral alcança a sua existencia.42
No trecho acima, Fiedler comenta sobre a expressão do Espírito – Geist, em alemão – no material da obra de arte. No caso de Vilanova Artigas – e suas possíveis influências – o material de expressão é o concreto, e procurar trabalhar o concreto como um produto espiritual cada vez mais puro é procurar entender pelas leis físicas e químicas sua estrutura interna, comportamento, reações e esforços. Só assim o Geist pode expressar sua forma intrinsecamente ligada ao material e, assim, alcançar sua existência. É quando o homem, em sua simples existência, entra em contato com a obra, que consegue compreender a existência que o Geist tem.
30. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
Este material que possibilita a existência do Geist é o que arquitetos do período moderno acreditam ser ótimo para a construção, devido a sua grande durabilidade, e ao aspecto e à qualidade parecida com a pedra. Ano após ano seu uso aperfeiçoa-se e pode atingir um alto nível de industrialização e pré-fabricação de elementos em concreto – sejam as peças estruturais ou peças de vedação. Porém, algo se modifica na evolução deste material moderno – opta-se por um recuo – observa-se um subterfúgio para atender expectativas que extrapolam a lógica técnico-construtiva de seriação, repetição de elementos modulados e pouco expressivos. Ou por ser de fácil manuseio pelos construtores no canteiro, ou mesmo por estar em franco uso e dar a obra acabada um aspecto rústico que fortalece a sensação estética. Colocando o problema num contexto mais abrangente, seria bastante plausível pensar que o uso do concreto aparente se manifesta como um retorno às técnicas manufatureiras e artesanais, ambientado por uma discussão paralela ao auge do desenvolvimento industrial da construção civil em curso em nível mundial e justificando-se por questionamentos de ordem social, estética e filosófica.43
43. GIANNECCHINI, 2009, p. 36-7.
Arquitetos do segundo pós-guerra decidem repensar o uso deste material. O avanço que alcançam é substituído por uma discussão externa que se reflete no projeto e na construção. A credibilidade dada ao concreto permanece, mas sua manufatura é preferencialmente artesanal, com as formas de madeira para concretagem aparente e as formas estruturais – prismáticas e lapidadas – exploradas plasticamente. Tal como indicado por Max Bächer e Erwin Heinle (1967), enquanto o elemento pré-fabricado respondia a uma necessidade explicita de custo e rapidez pela padronização, o concreto à vista surgia da necessidade e da procura por novas formas de expressividade. Aparece também como um certo ‘medo ao anonimato do trabalho em serie’ ou ainda como um protesto contra a perfeição da maquina. Em alguns casos, era encarado como um recurso de expressividade econômica diante da inexistência de uma indústria forte estabelecida.44
44. Idem, p. 37.
O concreto industrial apresenta características de pouco interesse estético para esses arquitetos que optam por resolver tudo no canteiro ao usar um concreto artesanal e moldado in loco. Troca o concreto industrial, liso e milimetricamente moldado para compatibilizar com os demais elementos da obra pelo que se pode fazer no canteiro com soluções arcaicas para problemas que surgem na execução. Em todo caso, ardilosos, [arquitetos] desenvolvem um discurso em que a técnica moderna, o concreto bruto e aparente, seja independente da indústria. É muito provável que assim tenha ocorrido, pois essa aversão ao módulo e ao processo sistemático, construtivo e prático está na base da crítica feita ao International Style, à arquitetura considerada impessoal e monótona, adequada ao capitalismo, lucro e mundo corporativo: à apropriação.45
45. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2013, p. 08.
Este novo uso do concreto bruto parece fortalecer a crítica velada à industrialização na construção, presumivelmente, almejada pelos modernos. Pré-fabricar elementos em concreto, desde estruturas até vedações e elementos menores, corresponde apenas a montá-los em canteiro para ganhar tempo, diminuir custos e emancipar a mão de obra. Projetam-se obras com as características industriais, porém o canteiro é como antes, uma manufatura com desperdício, trabalho exaustivo e desqualificado. A decisão de colocar em evidência a estrutura, tal como ela é, gera uma A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .31
46. Esta intenção ética não surge com Vilanova Artigas, mas tempo depois com seu aluno Sérgio Ferro.
47. BANHAM, 1966, p. 10. Tradução livre: “O criador do adjetivo “brutalista” parece ter sido, claramente e de forma segura, Hans Asplund, filho de Gunnar Asplund. Perceberam a invenção do termo em uma carta a Eric de Maré, que foi reproduzida no “Architectural Review” em 1956, e parece não haver razão para duvidar de sua história.” 48. Idem, p. 16. Tradução livre: “Entre os aspectos do Novo Brutalismo, na GrãBretanha ou em outro lugar, existe um fato arquitetônico indiscutível: o trabalho em concreto de Le Corbusier, Unité d’Habitation em Marselha. E se há uma fórmula verbal simples que fez com que o conceito de brutalismo fosse admitido em muitas línguas do mundo ocidental é que o próprio Le Corbusier descreveria este trabalho como em “concreto bruto”.” 49. Neste período já existe a circulação internacional de revistas. Possivelmente o arquiteto emprega soluções e aspectos de projeto que aprende em revistas ou viagens.
Fig. 30: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Situação de restauro da fachada do edifício que deixa aparente a armadura de empena e pilar.
intenção ética46 de respeito àquele que a faz, a de retornar ao período em que quem projeta é quem constrói, de dar liberdade às mãos que produzem e, ao deixar aparente, mostrar seu trabalho e, também, forçá-lo a realizar um trabalho correto, que emancipe verdadeiramente a mão de obra. Isso tudo vem de encontro à noção que relaciona estética com ética, que Reyner Banhem vai cunhar como Brutalismo. El creador del calificativo “brutalista” parece ser que fue, evidentemente y con seguridad, Hans Asplund, hijo de Gunnar Asplund. Dio cuenta de la invención del término en una carta a Eric de Maré, que fue reproducida en la “Architectural Review” en 1956, y no parece haber razones para poner en duda su versión.47 Dentro de los aspectos del Nuevo Brutalismo, en Gran Bretaña o fuera de ella, existe un hecho arquitectónico indiscutible: la obra de hormigón de Le Corbusier, Unité d’Habitation de Marsella. Y si hay una sencilla fórmula verbal que haya hecho admisible el concepto de Brutalismo en muchos idiomas del mundo occidental consiste en que el propio Le Corbusier describiese esa obra como de “hormigón bruto”.48
Esta produção corbusiana é anterior à obra marcante em Artigas: à casa Baeta, de 1956. Quando Artigas busca referenciar as casas paranaenses. Porém mais tarde ele cria os pilares plasticamente provocativos. De um modo ou de outro, estes arquitetos deveriam ter informação sobre a produção de arquitetura que lhes é contemporânea, pois seria improvável pensar e fazer a mesma coisa ao mesmo tempo.49 Muitas das grandes e históricas obras de concreto estão hoje num estado de conservação precário. Com o tempo, percebe-se que este material aparente necessita de determinados cuidados – a falsa crença de que o concreto é uma pedra, logo, é eterno e não precisa de manutenção. Os cálculos deveriam ser mais precisos e os cuidados em sua manufatura deveriam ser outros – como a espessura de recobrimento da armadura. Hoje se vê tais edifícios como “megaestruturas” em concreto armado aparente sofrerem a ação da intempérie: descascamento do concreto, corrosão da armadura e deformações excessivas. Como exemplo de casos extremos de degradação na obra de Artigas está a FAUUSP (São Paulo, 1961) e a Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube (São Paulo, 1961). Nem todos os edifícios constituem megaestruturas, já que muitas casas compõem a produção desse período. Na verdade há uma tendência ao exagero, à monumentalização e proposição de estruturas maiores do que o necessário. A isto se associa a “musculação” estrutural das obras desse período. O ideal de projetar a metrópole é presente nos arquitetos da época e, ao desenhar a cidade moderna ideal para o homem moderno, faz transparecer nas estruturas musculadas das obras. A estrutura forte, dinâmica, inchada tal qual é a metrópole que se vive. Os principais edifícios projetados nesta época são edifícios que promovem a cidade, que são permeáveis e se deixam ser mutáveis, como o vão do MASP, o Centro Cultural São Paulo, o Conjunto Nacional e a Rodoviária de Jaú. Todas elas, além de permitir a cidade entrar em seu espaço e dele fazer uso, possuem estruturas colossais, que impressionam pelo seu gigantismo: o amplo vão, a estrutura de concreto que sustenta toda uma cobertura, também de concreto, e o pilar que se abre em flor para sustentar sua cobertura. Um pouco deste gigantismo e vontade de fazer cidade através da arquitetura tem certo reflexo no projeto das residências ao muscular e agigantar estruturas que sustentam coisas leves, apenas para mostrar seu poder.
32. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .33
34. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
Arte, escultura e filosofia Para um arquiteto há certa dificuldade em comentar sobre outros ramos da Arte, como neste caso a Escultura, e mesmo sobre outra disciplina, a Filosofia, e seus ramos como a estética, a moral ou a ética. Porém neste estudo faz-se necessário a compreensão destas diferentes disciplinas para que se possa comparar a Arquitetura com a Escultura e procurar razões para que o arquiteto estudado tenha realizado tal exploração plástica que hoje se vê em sua obra construída. Para este começo, procura-se entender qual é a sensação que as megaestruturas construídas por Artigas causam ao observador, e depois realizar paralelos e tentativas de explicar, através destas disciplinas, o que é a estrutura em sua obra. O desejo de obter uma planta livre sugere o mínimo de elementos estruturantes verticais, concentrar a carga de um piso ou uma cobertura não mais numa parede estrutural, mas numa viga que transfira a carga para o pilar. Ao concentrar a entrega das cargas no menor número de pontos, a parede assume o único papel de dividir ambientes, ao ser autoportante. Conjuntamente a planta livre, a amplitude do vão máximo é algo que se busca. Caso a distância for pequena entre os pilares, há um entrave à organização da planta, por isso aumentar os vãos é favorável.
Fig. 31: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Pátio interno.
Fig. 32: Casa Elza Berquó, Vilanova Artigas, São Paulo, 1967. Pátio interno.
Esta atitude do arquiteto mostra certa vontade de criar objetos ousados, quase impossíveis de construir, que causam espanto e o homem (observador) não consegue perceber a dimensão vista. Tal atitude acontece na FAUUSP e na casa de Elza Berquó, na primeira com a cobertura de domus com vãos de 22m e, na segunda, com sua laje de cobertura apoiada em quatro troncos de árvore. Pois, assim como na verdade encontramos a nossa própria limitação na incomensurabilidade da natureza e na insuficiência da nossa faculdade para tomar um padrão de medida proporcionado à avaliação estética da grandeza de seu domínio, e contudo também ao mesmo tempo encontramos em nossa faculdade da razão um outro padrão de medida não sensível, que tem sob si como unidade aquela própria infinitude e em confronto com o qual tudo na natureza é pequeno, por conseguinte encontramos em nosso ânimo uma superioridade sobre a própria natureza em sua incomensurabilidade [...]50
50. KANT, 1995, p. 108.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .35
51. Idem, p. 50.
[...] o sentimento do sublime é um prazer que surge só indiretamente, ou seja, ele é produzido pelo sentimento de uma momentânea inibição das forças vitais e pela efusão imediatamente consecutiva e tanto mais forte da mesmas, por conseguinte enquanto comoção não parece ser nenhum jogo, mas seriedade na ocupação da faculdade da imaginação.51
E assim o homem aproxima-se da experiência do sublime em Kant: o homem ao estar sob um imenso vão não tem a compreensão de como este se sustenta e fica maravilhado e receoso por estar ali. Os domus da FAUUSP e da Rodoviária de Jaú, que iluminam seus interiores fazem com que muitas pessoas sentem-se para observar as aberturas zenitais de dimensões exageradas.
52. A estrutura é isostática quando vista por completo, em conjunto com a fundação. Apenas a estrutura em concreto armado aparente, ou seja, as vigas de apoio com seus “braços triangulados” que tocam o solo é uma estrutura hiperestática, já que há engaste entre viga e pilar.
Fig. 33: Segunda casa Taques Bittencourt, Vilanova Artigas, São Paulo, 1959. Detalhe do ponto de apoio.
A sensação sublime é possível em outros projetos de Artigas, mas de outra forma: no ponto de apoio. Na Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube a estrutura da cobertura é apoiada em vigas-empena que, em determinados pontos, alongam-se como triângulos para descarregar a carga num ponto mínimo e articulado, assim anula os esforços de momento ao deixar apenas a compressão – ou seja, apenas há compressão porque o apoio é articulado, portanto a estrutura, como um todo, é isostática.52 Além do grande vão entre apoios, estes possuem pequena área de contato com a fundação, e isto faz com que a área coberta tenha maior superfície livre para uso. Os roletes do apoio articulado são mais resistentes à compressão por serem de aço e não de concreto, e permite concentrar maior carga por área do que o concreto. Estes roletes são ideais para criar um apoio simples, pois não há esforços cortantes e não transmite momento fletor à fundação. Esta solução é usual em estruturas de viadutos e foi utilizada por Artigas nesta garagem de barcos. Na segunda casa Bittencourt, de 1959, é latente a vontade de elevar o edifício para torná-lo independente do terreno e assim, criar aberturas para ventilar e iluminar os ambientes ali recolhidos. Porém, nem todas estas colunas se apoiam no solo, num ponto de apoio mínimo, ou possuem atenção especial no que tange à chegada ao solo, mas sim ao receber os planos horizontais de carga: viga, laje e cobertura: os clubes e as escolas projetadas na década de 1960. Artigas, geralmente, faz uso de estruturas em seu limite, com dimensões monumentais que se apoiam em elementos verticais mínimos, leves e pequenos, a carga “negada dialeticamente pelo ponto de apoio”. E o arquiteto confessa isto em sua prova para professor titular retomando o trabalho dos arquitetos do período clássico:
Fig. 34: Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Detalhe do ponto de apoio.
53. ARTIGAS, 2004b, p. 224.
Veja que interessante como esse artista malicioso não aceita a relação imediata da passagem do apoio e da força de gravidade para sustentar a coluna a não ser por meio dessa forma dialética e negativa da própria força inexorável da gravidade, por meio do capitel. Nesse ponto ele fala uma outra linguagem. Nessa altura, o que o arquiteto diz é: “Não tenho nada a ver com a força da gravidade, é um obstáculo absurdo, que a idéia, o pensamento e a sensibilidade podem negar dialeticamente”. E negam-no cantando!53
O cantar que o ponto de apoio entoa através do observador está no que este sente e aprecia, na experiência estética proporcionada pela estrutura. Esta magnitude faz com que o homem se aproxime da estrutura a tal ponto que a humaniza, faz dela algo com vida e com comportamento, leva a força vivificada a caminhar e a torna escultura. Ou seja, a coluna traz não somente uma ideia didática. Não são apenas as linhas de força que ali atu
36. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
am e proporcionam ao observador a experiência estética. Esta simpatia do observador à obra – Einfühlung, no alemão – é definida por Theodor Lipps e explicada abaixo por Renato de Fusco: As formas arquitectónicas e geométricas têm em geral uma actividade mecânica potencial que estimula reflexos psicológicos análogos no observador, o qual, por sua vez, devido àquilo que de afim nele existe, imita inconscientemente os modos e os sentidos dessas formas. Assim seria possível a determinação de uma série de símbolos geométricos cuja presença permitiria uma leitura semântica da obra arquitectónica. As linhas verticais, horizontais, oblíquas, as formas geometricas planas e sólidas, as ilusões ópticas e as cores foram associadas a tantos outros estímulos fisiopsicológicos, a tantos outros significados, quantas vezes de modo demasiado mecânico e ingênuo.54
54. T. Lipps apud FUSCO, 1984, p. 49-50.
A simples modificação/translocação destes elementos estruturais cria os símbolos geométricos necessários para determinar demais formas que aludem ao psicológico do observador. Porém não é toda a historiografia que concorda com esta estética do projeto que é dada ao arquiteto, fala-se de uma técnica que satisfaz a estética55 para ganhar uma base argumentativa que justifique seu uso e sua forma escultural.
55. Retomando os comentários sobre o artigo de Nervi na revista Habitat.
Considerar a arte de construir – Baukunst - pode fazer desembocar em dois fenômenos. [...] No primeiro, a técnica que representa em toda a história a própria humanidade é o mais elementar recurso do homem para explicar o mundo [...] No segundo, a técnica, em seu estado mais elevado e quase cientifico, adquire tamanho significado e transcendência que é capaz de emprestar atributos artísticos ao objeto. O primeiro fenômeno refere-se a Lina Bo Bardi e o segundo a Vilanova Artigas.56
56. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2004, p. 126-7.
Por poética construtiva entendeu-se a satisfação alegórica da técnica que expressasse, de maneira fácil, uma imprevista imagem plástico-técnica. Arquitetura feita com o que poderia se chamar de iconografia técnica de alcance popular.57
57. Idem, p. 114.
A didática estrutural torna-se iconografia técnica de alcance popular. A satisfação daquele que vê a obra se dá pela proximidade que tem, agora, com isto que já se encontra na experiência artística de cada observador. Aproxima-se a empatia da iconografia técnica, o homem, o indivíduo, o transeunte que ali vê a estrutura fica maravilhado com a construção, não apenas pela compreensão de seu funcionamento, mas por todo conhecimento que ele tem. Inconscientemente ele associa o objeto com o que já se conhece e com o que pode ser uma experiência estética. Deste modo se pode aproximar o engenheiro-arquiteto a um artista escultor que conhece além da técnica ensinada na Politécnica, mas de um entendimento sensível de quem aprecia sua obra construída. Ou até mesmo, podemos falar que Artigas extrapola na estética para demonstrar convicções ou preferências suas. Canta o apoio, segundo a harmonia produzida pela tensão das formas condensadas e retesadas pelas cargas. Empatia psicológica que muito mais do que imaginar o fenômeno da gravidade, sente-o e transforma em Gestalt, importância espetacular e comovedora que a fantasia em um único ponto – ornamento – acumula e desempenha. A bem-sucedida e decisiva relação entre a forma e material na experiência estética dos concretistas, quando constroem esculturas e telas segundo o ativo preceito puro-visualista, com a estrita e subsequente operação materializadora, acabaria por tornar-se figurativa em mãos de arquitetos.58
58. Idem, p. 145.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .37
Utilizar de outro ramo da arte para explicitar suas crenças é algo que o arquiteto paulista pode até ter feito, mas como este estudo considera que sua estrutura é uma escultura, é preciso compreender antes com o que este ramo da arte lida, como se processa e quais são suas regras para se constituir como tal. Aproxima-se, de certa maneira, a Arquitetura da Escultura
Fig. 35: Desenho segundo vitral da Catedral de Rouen, séc. XIII. Há escultores entalhando os capitéis das colunas da igreja.
Fig. 36: Kouros, c. 600 a.C.. Representação humana na Antiguidade.
Desde os primórdios, os entalhes dos capitéis tem sua forma que representa para além do sustentar. Tais entalhes na pedra são relevos que representam folhagens, elementos geométricos, ou demais desenhos, conforme a época que se dá sua construção. Tais entalhes nada mais são do que pedras esculpidas que possuem função estrutural, ou seja, uma escultura tratada como estrutura. A escultura é um ramo importante da arte, ela trata de representar tridimensionalmente imagens, predominantemente o corpo humano. Através deste modo de representação transmitem-se os sentimentos através de uma cena retratada fisicamente no material esculpido, seja madeira, pedra ou metal. A partir da modernidade a escultura – juntamente com todas as formas de arte – passa por uma modificação – desumanização – que, principalmente, faz da representação do corpo humano não ser mais foco principal, menos ainda sua reprodução fiel.
Fig. 37: Bernini: Longinus, 1629-38. Representação humana no período Barroco.
Fig. 38: Umberto Boccioni: Formas Únicas da Continuidade no Espaço, 1931. Representação humana na Modernidade.
Comentar como a escultura representa o corpo humano e, assim, transmite os sentimentos ao observador é algo complicado para um arquiteto, porém críticos de arte dizem que as expressões do rosto, a posição e impressão de leveza que a forma nos dá, apesar do peso do material, é que causa a experiência estética sentida pelo observador. No caso deste estudo, a mesma lógica – o mesmo papel – da escultura é a que ocorre aos elementos estruturais da obra de Vilanova Artigas.
59. ALDRICH, 1973, p. 83.
[...] a escultura surgiu como uma Arte separada, uma bela Arte. Uma “bela” Arte preocupa-se, primariamente, com a manipulação dos materiais plásticos, com vista à animação do meio por um conteúdo.59
A escultura tem um fim em si, e toda a experimentação ao observá-la permanece com ela, sem haver nenhum outro fim. Na arquitetura, além
38. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
e outros fins, há a finalidade de habitar o objeto construído, há utilidade, o que questiona a arquitetura como uma atividade das Belas Artes. Esta estrutura, tal qual a escultura, transmite suas expressões e sensações: o como se apoia e comporta uma estrutura de apoio moldada em concreto e, pelas suas dimensões, sua força perante o que suporta. A fachada do edifício da FAUUSP tem pilares a cada 22m, estes possuem força suficiente para suportar a empena de mais de 100m de comprimento e quase 7m de altura. E este modo de explorar as formas já foi dito por Le Corbusier – e citado neste trabalho. [...] No entanto quando, em um de seus mais reproduzidos e incomuns aforismos, referiu-se à arquitetura como o sábio jogo dos volumes e sombras sob a luz, fez uma fantasmagórica referencia à forma por intermédio da percepção sob raios solares, através daquilo mais impalpável e etéreo, como fazem os autênticos pintores. A qualidade da forma não seria dessa maneira atribuída pelas eficientes decisões funcionais e maquinistas, apenas suficientes para formalizar, mas por aquilo que resulta da luminosidade, do que é captado pelo olho, fixado pela retina. [...]60
Fig. 39: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Vão de 22m entre pilares.
60. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2004, p. 206.
Neste caso não é a pintura, mas a escultura que se torna o modo de fazer arquitetura, a forma não pode simplesmente atender às solicitações, nem mesmo ser apenas bela, ela necessita transcender sua essência e tocar o observador, fazer dele participante das solicitações, receber o Geist materializado na forma e na matéria da escultura estruturante da arquitetura. O Geist, tornado coluna61, agora se torna observador, e este que contém sua essência passa a compreendê-la e, então, emancipa. Talvez seja esta a intenção por trás do desenho, e, se de fato, há tal relação de existência e transcendência, o desenho de fato politiza o observador. Então a estrutura ganha mais uma razão para ser um objeto plástico, estruturante e estético: a de emancipar o observador ao mostrar sob que condições ele vive. “Da História”, escreverá mais tarde, “nos vieram ensinamentos que nos permitiram adquirir a certeza de que uma criação perfeita se tornou bela apenas quando o nosso “eu” a penetrou, ao mesmo tempo que a vida que a anima com o seu sopro a liberta da sua materialidade. Numa obra de arquitectura, esta ilusão de vida exprime-se através das flexões e tensões diversas da linha que nos convidam a participar no jogo das funções, no esforço levado a cabo pelos elementos de uma construção ao servirem de base a uma gravação, ao se elevarem ou sugerirem...”62
Porém, antes desta função, como se sabe, a arquitetura entendida como construção exige que se obtenha a estática da estrutura para abrigar seu usuário ao realizar apoios com dimensões satisfatórias e proteger interfaces entre os elementos construtivos para que intempéries não causem danos à construção e a seus usuários. Mas a razão é insuficiente para conceber arquitetura, caso contrário, caberia aos engenheiros configurar artefatos, projetar edifícios. A racionalidade estrutural e técnica quando contrabandeada para a arquitetura e ascendida a tema artístico, é, invariavelmente, dominada por decisões estéticas convencionais e análogas às do Neogótico do século XIX.63
Ou seja, a Arquitetura como Arte é mais que o simples construir, e daí concorda-se com a tríade vitruviana “utilitas venustas et firmitas”64 que rege as três funções primordiais da arquitetura: ser um elemento estático, ser salubre à que ali vive e ter beleza para agradar à quem veja.
61. Conferir K. Fiedler in FUSCO, 1984, p. 85. Já citado neste trabalho, p. 21.
62. Henry van de Velde in FUSCO, 1984, p. 55.
63. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2013, p. 07.
64. Tradução livre: utilidade, beleza e solidez.
Porém na modernidade a Escultura, tal qual todas as demais Artes, passa A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .39
por modificações fundamentais, e então passa a se preocupar com as formas e como o homem reage ao vê-las. O puro-visibilismo entra em ação, e os escultores que mais se preocuparam com isto foram os da corrente concretista. Artigas, como já dito, tem proximidade com artistas paulistanos, como na época de faculdade com o grupo Santa Helena de pintores, e anos depois, com o grupo de artistas concretistas, dentre eles, escultores.
65. ESPALLARGAS GIMENEZ, 2004, p. 192-3.
Os triângulos que se equilibram nos quadros de Ademir Martins, nas esculturas de Amilcar de Castro ou de Franz Weissmann, interessam a Artigas. [...] Essas correntes pictóricas e escultóricas poderiam ajudar a desvendar condições plásticas recorrentes que acabaram apresentando-se como problemas de forma para os arquitetos na segunda metade da década de cinquenta, do século XX.65
Talvez a exploração plástica da estrutura, mesmo que justificada – ou realmente provinda dos cálculos das estruturas em concreto armado –, reproduza as regras da escultura que estes artistas amigos do arquiteto usam em suas obras. Confunde-se fazer arquitetura com fazer escultura, ambas as artes são próximas devido ao seu trabalho com o objeto, diferente da pintura, fotografia e cinema, que trabalham com planos, ou da música e literatura, trabalhos imateriais.
Fig. 40: Erecteion e as cariátides.
66. FUSCO, 1984, p. 107-8.
Integração típica entre a Einfünlung e visibilidade pura é o valor que na teoria em causa assume o problema das dimensões e do movimento. A natureza espacial comum é o elemento unitário das artes figurativas. A sua distinção resulta dos diferentes aproveitamentos dimensionais. Na escultura, segundo Schmarsow, domina a primeira dimensão, entendida como o plano ideal de Hildebrand sobre o qual se projecta de maneira uniforme a visão à distancia ou visão óptica; na pintura dominam as duas dimensões da superfície; e na arquitectura predomina a terceira dimensão da profundidade. Nesta direcção penetrante se desenvolve o movimento da criação e fruição do espaço arquitectónico, espaço cúbico côncavo e vazio. Portanto a forma arquitectónica nasce deste processo dinâmico do interior contra o exterior, que implica também uma sucessão temporal cujos sinais se encontram no ritmo do organismo já configurado: “Quando nos encontramos num edifício, a última palavra cabe em definitivo à concepção simultânea, pois que conjugamos em nós o paralelismo dos lados como uma fase do nosso procedimento, deixamos para trás a posição do espaço já atravessado como uma duradoura aquisição e reconhecemos por fim no próprio eixo do movimento a autoridade simétrica que mantém o todo unido.” Além do referido gesto configurador, este movimento em frente, conjugado com a tendência inata do homem para se desenvolver espacialmente e a formação do espaço do interior para o exterior, são argumentos defendidos por Schmarsow com base no facto de a beleza arquitectónica encontrar assim a integração e a sua própria razão de ser na finalidade a que se destina cada tipo de construção.66
Se o modo de fazer arquitetura é próximo do modo de fazer escultura para que melhor se transmita as intenções emancipatórias ao seu observador, então a experiência estética provém de uma intenção ética do artista. O arquiteto então transcende seu próprio oficio: não só cria objetos que servem de habitat, não só trabalha com regras construtivas, não só faz deste objeto apreciável; ao deslocar-se de seu métier, desloca-se também da razão estética para a razão ética. Porém aqui há um problema, pois não há indícios de que isto de fato seja verdade, já que Artigas nunca afirmou relações com demais produções no âmbito da arquitetura, o que faz disto uma suposição. A ética proposta por Artigas parece ser escorregadia. Não
40. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
sei se Artigas conhecia as posturas éticas e estéticas dos Novos brutalistas ingleses, mas não fazia questão de declarar, e se realmente conhecia, não era o suficiente para a compreensão do que acontecia. Era mais cômodo e oportuno adotar uma postura do tipo “não sei, nem quero saber” do que revelar os laços culturais existentes, ainda que inconscientes. Mas a medida em que se estuda as relações de Artigas com os concretistas percebe-se realmente como ele estava realmente vinculado a uma estética universal. Em “A função social do arquiteto”, comenta: “Veja a vivência com os concretistas... O concretismo tinha a pretensão e é Affonso Romano de Sant’Anna que diz, de substituir a luta política por uma visão estética global do mundo, conter em sua visão estética a substituição de uma nova proposta social… Percebi isso nessa altura e comecei a me aproximar de Waldemar Cordeiro e de outros e que faziam coisas incompreensíveis para muita gente naquela época”.67
67. FUÃO, 2010.
No trecho acima a aproximação com os concretistas devido às suas crenças de emancipação através da arte é afirmada, e Artigas procura com seu desenho esta intenção politizante. Porém seu modo de “esculpir” a coluna pode não ser tão ético quanto se pensa. O arquiteto usa a manufatura ao moldar in loco o concreto, e também ao deixar aparente o madeiramento das formas como forma ética de respeitar as mãos daquele que construiu. Esta crítica formalista ataca a não industrialização da construção: arquitetos projetam enaltecendo a industrialização, mas constroem com mão de obra simples e desqualificada no canteiro. Esta ética apareceria na obra ao ver as marcas de tudo o que se fez: as paredes de tijolos bem assentados; as tubulações hidráulicas e elétricas, bem identificadas, que passam pelas paredes e lajes; os caixilhos, portas e demais elementos que vedam aberturas com seus encaixes; e os pilares que sustentam a laje com sua forma que deixa clara a carga de toda a estrutura. Ao observador desperta respeito ao ver as marcas do trabalho, assim o operário torna-se visível e respeitado. Porém pilares como estes, cuja forma não ortogonal e oblíqua, fazem com que o operário tenha mais trabalho, gasto de energia, além do desperdício que há com todo madeiramento usado na concretagem. Daí a crítica de Sérgio Ferro à Artigas: imaginar um ideal e buscá-lo não é um modo de avanço tecnológico correto porque se torna bruto para com aquele que trabalha para construir o projetado, é melhor que use a tecnologia em mãos e faça dela o melhor possível. Aqui sim, de verdade, sem anacronismo ou coisas do tipo, surge a ética do projeto. É com Sérgio Ferro, não com Vilanova Artigas. Porém a ética do projeto é algo incompreensível, pois há um paradoxo ao deixar todo o trabalho aparente e propor deformidades na racionalização do canteiro. O recuo perante a tecnologia moderna é um desrespeito ao operário que, além de continuar trabalhando conforme sua habilidade rotineira, faz com que se esforce mais ainda ao construir formas para colunas escultóricas, vibrar o concreto e desformá-lo manualmente. O que se espalha por todo o Brutalismo como algo intrínseco a ele é apenas uma de suas críticas vindas de um de seus discípulos. Sérgio Ferro vê na produção de Artigas e demais arquitetos próximos uma base tecnológica a disposição, mesmo que eles busquem alcançar uma tecnologia ainda não palpável. Devido a esta proximidade, fala-se que Ferro e Artigas são brutalistas quando o primeiro usa de sua técnica ao modo simples e, para este, justo para criticar o segundo e mostrar que não é este caminho que se deve trilhar. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .41
68. MARCUSE, 1996, p. 113.
A técnica por si mesma pode promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto a abun68 dancia, tanto a extensão quanto a abolição da labuta.
Após passar pela estética e ética, chega-se à técnica. Técnica que emancipa. Intenção que emancipa. Arte que emancipa. Marcuse, acima citado, crê que a técnica não depende dela mesma para ser uma coisa boa ou ruim, mas sim de quem a usa e para que a usa. Um exemplo citado por ele é do período do nacional socialismo, que tinha as mais avançadas técnicas e mesmo assim teve uma “opressão totalitária e da continuidade da escassez”. Produzir, em grego, é tíkto (τίκτω). À raiz tec desse verbo é comum à palavra tékhne (τέχνη). Tékhne não significa, para os gregos, nem arte, nem artesanato, mas um deixaraparecer algo como isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, no âmbito do que já está em vigor. Os gregos pensam a tékhne (τέχνη), o produzir, a partir do deixar-aparecer. 69. HEIDEGGER, 1951.
A tékhne (τέχνη) a ser pensada desse modo, de há muito, se resguarda no tectônico do arquitetônico.69
Ao buscar a raiz da palavra Técnica vê-se que emancipar através da estética é deixar-aparecer o que se intenciona. Logo, o ponto de apoio canta conforme a estética, que segue a estática e a intenção ética, através da técnica que emancipa. E ao cantar a estrutura torna-se escultura e materializa o Geist que provém da intenção, do desígnio, do desenho do arquiteto.
70. Esclarece-se que o autor não cria, ou mesmo acredita, numa ideologia em que arquitetos comunistas são melhores que os arquitetos de direita. A estética do projeto independe da posição moral e ética do arquiteto. 71. ARTIGAS apud GIANNECCHINI, 2009, p. 273.
Mesmo com suas contradições e seus paradoxos, a obra do arquiteto paulista possui sua importância, pois como engenheiro-arquiteto vinculado ao Partido Comunista teve seu modo de lutar contra as forças opressoras do capitalismo e da burguesia. Considera-se então que a Estrutura como Escultura é uma forma emancipatória daquele que o faz e daquele o observa o feito.70 Não pesquisamos somente no terreno da forma. As formas são validas quando puderem ser tecnicamente justificáveis. Mas a posição inicial na pesquisa formal tem conteúdo humano. O humano, na Arquitetura, condiciona o técnico. A visão do engenheiro é essencialmente técnica. Os arquite71 tos disputam as posições dos técnicos.
42. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .43
44. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
Sobre as obras selecionadas Dentre a variada produção do arquiteto, decide-se escolher as obras ícones de Vilanova Artigas para análise, comparação e compreensão. Dentre estas, percebe-se que o início da década de 1960 corresponde ao período de máxima exploração, com os projetos dos clubes e escolas. A exploração do pilar é continua e tem sua linguagem própria72, com suas razões e continuidades entre uma obra e outra. El Segundo tropo era un impulse erótico, casi perverso, por abrir el encuentro entre la viga y el pilar para permitir la penetración tanto de la luz como del agua en un punto de máxima tensión, tal y como lo encontramos en la parte superior de los pilares del club de tenis de Anhembi (1961) y, más tarde, y tal vez de un modo aún más espectacular, en los capiteles de la estación de autobuses de Jaú en 1973. Espacialidad aparte, estos recursos tectónicos manifiestan una intención que solo puede entenderse como simbólica, puesto que el gesto va contra los límites de la técnica y de la tradición. Como diría Vilanova Artigas para justificar la solución constructiva, “Es importante que los arquitectos modernos se expresen con nuevos símbolos. Estos nuevos símbolos son hermanos de los nuevos técnicos e hijos de los antiguos símbolos.”73
Estes símbolos buscam a identidade nacional através da arquitetura, mostram o domínio técnico sobre a construção – ou mostram que este domínio, às vezes, de nada importa – e criam uma monumentalidade que, como já dito, transmite esta mensagem às gerações vindouras. Os projetos das residências, em fins da década de 1950 é o começo da fase de exploração plástica do concreto e da estrutura da construção. A tríade das casas – Baeta, Mendonça e Bittencourt – marcam a nova maneira de projetar: o concreto passa a não receber tratamento após desforma, a estrutura torna-se oblíqua até ganhar o status de partido arquitetônico. A segunda residência de Mário Taques Bittencourt (São Paulo, 1959) possui duas paredes estruturais que suportam as lajes em desnível que formam um pátio interno à residência. Estas paredes prolongam-se em triângulo em direção ao solo para descarregar, cada uma, em dois pontos de apoio sobre as fundações. Anos depois, na FAUUSP, a mesma linguagem é utilizada, não apenas a estrutural, mas como a do vazio interno, as lajes desencontradas, as rampas, e tudo o mais que pode fazer desta residência o protótipo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
72. Conferir WEBER, 2005.
73. FRAMPTON, 2010, p. 09. Tradução livre: “A segunda metáfora era um impulso erótico, quase perverso, para abrir o encontro entre a viga e o pilar para permitir a penetração tanto a luz e a água no ponto de tensão máxima, tal como é encontrado nos pilares do Anhembi Tenis Clube (1961) e, mais tarde, talvez um ainda mais espetacular nos capitéis da Estação Rodoviária de Jaú, em 1973. Espacialidade a parte, esses recursos tectônicos manifestam uma intenção que só pode entendida como simbólica, uma vez que o gesto é contra os limites da tecnologia e tradição. Como diria Vilanova Artigas para justificar solução construtiva, “É importante que os arquitetos modernos de expressar-se com novos símbolos. Estes novos símbolos são irmãos dos novos técnicos e filhos dos símbolos antigos.”
Em oposição à implantação usual das residências paulistanas, a casa inverte a disposição do programa e dilata sua ocupação no lote, transformando-o em espaço interior. Se podemos nos remeter aqui à tipologia da casa romana, com seus pátios reclusos, devemos também considerar a
Fig. 41: Segunda casa Taques Bittencourt, Vilanova Artigas, São Paulo, 1959. Croquis do arquiteto. Atentar para a caixa fechada cujas laterais triangulam-se para chegar ao solo num ponto mínimo.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .45
74. PONTES, 2004, p. 118.
poética particular de identidade entre espaço e estrutura que Artigas começa a desenvolver. O arquiteto reduz o conjunto estrutural da casa a um sistema porticado, que, vazado no meio por um pátio ajardinado, libera o solo para um engenhoso arranjo de cortes e desníveis. Assim como na FAU-USP, o programa é disposto dos dois lados do vazio central e conectado por rampas que vencem meia altura a cada lance. A amplitude do interior, voltado para um jardim envidraçado, contrasta com a aparência exterior de reclusão e sobriedade.74
O fato de esta residência ter se tornado referência no projeto das casas paulistanas vai além de seu partido estrutural, como se vê na citação acima, a relação com o lote se refaz, e também a questão da planta: o estar encontra-se aos fundos, enquanto os serviços na frente para a rua. A renovação da planta arquitetônica em Artigas não está presente apenas na residência, mas também nas escolas que ele projeta neste período. Duas delas são de importância para o estudo: a Escola de Itanhaém e a de Guarulhos, construídas em 1959 e 1960, respectivamente. A nova planta define maiores espaços para agregar pessoas, espaços livres sem uso prédefinido que permite a ocupação de seus usuários conforme suas necessidades. E na estrutura há uso de pórticos que liberam as vedações e demais conjuntos da construção de sustentar a cobertura.
Fig. 42: Pórtico e momento: esquema de carregamento uniformemente distribuído num pórtico (acima) e gráfico do momento fletor solicitado neste mesmo pórtico (abaixo).
Para compreender melhor esta obra, e as demais, é importante ter a noção do que são os esforços solicitantes de uma estrutura, principalmente em um pórtico. O pórtico é simplesmente o trilítico viga-pilar com seus encontros engastados, ou seja, não há articulação no ponto onde a viga se apoia em seus pilares, e isto faz que o esforço solicitante de momento fletor seja compartilhado entre eles. O ponto em que o momento tornase nulo está na metade do pilar e da viga, e não nos extremos das peças quando os apoios não possuem engaste. Na região do pilar, o momento cria um desenho triangular que se torna recorrente nas estruturas aqui estudadas. Na Escola de Itanhaém o pórtico é duplo, com desenho dos apoios em forma triangular. A inclinação encontra-se no mesmo lado em que o desenho dos esforços de momento fletor de um pórtico representa tal solicitação. E, no ponto de contato com o solo, o apoio afunila-se para encontrar um único ponto de descarga a compressão, como se ali não houvesse nenhuma solicitação de momento, tal qual o desenho de seu gráfico isostático. Os pilares da Escola de Guarulhos obedecem essa mesma linguagem, porém ela é mais refinada do ponto de vista formal. Parece que aqui Artigas decidiu explorar mais o desenho, talvez devido ao declive topográfico que existe nesta escola. Na planta o mesmo se repete, o pátio interno fica a meio nível em relação às salas de aulas (acima) e às quadras (abaixo). Este pátio possui algo novo em sua obra: a iluminação zenital. O pilar aqui, também com a inclinação triangular que representa os gráficos de momento fletor de um pórtico, recebe uma base a partir do rebaixamento do piso, ou seja, o momento que tende a zero mostra-se, e pilar e fundação se apresenta na forma desta estrutura. Mesmo que em
Fig. 43: Ginásio Estadual de Guarulhos, Vilanova Artigas, Guarulhos, 1960. Corte transversal.
46. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas
planar, aqui já se mostra o que em seu projeto mais importante se faz de modo tridimensional: a união de estrutura de sustentação e estrutura de descarga na estrutura de apoio. Porém, antes de citar a FAUUSP, ver-se-ão os clubes. Artigas projeta em 1960 as instalações das piscinas e vestiários do São Paulo Futebol Clube. Um edifício longilíneo, próximo às piscinas, com térreo livre e pavimento superior que abriga os vestiários feminino e masculino, além de um salão, este com acesso independente. O térreo possui sala médica, restaurante e bar sob os pilotis com forma expressiva marcante. Os vestiários do SPFC não estão entre os projetos mais relevantes da obra do arquiteto, porém corresponde a um dos primeiros – talvez o primeiro – em que ele abole o fuste ao unir base e capitel da coluna ao elevar do solo a fundação.
Fig. 44: Elevação da fundação para criar térreo livre.
Entre os cinco principais pontos da arquitetura moderna segundo Le Corbusier, um é deixar o térreo livre ao elevar o edifício sobre os pilotis. O arquiteto faz o mesmo nos vestiários do SPFC sem alongar as colunas, mas apenas com elevar todo o edifício, com os blocos de fundação aflorados para liberar o solo. Além dos pilotis, a paginação das tábuas das formas de concretagem fica aparente na empena-viga do pavimento superior. Por causa dessa empena de carga a iluminação e ventilação do pavimento superior se dá por aberturas na cobertura (iluminação zenital e ventilação por efeito chaminé). [...] o mesmo elemento estrutural responde a uma dupla ordem de solicitações provenientes de direções divergentes, tanto que o alargamento da seção ocorre exatamente na área de junção da laje e da empena; em contrapartida, no segmento em que tais esforços se aproximam do solo a seção tende a diminuir. É exatamente por isso que eles passam a tomar uma forma volumétrica, e não mais planar, como em Guarulhos, formando uma peça escultórica que lembra cunhas encravadas umas contra as outras.75
75. KAMITA, 2000, p. 31.
Fig. 45: Vestiários do São Paulo Futebol Clube, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Corte transversal
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .47
Esta coluna sustenta tanto o piso do pavimento superior quanto a empena cega de sua fachada. A empena tem como única função estrutural sustentar a cobertura deste edifício. A coluna possui este alargamento de sua secção na parte superior para abarcar tanto o piso quanto a empena, porém estes dois elementos sustentados por ela não se unem para abrir um espaço de ventilação do pavimento superior. Neste ponto – onde a carga transmite-se da laje para o pilar – é onde há maior solicitação de momento, e por isso a coluna possui maior volume e área, e diminui a secção para que transmita o mínimo de esforços de momento à fundação.
Fig. 46: Anhembi Tênis Clube, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Pilar que conduz águas pluviais internamente.
Talvez seja um romantismo formal dizer que o pilar é a fundação elevada, porém a rigidez da estrutura através da forma é um fato calculado: quanto maior a área para determinada força, menor é a pressão exercida. Logo, aumentar a área de contato na parte superior do pilar para melhor conduzir os esforços justifica-se. Artigas apenas toma tal dado estrutural para tomar partido e realizar um formalismo que batizaram de elevação da fundação do edifício. Assim o “exagero estrutural” que Ferro diz haver, de fato pode ser comprovado neste projeto. Os projetos do São Paulo Futebol Clube e do Anhembi Tênis Clube têm suas semelhanças enquanto organização espacial, porém sua estrutura diferencia-se devido ao tratamento plástico e estrutural que possuem: enquanto um tem o pilar que suporta piso superior e viga o outro é um pórtico cuja viga do piso superior é uma espécie de travamento do pórtico, e geram diferentes desenhos que faz supor que o primeiro é a fundação elevada e o segundo, um pórtico que representa seus esforços e recolhe as águas pluviais.
Fig. 47: Anhembi Tênis Clube, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Corte do pilar e esquema do escoamento de água em seu interior.
O Anhembi Tênis Clube (São Paulo, 1961) possui como estrutura um pórtico, com um edifício em forma linear que abriga os vestiários, lanchonete, quadra poliesportiva, administração e todos os demais usos fechados do clube. Sua coluna canta de modo que as pessoas ouvem seu som: o som das águas que cantam ao descer pela estrutura triangular de concreto. Seu interior é oco, de modo que a água captada pela caneleta de concreto escorre em seu interior e então, por uma pequena gárgula, cai na caixa de coleta de águas pluviais junto ao chão. A forma do pórtico/pilar pode se aproximar dos gráficos de momento fletor (tanto estudado em resistência dos materiais e em isostática) de um pórtico que recebe carga uniformemente distribuída. A expressão da estrutura, musculada e forte, que resiste a todo e qualquer peso/carga, é a estrutura que canta a singela “música” das águas, ao chover, acalmando aqueles que ali estão desfrutando de um descanso, com um café ou livro, ou até mesmo jogando um futebol na quadra. De fato, o arcabouço geral de sustentação – vigas horizontais em seção invertida e apoios verticais prismáticos – tem seu desenho baseado em módulos de seção triangular contrapostos. O perfil lembra o ginásio de Itanhaém, mas a diferença está na base do pórtico – pois na terminação do triângulo, Artigas justapôs outro prisma menor, só que em posição invertida, para ganhar maior equilíbrio e estabilidade, uma vez que ele está amparando também o piso intermediário. Em termos de cálculo estrutural, fica evidente que o arquiteto opera segundo um sistema de peso e contrapeso, entre sólidos que descarregam e que amparam a força da gravidade. Outra novidade dessa armação é a introdução de um vão justamente no encontro da vigacalha com o pilar para receber as águas da cobertura e fazê-las escoar até o chão. Esta seria, creio, uma solução decididamente poética para exibir um dos aspectos da mecânica da construção, pois justapõe, no ponto mais improvável, um dos mais sólidos materiais – o concreto – àquilo
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Fig. 48: Comparação entre o gráfico de momento solicitado em um pórtico e a estrutura da Garagem de Barcos. O momento nulo no gráfico é representado arquitetônicamente pelos roletes metálicos.
que é o avesso da matéria maciça – a água.76
76. Idem, p. 32.
E aqui a estrutura que representa fielmente um pórtico também é uma estrutura que se torna, além de escultura, poesia. O “negar dialeticamente” as forças aqui se encontra ao escoar a água de sua cobertura, de mostrar o maciço e seu avesso unidos numa escultura que, de fato, entoa sons. Porém o cantar do ponto de apoio pode ser mais refinado, feito apenas com a própria razão isostática do apoio, como na Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube, projeto de 1961. Pode-se dizer que a garagem de barcos é simplesmente um viaduto que, ao invés de receber veículos que atravessam algum obstáculo sobre ela, abriga barcos sob ela. De fato, ao analisar sua estrutura, vê-se que tal afirmação é verdadeira e irrefutável: laje sustentada por uma trama de vigas que se apoiam em vigas principais em suas laterais que estas, por sua vez, descarregam a carga suportada em pilares que seguem diretamente para as fundações. O detalhe que faz a diferença e traz este projeto à discussão neste estudo é como os esforços são representados fielmente nas formas que moldam o concreto deste viaduto que abriga barcos. Ao analisar o gráfico isostático de um pórtico, vê-se que há um momento compartilhado nas partes próximas da conexão entre pilare e viga. Há, também, um local, tanto na viga quanto nos pilares, em que o momento é zero. No caso da garagem de barcos, o ponto de momento zero é concretizado nos roletes metálicos que sustentam toda a megaestrutura de concreto armado. O apoio é como um prolongamento da viga, que busca afunilar-se num único ponto para concentrar os esforços de compressão e anular o de momento. Neste projeto o momento zero se concretiza, a estrutura hiperestática toca o solo em pontos quase nulos graças aos roletes metálicos. Concretiza-se plasticamente o apoio simples dos gráficos isostáticos que de maneira tão singela se deixa representar. E tal representação Artigas procura reproduzir em outros momentos, como a própria FAUUSP e na residência de Elza Berquó. Os textos abaixo citados unem-se ao aproximar a didática estrutural que o arquiteto assume e a explicação dada à coluna de sua obra mais reconhecida: o edifício na Cidade Universitária da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1961). Entende-se didática estrutural como uma estrutura autoexplicativa, cujas formas copiem seu
Fig. 49: Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .49
funcionamento estrutural. Uma arquitetura estrutural, aquela que aproxima sua forma dos gráficos de esforços solicitantes calculados para a estrutura em questão. Os termos são próximos, porém o primeiro tem como função ensinar ao observador aquilo que o segundo usa apenas como partido estético. Tais conceitos unem-se nos desenhos do arquiteto, que buscam na engenharia estrutural sua estética e fazem questão de ensinála a quem olhar.
77. WISNIK, 2010, p. 21. Original em português: “[...] o bloco de fundação que aflora do solo para receber, sem a transição do pilar, a enorme viga de concreto. [...] Essa ideia da ‘coluna sem fuste’, que promove o encontro direto da base (ou fundação) com o capitel, também orienta o sugestivo desenho dos pilares da FAU [...]”. 78. FERRO, 1986, p. 68.
79. Wikipédia. 80. Conceito da física sobre um ponto no espaço que possui densidade infinita, ou seja, grande massa num pequeno volume.
[…] la zapata que surge del terreno para recibir, sin la translación del pilar, la enorme viga de hormigón. […] Esta idea de la “columna sin fuste” que promueve el encuentro directo de la base (o cimentación) con el capitel, también orienta el sugestivo diseño de los pilares de la FAU […]77 Lembro de certas aulas, onde o Artigas falava da estrutura considerando que se podia e devia em certos casos exagerar alguns detalhes, alguns pilares, não no sentido de enganar, mas ao contrário, para tornar ainda mais explícita a estrutura real, o comportamento real dos materiais. Era quase uma mentira ética, uma mentira didática.78
No edifício da FAUUSP, os elementos estruturais explorados são fundação e parede estrutural. Há três possibilidades de interpretação desta coluna: a ausência de coluna, mas a união entre fundação e parede estrutural; a coluna possui forma piramidal, com capitel unindo-a à viga-empena; e a emersão da fundação que mostra como a coluna se apoia. A sapata – fundação direta, rasa e, neste caso, isolada – tem como função distribuir “o peso da construção por uma área maior e sustentar a coluna com base na pressão distribuída sobre uma maior superfície para conferir estabilidade à obra”79 e possui, geralmente, o formato de tronco de pirâmide. Artigas faz emergir do solo a sapata – ou parte dela – e faz com que ela busque o ponto de singularidade80 da carga que se distribui ao solo. Desta ação nasce a pirâmide deste pilar. Do mesmo modo se age na parede estrutural, afunilando-a até encontrar o ponto de singularidade para descarregar, tal qual nos roletes da garagem de barcos. Neste ponto de singularidade que une as cargas que descarregam e aquelas que irão descarregar-se existe apenas compressão, o que ajuda o elemento a possuir maior estabilidade. Porém na FAUUSP estes pontos são relativamente deslocados um em relação ao outro. Ou seja, a sapata e a
Fig. 50: Sapata e parede que , trianguladas, criam o ponto de apoio, este, deslocado.
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parede estrutural unem-se de tal modo que o ponto de singularidade da sapata não seja o mesmo ponto de singularidade da parede de carga. Deste modo o pilar cria um apoio fixo na parte superior e um engaste na inferior. Tal deslocamento que cria a intersecção dos elementos estruturais torna-os elementos esculturais. Ao partir deste pressuposto chega-se ao exagero de considerar a inexistência de coluna na fachada da FAU-USP. Como uma segunda interpretação se vê o tronco de pirâmide que se ergue do solo como elemento que sustenta a viga-empena, ou seja, a coluna propriamente dita. Sua forma representa a descarga dos esforços no solo ao aumentar a secção transversal e distribuir a carga. Deste modo as abas laterais, que são contíguas à viga-empena, podem ser interpretadas como o capitel desta coluna, e neste cantar do elemento de apoio há a transferência da forma plana para o prisma piramidal. Porém, segundo Giannecchini (2009), Artigas decide “chamar atenção para o ponto onde o momento tende zero no pilar”, e assim separa pilar e fundação. Logo, não existe ponto de singularidade das cargas, existe, sim, uma representação do local de momento nulo através de um espaçador. Abaixo dele há a emersão da fundação, e acima, o pilar de fato, com sua forma expressiva que mantém a área de compressão constante, ou seja, uma variação de um retângulo quase linear para um quadrado, este rotacionado 45°. Daí o pilar assume uma expressividade ainda não vista, e também transforma o modo de apoio que a coluna tem com a viga-empena e a fundação. Logo a parede de sustentação também sustenta o peso, e com a variação da forma encontra diretamente a fundação. Os pilares externos, junto à fachada, [...] Participam também no travamento da estrutura no subsolo. Os 14 pilares suportam cada um, em média, uma carga de 225 a 300 toneladas. A forma dos pilares externos não é gratuita. Observando o comportamento estrutural de um pórtico simples e desenhando o diagrama de momento fletor, vê-se que o caminho das forcas no pilar de um pórtico de articulações rígidas se manifesta de forma semelhante àquela dada aos pilares externos da FAUUSP. Isto, como mostra Artigas, dominando questões de comportamento estrutural, decide explicitar esse funcionamento na forma do pilar e, mais ainda, decide dar chamar atenção para o ponto onde o momento tende zero no pilar, colocando uma articulação (na realidade, esse ponto geralmente corresponde à união do pilar com a fundação).81
O modo que Artigas faz o ponto de apoio cantar é diverso, seja ele através das águas, de luz, ou através do ensino da construção. O arquiteto repete a frase do francês August Perret (1874-1954), “Il faut faire chanter les points de apuie”82 para justificar muitas de suas explorações formais nas
Fig. 51: Ao considerar o tronco de pirâmide como pilar, a “aba” vem auxiliar na estruturação do elemento.
81. GIANNECCHINI, 2009, p. 227.
82. Tradução livre: “É preciso fazer cantar o ponto de apoio.”
Fig. 52: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Vilanova Artigas, São Paulo, 1961. Elevação e corte, detalhe para o pilar da fachada.
A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .51
estruturas em concreto. O ponto de apoio que entoa a canção didática no edifício da faculdade fala deste ensino da arquitetura e da construção, mostra a jovens aprendizes da profissão como funciona o elemento estrutural, a condução das forças, como transformar mera construção em expressão artística. A escola de arquitetos que Artigas projeta une estes pontos de vista neste cantar do ponto de apoio. Em sua prova para professor titular da FAUUSP em 1984, durante a arguição do professor Flávio Motta, o arquiteto mostra que ele partiu da frase de Perret, pelo gosto de negar dialeticamente as cargas suportadas, mas sabemos também, por intermédio de Sérgio Ferro, da convicção de ensinar como se comporta o edifício, a estrutura do edifício.
Fig. 53: Vilanova Artigas durante a arguição de Flávio Motta em sua prova para professor titular na FAUUSP.
Esta mesma arguição – especificamente a fala de Motta – pode unir-se com a fala de Artigas ao vídeo-depoimento, produzido por Fernando Frank Cabral e Eduardo Jesus Rodrigues, e interpretar, no limite das possibilidades, a FAUUSP como um templo grego: a ágora em seu átrio – o salão caramelo – e as colunas escultóricas como cariátides – as colunas de sua fachada.
83. ARTIGAS, 2004, p. 224. Grifo próprio.
[A frase de Perret] É uma observação do historiador da arquitetura, do homem que contempla a coluna grega e sabe que, na hora em que ela passa do fuste para a arquitrave, se transforma em flores e conversa com uma outra linguagem.83
84. RODRIGUES, 2005, p. 32.
Esperto, percebeu imediatamente meu intuito e respondeu: “- Quando fiz o projeto da FAU, pensei em um templo grego.” Passou então, a estabelecer as relações do templo com o prédio da FAU, falando do intercolunio, do peristilo, da ausência de portas, das qualidades harmônicas, do ritmo, etc.84
Este modo de abstração que Artigas consegue a partir do templo grego é feito antes por Ludwig Mies van der Rohe (1886 – 1968) na Nova Galeria Nacional de Berlim, inaugurada em 1968. Mies retoma a coluna dórica e a refaz de modo que tenha forma moderna com conceito clássico, além do afastamento das paredes de vidro em 7,20 m que cria um peristilo ao redor do museu.
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Fig. 54: Nova Galeria Nacional, Mies van der Rohe, Berlim, 1968. Desenho do pilar metálico de sua fachada.
Fig. 55: Frontispício do livro de Laugier, Essai sur l´Architecture, 1753, que mostra a “casa rústica” do homem primitivo, “o modelo a partir do qual todas as magnificências da arquitetura foram imaginadas”.
Estes pilares são uma redução cubista de uma ordem grega. Se não chega a desenhar o entasis grego, manteve, entretanto, uma marcante característica, que é a diminuição da seção na parte superior. A viga de bordo, metálica, funciona como o conjunto clássico arquitrave-friso.85
Fig. 56: Detalhe do ponto de apoio do (neoprene) tronco de árvore que sustenta a laje da casa de Elza Berquó.
85. COLIN, 2010.
Em união ao questionamento com a proximidade com as questões da arquitetura clássica que pode haver em Artigas a casa de Elza Berquó (São Paulo, 1967) recebe na estrutura que apoia internamente a laje que delimita toda a área da residência. Laugier, teórico do período neoclássico acredita que a origem das ordens provém do habitat primitivo, e chega a desenhar como ela poderia ter sido, com os pilares sendo troncos de árvore, e galhos que fazem papel da estrutura de cobertura. [...] Laugier fez exatamente isso. Visualizou esse abrigo [a casa primitiva] como uma estrutura constituída de esteios verticais, uma cumeeira e uma cobertura de duas águas – bastante semelhante ao que se vê no fronstipício de seu livro. Declarou que esta era a imagem definitiva da verdade arquitetônica; para usar suas próprias palavras: “o modelo a partir do qual todas as grandezas da arquitetura foram imaginadas”.86
86. SUMMERSON, 1982, p. 93-4.
Na época em que Artigas projeta esta residência, ele está preso devido às perseguições políticas durante a ditadura militar. Segundo ele, esta residência é irônica e pop, inclui elementos que, diz ele, ironizam o momento presente. Uma das ironias por ele utilizada é a de apoiar uma laje de concreto armado sobre troncos de árvores. Até então Artigas se utiliza largamente do concreto armado, até para realizar vedações e neste projeto a estrutura sustentadora principal de uma laje de amplas dimensões são troncos de árvore. Negar a técnica neste momento foi de grande importância política, porém esta discussão será deixada de lado, pois as questões referentes à estrutura e à estética que se podem levantar a partir deste caso são o foco desta pesquisa. Ao observar a casa em seus detalhes de acabamento, vê-se que o arquiteto usa de sua fineza87 para arrematar os detalhes, como na interface
87. “Fineza” no sentido de simplicidade do acabamento, ou seja, sem grandes detalhes.
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laje-parede – aonde esta não chega a tocar aquela – e no piso – que possui pedras assentadas assimetricamente. Nos detalhes técnicos, a laje tem sua estrutura feita normalmente, nervurada, devido a suas dimensões. Há a presença de nervuras/vigas principais – para que os esforços de cisalhamento não causem nenhuma perda estrutural – e no local que os troncos apoiam a laje, a interface laje-tronco se faz por neoprene, uma espécie de borracha que absorve toda movimentação causada por dilatação. Esta técnica, do neoprene no tronco de árvore, já foi antes usada por Artigas na casa de seu irmão, no litoral paulista.
Fig. 57: Casa Elza Berquó, Vilanova Artigas, São Paulo, 1967. Tronco de árvore que sustenta a laje de concreto armado.
87. WISNIK, 2010, p. 22. Original em português: “Refiro-me à casa Elza Berquó (1967), na qual Artigas organiza a planta em torno a um pátio interno de desenho irregular, e decide apoiar a laje de cobertura sobre quatro troncos de árvore. Surpreendemente iconoclasta, essa solução é qualificada por ele como ‘sarcástica’, ‘irônica’ e ‘meio pop’, porque feita com a intenção deliberada de mostrar que, naquela ocasião, ‘essa técnica toda, de concreto armado, que fez essa magnífica arquitetura’, não passava ‘de uma tolice irremediável em face de todas as condições políticas que se vivia’.”
O uso do neoprene nas interfaces do tronco possui mesma função isostática que os roletes na Garagem de Barcos: há uma ligação simples em ambos os casos, ou seja, não há momento, apenas cargas à compressão. O ato de anular o momento é o interessante nestas duas obras do arquiteto, que de maneira diferente e com material diverso realiza a mesma operação no plano isostático. Nesta obra, caso usasse concreto também no pilar, haveria um gasto com armadura nesta ligação de modo a suportar os efeitos de dilatação e movimentação que a estrutura sofre. Me refiero a la casa Elza Berquó (1967), en la que Vilanova Artigas organiza la planta en torno a un patio interior de forma irregular, y decide apoyar la losa de la cubierta sobre cuatro troncos de árbol. Sorprendentemente iconoclasta, él mismo califica esta solución de “sarcástica”, “irónica” y “medio pop”, porque está realizada con la intención deliberada de mostrar que, en esta ocasión, “la técnica de hormigón armado que hace esa magnífica arquitectura” no pasaba “de ser una tontería irremediable frente a todas las condiciones políticas que se vivían”.88
O tronco de árvore como estrutura é o ápice da negação dialetica das forças, pois é intrigante como algo natural pode suportar algo artificial e pesado, ao menos visualmente. Mostrar o atraso que suporta o avanço é de uma filosofia que não cabe à arquitetura, porém Artigas o faz de modo simples. Este inusitado apoio abarca um sentido mais amplo do que se espera: negar toda a tecnologia disponível e o conhecimento adquirido para mostrar que o atraso vivido suporta um falso avanço. A madeira, ou melhor, um pedaço de árvore é que mantém a laje de concreto no lugar. Este tronco é tão rústico e bruto quanto o concreto aparente, e é tão surpreendente sua existência quanto à das cariátides do Erecteion. É a transferência de determinado objeto de sua real função e modo de existir para se materializar como suporte construtivo. O pilar aqui ultrapassa sua função estruturante e vai além do que se representa no sentido estético, moral ou ético, e isto tudo apenas ao usar um tronco de árvore em lugar do concreto armado. Após anos de trabalho em seu escritório, com projetos de casas e outros projetos vinculados ao governo – Artigas crê no desenho que produz espaços politizados – o arquiteto produz, a pedido de uma cidade no interior do estado de São Paulo, um projeto que une toda sua poesia estrutural. Realizada em 1973, a Estação Rodoviária de Jaú é considerada uma das obras de maior importância do arquiteto.
Fig. 58: Estação Rodoviária de Jaú, Vilanova Artigas, Jaú, 1973. Rampa de acesso ao último piso e pilar sob iluminação zenital.
Na parte inferior dos pilares a forma simples, de seção retangular, em nada prenuncia a surpresa reservada acima. Contudo, próximo à laje, ele se desvia de sua rota unitária e previsível e se desdobra em quatro segmentos, tal qual galhos de uma árvore, ou mesmo as nervuras de um pilar gótico, até encontrar a laje de cobertura. Esse movimento inesperado torna possível a introdução de um vão circu
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lar exatamente no eixo do pilar, sobre o qual paira o domo translucido. Em suma, Artigas põe em contato duas funções em princípio irreconciliáveis: sustentar e iluminar. O efeito singular da luz atravessando os robustos tramos do pilar é extraordinário, pois tira a carga opressiva do pesado teto de concreto, tornando-o participante ativo do jogo aéreo dos planos, volumes e passarelas ao redor do vão central das baias dos ônibus.89
89. KAMITA, 2000, p. 45-6.
A rodoviária, na região central da cidade, possui um desnível de 7m vencido por rampas em suas três lajes desencontradas. A cobertura – uma laje em caixão-perdido com 1m de espessura – apoia-se sobre 18 pilares com forma próxima à de uma flor. A flor aparece porque as vigas da laje não se cruzam, curvam-se para conectar-se aos pilares, que possuem uma secção quadrada de um metro de lado em todo o edifício. Na área em que se daria o cruzamento das vigas estão as aberturas de iluminação zenital da rodoviária. No encontro entre pilares e laje, na ausência de cruzamento entre nervuras, surge a oportunidade de se criar uma iluminação zenital circular possibilitando que no momento de maior tensão, todo o esforço estrutural se desmaterialize em luz.90
90. IWAMIZU, 2008, p. 42.
É uma poesia linda este cantar iluminado que o ponto de apoio gera no edifício: no ponto onde a flexão torna-se compressão explode a luz, e agora este ponto torna-se uma bela escultura que transforma a flexão, delicadamente, em compressão por intermédio das pétalas de concreto armado que brilham ao sol de Jaú. Esta flor realmente conduz bem os esforços aos apoios, isto é inquestionável. Registra-se, com base em depoimentos, a dificuldade para realizar tão complexa empreitada pelos construtores. Esse pilar é formado assim, começa lá embaixo, 56 cm por 56, aí temos o corte A. Depois vem subindo, corte B, esse daqui, vai pegando o formato já. Aí tem o corte C, e vai abrindo e assim por diante. E aqui tem os raios, aqui é que é o quebracabeça, olha os raios. Para ficar no formato que está lá, olha como é trabalhoso, três elevações diferentes para chegar naquilo lá... Viu aquela foto, eu fui pegando esse desenho e fui modelando, no chão, fazendo o esqueleto. Aí ficou o quebra-cabeça: se eu fizer a forma, não coloca ferro, como vou fechar a forma e colocar ferro? Amarra o ferro, e como vai entrar o concreto lá na forma? Então comecei a bolar, estudar e fazendo o esqueleto falei: se fizermos uma, fazemos mil... vamos fazer uma, aí eu fiz o esqueleto, montei certinho, fomos fazendo por partes... fazia uma parte de madeira e jogava a ferragem, aí enchia de concreto aquela parte. Mas tinha que ser tudo num dia só, para não dar emenda no concreto. Já ia fazendo e enchendo. Pegava de manhã e ia até acabar... pegava os carpinteiros e já montava, dando sequência, e não dá para ver porque depois foi lixado, foi passada a lixadeira e nem se nota. Foi feito um concreto numa parte, até aqui. Quando começava a abrir, trabalhava uma equipe num braço, uma equipe no outro, aí vinham os ferreiros, colocavam os ferros, concretavam, e ia até acabar... aí fazia um pilar por dia. São 18 pilares. Um por dia. Secava esse, fazia outra forma, e aí fazia outro. Nós usamos acelerador no concreto, para secar mais rápido, mas assim mesmo curava depois de dois ou três dias...91
O belo cantar do ponto de apoio existe com o suor dos operários no canteiro. As dificuldades para realizar o pilar e o esforço que os trabalhadores despendem não pode ser consequência da decisão do arquiteto ao escolher o uso intensivo de concreto. Isto gera uma realidade muito dura e com pouca exigência ou habilidade profissional. Nesse sentido a fortuna do operário fica cerceada pelo trabalho desqualificado.
91. Depoimento de Reinaldo Corcioli in Idem, p. 102.
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Após a construção da Rodoviária de Jaú, Artigas continua o seu trabalho no escritório, até que é convidado pela Universidade de São Paulo para retomar o posto de professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, porém ele retorna como professor auxiliar. Algum tempo depois alguns colegas de profissão que permanecem na FAUUSP durante o período militar insistem que ele faça um concurso para professor titular e receba, como merecido, o cargo máximo dentro da universidade. De suas falas provindas nesta banca se tem base para compreender sua atuação e seus desenhos. Ironicamente, meses após este concurso João Batista Vilanova Artigas falece e deixa, em sua obra construída, suas crenças.
Fig. 59: Estação Rodoviária de Jaú, Vilanova Artigas, Jaú, 1973. As vigas da laje não se cruzam, curvam-se para conectar-se aos pilares.
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Considerações finais A obra de Vilanova Artigas tem indiscutível importância para a arquitetura brasileira, pela meticulosidade entre a intenção inicial de projeto e a forma final da obra. Seus edifícios expressam seus ideais e suas crenças e buscam educar e politizar aquele que ali vive. Ou seja, o espaço público adentra o edifício e dele faz parte. Enquanto forma, Artigas empresta uma plasticidade aos edifícios que choca e impressiona o observador, não apenas pelo uso do concreto armado aparente, mas também por tratar-se de estrutura de amplos vãos e desenho arrojado nos apoios verticais. A forma do pilar é resultado de uma pesquisa sobre o comportamento estrutural e, além disso, da vontade de transcender sua função através da forma. Este estudo pode ser um primeiro passo na compreensão da forma estrutural dos edifícios modernos brasileiros, desde a “estrutura resistente pela forma”92 até o edifício como escultura, ou seja, como concretização no plano real do traço e da intenção do arquiteto. O que se alcança aqui é um esboço de justificativas que possam exprimir a razão da importante exploração plástica na estrutura realizada pelo arquiteto paulista.
92. Ver NERVI, 1950.
Outros estudos e pesquisas podem partir deste trabalho, seja pelo aprofundamento dos argumentos – razão estrutural ou desejo estético –, seja pela comparação – arquitetura e demais artes, no caso, escultura –, ou mesmo, inclusão de obras, arquitetos e períodos. O que deve ficar deste primeiro estudo é que Artigas – e toda a dita Escola Paulista – dá continuidade à chamada Escola Carioca, não por querer ser outra diferente, oubuscar adaptar-se ao seu contexto local, mas porque ambas são brasileiras: vivem sob as mesmas influências e contextos e manifestam a mesma intenção em seus projetos quando concluídos. Para além disto, admite-se que a obra de arquitetura seja, antes de tudo, uma obra de arte, e como tal, ela deva emocionar o observador e transmitir uma mensagem a ele, e isto acontece segundo a forma que as estruturas, e o edifício, têm a partir do desenho do arquiteto.
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Iconografia Fig. 1: IRIGOYEN, 2002, p. 159. Fig. 2: IRIGOYEN, 2002, p. 21. Fig. 3: FERRAZ (org.), 1997, p. 40. Fig. 4: HEINZ, 1982, p. 43. Fig. 5: IRIGOYEN, 2002, p. 157. Fig. 6: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 7: LE CORBUSIER, 1950, P. 178. Fig. 8: BOESIGER, W. et GIRSBERGER, H., 1971, p. 267. Fig. 9: BOESIGER, W. et GIRSBERGER, H., 1971, p. 257. Fig. 10: BLAKE, 1963, p. 08. Fig. 11: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 12: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 13: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 14: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 15: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 16: BOTEY, 1996, p. 113. Fig. 17: BREUER, 1963, p. 59. Fig. 18: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 19: BREUER, 1963, p. 46. Fig. 20: BREUER, 1963, p. 48. Fig. 21: BREUER, 1963, p. 49. Fig. 22: SUMMERSON, 1982, p. 100. Fig. 23: SUMMERSON, 1982, p. 133. Fig. 24: RYKWERT, 1999, p. 34. Fig. 25: Fotografia de Aline Kobayashi. Fig. 26: SUMMERSON, 1982, p. 33. Fig. 27: WITTKOWER, 1989, p. 46. Fig. 28: WITTKOWER, 1989, p. 185. Fig. 29: Fonte desconhecida. Fig. 30: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 31: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 32: Fotografia de Nelson Kon. A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .67
Fig. 33: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 34: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 35: WITTKOWER, 1989, p. 36. Fig. 36: WITTKOWER, 1989, p. 12. Fig. 37: WITTKOWER, 1989, p. 174. Fig. 38: WITTKOWER, 1989, p. 285. Fig. 39: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 40: RYKWERT, 1999, p. 134. Fig. 41: Acervo da Biblioteca da FAUUSP. Fig. 42: Desenho do autor. Fig. 43: FERRAZ (org.), 1997, p. 91. Fig. 44: Desenho do autor. Fig. 45: Acervo da Biblioteca da FAUUSP. Fig. 46: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 47: Desenho do autor. Fig. 48: Desenho do autor. Fig. 49: Fotografia de Gabriel Tunes. Fig. 50: Desenho do autor. Fig. 51: Desenho do autor. Fig. 52: Acervo da Biblioteca da FAUUSP. Fig. 53: FERRAZ (org.), 1997, p. 32. Fig. 54: BLASER, 1987, 183. Fig. 55: SUMMERSON, 1982, p. 100. Fig. 56: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 57: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 58: Fotografia de Nelson Kon. Fig. 59: IWAMIZU, 2008, p. 41.
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Anexo Relatório de visita Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Na tarde da sexta-feira, 09 de agosto de 2013, eu e meu orientador, Luis Espallargas Gimenez, visitamos o edifício da FAU-USP. O restauro do edifício se executa desde então e, no dia da visita, vi pela primeira vez o edifício após o inicio das obras. A fachada e as colunas passaram por uma limpeza com jato d’água de alta pressão, além de tratamento de sua armadura, o que me chocou, pois foi a primeira visão do edifício: sua empena toda craquelada com armadura exposta e homens refazendo o concreto, que é reconstituído aos poucos. Não se viu acabamento ou finalização desta etapa. Apenas uma das quatro fachadas não passa pelo tratamento da armadura. Seu interior possui uma grande lona azul que protege, há alguns anos, seus usuários de possíveis pedaços de concreto que caem do teto, há goteiras na área dos estúdios. O restauro da cobertura também se realiza neste momento, porém com obras noturnas devido ao pó e barulho excessivos. Anhembi Tênis Clube Na tarde da sexta-feira, 09 de agosto de 2013, eu e meu orientador, Luis Espallargas Gimenez, visitamos, juntamente com Paulo Yashuhide Fujioka, o edifício da sede social do Anhembi Tênis Clube. O estado de conservação é bom devido a reformas constantes. Há intervenções e remodelação de uso que reconfigura e readéqua o projeto original de Vilanova Artigas, dentre eles a retirada do vestiário do edifício, transformando-o em academia. Em reforma recente, canalizou-se a coleta de água pelo pilar, o que desconfigura a intenção do arquiteto de conduzir as águas pluviais pelo pilar e seu “efeito quase bucólico do som da água caindo”. Julio Artigas, filho de João Batista, em visita ao clube ficou desapontado com as medidas tomadas na reforma, principalmente na canalização das águas pluviais. A rampa que dá acesso ao piso superior recebeu guarda-corpo para se adequar às normas de acessibilidade. E para atender à mesma norma, o jardim de inverno ao lado da rampa transformou-se em garagem para cadeirantes. O funcionário que nos guiou durante toda a visita, além de contar-nos detalhes da obra, entregou-nos um livro comemorativo de 60 anos do clube, que possui fotos de eventos marcantes em cada uma das décadas, além de fotos da obra e das discussões entre os diretores da época e de Vilanova Artigas. Ginásio Estadual de Guarulhos Na tarde de quinta-feira, 29 de agosto de 2013, em visita didática com a disciplina de Projeto III-B, sob acompanhamento do professor Renato Anelli, houve a visita, à atual Escola Estadual Conselheiro Crispiniano, na cidade de Guarulhos. Acompanhou a turma a diretora da escola que se encontra em reforma, juntamente com seu mural, idealizado por Mario Gruber, em restauro. Seu estado de conservação é bom. A escola possui um edifício anexo (projeto de Abrahão Sanovicz de 1992) onde foram transferidos ambientes de apoio como biblioteca e sala de informática. São Paulo Futebol Clube A visita ao São Paulo Futebol Clube ocorreu no dia 20 de setembro de 2013, pela manhã desta sexta-feira. O professor Luis Espallargas e eu fo A Estrutura como Escultura: o pilar em Vilanova Artigas .71
mos recebidos por um funcionário local que nos deixou percorrer o edifício de mais de 100m [?]. A primeira surpresa minha foi a presença de uma filial da rede de fast-food que patrocina o clube logo na entrada social do clube, e depois, ao saber que era ali uma das pontas do edifício presente na pesquisa. A cor predominantemente cinza e a textura lisa da empena do edifício mostrou, logo após a resposta do funcionário à pergunta, que o presente edifício tinha passado por reforma a alguns anos. A ferragem exposta, o concreto se degradando fizeram com que fosse necessário o tratamento da armadura e seu recobrimento – a mesma situação do edifício da FAUUSP. Após isto, toda a fachada recebeu uma camada de nata de concreto (pasta de cimento e água) com a demarcação, em baixo-relevo, das formas de concretagem. Não houve pintura das cores preta, vermelha e branca (cores símbolos do clube) após a reforma do edifício. Os únicos locais internos ao edifício que se entrou foram a sala para treinamento de artes marciais, no piso superior, o salão de jogos e o banheiro, no térreo. No projeto original o piso superior era destinado aos vestiários, tanto masculino e feminino quanto o infantil, com acesso pela rampa e escada. Segundo o funcionário, há um bom tempo que não há vestiário ali e que os tais estão em outro local fora deste edifício. Hoje o piso superior serve para depósitos, a sala de treinamento e algumas áreas administrativas. Os vestiários do São Paulo Futebol Clube passam por uma reforma recente que desfigura o projeto original de Vilanova Artigas. O andar superior, dedicado aos vestiários propriamente ditos e a um salão social, foi readequado e hoje abrigam depósitos e áreas para treinamento de artes marciais. No térreo instalou-se uma franquia da rede de fast-food que patrocina o clube, um cabeleleiro e a readequação do salão de jogos e afins. A pintura original sobre o concreto aparente foi descartada e em seu lugar há o recobrimento com nata de concreto com demarcações do madeiramento das fôrmas. O despreparo – talvez o desinteresse – de pessoas e responsáveis técnicos em respeitar uma obra de importância faz com que se perca um pouco do patrimônio construído na cidade. Garagem de Barcos do Santa Paula Iate Clube No final da manhã do dia 20 de setembro, após a visita ao SPFC, Espallargas e eu seguimos para a Avenida Atlântica (também conhecida como Avenida Robert Kennedy), local de outra obra de Vilanova Artigas. A construção situa-se as margens da represa de Guarapiranga, defronte a sede do Clube Santa Paula. Todos os edifícios do clube estão abandonados, sem uso e em mau estado de conservação. A garagem de barcos, em especial, está com a empena de concreto aparente pichada e com a armadura aparente devido ao concreto superficial que se desfez. Há um alambrado que barra a entrada de pessoas no local (o que não as impede, vide pichações). Porém vê-se certo cuidado com o espaço devido à grama recém-aparada, ou seja, apesar do abandono, há quem cuide deste local, talvez até more na proximidade. Os atuais proprietários do conjunto físico do clube pretendem, desde 2010, transformar o conjunto num centro de convenções e hotel. “O projeto aprovado prevê também a mudança de uso em estruturas do conjunto, clube náutico de elite entre as décadas de 1960 e 1980. Uma das piscinas, de 1.200 m² e 4 metros de profundidade, por exemplo, será transformada em pavilhão de exposições. A antiga Garagem de Barcos [...] vai abrigar restaurante com temática náutica, de frente para a orla da Guarapiranga. A rampa de barcos na frente da Garagem também deve ser restaurada,
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para receber embarcações turísticas.” (ESTADÃO) Com pretensão de inicio das obras em 2012 e termino em 2014, até setembro de 2013 (data da visita) não houve nenhuma obra no local.
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