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Água e Ócio
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Universidade de São Paulo Instituto de Arquitetura e Urbanismo
Água e Ócio compreensão hidrográfica de votuporanga-sp
Gabriel Alves Tunes
Trabalho de Graduação Integrado II Comissão de Acompanhamento Permanente David Moreno Sperling Joubert José Lancha Lúcia Zanin Shimbo Luciana Bongiovanni Martins Schenk Coordenador de Grupo Temático Fábio Lopes de Souza Santos
São Carlos - SP Dezembro de 2017
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autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto de Arquitetura e Urbanismo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
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Gabriel Alves Tunes
Água e ócio: compreensão hidrográfica de Votuporanga-SP
Trabalho de Graduação Integrado apresentado ao Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP - campus de São Carlos
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA
David Moreno Sperling
Instituto de Arquitetura e Urbanismo - USP
Fábio Lopes de Souza Santos
Instituto de Arquitetura e Urbanismo - USP
Rafael Goffinet de Almeida
Centro Universitário Moura Lacerda
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resumo A água, elemento presente na maioria das cidades do sudeste brasileiro, é neste trabalho objeto de interesse pelo seu caráter dialético no percurso histórico das cidades. Ela foi razão para a fundação das cidades mais antigas devido à necessidade de abastecimento, e com o crescer das cidades passa a ser ignorado e ser fundo para, hoje, terem a devida atenção com intuitos de privilegiar o local e, consequentemente, gentrificá-lo.
novo momento deste percurso ao incluir elementos paisagísticos que buscam revelar e incentivar uma nova relação do homem com seu território habitado através de sua hidrografia. Momentos e camadas são o que este trabalho agrega ao território ocupado por Votuporanga-SP ao pontuar elementos vinculados às águas que conformam as bacias que a mancha urbana ocupa promovendo novas relações - dentre elas, estética e pedagógica - entre o homem e a paisagem, entre o corpo e o território.
A relação do homem com o meionatural, e neste caso, a água, se deu de diversas formas durante o decorrer da história. A construção da paisagem que habitamos, neste trabalho, propõe um
Palavras-chave: Votuporanga-SP. Águas urbanas. Paisagem. Land art.
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estatura não elevada, estendidas ao sol dentro das banheiras, arqueadas debaixo dos chuveiros suspensos no vazio, fazendo abluções, ou que se enxugam, ou que se perfumam, ou que penteiam os longos cabelos diante do espelho. Ao sol, brilham os filetes de água despejados pelos chuveiros, os jatos das torneiras, os jorros, os borrifos, a espuma nas esponjas.
As cidades delgadas III Ignoro se Armila é dessa maneira por ser inacabada ou demolida, se por trás dela existe um feitiço ou um mero capricho. O fato é que não há paredes, nem telhados, nem pavimentos: não há nada que faça com que se pareça uma cidade, exceto os encanamentos de água, que sobem verticalmente nos lugares em que deveria haver casas e ramificam-se onde deveria haver andares: uma floresta de tubos que terminam em torneiras, chuveiros, sifões, registros. A céu aberto, alvejam lavabos ou banheiras ou outras peças de mármore, como frutas tardias que permanecem penduradas nos galhos. Dir-se-ia que os encanadores concluíram o seu trabalho e foram embora antes da chegada dos pedreiros; ou então as suas instalações, indestrutíveis, haviam resistido a uma catástrofe, terremoto ou corrosão de cupins.
A explicação a que cheguei é a seguinte: os cursos de água canalizados nos encanamentos de Armila ainda permanecem sob o domínio de ninfas e náiades. Habituadas a percorrer as veias subterrâneas, encontram facilidade em avançar pelo novo reino aquático, irromper nas fontes, descobrir novos espelhos, novos jogos, novas maneiras de desfrutar a água. Pode ser que a invasão delas tenha afastado os homens, ou pode ser que Armila tenha sido construída pelos homens como oferta para cativar a benevolência das ninfas ofendidas pela violação das águas. Seja como for, agora parecem contentes, essas moças: cantam de manhã.
Abandonada antes ou depois de ser habitada, não se pode dizer que Armila seja deserta. A qualquer hora do dia, levantando os olhos através dos encanamentos, não é raro entrever uma ou mais jovens mulheres, esbeltas, de
As Cidades Invisíveis Ítalo CALVINO
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10 Fig.01: Ankarparken. Stig Andersson. MalmĂś (SuĂŠcia), 2001. (fonte: sla.dk/en/projects)
sumário 07 12 16 34 44 50
Resumo A Paisagem e o Território A Cidade das Brisas Suaves Marinheirinho e Boa Vista A Cidade e a Água A Água e o Ócio
64 72 80 88 96 104
Madrid Sanches Santa Joana Vila Paes Padre Paranhos Vila Marão São João
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Bibliografia 11
a paisagem e o território
Fig.02: Cruzamento da Rua da Consolação, Avenida Rebouças e Avenida Paulista, em São Paulo, em horário de pico de trânsito (fotomontagem própria).
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O conceito de cidade como uma obra de arte em aberto, ainda inacabada, construída em coletivo por todos da sociedade é dada por vários intelectuais de diversas áreas. O percurso histórico de sua construção pode se dividir em momentos e sua leitura atual pode ser vista em camadas - como um palimpsesto.
nos meros espectadores obedientes ao Capital, sendo todos homogêneos e iguais. O tempo entra num ritmo frenético e veloz, a vida torna-se a janela de um trem de alta-velocidade onde o que se vê são vultos da paisagem em movimento, ou melhor, os vultos da paisagem por onde se movimentou o trem. Sentado, passivamente, espera-se algo que chame atenção, uma novidade que delicie os olhos. E um novo produto nos é apresentado, mas como uma cachoeira vista do trem, ela rapidamente passa e outra novidade virá para deliciar-nos.
Para o geógrafo Milton Santos a paisagem é todo objeto físico que conforma o espaço, porém o espaço só o é a partir da existência de um conteúdo social, da ocupação da paisagem pela sociedade. Para ele a relação entre sociedade e espaço - ou meio-ambiente - se deu em três tempos distintos e consequentes: o natural, o técnico e o técnico-científicoinformacional. Porém ainda não ultrapassamos os resquícios de um tempo que visa dominar a natureza pela técnica.
A dimensão pública vai perdendo cada vez mais sua dimensão política de contrato social e acaba reduzindo-se à administração do trânsito, da rede de água e de esgoto, etc. Na verdade, o espaço público vai diminuindo ao ser capturado e privatizado, restando apenas e tão somente aquele necessário para a circulação de mercadorias, inclusive de mercadorias humanas; esvazia-se a dimensão coletiva e o uso multifuncional do espaço público, da rua, do lugar de ficar, de encontro, de prazer, de lazer, de festa, de circo, de espetáculo, de venda. Assim, funções que recheavam o espaço público e lhe davam vida migraram para dentro de áreas privadas, tornando-se, em grande parte, um espaço de circulação. (ROLNIK, 2000:04)
A cidade, antes palco das relações humanas, hoje se torna um mero entremeio, um caminho, local de fluxo ou um mapa das infraestruturas viárias que conectam os espaços onde a sociedade consome os produtos a ela veiculados pelo marketing e criam este espetáculo que é o sair às ruas para deslocar-se. Podese ver que o consumo e a comunicação em tempo real são modos de controle desta sociedade. Consumo e Espetáculo se confundem e nos seduzem, fazendo-
A cidade é um objeto cuja presença
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interfere na relação homem-natureza ao facilitar a organização e o funcionamento da sociedade. Ela intervém no meioambiente natural transformando-o numa paisagem artificial. O território guarda e grava em si os processos da natureza e da sociedade, porém é ocupado de modo a apagar uma em favorecimento da outra. Este conflito gerado pode ser revertido no âmbito estético e pedagógico ao propor novos conceitos, paradigmas e meios de intervenção que não apenas mimetize processos, mas que repense nossa cultura e nossas ações, que permanecem no tempo gravado no corpo do território e quem o habita.
a memória urbana inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta. (JACQUES, 2008)
O caminhar vai além do ser apenas um meio de locomoção, faz parte do percurso, indissociáveis a partir do momento que se cria situações deles, inclusive os errantes resignificam a paisagem através do percurso e do caminhar e tornam-no labirinto. A deriva e a criação de situações – jogos situacionistas – colocam-se contra a espetacularização da vida cotidiana, já presente nos anos 1960. Derivar – ou em outros termos, os atos errantes nos espaços urbanos – é um modo de ser ativo nos espaços urbanos, de ser propositivo em meio ao cotidiano rígido. Criar situações e por eles ser errante é um modo de cartografar estas experiências no corpo.
Usar o corpo nos espaços da cidade é um modo de resistir a este modo de ocupação da cidade e da vida cotidiana nela inserida. Cada corpo registra em si as experiências, e através delas propõem-se novas maneiras de relacionar-se com estes espaços, diversificam-se as relações em meio ao trânsito e compartilhamento de corpografias de cada pessoa que, através destes atos, constroem-se novos espaços. A corpografia registrada em cada corpo habitante das cidades pode ser um modo de reflexão e, em seu limite um modo de (re)projetar cidades.
Hoje temos a possibilidade – tanto científica e técnica quanto cultural – de modificar a natureza de uma paisagem artificial de modo a mimetizar os processos naturais do meio-ambiente e criar paisagem passível de significação por um conteúdo-social. Deste modo pode-se caminhar para um tempo de
Uma corpografia urbana é um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja,
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relação íntima e não-radical que respeite o território sendo pedagógico em sua ocupação. Momentos e camadas são o que este trabalho agrega ao território ocupado por Votuporanga-SP ao pontuar elementos vinculados às águas que conformam as bacias que a mancha urbana ocupa promovendo novas relações entre o homem e a paisagem, entre o corpo e o território. Para perceber a cidade e o território onde ela ocupa, o tempo lento se coloca como esta camada para estar de modo pedagógico levando o homem (agora lento) ao ritmo natural de seu território. Estas intervenções respondem às atuais condições sociais e históricas, ao revelar as águas. As intervenções interagem com as pessoas através de remodelações dentro de um vocabulário formal já usado pela água: fontes, cachoeiras, canais, piscinas. A escolha pelas fontes é formal pois ao representar as nascentes busca-se um elemento que reforça a água que brota, que jorra, que é expelida e nasce para então seguir percurso.
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a cidade das brisas suaves
Fig.03: Igreja Nossa Senhora de Aparecida (Igreja Matriz) e Praça Fernando Costa, onde se vê a fonte e o monumento aos fundadores. (foto própria)
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antes da A cavaleiro sobre o divisor de águas entre as bacias dos rios Grande, Turvo e São José dos Dourados, nos contrafortes do espigão Viradouro, a área de dois quilômetros da barra dos córregos “Queixada” e “Marinheiro”, na saliência do espigão onde corre a ferrovia e que se insinua entre o Córrego Marinheiro e o Córrego Boa Vista, encontra-se o sítio urbano de Votuporanga. A altitude, o clima salubre, a compleição topográfica suave, a presença de nascente de contribuintes do Córrego Marinheiro, a ausência de maiores problemas quanto ao regime de chuvas e a relativamente boa fertilidade do solo à sua volta constituíram, após o advento da ferrovia e junto a fatores econômicos e promocionais, razões suficientes para que se consolide a escolha do sítio urbano de Votuporanga, área pertencente a imensa gleba da fazenda Marinheiro de Cima, pertencente anteriormente ao Sr. Francisco Schimidt e posteriormente à firma Theodor Wille & Cia Ltda, gleba esta que deu origem ao Município de Votuporanga. (VOTUPORANGA apud CUCATO, 2015:59)
ocupação
década de
1930
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Votuporanga, do tupi-guarani, votu (“vento”) e poranga (“bonito”). O termo foi repassado, através dos anos pela sua população, como “brisas suaves” e não “vento bonito”. Votuporanga, cidade fundada em 8 de agosto de 1937 no noroeste paulista a partir do desmembramento de uma fazenda de café falida com a crise de 1929. Hoje, cidade-pólo da microrregião onde se encontra, com presença de indústrias de movelaria e carroceria de
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Fig.04: Nova Concha Acústica e sua cobertura e iluminação recentes. (fonte: flickr.com/photos/ prefvotuporanga)
Fig.05: Rua Amazonas - rua de comércio popular - nas noites de dezembro, quando o comércio fica aberto até as 22h. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)
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caminhões, possui um centro universitário que é reconhecido na mesorregião. Sua principal praça, onde a cidade foi fundada, está no divisor de águas dos córregos Boa Vista e Marinheirinho. A cidade, segundo o CENSO 2010 do IBGE, possui 84.692 habitantes – com estimativas de 92.032 para o ano de 2016 – dentre os quais 82.319 pessoas (97,2% da população) vivem na área urbana. O município abrange uma área total de 421,69 km² cujos 40,6 km² estão dentro do perímetro urbano – o que faz a área urbanizada do município possuir uma densidade populacional média de 202,75 hab./ha. Com a chegada da Ferrovia Araraquarense na década de 1940, o município e seu Patrimônio Velho – nome dado ao loteamento fundador da cidade – expande sua malha urbana ao sul ao prolongar suas ruas para o, então chamado, Patrimônio Novo e ao implantar projetos urbanísticos vindos do escritório de Prestes Maia como os bairros Cidade Nova e Estação. A partir da década de 1970, com a instalação do primeiro distrito industrial na zona norte, a cidade passa a expandir-se rapidamente para as proximidades das indústrias. O triângulo formado pela estrada de ferro e as duas rodovias que cortam o município deixam de ser limites da expansão urbana no final da década de 1970, quando ao norte da rodovia nasce o primeiro loteamento popular, financiado pelo BNH: o bairro Pozzobon. Desde então, há um adensamento de comércios e serviços no centro, unido com o adensamento populacional de suas periferias, sobretudo ao norte e a sudeste. Os distritos industriais saturam-se, criando novos distritos – hoje o município conta com seis distritos industriais e de serviços. Na última década, os bairros não-centrais passam a diversificar os usos, tornandose predominantemente residenciais, com comércios e serviços locais, e a zona norte passa a ser mais independente do centro
década de
1950
década de
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Fig.06: Novo empreendimento imobiliário terreno que sempre esteve vago no centro da cidade. (foto própria)
Fig. 07: Residências demolidas no centro de Votuporanga. (foto própria)
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da cidade com a implantação de bancos, hospitais e supermercados. Entretanto, nos últimos cinco anos, a cidade passa a deslocar alguns usos do centro da cidade para a zona leste, então em expansão de classes média: espaços culturais como teatro, museu municipal e biblioteca seguem para novos edifícios próximos às lagoas do córrego Marinheirinho; a prefeitura passa a construir um novo edifício para ela e suas secretarias em novo loteamento a leste, ao lado do futuro shopping center; o estádio municipal é demolido para dar lugar a um supermercado, transferindo-se para leste; em inúmeros lotes vazios nesta região são construídos restaurantes, bares, clínicas médico-estéticas, academias, faculdades, residências coletivas, parque da cidade e espaços de lazer. Junto aos deslocamentos, o centro recebe atenção especial. A principal rua da cidade – a Rua Amazonas – é a zona de principal comércio da cidade, reunindo inúmeras lojas de departamento, supermercado, bancos e lojas populares. Em 2009 foi aprovada uma renovação no trecho central desta rua aos moldes da Nova Oscar Freire (São Paulo) e desde então seu caráter não mudou muito, mas instituições municipais passaram a sair de suas proximidades para transferirem-se à zona leste da cidade. Implanta-se um Poupatempo no antigo Mercado Municipal; o anfiteatro municipal recebe uma cobertura à la Calatrava, os novos lotes vazios recebem torres residenciais visando as classes de alta renda de Votuporanga. Os processos de especulação de terras e deslocamento do centro tem início nesta cidade do interior paulista. A cidade pode ter seu processo invertido, sendo o cotidiano e o ócio programas a se adensarem ao invés de uma passividade dos corpos ao usar a cidade, exaltando um elemento ignorado desta cidade, que antes informal pode vir a ser qualificado sem ser especulado.
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década de
1980
década de
1990
década de
2000
Fig. 08: Carta de levantamento do IBGE que apresenta a cidade de Votuporanga na década de 1950. Nela se percebe o desenho original dos córregos e boa parte da cidade que os evitavam à época.
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Fig. 09: Áreas em transformação em Votuporanga. Atenção para as áreas central e leste da mancha urbana, onde ocorrem a maior parte dos processos aqui citados. Legenda: deslocamentos novos espaços terrains vagues
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década de
2010
desde
2010
Fig.10: Terreno de construção do shopping center, que agora anuncia o futuro Ibis Hotel. (foto própria)
Fig.11: Parque da Cultura visto a partir do sudeste. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)
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Fig.12: Parque da Cultura à noite, com o Centro Cultural em destaque. (fonte: www.flickr.com/photos/ prefvotuporanga)
Fig.13: Aos fins de tarde a população vai até o Parque da Cultura para praticar esportes como a caminhada. (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)
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Fig.14: Praรงas e parques oficiais de Votuporanga.
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marinheirinho e boa vista
Fig. 15: Trecho recentemente canalizado e aborizado de afluente do Cรณrrego do Marinheirinho, na zona norte da cidade. (foto prรณpria)
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por muitos anos em Votuporanga, tal qual ainda é o córrego Boa Vista, na borda oeste da cidade. Sua nascente está em meio aos bairros ao sul da cidade, próximo à Estação Ferroviária, onde hoje habita a população mais carente da cidade e que foi a primeira expansão da cidade, projeto do escritório de Prestes Maia. O córrego atravessa o miolo de quadras que antes tinham favelas e hoje é canalizado com uma calçada margeando-a, até cruzar a principal avenida da região, onde hoje há um parque – feito apenas de gramados com calçada e banco em suas bordas. O córrego, então sai da malha urbana para margeá-la num percurso entre os bairros novos e tradicionais e a rodovia, recebendo alguns outros afluentes, até atravessar a rodovia e passar a margear os distritos industriais, seguindo ao norte até encontrar o Marinheirinho ao noroeste do município.
O córrego do Marinheirinho, a leste do centro da cidade, é o principal corpo d’água da microrregião, desaguando no rio Grande, na divisa dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Este córrego nasce na borda sudeste da mancha urbana logo adentrando na cidade e recebendo represamento, tanto para um clube privado quanto para parque público e represa de abastecimento, então o córrego percorre as bordas nordeste e norte da cidade e, já fora da mancha urbana, segue em direção noroeste após unir-se ao córrego Boa Vista. A zona leste da cidade caracteriza-se por uma população de classe médio-baixa e baixa, com pequena presença de comércios e serviços que, de certa maneira, já é expressiva. Nos últimos cinco anos, através da implantação do Parque da Cultura (antigo Centro de Lazer do Trabalhador) e de um Centro Cultural, a região passa a atrair os olhares da cidade, recebendo vários bares e restaurantes nas bordas do parque, uma grande movimentação aos fins de tarde e fins de semana e a transferência de alguns equipamentos municipais (como biblioteca e teatro municipais). Porém ainda há enormes vazios ao seu redor, que são paulatinamente ocupados por usos como academias, restaurantes e bares que atraem público cada vez maior.
Ambos córregos possuem afluentes que nascem dentro da malha urbana, algumas próximas ao Patrimônio Velho e outras na zona norte da cidade – em bairros ainda mais novos e ao norte do Pozzobon. Os afluentes que vêm do centro estão canalizados e tamponados sob avenidas de fundo de vale, enquanto os da zona norte receberam atenção nos últimos anos devido à erosão existente nas proximidades.
Marinheirinho foi um córrego ignorado
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Fig. 16: Bacia do Córrego Marinheirinho, integrante da UGRHI-15 (Turvo Grande) no noroeste paulista. O município de Votuporanga-SP abriga as nascentes do principal corpo d’água desta bacia, parte delas dentro da mancha urbana. (fonte: cetesb)
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Lagoa existente nos fundos do Assary onde a pesca e banho são comuns. Avenida João Gonçalves Leite: Assary Clube de Campo à direita e Parque da Cultura à esquerda. Centro de Informações Culturais e Turísticas em meio à lagoa do Parque da Cultura. Margem leste da represa de abastecimento no bairro São Cosme. Vê-se a chegada dos afluentes à represa. Margem oeste da represa de abastecimento em trecho que teve urbanização após o ano 2010.
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Fig. 17: Trecho urbano do córrego do Marinheirinho. A sequência de lagos, do sul ao norte, são do Assary Clube de Campo (privado), do Parque da Cultura e da represa de abastecimento.
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Nascente de um afluente do córrego Boa Vista. Canalização do Boa Vista onde antes havia uma favela. Trecho canalizado do córrego Boa Vista com criação de passeio paralelo ao curso d’água. Parque do Boa Vista onde há apenas o córrego canalizado e luminárias em meio ao gramado. Córrego do Boa Vista, sob a Avenida República do Líbano, em seu trecho final dentro da mancha urbana.
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Fig. 18: Nascente e trecho urbano do córrego do Boa Vista, no sudeste da cidade. O bairro de projeto do escritório de Prestes Maia foi uma das primeiras expansões da cidade afim de alcançar a linha férrea é hoje um dos bairros mais carentes de Votuporanga.
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Represamento próximo à nascente de um afluente do Marinheirinho: uma chácara presente no limite da mancha urbana. Nascente de um afluente que recebeu replantio em sua área de APP.
Trecho canalizado do afluente. As árvores são de replantio.
Canalização de córrego no Parque Santa Amélia.
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Fig 19: O bairro de Santa Amélia, na zona norte, possui um dos afluentes do córrego do Marinheirinho. O trecho de parque foi criado nos anos 2000 com intuito de conter a erosão existente no local.
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a cidade e a água
Fig. 20: Votuporanga vista desde o leste. Em primeiro plano as lagoas do córrego do Marinheirinho, estando à esquerda o Assary Clube de Campo e à direita o Parque da Cultura (ainda em construção). (fonte: www.flickr.com/photos/prefvotuporanga)
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O que sobressai de todos os problemas ambientais das grandes aglomerações urbanas (as enchentes, a poluição do ar, da água e do solo, a escassez de recursos - água - e de espaços para deposição de resíduos, entre outros) é a questão do locus - a questão do lugar: todos os fatos citados possuem sua dimensão geográfica, sua espacialidade. Todos são espacializáveis. Esses fatos se originam da relação dinâmica entre sociedade e ambiente, ou seja, entre os processos de funcionamento da sociedade e os processos de funcionamento da natureza, os quais atuam sobre um determinado espaço, sobre uma superfície, sobre um relevo. São, portanto, oriundos da forma como a sociedade se espacializa sobre determinado território, que por sua vez reflete a natureza de seus elementos constituintes (solo, rochas, água, vegetação, etc) e dos processos que nele ocorrem (preexistentes). O que está na confluência dessas duas espacialidades - a da natureza e a da sociedade - e que serve como base de uso e/ou como recurso à ocorrência tanto dos processos naturais quanto da sociedade urbana é um suporte geográfico, ou seja, um relevo. É nele que estão marcados e impressos os movimentos da natureza e da sociedade. (SCHUTZER, 2012:14)
abastecimento de modo rápido e simples. Com o crescimento acelerado das cidades no século XX, os corpos d’água começam a ser empecilho ao desenvolvimento das cidades, e inúmeras soluções surgem de modo a controlar estas águas. Córregos, rios e riachos passam a ser ignorados e tornam-se fundo para as cidades: são canalizados, tamponados e escondidos ao receberem o progresso em arranha-céus e avenidas de alto fluxo. Das metrópoles, essas soluções e técnicas passam a ser realidade também das demais cidades brasileiras.
A água, elemento presente nas cidades brasileiras, possui uma relação dialética com as cidades em seu percurso histórico. As primeiras vilas fundadas pelos portugueses em território sul-americano foram no alto de colinas próximas a cursos de água, de modo a se proteger com uma vista privilegiada do entorno e obter
Os anos passam e demais ruas ganham pavimentação, casas recebem muros maiores e com mais elementos visando à segurança, o solo é impermeabilizado sem controle, e as chuvas começam a causar incomodo com suas enxurradas e enchentes. Os rios voltam a ser problema e novas soluções são testadas para, de
Os córregos, nas bordas de Votuporanga, sempre foram esquecidos pela cidade, que do alto da pequena colina cresceu ao sul para encontro da ferrovia e depois ao norte para privilegiar sua indústria recémcriada. Regiões próximas ao centro da cidade onde estão as águas demoram a ser urbanizadas, e quando o são, copiam os modelos vigentes nas metrópoles: surgem as avenidas de Votuporanga.
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certo modo, escondê-los ainda mais. Obras e mais obras infraestruturais são implantados nestes locais: galerias pluviais maiores e reservatórios subterrâneos se colocam sob as ruas.
fazendo delas um elemento norteador da especulação destes novos espaços da cidade. Parques são criados e os córregos que por neles passam são canalizados para guiar o curso da água, ao mesmo que se instalam equipamentos para guiar o lazer das pessoas que ali frequentam.
Nascentes e afluentes permanecem escondidos sob as avenidas, enquanto suas proximidades recebem as infraestruturas necessárias. Os córregos continuam esquecidos pela cidade, mesmo que algumas pessoas os utilizem para seu pequeno momento de banho ou de pesca. Hoje, ao expandir para leste e norte, a cidade aproxima-se das águas,
O caráter transitório e ao mesmo tempo recorrente das intervenções humanas no espaço, no atual momento histórico, a que Marx ilustrou com a frase – “Tudo o que é sólido desmancha no ar” – pode ser constatado através de um apanhado histórico de desenvolvimento recente de grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e de
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muitas cidades americanas, onde se verifica que o ritmo das inversões na paisagem é cada vez mais frequente. [...] O lado positivo é que essa transitoriedade da paisagem capitalista e as novas rodadas de refuncionalizações adaptativas ao processo de acumulação progressiva abrem possibilidades para a busca de uma nova relação homem-natureza na ocupação dos espaços urbanos. (SCHUTZER, 2012:27)
Legenda: áreas de lazer oficiais ocupações espontâneas erosões
As novas condições sócio-culturais de nossa sociedade vê as águas com outros olhos. A relação homem-água tem mudado, muito devido à mudança de perspectiva ao se olhar meio-ambiente e
alagamentos Fig. 21: Na carta da mancha urbana pode-se ver locais de alagamentos (em amarelo), locais com problemas ambientais (em vermelho), áreas oficiais de lazer (em verde) e locais de apropriação espontânea (em magenta).
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natureza. O controle tecnicista dá lugar à relação simbiótica e ao respeito com o ritmo natural. Nos últimos anos, estas mesmas águas escondidas, após tantos problemas gerados, passam a ter devida atenção com intuitos de privilegiar o local. Os corpos d’água não são mais vistos como problemas, mas como solução para problemas urbanos. Transformam-se em parques, recebem bancos e passarelas, tem suas margens reflorestadas e tornamse espaços de fruição.
enquanto as águas ignoradas recebem diferentes modos de atenção conforme seu lugar na cidade: o Parque da Cultura a leste recebe centro cultural e diversos usos ao seu redor, seu desenho, mesmo que pouco detalhado, é rico em diversidade; o Parque Santa Amélia, ao nordeste, e o Parque Boa Vista, ao sudeste, recebem desenho pouco detalhado e pouco diverso, enquanto a represa de abastecimento é apenas chamariz de atenção para novos empreendimentos imobiliários, sem receber nenhum tipo de desenho.
Em Votuporanga, as águas escondidas continuam debaixo de avenidas e ruas
O Parque da Cultura usa de suas águas
Fig. 22: Estação de tratamento de águas, no centro de Votuporanga (foto própria).
Fig. 23: Estação de captação de águas profundas na zona norte (fonte: saev.com.br).
Fig. 26: Chafariz da Praça São Bento (fonte: www.flickr. com/photos/prefvotuporanga).
Parque Santa Amélia.
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Praça do “Tobogã”.
como atração principal de suas intenções. Em meio a suas lagoas foi construído um centro cultural que recebeu o acervo da biblioteca municipal e do museu da cidade – estes antes no centro da cidade – junto com a criação de ateliês de arte, espaço para apresentações e cursos vinculados à arte e cultura. Ao seu redor há academias a céu-aberto, brinquedos infantis, quadras de areia, anfiteatro ao ar livre e a única ciclovia da cidade. Suas águas represadas não podem ser tocadas.
vão até o parque para usufruir de seus equipamentos. Todos os dias, ao amanhecer e ao entardecer, várias pessoas caminham ao seu redor, criando um alto fluxo de corpos circundantes ao parque. Em suas proximidades, vários bares e restaurantes novos usam do parque para atrair clientes. Locais que antes nunca tiveram os olhares sobre si agora o possuem e de modo a retirar deles lucro, olhos que veem detalhes que possam ser exaltados e revendidos agradavelmente à população – e até mesmo à própria população local.
Aos fins de tarde e finais de semana os corpos dos habitantes de Votuporanga
Fig. 24: Estação de captação de águas profundas na zona sul (fonte: saev.com.br).
Fig. 25: Represa de abastecimento no Córrego do Marinheirinho, na zona leste (fonte: flickr.com/photos/ prefvotuporanga).
Fig. 27: Chafariz da Praça da Matriz (foto própria).
Praça Octaviano Nogueira.
Praça da Matriz.
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a รกgua e o รณcio
Fig. 28: Fonte comemorativa para a Princesa Diana de Gales. Gustafson Porter + Bowman. Londres, 2004. (fonte: www. archdaily.com.br)
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Destacar e revelar o território votuporanguense através de sua hidrografia é um modo de criar pequenos espaços pedagógicos de resistência, onde o tempo pode desacelerar de modo a permitir que estes corpos entrem em contato com a água neste tempo lento. Molhar os pés, encher garrafas ou moringas, sentir a brisa úmida num dia seco ou quente, espreguiçar-se ao som de correntezas, banhar-se em cascatas, relaxar ao som das águas.
A sociedade se geografiza através dessas formas, atribuindo-lhes uma função que, ao longo da história vai mudando. O espaço é a síntese, sempre provisória, entre o conteúdo social e as formas espaciais. (SANTOS, 2014:109)
Aqui, neste trabalho, busca-se apresentar à população o território que ela ocupa através da relação do corpo com as águas que conformam a mancha urbana. Usar o corpo nos espaços da cidade é um modo de resistir às mudanças da vida cotidiana inserida nela. A corpografia registrada em cada corpo habitante das cidades pode ser um modo de reflexão e, em seu limite – ou mesmo em seu partido – um modo de (re)projetar cidades. Aqui, através das águas dos córregos que brotam em fontes e se permitem estar em contato com a população que convive em seu espaço será estruturador de uma nova relação – tanto corpográfica quanto pedagógica – com o território urbano.
Perceber e reconhecer estes espaços pela cidade e completá-los na memória física – a corpografia – vem a ser um novo modo de sentir a cidade e reconhecer que em seu território de onde vem e para onde vão as águas que dela emergem. Pulverizar o lazer ainda vinculado a determinadas regiões da cidade. Partindo destes elementos, espaços e processos, propõe-se elevar a água de especulador à resistência, fazendo dela elemento norteador de intervenções na cidade que procuram fomentar o uso dos espaços de modo ativo, de ser um incentivador de eventos cotidianos e espaço pedagógico sobre o território ocupado. A água e os espaços que ela se fará presente deixarão de ser apenas locais de infiltrar e escoar, mas também de jogar, olhar, brincar, sentar, dançar,
Quem, na cidade, tem mobilidade - e pode percorrê-la e esquadrinhá-la - acaba por ver pouco, da cidade e do mundo. Sua comunhão com as imagens, frequentemente préfabricadas, é a sua perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem, exatamente, do convívio com essas imagens. Os homens “lentos”, para quem tais imagens são miragens, não podem, por muito tempo, estar em fase com esse imaginário perverso e ir descobrindo as fabulações. (SANTOS, 2014:325)
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mover, conversar, ser visto, produzir, compartilhar, parar, enfim, toda uma gama de ações que sejam imprevistas e propostas no momento do ato, sem predeterminação ou imposição.
Ameca e Talpa de Allende pode relacionarse consigo mesmo, com a paisagem percorrida e com aquilo que se busca. As nascentes de cada afluente dos córregos de Votuporanga serão demarcadas de modo a se apresentarem como espaço de interação cidade-água, corpo-água e corpo-cidade. Locais onde a água já se faz presente serão repensados de modo a permitir que os corpos dos cidadãos usufruam destas águas. Espaços ainda ignorados pela cidade que tem seu uso frequente no lazer e ócio terão atenção de modo a qualificar o uso corrente e demais usos possíveis.
O projeto de Bernard Tschumi para o Parc de la Villette em Paris e a instalação Hídrica: Episódios de Nydia Negromonte exposto na XXX Bienal de Artes de São Paulo possuem elementos e conceitos importantes para os prosseguimentos deste trabalho: elementos que se repetem de modo igual ao mesmo tempo que permite apropriações diversas através do jogo de elementos que muda a cada repetição unido ao sistema único que evidencia uma rede invisível e seu funcionamento.
As intervenções serão divididas em três camadas: a primeira serão as nascentes que serão reveladas à cidade de modo a unir através da materialidade e o jorrar desta água que nasce juntamente com fontes e bebedouros que demarcarão o limite entre as bacias; na segunda, os espaços de conflito entre água-homemterritório serão demarcados de modo a registrar e apresentar o histórico destas situações; a terceira será a qualificação de cada espaço já utilizado pelos corpos que procuram se refrescar, passar o tempo ou se divertir em atividades como banhos e pesca.
Olafur Eliasson e seus trabalhos com água também são referências para este projeto. Em Waterfall, realizado na lagoa de desenho racional de Versalhes, o artista propõe uma cachoeira que cria um ponto focal na perspectiva entre o palácio e a lagoa. A represa que cria a lagoa de Versalhes é elemento onde a água cria um plano horizontal estático que a cachoeira quebra ao introduzir não apenas a água na vertical, mas também som e movimento a esta água da lagoa, tornando-a dinâmica. Em outro trabalho instalado numa galeria dinamarquesa, o artista realiza um tratamento topográfico com pedras em seu interior a fim de abrigar um córrego: Riverbed cria uma interação entre as salas de exposição desta galeria junto com o que parece ser uma paisagem transportada para um espaço interno/fechado.
A escolha pelas fontes é formal. Ao buscar representar as nascentes buscase um elemento que reforça a água que brota, que jorra, que é expelida e nasce para então seguir percurso. Estas fontes interagem com as pessoas através de remodelações dentro de um vocabulário formal já usado pela água: cachoeiras, canais, piscinas.
A rota de peregrinação de Jalisco, no México, possui seu percurso demarcado por pontos onde o corpo terreno entra em contato com o divino e o espiritual através de elementos espaciais que possibilitam o isolamento, o enquadramento de uma paisagem, um momento de descanso. O corpo que caminha pelo trecho entre
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Fig. 29: Parc de la Villette. Bernard Tschumi. Paris 19ème (França), 1998. (fonte: tschumi.com/ projects)
Fig. 30: Hídrica: Episódios. Nydia Negromonte. Instalação realizada no Museu de Arte da Pampulha e na XXX Bienal de Artes de São Paulo, 2012. (fonte: otempo.com.br/diversão/magazine/ memórias-fluxos-e-ciclos)
Fig. 31: Waterfall. Olafur Eliasson. Versalhes (França), 2016. (fonte: olafureliasson.net)
Fig. 32: Riverbed. Olafur Eliasson. Humlebæk (Dinamarca), 2014. (fonte: olafureliasson.net)
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Fig. 33: Rota do Peregrino. Tatiana Bilbao e Derek Dellekamp (curadoria). Jalisco (México), 2011. (fonte: archdaily.com.br)
Fig. 34: Place des Terreaux. Christien Drevet e Daniel Buren. Lyon (França), 1996. (fonte: danielburen.com)
Fig. 35: Killesberg Park. Rainer Schmidt. Stuttgart (Alemanha), 2013. (fonte: rainerschmidt.com)
Fig. 36: Greenwood Pond. Mary Miss. Des Moines, Iowa (EUA), 1996. (fonte: marymiss. com)
Fig. 37: Tanner Fountain. Peter Walker. Havard University (EUA), 1984. (fonte: asla.org/ awards/2008/08winners)
Fig. 38: Ankarparken. Stig Andersson. Malmö (Suécia), 2001. (fonte: sla.dk/en/projects/ ankarparken)
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Fig. 39: Croquis propondo ações para se intervir em Votuporanga à partir do discutido neste trabalho.
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Fig. 40: Bebedouros vinculados ao divisor de รกguas entre as bacias sobre as cartas da mancha urbana e de seu territรณrio ocupado.
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Fig. 41: Nascentes dos afluentes e dos cรณrregos Boa Vista e Marinheirinho sobre as cartas da mancha urbana e de seu territรณrio ocupado.
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Fig. 42: Localização das áreas de intervenção com as fontes sobre as cartas da mancha urbana e de seu território ocupado.
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sinalização A cidade recebe uma nova camada de elementos paisagísticos que representa este histórico, colocando o corpo em outra relação com o território a partir da compreensão dos processos naturais - que no caso se tornaram desastres e incomodos. Votuporanga recebe uma série de placas onde piso e plano apresentam a história do local em relação a presença de águas. Os alagamentos e os cursos d’água são demarcados com placas onde o nível máximo que as águas atingiram será marcado em alto-relevo. Os bebedouros permanecem em espaços públicos no divisor de águas do município e nas nascentes de cada afluente do Córrego do Marinheirinho. Nas nascentes, este bebedouro jorra água incessantemente para uma fonte que pode ser utilizada pela população - em usos que vão além do contemplativo.
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Uma colcha de retalhos, unidas em épocas diferentes, vindas de ideias diferentes, com propósitos diferentes, tendo apenas o território que circunda a nascente em comum entre eles. Ano após ano o pasto com bois e vacas tornou-se um campo aberto a subirem os tijolos. E a nascente ali, quieta assistindo a expansão chegar e a rodear. Um dia, iluminados vêem neste espaço a necessidade de cuidado e de proteção, então além dos tijolos que sobem, árvores também começam a subir. Caules e folhas passam a proteger não apenas as águas, mas também os pássaros que ali decidem voltar. Crianças correm ao sair das escolas para os pássaros escutarem. E a nascente ali, quieta ao receber novos convidados. As casas, antigas moradias financiadas pelo governo, aumentam: os tijolos sobem paredes que abrigam não mais uma família, mas duas ou três, uma mercearia, um cabelereiro, um salão de costura e até um pet shop. As árvores defronte as casas acolhem os bate-papos de fim de tarde entre vizinhos – e os olhos sobre a vida privada que espiam os demais. E a nascente ali, quieta escutando o noticiário dos bairros ao redor. Agora, a nascente não está mais quieta. Ela jorra! Ela esparrama! Ela escorre! Ela brinca de se esconder entre o pequeno bosque. Ela interage! A nascente faz parte da vida cotidiana dando de beber a vizinhança, abrigando os bate-papos de fim de tarde, permitindo jogos entre as crianças que saem da escola. O canal que acolhe as águas sube o vale onde se escondia em meio ao bosque para, no campo aberto, ser parte do dia-a-dia desta colcha de retalhos que abriga um cotidiano desta borda em expansão.
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O terreno inclinado define o nome popular desta praça na zona norte de Votuporanga: Praça do “Tobogã”. Santa Joana é a padroeira da igreja defronte à praça que, aos fins de tarde unem os mais velhos após o trabalho para o jogo de cartas ou a partida de bocha. À noite, o anfiteatro é palco de jovens com skates e de casais paquerando. Entre o Parque Santa Amélia - onde corre o córrego livre à céu aberto - e a estação de captação de águas profundas esta praça recebe um tanque em seu anfiteatro cujas águas escoem por paredes de gabião vinda dos bebedouros na parte superior da praça. Pode-se entrar neste tanque pelas arquibancadas do anfiteatro ou pela escadaria que enquadra a paisagem do vale com suas paredes. Os jovens com skates continuam, agora se aventurando com jogos com água. Os casais paqueram enquanto refrescam os pés. Os idosos jogam suas cartas ouvindo as águas escoerem pelas escadarias. A Praça do Tobogã agora liga as águas profundas às águas superficiais fazendoas brotar e escoer.
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A avenida de fundo de vale abre a cidade para quem vem de fora ao unir as portas e o coração de Votuporanga. Seu entorno, ainda no centro da cidade, mais parece um pequeno vilarejo com suas casinhas onde se toma café no alpendre depois de ser acordado pelo cantar do galo. Dois mundos convivem lado à lado na Vila Paes. A pequena praça do bairro é ponto nodal: todas as manhãs as senhoras que vão à sua feira comprar a salada para o almoço vivem uma aventura para atravessar a movimentada avenida. A vida é aceleradamente pausada por ali. Dentro do carro, vê-se a rápida aproximação das torres da Igreja Matriz no topo da colina entre o piscar de palmeiras. Ao passar rápido dos olhos, vê-se um grande cubo de pedras que jorra água, incessantemente, em ambos lados da avenida. A água sai das pedras do cubo na mesma velocidade dos carros: rápidamente ela inunda a pequena bacia que a protege até se absorver pelos pedregulhos do solo e se esconder debaixo da avenida. Essas águas retornarão à vista na porta da cidade, onde ônibus param para saudar - ou se despedir - de Votuporanga.
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Em 08 de agosto de 1937, em meio ao conturbado cenário político brasileiro e mundial, entre bandeiras nazistas e brasileiras, Padre Isidoro Cordeiro Paranhos abençoa o pedaço de chão sob a colina onde correm as brisas suaves. Nasce Votuporanga. Hoje, Padre Paranhos nomeia a principal rua que une o local desta primeira missa ao pedaço de chão mais oeste da cidade, além de ligar o coração de Votuporanga com a rodovia. Quando chove, o padre batiza este trecho da cidade com enxurradas que descem a colina. O que poucos sabem é que o padre abençoa o córrego escondido por debaixo das casas. No fundo do vale, Padre Paranhos abriga crianças numa escola, os salvadores de vidas num posto de saúde e os vereadores que preferiram descer a colina para o moderno edifício de sua Nova Câmara. O que deveria ser uma praça, o padre ainda espera ver pessoas ali em seu momento de ócio. O beco entre a escola e o posto de saúde, até então vazio, recolhe as pessas com sede que buscam beber algo: bebedouros demarcam o curso que segue para o canal. O canal é acessível para as pessoas, de modo que sua linearidade revela o caminho que a água segue até sair da cidade e se libertar dos canos. A praça permanece seca, pois hoje Padre Paranhos abençoa os votuporanguenses ali exercem a democracia defronte à casa onde as leis são criadas na cidade.
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A pequena capela dedicada à São João divide duas cidades: a cidade dos planos de Prestes Maia e a Cidade Nova prolongada a partir da malha hipodâmica do Patrimônio Velho. Pode-se ouvir os apitos do trem enquanto se faz uma prece dentro da capela. São João, em Votuporanga, cuida dos pobres. Prestes Maia, em Votuporanga, abrigou os pobres. Votuporanga, ao ver sua industria nascer, decide olhar ao norte e esquecer o sul. Mesmo assim, metros acima, os primeiros burgueses da cidade ainda ali vivem. São João, em Votuporanga, convive com os ricos. Prestes Maia, em Votuporanga, foi negada pelos ricos. A praça demarca este limite no fundo do vale olhado por São João. O muro que divide ricos e pobres, Patrimônio Novo e Prestes Maia, agora une-os com a água que se joga para um pequeno espelho d’água. A leve inclinação do terreno ajuda a guardar estas águas com pequenos degraus onde as pessoas podem sentarse e observar a paisagem deste vale dicotômico, cujo curso d’água divide duas cidades e dois momentos.
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A calmaria de uma chácara na beira do Patrimônio Novo foi engolida pelo traço hipodâmico que regraria as casas da cidade que chegava neste vale. Ruas então limitaram o espaço deste bucólico lar ao reservar para o privado a nascente deste afluente no sudeste do Patrimônio Velho. As ruas não foram suficientes para proteger o bucólico lar, a cerca e em seguida o muro vieram preservar a privacidade do proprietário. A nascente foi privada de ser vista por todos e ali está ela, represada criando um pequeno lago para completar a paisagem desta chácara. A água corre, segue seu caminho riacho abaixo neste vale entre ruas e casas. Um dia decidiram dar atenção às suas águas: o canal com gabião designou o caminho a seguir e árvores foram plantadas. O fundo do vale ganhou volume e cor, deixou de ser um buraco e hoje recebe pássaros ao fim do dia. De um lado da rua, átras de muros, a água permanece em sua represa calma; do outro lado da rua, em meio às árvores, arcos sustentam a calha que jorra água. O som da cascata ocupa o vale e faz a marcação do importante evento que ali ocorre: nasce um corpo d’água! Os bebedouros ali são parte dos arcos, chamando atenção do bairro para este ponto de contato com a água da nascente, em meio ao bosque que se conforma neste vale - agora também demarcado no território votuporanguense.
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