Uma resenha do livro Albertina Por Gildo Gomes
O Livro Albertina de Domingos Sávio Farias Lima No ano de 2013 Albertina completou 100 anos e em sua homenagem um dos seus filhos, Domingos Sávio Farias Lima, escreveu um livro que conta um pouco da brilhante história dessa centenária mulher, Albertina Farias Lima. O livro não tem um sumário para facilitar ao leitor a localização dos capítulos, mas nem por isso prejudica a leitura, pois trata-se de uma obra com breves capítulos (alguns são brevíssimos como A Paramédica p. 55) com um texto claro e objetivamente histórico-biográfico num total de 107 páginas. Para quem estuda a história do município de Aratuba a obra enriquece o acervo historiográfico local, apesar da ausência de referências bibliográficas necessárias principalmente na datação de certos acontecimentos relatados. A maioria das datas citadas na presente resenha são de minha responsabilidade e não constam na obra de Sávio Lima. No livro Albertina, após um prefácio escrito pelo neto, João Tobias Lima Sales, pode-se dividi-lo em 14 capítulos e a meu ver toda a obra poderia enquadra-se em cinco partes principais destacadas a seguir numa resenha mais descritiva que crítica.
A PRIMEIRA PARTE (cap. 01, p. 7-10) destaca as qualidades pessoais de Albertina como bondade, ajuda aos pobres e necessitados; sua prática devocional católica e vivência comunitária na participação das CEBs – Comunidades Eclesiais de Base com o Pe. José Maria Cavalcante Costa (paroquiado de fev/1967 a dez/1969 ou fev/1973). Nesse ponto inclusive o autor poderia ter contextualizado um pouco com a tese de mestrado de sua irmã, Nely de Lima Melo de 1981, defendida na Universidade Federal da Paraíba com o titulo “Em busca da libertação - Fernandes, uma comunidade eclesial de base”. Nely é aquela filha considerada como anjo de Deus e cuja morte em 1985 numa luta contra o câncer trouxe muita tristeza para Albertina, tristeza novamente sentida com a morte do filho Evandro na luta contra a mesma doença 5 anos depois (p. 65). Além dos trabalhos nas CEBs Albertina exerceu o cargo de presidência na Associação (hoje Sociedade) Hospitalar Pe. Dionísio Mosca de Carvalho. Seus conhecimentos e boa educação fizeram de Albertina não apenas a ajudadora dos pobres, mas uma espécie de médica de pessoas sem recursos e condições de atendimento médico-hospitalar (p. 55).
E por fim seu trabalho também é visto na antiga LBA – Legião da Boa Assistência; e ainda no ensino do catecismo às crianças. Por décadas Albertina foi catequista nas comunidades de Cana Brava, Lagoa, Régio, Fernandes, Manoel Pinto Mussu e na sede Aratuba (p. 94). A SEGUNDA PARTE (capítulos 02 ao 05, p. 11-40) tem-se as narrativas da infância, namoro, casamento e as dificuldades nos primeiros anos matrimoniais entre Albertina e Onildo – duas pessoas de lugares, famílias, temperamentos e escolaridades bem diferentes que se uniram e viveram juntos um grande amor de 70 anos no pequeno sítio de Cana Brava (p. 95). Esse sítio inclusive influenciou e ainda influencia a vida religiosa católica em Aratuba ao ponto de alguns padres como José Maria Cavalcante o batizar de nova Sião (p. 66); e Pe. Moacir Cordeiro Leite o chamar de Betânia (p. 94). Por lá o Cardeal Dom Aloísio Lorsheider se hospedou diversas vezes e boa parte dos párocos aratubenses desde o paroquiado de Pe. Francisco Evaristo de Melo (1945-1948) até o atual Pe. Antônio Cláudio Pereira de Oliveira (desde 2008) já participaram do convívio familiar dos Farias Limas. (p. 94).
Aqui o leitor saberá que Albertina é mulunguense (p. 11) e veio para Aratuba (na época Coité) aos 20 anos de idade (p. 93) e na sua velhice recebeu o título de cidadã aratubense pelo Poder Legislativo (p. 71). Filha de Amélia e Alfredo foi chamada logo ao nascer de menina feia por uma amiga de sua mãe (p. 12). Mas sua beleza não tardou em aparecer. Seus pais eram bastante preocupados com os estudos dos filhos e desde cedo Albertina e seus irmãos aprenderam a ler e escrever. Um deles, o José, inclusive ia para a escola montado num carneiro (p. 15). A vida de Albertina dividia-se entre os estudos e os labores do dia-a-dia, principalmente na costura de sacos para armazenamento de café que às vezes chegavam a 600 sacos de café na colheita o que prova a riqueza cafeeira da região do Maciço de Baturité (p. 22), e dava na época uma condição social melhor à família de Albertina. O encontro com seu namorado em sua juventude demonstra um pouco da ingenuidade de que todos já notavam em Albertina desde a infância (p. 11). Albertina chegou a acreditar que pelo fato de Onildo encostar sua perna na perna dela havia ficado grávida. Tão grande a preocupação que pediu a Deus que a livrasse daquela circunstância (p. 25).
Após quatro anos os dois casaram-se com uma diferença de 10 anos de um para o outro. Albertina com 20 anos e Onildo aos 30 (p. 27). O casamento foi celebrado por um ex-pároco de Coité, padre José Barbosa de Magalhaes (paroquiado de 1908-1916), na época pároco da vizinha cidade de Mulungu. A cerimônia aconteceu em clima de festa, convidados nobres, noticiado em jornal e banquete farto. Dois incidentes durante e depois do casamento chamam a atenção do leitor. O primeiro foi um pedaço do vestido da noiva rasgado sem querer por um primo que pisou na ponta do véu ao apressar-se nos cumprimentos a Albertina; e o segundo, um outro primo que caiu do caminhão que acompanhava o carro da noiva e foi milagrosamente protegido (p. 31). O carro que trouxe o casal para o sítio Santa Isabel perto da Cana Brava foi o mesmo que havia conduzido os familiares de Onildo à capela do sítio São Roque (Mulungu). O automóvel pertencia a Francisco Assis Monteiro, padre de Coité (Aratuba) cujo paroquiado estendeu-se de 1931 ao ano de 1934 (p. 29). O início da vida conjugal não foi nada fácil para o casal. Albertina trazia 20 mil reis da família e Onildo vendeu o burro de nome Caminhão ao seu próprio pai por 200 mil reis e assim começaram a vida a dois (p. 34).
Mas logo apareceram os problemas de saúde de Albertina o que resultou em bastante sofrimento já que seus três primeiros filhos foram abortados. Somente após realizar tratamentos médicos em Fortaleza Albertina tem seus primeiros filhos nascidos vivos. De início as meninas Nely (1936), Teresinha (1937) e Silva (1939) chegaram na frente; e depois vieram Marcelo (1940), Narcélio (1942) e Evandro em 1943 (p. 35). A vida matrimonial trouxe algumas reflexões dolorosas, pois Albertina percebia a diferença social em sua vida antes e depois de casada. Mas o amor dos dois e o esforço do esposo recompensavam. Onildo era uma máquina de trabalhar na plantação de roçado, pilagem do café e colheita de alimentos (p. 35). E Albertina cultivava sua vida de leitura e afazeres domésticos, na costura de roupas e preparo de enxoval dos filhos que Deus concedia. Na época as correspondências chegavam em sua residência por um homem montado num burro chamado de Horário já que sempre passava no mesmo horário no trajeto Baturité-Canindé (p. 36).
A TERCEIRA PARTE (capítulos 06 ao 10, p. 41-60). Nessa parte temos os desafios da vida familiar, principalmente na educação dos filhos e a sabedoria de Albertina na superação dos problemas de sua família e ajuda ao próximo. O tempo passa e a família cresce e com o crescimento surgem os desafios e claro para quem recebeu uma esmerada educação dos pais, fará o mesmo com seus filhos. Albertina teve ao longo da vida 13 filhos e destes, 8 homens e 5 mulheres (p. 95), apesar de quase perder à própria vida devido as complicações de suas gravidezes. Albertina era fator RH negativo e seu esposo Onildo era RH positivo e pela providência divina seus 13 filhos nasceram saudáveis. Mas os grandes invernos na serra aratubense tornaram-se enormes problemas para à família. E a partir de 1941 o patriarca Onildo desloca-se com sua prole para passar o inverno no sertão, na Fazenda Alegre, entre Aratuba e Canindé. E assim aconteceu nos anos de 1951 a 1966 numa espécie de fuga da serra nos períodos invernosos – um caminho inverso que muita gente fazia em período de seca. Só para se ter uma ideia, conforme relatórios da FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos choveu em Aratuba nos anos de 1964 e 1965 o corresponde a 4.875,1 milímetros de chuva. E no ano seguinte, 1967, choveu 3.138,1mm.
A própria Albertina conta sobre o grande inverno de 1924 em sua terra natal e de um vaqueiro da fazenda Contendas que saiu nadando para a fazenda São Cristóvão descansando e se agarrando nas árvores (p.18). Mas os maiores desafios eram mesmo a educação dos filhos. Algumas vezes o próprio Onildo não entendia todo o esforço de Albertina em educar os filhos, pois sua visão não ia além do sítio. E com as safras de café, as ajudas de padres, bispos e amigos Albertina conseguia bolsas de estudos e dessa forma boas escolas para todos os seus 13 filhos, um feito inédito para a época dado o lugar que moravam e as condições de vida social que viviam. Algumas das suas filhas após a formatura chegaram até a lecionar no município de Aratuba nos anos de 1959 e 1960. O autor Domingos Sávio conclui: “E assim conseguiu formar os treze filhos, dando-lhes as condições de realização profissional para que tivessem uma vida mais fácil do que seus pais tinham tido.” (p. 54)
A QUARTA PARTE (capítulos 11 e 12, p. 61-68). A religiosidade de Albertina está presente em todos os capítulos, mas nessa parte se sobressai. Albertina é uma católica fervorosa e assim foi educada por seus pais desde criança (p. 7). Todos os domingos frequentava a igreja matriz de Aratuba e só não ficava em pé porque Dona Totonha Colares ordenava que alguém levasse uma cadeira para Albertina. Retratos de uma época sem bancos coletivos e de existência de assentos individuais no templo. Sua religiosidade aparece nas orações diárias, nas leituras bíblicas e de livros religiosos, nos novenários, nas celebrações natalinas, semana santa e claro no ensino do catecismo às crianças. Por tudo isso seu esposo Onildo chegou a dizer: “Se Albertina não for para o céu, pobres de nós, pois jamais chegaremos lá”, o que demonstra a crença católica da salvação pelas obras. Albertina é uma grande defensora de sua fé e lamentou os anos difíceis de 1997 para o catolicismo em Aratuba, pois famílias católicas converteram-se ao protestantismo e para ela isso era “se afastar do seguro caminho da salvação”.(p. 70)
Claro que os protestantes chegaram bem antes no município. Oficialmente os evangélicos se implantaram em Aratuba na data de 17 de agosto de 1982. Mas na década de 90 houve realmente um crescimento vertiginoso no município, notadamente na Assembleia de Deus - Ministério Templo Central, além de outras denominações que começaram a chegar. E isso explica porque Albertina cita o ano de 1997. A QUINTA PARTE (capítulos 13 e 14, p. 69-107). Por fim a última parte destaca dois capítulos sobre os escritos de Albertina e relatos de seus filhos e netos em homenagem ao centenário da matriarca. Em Aratuba dois centenários se notabilizaram entre nós no exemplo de bons leitores e registros de certos acontecimentos de nossa história. Refiro-me a Albertina Farias Lima (1913 aos nossos dias) e Leopoldo Pereira Martins (1880-1981) com uma diferença: as anotações de Leopoldo perderam-se e os escritos de Albertina foram conservados pela família. Albertina é aquela mulher que gosta de ler e escrever e temos de sua lavra textos que transmitem seus sentimentos, lutas, devoções e alegrias. Um exemplo, no Álbum do Congresso Eucarístico (1945) tem um texto escrito por Albertina.
Mas suas constantes leituras às vezes deixava seu amado esposo Onildo irritado, afinal as leituras competiam com os labores de cada dia (p. 82). E o exemplo literário contagiou os filhos. Adiléia Farias afirma que a busca do conhecimento dos filhos veio de Albertina como modelo de leitora voraz dos livros (p. 92). CONCLUSÃO: E além de recomendá-lo para leitura o que posso concluir de tudo que li no livro Albertina? Como Albertina é uma católica praticante e fiel a sua religiosidade; e eu um protestante reformado, claro que discordo do oferecimento de Cristo na eucaristia (transubstanciação, p. 76); do sofrimento como meio de purificação de pecados (p. 62); da crença na doutrina do purgatório (p. 75); de sua visão do próprio protestantismo (p. 70) e outros conceitos. Entretanto como protestante creio na tradição reformada da graça comum de Deus e vejo na vida de Albertina um exemplo de esposa fiel, submissa e dedicada. Uma mulher que ama seu esposo e mesmo com uma cultura e conhecimento superior ao de seu marido, reconhece ele como autoridade no lar. Uma esposa que acredita que “se arrumar para agradar o marido é uma forma de virtude” (p. 82).
Uma mãe modelo de generosidade, amabilidade e mansidão para seus filhos e para as pessoas da sociedade. Uma mulher cuja casa o necessitado não saía sem um prato de comida. Alguém que se preocupa com o próximo. Agradeço a Deus por Albertina ter deixado sua terra natal e viver entre nós. Albertina não viveu apenas ao lado de um aratubense de fibra como seu Onildo, mas viveu ao lado dos aratubenses e ajudou-nos no alívio dos dissabores da vida. Até hoje nunca vi Albertina de perto. Ela certamente nunca ouviu falar de mim, mas desde criança escuto falar sobre ela. Nossos mundos cronológicos e teológicos tão distantes e ao mesmo tempo geograficamente tão pertos. É uma prova de que tenho mais pecados do que imagino. A leitura de um livro biográfico de sua vida me fez pensar sobre família, paciência, leitura, serviço, esforço, mansidão e desprendimento de bens. Albertina já completou 103 anos e desejo saúde e oro ao soberano Deus Pai pela revelação de sua graça na pessoa de seu bendito Filho Jesus Cristo sobre sua vida e de seus familiares. Gildo Gomes, Aratuba 20 de setembro de 2016