CASSIO CAVALCANTI ENTREVISTA AMELINHA

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onhecí Cássio Cavalcante através do Facebook. Cearense, mora há anos em Pernambuco. Autor de belíssima biografia de Nara Leão, Cássio tornouse nosso amigo internáutico e colaborador do Cineclube Jece Valadão e participa de nossa página de hoje com uma entrevista com Amelinha

Calma e suave como a brisa da tarde

Por Cássio Cavalcante –

ENTREVISTA COM AMELINHA

GILSON LEÃO

F

ez todos dançarem um frevo mulher, com ela todo o país cantou “Foi Deus que Fez Você”, e nos ensinou que mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor. Tranqüila e serena tem a força da água e da luz, elementos simples e tão vitais para a existência humana. A cantora, a mulher, a mãe, a amiga, todas se fazem em uma só: Amélia Cláudia. Para todo o Brasil: Amelinha.

Cássio: O Orvalho da noite/ Brinca na luz do luar/ Quem acredita em sereias/ Sabe os segredos do mar... Você deve lembrar com muito carinho do início de tudo. Quando Fagner, Ednardo e Rodger lhe mostravam músicas, sempre no violão. Quais as suas emoções do reencontro no projeto Pessoal do Ceará, dividido com Belchior e Ednardo, em 2002? Amelinha: É sempre uma grande alegria encontrar-se com as pessoas que a gente ama e que admira sua obra. Na verdade, o afeto é o que nos unirá sempre mesmo estando longe. Nesses momentos, eu penso que é um portal que se abre no tempo para que possamos fazer um som e nos abraçar e comemorar a nossa amizade, compartilhando isso com todos os nossos amigos. Pra mim, que já tinha um laço forte com o Robertinho de Recife, que produziu este CD, ficou ainda mais completo. Todos estes compositores moram no meu coração. Realmente foi um privilégio ouvi-los quando no começo sempre me mostravam as suas músicas ao violão. Era supremo. Cássio: No facebook, vi uma foto de um saboroso peixe de dar água na boca, feito por você. Você já contou que: “Teve uma vez que ele foi lá em casa (Vinícius de Moraes) e eu resolvi cozinhar alguma coisa para nós. Imagina eu cozinhando pro Vinicius? Acabei queimando tudo. E ele só disse assim: Bichinha, se incomode não. Eu vou lhe ensinar a receita de um franguinho.” Ele foi um dos primeiros compositores fora do Ceará, que reconheceram teu talento. Chegaram a trabalhar juntos em um temporada em Punta Del Leste. Qual a importância dessa época para tua carreira, e o que mais lhe marcou em relação ao Poetinha? Amelinha: A idéia... (risos), era fazer um frango guisado a moda nordestina, mas, o que aconteceu foi que ele se desmanchou. Ficou ridículo... Também né ? Só pudera, cozinhar pro Vinícius de Moraes, não é mole não. Mas ele sempre muito generoso e bem humorado, se divertiu santamente, com a situação, parecíamos crianças, eu, ele e sua oitava mulher, ainda estavam no começo do relacionamento, o Fagner fotografando e o Maxim, meu marido que procurava administrar as coisas , foi quem os trouxe, e nós brindando tudo com um whisky que o poetinha levou enquanto ele escrevia a letra da musica que me deu, chamada “Aí quem me Dera” que agora depois de todos estes anos é que gravei no DVD e CD ao vivo que serão juntamente lançados ainda este ano. Em maio, estive com Maxim, em São Paulo, na gravação do DVD e ele me disse que se perderam na volta dado ao teor das emoções etílicas... Naquela época era tudo mais relax... A gente andava tranquilamente pelas ruas de São Paulo a qualquer hora, de carro ou a pé mesmo. Quem nasceu de 30 anos pra cá não consegue imaginar porque o próprio contexto do momento não permite. Temos um avanço tecnológico espetacular e hoje, no entanto, somos parte de um caos urbano e social. Cássio: Quantos aqui ouvem os olhos eram de fé/ Quantos elementos amam aquela mulher/ Quantos homens eram inverno e outros verão/ Outonos caindo secos no solo da minha mão... Em relação ao sucesso você concorda com Gustavo Flaubert quando ele afirmou: “O sucesso é uma conseqüência e não um objetivo.”? Amelinha: Sim, concordo plenamente, os pensadores transmitem suas reflexões que só nos engrandecem. Eu me identifico porque nunca tive o sucesso como objetivo. Me dedico, faço com intensidade aquilo que acredito e exponho através do conteúdo gravado. Por isso meus trabalhos são feitos para alcançar e nunca para atingir. Nós estamos vivendo uma era altamente imediatista e o que é da hora, onde o marketing quer superar o artístico, o conteúdo. É um jogo que não gosto de jogar. Não se trata de ingenuidade e sim de opção.

Sucesso a gente já tem quando nasce. O vencedor é o que tem a capacidade de se adaptar as circunstâncias da vida sem que isto signifique acomodação. É aprender a lidar com o tempo. Ação e inação com esforço e atitude mental criteriosa. Temos que aprender a gerenciar nossos impulsos que nem sempre são corretos, mediante uma determinada situação que tenhamos que enfrentar. Temos que aprender a surfar nas ondas da existência. Determinação, resiliência que são diferentes de obstinação ou premeditação. Premeditar só o brack.... (risos). Oportuno e jamais oportunista. Essencial sempre. Educação e cortesia espiritual. ADAB. É claro que existem os psicopatas no meio de tudo e em todos os meios mas também não existe pic-nic sem formiga. Cássio: Foi Deus que fez o céu,/ O rancho das estrelas/ Fez também o seresteiro/Para conversar com elas... Elis Regina em 1965, ganhou o primeiro Festival da Música Popular Brasileira, com “Arrastão”. Em 1966 Nara Leão e Chico Buarque com “A Banda” empataram no primeiro lugar com “Disparada” defendida por Jair Rodrigues. Em 1980 no Festival da Rede Globo (MPB 80), a música “Foi Deus que Fez Você” ficou em segundo lugar consagrada como primeiro com todo o Brasil cantando de norte a sul. Qual a importância da época dos festivais para nossa música, o que mais você guardou daquela fase? Amelinha: É, Eu estava em Porto Alegre, numa rádio, fazendo uma entrevista de divulgação, quando me comunicaram que “Foi Deus que Fez Você”, estava em primeiro lugar em AM e FM em todo o Brasil. Meu coração foi a mil mas eu sempre fui muito controlada, até fiz terapia pra aprender a demonstrar minhas emoções. Por isso te digo que fiquei tonta, um vulcão dentro de mim. Nossa, uma enorme alegria me tomou. Isso é interessante porque sou neta de uma gaúcha por parte de pai. Sempre foi uma emoção ir ao Rio Grande do Sul e, estando lá receber esta notícia, foi super, muito, muito bom. A voz do povo é a voz de Deus. E realmente não achei justo o segundo lugar. Eu tinha defendido bem a música, era a vontade do Brasil mas, foi Deus que quis assim. Quando esta frase me veio a cabeça na entrega do prêmio eu senti que havia um plano Divino. Respeitei e segui em frente. Foi a maior lição. Hoje os festivais revelam tudo antes e o festival tem que ser pela emoção do momento. O inesperado, a surpresa. Tem que ser escondido. O público só tomava conhecimento quando chegava a hora. O festival não pode ser um programa como outro qualquer. E como hoje não existe mais privacidade, ninguém se controla em mostrar, nem mesmo os participantes, perde a graça. O significado. Para mim, foi um vestibular, uma prova de fogo, uma eleição sincera, porque transcendeu ao evento em si. Aí você se sente realmente aprovado. Te dá segurança de continuar no caminho. Cássio: Nas últimas entrevistas, você sempre conta de uma fase de calma, de tranqüilidade em sua vida. Afirma está gostando muito desse período. Essa bonança seria um sinal da importante maturidade? Amelinha: Sim, certamente. Estou gostando de atravessar a idade. Agora é rumo aos 120... Estou mais brincalhona e ao mesmo tempo mais reservada... Já não desperdiço tanto minhas energias a toa por aí e nem falando demais. Sou uma mulher que falo pouco. Tenho mais amigos homens. Gosto da lógica masculina. Porém quando falo normalmente e digo o que penso. Acho que a capacidade de síntese dos homens é de grande valia pra nós mulheres. Homem reduz, não se preocupa com besteira como as mulheres. Eu sempre romanceei muito a vida mas sabia que estava fazendo isto... E gostava... Talvez meu lado artístico tenha me pautado no percurso. Tenho boas amigas, mas nunca me diverti em reuniões de mulheres de uma forma real e padronizada, só fiz isto com minhas comadres do Ceará. É sempre foi muito divertido porque são mulheres maravilhosas. Depois conheci umas terapeutas sensacionais. Gosto de mulheres inteligentes e divertidas, não curto as que falam de doença, nome de doença ou reclamam dos maridos, dos filhos e das funcionárias, enfim reclamam e se fazem de vítimas. Gosto das poderosas. Mantenho distância das competitivas ou complexadas e as vezes me afasto totalmente, gosto das animadas e festeiras. Me alegro ou sofro com meus amigos e minhas amigas. Procuro compreender, mas mantenho contato mais próximo com pessoas interessantes. Amo meus filhos e netos, noras e genro. Procuro a empatia com a complexidade humana. Gosto de gostar de mim e as vezes quando necessário me repreendo a mim mesma mas sempre me perdoo. E perdoo também aos que me aborreceram ou me causaram algum dano de alguma forma. Esta é minha receita de convivência na maturidade. O grande exercício da tolerância. Amo fazer longas caminhadas e cantar para os amigos em qualquer parte. Recebi um convite pra cantar em Dubai. Acho que vai ser uma grande experiência. Vai ser ótimo. Pretendo levar um jornalista. Quer ir Càssio?

Fotos Jardiel Carvalho Cássio: Com quantas mãos foi feito o teu mais recente disco, “Amelinha Janelas do Brasil”. Que parceiros se somaram a você que resultou neste CD “tão simples quanto belo”, como afirmou Beto Feitosa no site Ziriguidum? Amelinha: Em primeiro lugar com as mãos de Deus que me trouxe Thiago, super antenado com o mundo da música, conhecia profundamente meu trabalho, que me aproximou do DJ Zé Pedro, maravilhoso, amante da boa música e das cantoras me sinto honrada por estar entre elas, ele havia em 2003 feito um remix de Frevo Mulher sensacional que inclusive quando cantei num Navio Island Scape depois do show fui convidada por um diretor de um grande Jornal de Salvador a ir a boate, onde ele e sua mulher me recepcionaram e o DJ colocou este mix do Zé Pedro e também tive outro momento desses aqui na Lapa, o que me surpreendeu e agradou muito. Então Zé Pedro quis fazer um CD comigo, pela sua gravadora Joia Moderna. Contamos com Dino Barione nos arranjos e violões, um técnico maravilhoso bem novo também o Gabriel Spaziane e Beto Carezzatto que masterizou, enfim todos anjos de Deus. No momento nem imaginava que seria o “Janelas do Brasil”, um projeto que concebi em 2008 baseada numa experiência que tive em 2005 ao mostrar uma outra gravação ao cineasta Sergio Bernardes numa audição especial no estúdio do Robertinho quando gravei um CD ainda inédito com músicas dos cearenses Caio Sílvio e Ricardo Alcântara e ele se apaixonou por uma música chamada Noites do Rio, e disse que eu deveria estar cantando em todas as janelas do Brasil. Aquilo ficou na minha cabeça de tal forma que virou projeto. Só que comecei fazendo shows com este título. Na sala Baden, no Teatro Nelson Rodrigues em 2008 e em 2009 no Teatro Rival. Aí quando aconteceu a elaboração via internet e realização do CD percebi que era então o “Janelas do Brasil” na área. É tanto que quando Thiago me pediu sugestão de título, enviei entre outros, o titulo de Janelas do Brasil que foi imediatamente aprovado com entusiasmo por ele e Zé Pedro. Foi assim. Quantas mãos hein? Cássio: Como na música do Beto Guedes você disse: “Na minha casa tem uma janela lateral...” Novos caminhos? Novos projetos? Amelinha: Na época em que gravei o CD, morava em uma casa na praia com esta janela lateral no andar de cima, onde tinha uma vista muito linda para um mangue com garças, o movimento das marés e tudo mais, mas dava trabalho, pois tinha jardim e piscina. Uma vez em janeiro, um jornalista de Fortaleza, o Marcos Sampaio, pessoa linda, me pediu uma entrevista e eu respondi que teria que adiar porque estava esperando o meu jardineiro ao que ele respondeu: foi o email mais anti-Diva que recebi... (risos)... Sacou? Ele tinha razão, então resolvi pular esta janela lateral. Agora moro num flat bem moderno, muito verde em volta, mata atlântica, da varanda vejo o mar ao longe, 6 km e já é outro tempo. O tempo dos novos projetos em plena realização. Mais prático onde tudo caminhou, até eu me mudei. Sigo com o projeto Janelas do Brasil que já se desdobrou em DVD e CD ao vivo com uma abrangência maior de repertório, ou seja novas janelas que contem os sucessos conhecidos e outras novidades como a inédita “Ai quem me Dera” de Vinícius de Moraes. Não podia ser diferente. E ainda terei que abrir outras tantas janelas. Por conta até de minha história e das participações importantes e verdadeiras. Sempre verdadeiras. Não é preciso armar nem inventar nada. Meu produtor até falou: Estes teus amigos te amam hein? Sim, porque eu os amo também. Nesse primeiro DVD e CD ao vivo que vem por aí tem as participações maravilhosas, e sobretudo amigas de Toquinho, Fagner e Zeca Baleiro. No próximo pretendo convidar Alceu, Geraldo, Moraes e Egberto Gismomt. Pense.


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