Intervenções urbanas efêmeras e seu papel em criar uma cidade mais amigável para mobilidade ativa Giovanna M. Costa
Universidade Federal Fluminense Escola de Arquitetura e Urbanismo
Trabalho de Conclusão de Curso Discente: Giovanna Moraes da Costa Orientadora: Rossana Brandão Tavares Supervisora: Andrea Sampaio
2021.1
À Flávia, Roni e Enzo, meus pais e irmão, que sempre me incentivaram a ser eu mesma.
Giovanna M. Costa INTERVENÇÕES URBANAS EFÊMERAS E SEU PAPEL EM CRIAR UMA CIDADE MAIS AMIGÁVEL PARA MOBILIDADE ATIVA
Agradecimentos
Antes de tudo, agradeço à minha família que me apoiou a cada segundo dessa jornada. Principalmente meus pais, que sempre apoiaram a criança que falava que seria arquiteta, enquanto fazia vários desenhos e carregava o próprio peso em revistas de arquitetura do pai pela casa. Eu não estaria aqui escrevendo isso se não fosse o companheirismo, amor, amizade e apoio de vocês. (E da Lily) À Escola de Arquitetura e Urbanismo, por cada uma das oportunidades que me levaram a escrever estas palavras agora. Desde as aulas, que me renderam muitas olheiras ao longo dos últimos anos, aos grupos de pesquisa, monitoria e até oportunidades no exterior. Cada experiência foi extremamente valiosa não só para a minha formação, mas para a pessoa que eu sou hoje. Um agradecimento em especial às minhas orientadoras ao longo do curso: Denise Nunes, Fernanda Furtado, Julia Benayon e Valéria Salgueiro. Ao professor Gerônimo Leitão, não só por ter feito possível o workshop na Jade Hochschule possível, uma experiência que eu carrego com muito carinho, mas também por ter aceitado dar uma palestra no Colégio Pedro II alguns anos atrás. Foi naquele dia que eu me encantei pela Escola de Arquitetura e Urbanismo. (E obrigada à professora Irís Brasil, do Colégio Pedro II, por organizar a dita palestra) À minha orientadora, Rossana Brandão, por ir muito além do seu dever de orientadora e ter sido a presença mais calma do meu final de curso. Obrigada por todas as palavras de incentivo, provocações e risadas ao longo dos últimos dois semestres. Se eu não arranquei todos os meus cabelos (e nem tomei floral de canudinho) enquanto escrevia esse trabalho, o mérito é todo seu! Aos meus amigos da EAU, em especial Ana Carolina Cruz, Cadu Ribeiro, João Paulo Ferreira, Luana Cristina, Lucas Peixoto, Matheus Guimarães, Natasha Mello, Sophia Francês, Thayná Rangel e Victor Gomes (em ordem alfabética, para não ter briga), por todas as idas ao bandejão, conversas durante o cafezinho da tarde, trabalhos em grupo, pitacos em projeto, apoio emocional, pizzadas e
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“Se a vida, como disse Vinícius de Moraes, é a arte do encontro, a cidade é o cenário desse encontro” -Jaime Lerner
Introdução: Motivação, justiicativa e área estudada ..... 14 Processo de formação das cidades brasileiras: Algumas aproximações ................................... 19 História da urbanização do Brasil ...................................................... 19 Direito à cidade e à paisagem urbana .............................................. 25 Segregação sócio-espacial, gentriicação e centralidades .......... 31
Atualidade ......................................................... 37 Novos direcionamentos do Urbanismo ........................................... 37 Mobilidade urbana ativa, deslocamentos diários e saúde física e mental .......................................................................... 47 Questões de gênero, raça, sexualidade e geração e como elas innuenciam a vida de cada indivíduo na cidade .................. 56 O uso da rua: Novos e antigos hábitos de apropriação do espaço urbano ........................................................... 62
Intervenções efêmeras: por um espaço do devir .................................. 69 Intervenções efêmeras ........................................................................ 69 Intervenções efêmeras no planejamento das cidades ................ 81 Intervenções efêmeras no contexto de pandemia ....................... 90
Centro de Niterói: um estudo de caso ......... 96 Histórico, zoneamento e diagnóstico ............................................... 96 permanecer, de maneiraMapeamento prazerosa segura cidades? A partir de reeexão denas pontos de interesse e uma geradores deteórico-práuxo ..... 118 tica, utilizo o Centro de Niterói como estudo, mostrando que.................................. é possivel criar uma Propostas deobjeto rotas de caminháveis e cicláveis 146 Intervenções propostas e diretrizes projeto ........................... 152 cidade pensada para pessoas (mesmo em um contexo em que ade malha urbana já está consolidada), a partir de intervenções urbanas de caráter efêmero. Intervenções estas que funcionam quase como arte urbana; podem ajudar não............... só o poder público Conclusão e considerações nais 180 a planejar a cidade, mas também a trazer às pessoas uma real sensação de pertencimento ao espaço urban
Referências bibliográácas ...................................... 181
Introdução: Motivação, justiicativa e área estudada ..... 14 Processo de formação das cidades brasileiras: Algumas aproximações ................................... 19 História da urbanização do Brasil ...................................................... 19 Direito à cidade e à paisagem urbana .............................................. 25 Segregação sócio-espacial, gentriicação e centralidades .......... 31
Atualidade ......................................................... 37 Novos direcionamentos do Urbanismo ........................................... 37 Mobilidade urbana ativa, deslocamentos diários e saúde física e mental .......................................................................... 47 Questões de gênero, raça, sexualidade e geração e como elas innuenciam a vida de cada indivíduo na cidade .................. 56 O uso da rua: Novos e antigos hábitos de apropriação do espaço urbano ........................................................... 62
Intervenções efêmeras: por um espaço do devir .................................. 69 Intervenções efêmeras ........................................................................ 69 Intervenções efêmeras no planejamento das cidades ................ 81 Intervenções efêmeras no contexto de pandemia ....................... 90
Centro de Niterói: um estudo de caso ......... 96 Histórico, zoneamento e diagnóstico ............................................... 96 Mapeamento de pontos de interesse e geradores de uxo ..... 118 Propostas de rotas caminháveis e cicláveis .................................. 146 Intervenções propostas e diretrizes de projeto ........................... 152
Conclusão e considerações nais ............... 182 Referências bibliográácas ...................................... 184
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Introdução: Motivação, justificativa e área estudada
Desde o começo do curso de Arquitetura e Urbanismo, nos é ensinado não só a ver as cidades com outros olhos, mas também a valorizar o transporte ativo e modais de massa ao invés de automóveis particulares, por diversos motivos. Mas o nosso modelo de cidade atual possui diversos empecilhos para que os indivíduos realmente mudem seus hábitos e deixem de lado a sua dependência do transporte individual. Seja um transporte público que não atenda suas necessidades, a pressa do dia a dia, uma cidade perigosa, uma calçada não acessível ou até mesmo uma pandemia mundial que exige distanciamento... Muitos são os motivos para continuarmos completamente dependentes dos carros particulares. Ainda que no começo do curso a minha ideia do que eu estava fazendo ali fosse algo utópico, esse ensinamento me moldou muito, acadêmica, profissional e pessoalmente falando. Ao ponto de me fazer trocar o The Sims (no “Modo Construção”1, como todo bom estudante de Arquitetura), que me acompanhou por toda a vida, pelo Sim City e me levar completamente para o lado do Urbanismo da “Força”2. A parte mais curiosa é que um pedacinho de mim,
Função do jogo The Sims, da EA, onde os jogadores podem construir casas sem um limite de gastos (e sem se importar com as forças atuantes nas estruturas). 2 Um poder onipresente e metafísico do universo ficcional de Star Wars. 1
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temporalidade, já que não é porque algo é temporário que deve ser esquecido. É com ela que pode-se ter a real avaliação da população, criando uma cidade que seja usada por quem realmente importa: as pessoas que nela vivem, Para realizar o estudo de caso proposto, a área escolhida foi o Centro de Niterói. Sendo a área ocupada mais antiga do município, que foi a capital do estado até 1960, o Centro já passou por diversas intervenções urbanas de grande porte ao longo dos anos, muitas delas com o objetivo de desafogar o excesso de carros no município.
Essas intervenções criaram um tecido urbano bem definido, sendo difícil de intervir em suas ruas com calçadas estreitas, cruzamentos perigosos e diversos pontos com estacionamento, sem uma obra milionária envolvendo
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diversas desapropriações, fazendo com que intervenções de teste sejam fundamentais para o planejamento do bairro. Localizado na Região administrativa das Praias da Baía, atualmente abriga a maioria dos empregos do município, recebendo milhares de pessoas de outros bairros e até de outros municípios diariamente. É aqui que chega a Ponte Rio Niterói, que está localizado o Terminal Rodoviário João Goulart,a mais importante ligação aquaviária com a Praça XV, no Centro do Rio de Janeiro… É a principal chegada do município. De acordo com um levantamento realizado pela Prefeitura de Niterói em 2018, o Terminal Rodoviário João Goulart recebe em média 350 mil passageiros por dia, que chegam nas 146 linhas de ônibus (60% das linhas que passam pelo município), sendo 35 municipais e 111 intermunicipais. Já a Estação de Barcas recebe em média 100 mil passageiros por dia3. Esses dados nos mostram quase meio milhão de pessoas transitando pelo bairro diariamente, apenas no âmbito do transporte público. Mas o Centro vai muito além do trabalho e dos serviços que aqui se encontram, sendo uma área riquíssima em diversos aspectos, principalmente turístico e cultural. O bairro possui diversos centros culturais, museus, teatros e bibliotecas (no total, o bairro conta com 35 pontos turísticos e atrativos culturais abertos ao público e formalmente mapeados pela Prefeitura de Niterói), além de ser o ponto de partida para todos os outros pontos importantes culturalmente para Niterói, como é o caso do Museu de Arte Contemporânea e da Universidade Federal Fluminense. Porém, esse status de chegada e de serviços transformou o Centro em uma área extremamente apagada, sendo vista apenas como um local de trabalho e de passagem, que as pessoas visitam apenas por obrigação, e que
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Dados retirados do Plano de Mobilidade Urbana e Sustentável (PMUS) de Niterói.
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Porém, esse status de chegada e de serviços transformou o Centro em uma área extremamente apagada, sendo vista apenas como um local de trabalho e de passagem, que as pessoas visitam apenas por obrigação, e que possui não só carros para todos os lados, mas também pouca acessibilidade e odores… diferenciados. Além de todos esses fatores, a minha escolha de objeto de estudo possui também um caráter um tanto quanto pessoal. Durante o curso, não só transitei pelo Centro como pedestre, utilizando os transportes públicos de massa e o famoso busuff (ônibus universitário da Universidade Federal Fluminense), como também passei os últimos dois anos da minha vida sendo uma das milhares de pessoas que passam pelo bairro diariamente, caminhando por ele e aprendendo os melhores (e mais seguros) trajetos para ir de A até B nos diferentes momentos do dia, pois é no bairro que se localiza o Centro Administrativo da Prefeitura de Niterói, onde tive a oportunidade de estagiar na Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade. A união dos fatores que serão levantados ao longo do trabalho e a minha vivência no bairro foram fundamentais para a escolha do objeto que consiste no estudo de caso. O trabalho, que consiste em um exercício teórico-prático, é dividido em duas partes: A primeira, que consiste na parte teórica, está dividida em três capítulos, contextualizando as cidades brasileiras desde a sua formação até os atuais direcionamentos do planejamento urbano, além de apresentar as intervenções efêmeras, temporárias, que dão o título ao trabalho. A segunda parte, prática, consiste em um estudo de caso, partindo do histórico do bairro e chegando no produto final de uma rota caminhável e ciclável, incentivando a mobilidade ativa no bairro, e em diretrizes projetuais, além de um exercício projetual em micro escala. 18
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Processo de formação das cidades brasileiras: Algumas aproximações História da urbanização do Brasil Para entender como propor intervenções e melhorias nas cidades, precisamos não só entender como elas se comportam atualmente, entendendo as reais necessidades da população, mas precisamos também entender seus processos de formação, o que levou as cidades a se tornarem o que são hoje. Diversos foram os fatores históricos que nos levaram a ter cidades nos moldes automobilísticos ao redor do mundo e precisamos primeiro entendê-los para então entender como podemos começar a reverter o processo e torná-las mais amigáveis para as pessoas que nelas habitam. De acordo com dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), 55% da população mundial vivia em áreas urbanas no ano de 2019, enquanto os outros 45% moravam em áreas rurais. Seria um dado bastante equilibrado, com a população dividida quase pela metade entre áreas urbanas e rurais, se nós não levarmos em conta que pouco mais da metade da população mundial mora em apenas 7,6% da área terrestre do planeta. Porém, além disso, a expectativa da própria ONU é de que esta proporção aumente para 70% até 2050. Isso equivale a 6,8 bilhões de pessoas morando em 19
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pouco menos de 8% da área terrestre do planeta, se considerarmos a estimativa de 9,7 bilhões de habitantes no planeta Terra para 2050.
No Brasil, a situação é um pouco diferente. Enquanto, atualmente, na escala global, esses números mostram uma população quase que igualmente distribuída entre o campo e a cidade, dados revelados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, a maioria esmagadora da população brasileira vive em áreas urbanas. Enquanto 15,28% dos brasileiros moram em áreas rurais, os outros 84,72% dos brasileiros moram nas cidades. Conforme a estimativa4 do IBGE, a população do Brasil em 2020 era de 211.755.692 habitantes, com esse número aumentando a cada 19 segundos. Essa estimativa colocaria cerca de 179.399.422 pessoas divididas de maneira desigual entre as 5.570 cidades brasileiras, se considerarmos que algumas das cidades possuem uma população muito mais expressiva, numericamente
Não houve censo no ano de 2020. O dado censitário mais recente é o do Censo 2010 (IBGE), que apontava que a população do Brasil era de 190.732.694 pessoas.
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falando, como é o caso das grandes capitais, em comparação com pequenas cidades do interior.
Mas esses números eram extremamente diferentes há um século atrás. A formação das cidades brasileiras tem seu ponto de partida ainda durante os anos do Império, mas só na República, mais precisamente no início do Estado Novo, durante o primeiro Governo Vargas (1930 à 1945), é que o Estado brasileiro, a partir dos investimentos nas indústrias de base, iniciou um real processo de urbanização. Processo este que, por sua vez, aconteceu de maneira extremamente acelerada e concentrada. Até então, o Brasil era um país rural, com toda a sua economia voltada para a exportação de café e cana-de-açúcar. A modernização e urbanização do Brasil começou por conta da necessidade econômica de mudar essa situação, após a economia cafeeira sofrer um grande baque com a Grande Depressão Norte Americana, em 1929. A crise nos Estados Unidos da América, o maior importador de café na época, fez com que os gastos supérfluos do povo estadunidense fossem cortados, diminuindo drasticamente a importação e fazendo com que o preço do café despencasse. Para que não houvesse uma desvalorização excessiva da
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mercadoria, o governo brasileiro comprou e queimou toneladas de café. Foi a partir dessa necessidade de mudar o perfil econômico do país que se deu início ao rápido processo de urbanização e modernização do Brasil. Esse crescimento repentino das cidades, consequentemente, gerou uma concentração de renda e empregos nas cidades, provocando o que conhecemos como êxodo rural, processo que consiste na migração interna da população brasileira do campo para a cidade, principalmente após os anos 1950. Essa população que morava no interior do país, trabalhando para os grandes donos de terra, mudou-se em massa para as capitais, buscando melhores condições de vida. As grandes cidades então começaram a receber mais moradores do que poderiam suportar. Esses novos habitantes das cidades se estabeleceram majoritariamente em dois locais extremamente diferentes: parte da nova população instalou-se em morros de áreas nobres, que não possuíam infraestrutura, mas eram próximas dos seus trabalhos e dos serviços; e em áreas periféricas, nas franjas das cidades e distantes dos Centros, margeando as principais rodovias. Esse segundo grupo gerou uma expansão do tecido urbano, que aconteceu de forma fragmentada e desencadeou no processo de espraiamento das cidades. Mas, assim como nos morros, essas periferias também não possuíam e nem receberam do Estado a infraestrutura necessária (saneamento, ordenamento do solo, transporte público), fazendo com que esse segundo grupo se instalasse em espaços excluídos não só geograficamente, mas também socialmente. Foi dessa maneira desenfreada e desordenada, sobretudo, para fora dos limites urbanos da época, que se deu a urbanização das cidades brasileiras, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, cujas capitais já eram as duas cidades mais economicamente importantes do país. No caso do Rio de Janeiro, que na época era a capital federal, essa expansão urbana para as periferias se deu de forma linear, pelos eixos das 22
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rodovias, tentando se apropriar da infraestrutura e da proximidade com possibilidades de transporte existentes, expandindo territorialmente o espaço urbano fluminense pelas bordas, criando um tecido urbano esgarçado e sem um planejamento adequado do uso e ocupação do solo. No ano 1960, ano de conclusão da construção e mudança da capital federal para Brasília, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914 – 1977) foi a primeira pessoa a assumir o posto de governador do estado da Guanabara. Nessa época, aquela população que se instalou nos morros continuava crescendo.
A favela Macedo Sobrinho, no Humaitá (zona sul do Rio de Janeiro), teve sua população removida para conjuntos habitacionais nas periferias da cidade // Fonte: Anthony Leeds (1966)
O crescimento da população instalada nos morros significava que as favelas estavam em expansão na cidade, localizando-se nas áreas mais próximas dos empregos: nas indústrias instaladas na Zona Norte, e dos serviços, na Zona
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Sul. Segundo a historiadora Armelle Enders5, em 1960, essas regiões de morros abrigavam mais de 330 mil pessoas, que gradualmente ocuparam, também, os arredores industriais da Avenida Brasil, a maior rodovia da época. Foi então que o governador Carlos Lacerda iniciou um processo de remoção em massa dessas favelas localizadas em áreas nobres da cidade. Essa remoção fez com que os moradores das favelas fossem forçados a se mudar para áreas periféricas da cidade, longe de seus empregos e extremamente afastadas dos serviços presentes nas áreas centrais. Com as remoções, ocorreu um aumento significativo do preço da terra urbana pelo mercado imobiliário, o que além de manter a população recentemente removida longe dos centros, impossibilitando-as financeiramente de voltar, expulsou também a população mais pobre que ali vivia, gerando uma remoção compulsória para essas áreas mais afastadas do centro já citadas, onde não havia equipamentos básicos para o direito à vida, como saneamento básico. Essas periferias, que já eram ocupadas por uma população marginalizada socialmente e sem infraestrutura adequada, se tornaram ainda mais populosas e marginalizadas.
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ENDERS, Armelle. A história do Rio de Janeiro.
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Direito à cidade e à paisagem urbana
Como já foi dito, diversos foram os fatores históricos que formaram nossas cidades atuais e nós precisamos entender esses fatores para então propormos intervir. Ainda que no Brasil essa urbanização tenha sido tardia em comparação com outros países, como já foi falado, muito do que aconteceu por aqui possui certa similaridade com acontecimentos de outros países, ainda que nos anos 1960 a comunicação fosse algo muito diferente, principalmente por conta de tecnologias como a internet. Por exemplo, essa série de acontecimentos citados até o momento, que, de maneira resumida, consiste no crescimento das cidades → êxodo rural → cidades cheias → formação de periferias → problemas sociais como segregação sócio espacial e gentrificação, aconteceu apenas no Brasil. Na mesma época, em 1968, o sociólogo e filósofo marxista francês Henri Lefebvre (1901 – 1991) publicava o primeiro volume de uma série de livros sobre as contradições da produção capitalista do espaço urbano: o Direito à Cidade (no original, Le droit à la ville). O conceito de ‘direito à cidade’, nasce no meio de uma onda de protestos na capital francesa, iniciada pela juventude, a favor de direitos civis,
de
reformas
educacionais
e
contra
a
Guerra
do
Vietnã
e
o
conservadorismo. O movimento mobilizou toda a população de Paris e culminou em uma greve geral. O conceito de Direito à Cidade define uma cidade democrática e diz que, de uma maneira resumida, todas as pessoas têm direito de habitar, usar, ocupar, produzir, governar e desfrutar das cidades de forma igualitária. O Direito à Cidade é um direito humano e coletivo, que envolve não só as atuais,
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mas também as futuras gerações. Andar pelas ruas sem medo, independente da hora ou lugar, se encontrar com os amigos na praça, utilizar um transporte de massa digno… Todos nós construímos a cidade no nosso dia a dia, ainda que não tenhamos consciência disso. E se nós produzimos a cidade, também temos o direito de habitar, usar, ocupar, produzir, governar e desfrutar dela. É um direito humano e coletivo, que diz respeito tanto a quem nela vive hoje quanto às futuras gerações. O espaço não é um objeto científico descartado pela ideologia ou pela política; ele sempre foi político e estratégico. Se esse espaço tem um aspecto neutro, indiferente em relação ao conteúdo, portanto ‘puramente’ formal, abstrato de uma abstração racional, é precisamente porque ele já está ocupado, ordenado, já objeto de estratégias antigas, das quais nem sempre se encontram vestígios. O espaço foi formado, modelado a partir de elementos históricos ou naturais, mas politicamente. O espaço é político e ideológico. É uma representação literalmente povoada de ideologia. Existe uma ideologia do espaço. Por quê? Porque esse espaço, que parece homogêneo, que parece dado de uma vez na sua objetividade, na sua forma pura, tal como o constatamos, é um produto social. (LEFEBVRE, 2008, p. 61 – 62.)
Mas não só o conceito de direito à cidade é importante para este trabalho: a ideia de direito à paisagem urbana também. Esse debate já alcançou o legislativo federal, em 2012, o deputado federal Rogério Carvalho (PT/SE) propôs o Projeto de Lei 3188/2012 (arquivado em 2015), que previa a inclusão do direito à paisagem urbana entre os direitos previstos no Estatuto da Cidade (Lei Federal
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10.257/01), por meio da criação de uma nova seção na lei que já abrange, ainda que de maneira breve, o direito à cidade.
Fonte: Keila Vieira, via Flickr // Reprodução: ArchDaily Brasil
Alguns dos principais conceitos abordados no projeto de lei são: a segurança, a fluidez e o conforto nos deslocamentos de veículos e pedestres; preservação e a visualização das características peculiares dos logradouros e das fachadas; e o fácil acesso e a utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros. Muitos desses conceitos são frequentemente abordados por arquitetos e urbanistas na elaboração de novos projetos de intervenção urbana, ainda que não sejam justificados pelo conceito de direito da paisagem. Os princípios deste conceito funcionam quase como um check list, uma lista de obrigações que devem estar presentes nos programas de necessidades de todas as intervenções e pré-definindo o que seria um projeto urbano bom.
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Peguemos como exemplo o ponto de “fácil acesso e a utilização das funções e serviços de interesse coletivo nas vias e logradouros”. Nada mais é do que o conceito de edificações de uso misto6, que vem sendo fortemente incentivado pelo poder público atualmente, com a tentativa de diminuir os deslocamentos em forma de pêndulo, um dos grandes vilões para o planejamento da mobilidade urbana. Mas como esse problema surgiu?
Autoria pessoal
Lefebvre descreve a cidade como a projeção da sociedade sobre o terreno e, para ele, as consequências da urbanização superaram as da industrialização (ainda que uma seja consequência da outra), resultando em uma cidade desigual e segregada. O trabalhador pobre e periférico é então obrigado a enfrentar longas horas de transporte público para trabalhar. E, no final do dia, era obrigado a, novamente, enfrentar as mesmas horas no retorno para casa, sendo
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Edificações que possuam, simultaneamente, usos residencial e não residenciais, podendo este último ser comercial, serviço, institucional, etc.
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vítima de um espaço extremamente regulado e de uma vida com pouca possibilidade de descanso, saúde e lazer. Assim, o conceito direito à cidade se tornou uma maneira de contrariar a alienação provocada pelas consequências de uma urbanização desenfreada, desafiando os gestores públicos e os urbanistas e incentivando-os a pensar na cidade como um lugar de encontro, reunião e simultaneidade, onde o valor dela seja de uso, e não de moeda. Anos depois, o conceito foi popularizado pelo geógrafo inglês David Harvey (1935 -), que reforçou a ideia de que a qualidade da vida urbana não deveria ser tratada como uma mercadoria e que a liberdade de escolha de serviços, lazer e cultura não deveria existir apenas para os indivíduos que possuem dinheiro para pagar por elas. Esses autores possuem todo o seu trabalho ao redor da ideia de que a distribuição do espaço é injusta, pois a qualidade da vida urbana deveria ser igual para todos os indivíduos que habitam nas cidades, independentemente de seu poder aquisitivo. Não só na proximidade de suas casas aos serviços, mas também no acesso a um transporte público de qualidade e na possibilidade de uma real melhora nas áreas em que eles residem, seja com a criação de novos serviços ou com a implantação de intervenções urbanas para criar cidades mais democráticas. Porém, mesmo após todos esses anos, as cidades continuam sendo tratadas como mercadorias e apenas os mais ricos têm direito não só a serviços próximos de suas casas, mas também a grandes intervenções urbanas para melhorar sua qualidade de vida, que já é maior que a de grande parte da população. Encontramos então onde os conceitos de direito à cidade e à paisagem urbana se intercalam, pois, ambos tratam de como a qualidade da vida urbana deveria ser igual para todos os indivíduos que habitam nas cidades, independentemente de seu poder aquisitivo. Não só próximo de suas casas aos 29
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serviços, mas também no acesso a um transporte público de qualidade e na possibilidade de uma real melhora nas áreas em que eles residem.
“O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual para acessar os recursos urbanos: é o direito de mudar a si mesmos por mudar a cidade. É, sobretudo, um direito
coletivo,
ao
invés
de
individual,
pois
esta
transformação inevitavelmente depende do exercício de um poder coletivo para dar nova forma ao processo de urbanização. O direito a fazer e refazer nossas cidades e nós mesmos é, como quero argumentar, um dos mais preciosos, e ainda assim mais negligenciados, de nossos direitos humanos.” (HARVEY, David. The right to the city. New left Review. II (53): 23–40.)
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Segregação sócio-espacial, gentrificação e centralidades
Já foi estabelecido que o processo de urbanização das cidades teve como maior consequência o seu espraiamento. Ou seja: as cidades se tornaram cada vez maiores, não só para cima, seguindo o padrão de verticalização oriundo dos avanços tecnológicos da construção civil, mas também para os lados, margeando as principais vias de acesso aos centros, sem muito controle e planejamento (principalmente no que diz respeito ao planejamento do uso do solo), resultando em cidades desiguais e segregadas sócio-espacialmente.
Crescimento da área urbana de Niterói // Fonte dos dados: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade Autoria pessoal
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Com esse “formato” de cidade, as pessoas mais pobres começaram a morar longe dos seus trabalhos, as crianças passaram a estudar mais longe de casa e, muitas das vezes, longe também do trabalho de seus pais e responsáveis. Essas longas distâncias refletem não só na saúde física dos indivíduos, mas também em sua saúde mental, pois aumentam o estresse e diminuem seu tempo de descanso e lazer. Esse fenômeno que consiste na separação das classes sociais e funções no espaço urbano é chamado de segregação sócio-espacial. Por exemplo: a Zona Sul é formada por praias, bairros ricos e condomínios de luxo; a Baixada Fluminense, por bairros com menos condição financeira, indústrias metalúrgicas e fábricas; o Centro é formado por empresas e comércio, além de ser considerado um bairro cultural e boêmio, repleto de centros culturais, bares, restaurantes e casas de shows. Essa separação gera um processo de enobrecimento em certas partes da cidade. Ou seja: bairros com acesso mais fácil a atividades comerciais e sociais (como escolas, hospitais e supermercados) se valorizam cada vez mais. Com isso, surgem aluguéis altos, imóveis ilegais, periferização e déficit habitacional… É a partir desse uso da cidade como forma de moeda que surgem os conflitos, como uma forma de resistência. E negar o conflito é negar a cidade. Esse fenômeno de encarecimento e aburguesamento da cidade é chamado de gentrificação. O conceito criado pelo geógrafo escocês Neil Smith (1954 – 2012) define o processo de encarecimento da vida urbana, que torna regiões inteiras das cidades acessíveis para alguns poucos indivíduos. A gentrificação
de
uma
área
se
dá
através
de
políticas
públicas
de
“limpeza/revitalização” urbana ou da ocupação de espaços da cidade por grupos econômicos interessados em lucrar com a especulação imobiliária, instalando
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um novo perfil social e econômico na região recém-revitalizada. A gentrificação envolve:
1. Reorganização do espaço urbano com a substituição de um grupo por outro; 2. Reorganização
espacial
de
indivíduos
com
determinados estilos de vida e características culturais; 3. Transformação do ambiente construído com a criação de novos serviços e requalificação residencial que pressupõe melhoramentos; 4. Alteração de leis de zoneamento que permitam um aumento no valor dos imóveis, aumento da densidade populacional, seja por conta da verticalização ou da ocupação de áreas subutilizadas, pela falta de políticas públicas, e uma mudança no perfil sócio-econômico.
O processo de gentrificação das cidades é o contrário do desenvolvimento comunitário7, pois não só expulsa a comunidade, mas também a sua cultura. Esse encarecimento gradual faz com que os indivíduos não possuam mais condições financeiras de continuar morando em suas casas, sendo então obrigados a se mudar para as periferias, distante não só dos serviços, mas também dos seus empregos, seus conhecidos e suas famílias, mudando completamente suas vidas e seu relacionamento com as cidades. Como se todos esses fatores já citados já não fossem mudanças demais, essas pessoas são também obrigadas a mudar seus hábitos de locomoção, fazendo com que elas tenham que fazer mais deslocamentos diariamente para 7
Conjunto de ações e projetos sociais voltados para uma determinada comunidade, colocando seus membros em primeiro plano.
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chegar no seu destino final, mas esse problema de mobilidade será explicado mais à frente. No momento, o fundamental é que quanto mais deslocamentos uma pessoa deve fazer para realizar seus afazeres, mais viagens são feitas, o que faz com que mais carros sejam colocados nas ruas para percorrer caminhos que poderiam ser feitos rapidamente a pé, o que gera um grande problema no âmbito do planejamento urbano, principalmente no que diz respeito à mobilidade urbana. Por conta dessa necessidade do indivíduo de se deslocar, surgiram nos anos 1990 os modelos de carros e motocicletas populares, trazendo a real popularização dos meios de transportes individuais. Esses novos veículos, junto do incentivo para que as pessoas resolvessem seu problema de mobilidade urbana com um transporte individual privado, veio então a real a popularização do automóvel entre as camadas mais populares da população. Com isso, vimos então um aumento significativo do número de automóveis particulares nas ruas nos últimos anos, seja por conta de mais pessoas comprando carros, por motivos que variam entre status, conforto e segurança ou até mesmo pelo uso de aplicativos de transporte, como é o caso de marcas como Uber e 99 Pop. Isso fez com que tivéssemos cada vez mais áreas livres da cidade sendo destinadas à circulação de veículos motorizados em cidades do mundo todo, diante todas as sucessivas políticas de incentivo à indústria automobilística. Estes fatores produziram, e produzem até hoje, crescentes congestionamentos e demandas de abrigar um número elevado de carros individuais nas grandes e médias cidades, em detrimento de um déficit de planejamento e investimento em mobilidade através do transporte público. Assim, a paisagem urbana tem se transformado historicamente diante da crescente pressão por aberturas de espaços para vias e estacionamentos. Como consequência, assistimos uma disputa não só de espaço urbano, mas da 34
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paisagem, entre os carros e as pessoas, quase que como um cenário distópico de homem contra máquina. Esse aumento de áreas destinadas aos carros gerou e ainda gera uma vasta reação em cadeia e um grande desafio para o planejamento urbano do ponto de vista da paisagem. Com a falta de segurança, conforto para caminhar e estar nas cidades, as pessoas com maior poder aquisitivo (ou que estejam dispostas a se endividar com o objetivo “de ter um carro”), passaram a sair mais de carro frente às condições precárias do transporte público ou mesmo aos limites e escassez de mobilidade de qualidade para além da circulação casa-trabalho. Esse movimento pendular de mobilidade, característico das grandes metrópoles, produziu uma predominância na paisagem de objetos veiculares no lugar de pessoas nos espaços públicos, justamente pelo espaço que ocupa e a violência que exerce sobre nós nesta experiência urbana voltada para o modelo rodoviarista de circulação, numa lógica capitalista de produção do espaço urbano, segundo os textos de Lefebvre.
Autoria pessoal
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Porém, uma cidade nesse molde completamente voltado para os moldes automobilistas é uma cidade com uma imensa pegada de carbono, o que contradiz a atual tendência sustentável do planeta. Nos últimos anos, percebeu-se que os danos que a humanidade fez ao meio ambiente são basicamente irreparáveis. Com isso, surgiram diversos acordos e iniciativas a nível mundial com o objetivo de preservar o planeta que ainda temos, o que fez com que o poder público aumentasse o investimento em intervenções com o objetivo de valorizar não só o transporte público de massa, com faixas exclusivas de ônibus, VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos) e novas linhas de metrô, mas também passasse a investir na expansão da malha cicloviária e em calçadas caminháveis e acessíveis, com áreas de permanência para o descanso do pedestre, incentivando também a mobilidade ativa.
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Atualidade Novos direcionamentos do Urbanismo
Para propor intervenções e melhorias nas cidades, precisamos também compreender como elas se comportam atualmente, entendendo não só sua formação e as reais necessidades da população, mas também entender os acontecimentos que levaram o planejamento urbano começar a adotar medidas que podem ser vistas como uma tentativa de retomada do espaço urbano pelas pessoas que habitam as cidades. Seguindo uma tendência sustentável, com o objetivo de preservar o planeta que nos resta, podemos ver o poder público de inúmeras cidades ao redor do planeta aumentar o investimento em intervenções com o objetivo de valorizar não só o transporte público de massa, mas também incentivando também a mobilidade ativa, criando novos modais de massa, melhorando o transporte público, crescendo malhas cicloviárias e criando cidades mais confortáveis não só de se andar, mas de estar. Porém, além dessa tendência de verde e sustentável (ou de ao menos tentar ser ambas as coisas), tendo em mente não só a perspectiva da sustentabilidade, mas também adotando parâmetros de qualificação ambiental8
Parâmetros construtivos que tenham como principal foco a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente, como é o caso da Taxa de Permeabilidade, que define uma porcentagem mínima do terreno que deve permanecer permeável, para colaborar com a drenagem de águas pluviais nas cidades. 8
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em suas legislações, incorporando infraestruturas verdes9 em seus projetos; o urbanismo contemporâneo possui uma tendência não tão boa: a de propor intervenções urbanas cenográficas, alterando a paisagem urbana a ponto de transmitir a sensação de que o indivíduo está em um local completamente fora da sua realidade diária, quase como se essa identidade de cidade brasileira se perdesse no meio do caminho para que o indivíduo se sinta em outro lugar, algum fora da sua realidade diária. Quase como a materialização do ditado popular "obra para inglês ver".10 Vale ressaltar que esse lado cenográfico das grandes intervenções do urbanismo contemporâneo não é algo atual, mas sim uma herança que data desde antes do processo de urbanização do Brasil.Desde o começo do Século XX, nós podemos ver uma reprodução de uma imagem de cidade aos moldes de cidades em países hegemônicos, “de primeiro mundo”. É o caso do Rio de Janeiro de Pereira Passos, apelidado de Haussmann11 Tropical (BENCHIMOL, 1992). O então prefeito foi responsável por um período de transformações urbanas que tinham como principal objetivo, tornar o Rio de Janeiro uma Paris Tropical, com características mais modernas e tentando fugir da imagem de um país escravocrata e atrasado. Inspirado pela Reforma de Haussmann em Paris e incentivado pelo Presidente Rodrigues Alves, o prefeito do “bota abaixo” promoveu diversas desapropriações, principalmente de edificações de cortiço, e construiu praças e estruturas de saneamento básico, mudou o traçado urbano da cidade, abrindo vias e ampliando ruas. Entre as
A infraestrutura verde estabelece uma conexão entre a cidade e elementos naturais, utilizando como ferramentas a arborização viária, distribuição equilibrada de áreas verdes, controle da impermeabilização do solo e drenagem de águas pluviais, criando uma rede sustentável. 10 A expressão coloquial “para inglês ver” é comumente utilizada na língua portuguesa no sentido de algo que é aparente, mas não é válido ou real. 11 Barão de Haussmann, francês responsável pela Reforma Urbana de Paris, um programa de obras públicas de modernização da capital francesa entre 1852 e 1870. 9
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principais "heranças'' da Gestão Passos, temos o Theatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e a Avenida Rio Branco. Se quisermos voltar um pouquinho mais no tempo, vemos que essa tendência cenográfica da formação das cidades não se dá apenas em intervenções urbanas propriamente ditas. Se voltarmos ao Século XIX, pouco antes da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, nós tínhamos um país sem pombos (!!!). É algo meio surreal de se pensar, já que as aves existem em todos os centros urbanos do país, sendo parte inerente da paisagem urbana que conhecemos atualmente. Porém, o pombo não é um pássaro nativo das Américas. De acordo com o biólogo Mauro Villas Boas, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), os pombos são originários da Ásia Ocidental e foram trazidos para o Brasil no início do século XIX, por ordem de Dom João VI, com o objetivo de enfeitar as cidades, tendo como inspiração a presença destas aves em cidades européias, como Veneza e Paris. Normalmente, junto destas grandes intervenções cenográficas que causam uma mudança abrupta na paisagem urbana, vem também a gentrificação da região, como já foi visto anteriormente; encarecendo a área que sofreu intervenção e expulsando a população pobre que ali vivia e tornando a área sócio-espacialmente segregada. Isso faz com que a área se torne mais do que apenas um problema do planejamento e paisagem urbana, mas se torne também um problema social. Peguemos como exemplo o Projeto Porto Maravilha, na região central do Rio de Janeiro para ilustrar essa questão. O projeto, que teve como inspiração os modelos de boulevards europeus, é fruto de uma Operação Urbana Consorciada (OUC) que tem como principal objetivo a revitalização urbana da Região Portuária do município, criada pela Lei Municipal 101/2009, que modifica o Plano Diretor Municipal com o objetivo de “promover a reestruturação urbana da Área de Especial Interesse Turístico (AEIU)”, por meio da ampliação, articulação e 39
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requalificação dos espaços livres de uso público da região do Porto, visando à melhoria da qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores, e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica da região.”. Operações Urbanas Consorciadas, popularmente chamadas de OUCs, são intervenções pontuais realizadas pelo Poder Público Municipal em parceria com a iniciativa privada, com o objetivo de resolver problemas pontuais que dificilmente seriam solucionados pelo Plano Diretor Estratégico do Município, de modo a criar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental. A OUC do Porto Maravilha possui um prazo de 30 anos para sua conclusão e custo total
estimado
em
do AEIU
o Port
R$8.000.000.000,00 (oito bilhões de reais). O projeto consiste na revitalização da AEIU da Região do Porto do
Autoria pessoal
Rio, que possui 5.000.000 m² (cinco milhões de metros quadrados) da Região Portuária do Rio de Janeiro, limitados entre as Avenidas Presidente Vargas, Rodrigues Alves, Rio Branco e Francisco Bicalho. A área engloba parte dos bairros do Caju, Gamboa, Saúde, Santo Cristo e parte do Centro, todos na Zona Central da cidade. Embora seja considerada pelo poder público municipal como a vitrine da cidade empreendedora, a zona portuária é um exemplo de projeto urbano contemporâneo que tornou a área sócio-espacialmente segregada e, no momento, segue em uma tentativa de gentrificação da área, tentando curar o 40
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esvaziamento proveniente da intervenção com lançamentos imobiliários para as classes mais altas da população e com a criação de start-ups em várias das salas comerciais vazias. A área que antes consistia na Avenida Rodrigues Alves e o Elevado da Perimetral, se tornou o Boulevard Olímpico, inaugurado em 2015 para os Jogos Olímpicos da Rio 2016.
Intervenções na Praça XV, Boulevard Olímpico e Praça Mauá, respectivamente // Fonte: Porto Maravilha
Entre as principais obras realizadas na região, a Prefeitura do Rio de Janeiro destaca a demolição do Elevado da Perimetral12, os Museus de Arte do Foi uma via suplementar sobre a Avenida Rodrigues Alves, que ligava os principais entroncamentos rodoviários da cidade do Rio de Janeiro, cortando os bairros do Caju, parte de
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Rio
(MAR)
e
do
Amanhã,
projetado
pelo
arquiteto
espanhol
(e
internacionalmente famoso) Santiago Calatrava, a Via Binário do Porto, os túneis Rio 450 e Marcello Alencar, a Nova Orla Conde e o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), que atualmente conta com três linhas de operação13. Além disso, a intervenção entregou 70 km de vias reurbanizadas, 650.000 m² de calçadas refeitas, 700 km de redes de infraestrutura urbana reconstruídas (água, esgoto, drenagem), 17 km de novas ciclovias e plantou 15.000 árvores no perímetro da Operação Urbana Consorciada. Outros serviços mencionados pela própria Prefeitura no site do ‘Porto Maravilha do Rio de Janeiro envolvem’ a conservação e manutenção do sistema viário e de áreas verdes e praças, manutenção e reparo de iluminação pública e calçadas, execução de serviços de limpeza urbana, coleta seletiva de lixo, manutenção da rede de drenagem e de galerias universais, da sinalização de trânsito e de pontos e monumentos turísticos, históricos e geográficos, instalação e conservação de bicicletários e atendimento ao cidadão. Outro ponto levantado na mesma página é a legislação urbanística e ambiental da área, que estipula a promoção de um ambiente urbano saudável e sustentável.Além das intervenções propriamente ditas, a proposta do Porto envolve também compromissos sociais com a população do Rio de Janeiro, partindo do pressuposto de que os atuais moradores deveriam permanecer na Região Portuária. No texto da OUC, está descrito que “Pelo menos 3% dos recursos da venda dos Cepacs14 são obrigatoriamente investidos na valorização do
São Cristóvão, Santo Cristo, Gamboa e Saúde, com circulação pelo elevado estimada em quarenta mil veículos por dia. O Elevado foi implodido em 2014 e as vigas de aço corten que consistiam na principal estrutura da via e pesavam 110 toneladas desapareceram. 13 O VLT do Rio possui as linhas azul (1), com pontos finais nas estações Praia Formosa e Aeroporto Santos Dumont; verde (2), com pontos finais nas estações Praia Formosa e Praça XV; e amarela (3), com pontos finais nas estações Central do Brasil e Aeroporto Santos Dumont. 14 Certificados do Potencial Adicional de Construção, títulos usados para financiar Operações Urbanas Consorciadas que recuperam áreas degradadas nas cidades.
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Patrimônio Material e Imaterial da área e em programas de desenvolvimento social para moradores e trabalhadores da região. O texto cita também a criação de habitações de interesse social, criação de creches, Unidades de Pronto Atendimento e escolas que atendam a densidade populacional prevista (aumento da população de 32 mil para 100 mil habitantes em 10 anos), integração entre os diversos modais de transporte público, facilitando a acessibilidade e a comunicação com outras áreas, recuperação da qualidade ambiental da área, geração de empregos diretos e permanentes na região, regularização e formalização das atividades econômicas, formação profissional, criação dos Programas Porto Maravilha Cultural e Porto Maravilha Cidadão e apoio a iniciativas de desenvolvimento comunitário. Porém, em meio às propostas da Operação Urbana Consorciada, ao embelezamento dessas áreas degradadas e da entrega de serviços básicos à administração privada, o plano que antes previa habitações de interesse social, acabou apenas por causar a expulsão e criminalização de antigos moradores da região, que antes da implantação do projeto consistia em uma população de baixa renda.
Protestos contra as obras do Porto Maravilha // Fonte: Fórum Comunitário do Porto; Rio on watch. Fonte: Fórum Comunitário do Porto Fonte: Rio on watch
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Já o teleférico de acesso ao Morro da Providência, lançado como algo inovador para a mobilidade urbana da população que ali reside, por conta da sua integração na Estação da Central do Brasil, a mais importante do Rio de Janeiro, atuando como ponto de integração de modais de massa como trens, ônibus, metrô e VLT, que seria extremamente benéfico para a população da comunidade local, funcionou por apenas por dois anos. Em meio a toda essa venda do espaço público para melhorias “para inglês ver”, expressão que se torna literal no caso do Porto, já que as obras foram realizadas para que a cidade pudesse receber os Jogos Olímpicos de 2016, a área foi extremamente modificada nos últimos anos, mas não para melhor, pois diversos foram os problemas sociais causados pelas intervenções. As obras para o megaevento geraram uma onda de protestos por toda a cidade, por conta das remoções. Um dos casos mais emblemáticos de protestos gerados por conta das obras dos Jogos Olímpicos de 2016 foi o da Vila Autódromo, na Zona Oeste da cidade (aproximadamente a 25 kms de distância, em linha reta, da área do Porto Maravilha), que teve 97% da população original removida da área em que a comunidade que começou como uma colônia de pescadores e que resistia desde 1967, para dar espaço ao Parque Olímpico, ao Centro de Mídia e reformas de mobilidade urbana, como a criação da estação Parque Olímpico do BRT (do inglês Bus Rapid Tansit, consiste em um ônibus articulado que circula apenas em via segregada). A
parceria
público-privada
que
constitui
uma
Operação
Urbana
Consorciada não parou na capital do Rio de Janeiro. Do outro lado da Baía de Guanabara, a Área Central de Niterói também recebeu uma OUC, que de acordo com a lei que a institui, tem como principal objetivo a reestruturação urbana da região central de Niterói, por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços livres de uso público, visando à melhoria da qualidade de vida de seus
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atuais e futuros moradores, e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica da região, sendo suas principais diretrizes:
1. Priorização do transporte coletivo sobre o individual; 2. Valorização da paisagem e do ambiente urbanos; 3. Valorização do patrimônio cultural material e imaterial; 4. Estímulo ao uso misto e adequado atendimento econômico e social da população diretamente afetada; 5. Destinação de imóveis para habitação de interesse social; 6. Transparência do processo decisório e de controle da OUC da Área Central.
Proposta da OUC para o Caminho Niemeyer // Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
Intervenções urbanas nesses moldes comprovadamente reduzem o número de automóveis na rua, consequentemente reduzindo o tempo de trajeto. Porém, essas intervenções urbanas envolvem obras extremamente custosas e atendem de maneira benéfica apenas uma pequena parte da população. Como podemos então propor intervenções que possam devolver a 45
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cidade aos seus moradores, não só para que eles possam se locomover, mas também permanecer, habitar e viver a cidade de uma maneira que não seja socialmente problemática quanto a essas grandes intervenções cenográficas?
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Mobilidade urbana ativa, deslocamentos diários e saúde física e mental
Assim como a cidade em que vivemos nos molda como indivíduos, nós também moldamos as cidades em que vivemos. Seja por conta do nosso trajeto do trabalho até casa, do mercado que frequentamos ou até da nossa opção de lazer favorita. Nossas rotinas e caminhos são uma parte fundamental de como a cidade se comporta, em todas as escalas. Como já foi dito anteriormente, nossas cidades se dividiram com os bairros nobres e as pessoas de melhores condições financeiras morando perto de seus trabalhos e dos grandes centros, enquanto os indivíduos mais pobres moram ou nas periferias, fazendo grandes trajetos diários, ou em favelas relativamente próximas de onde suas vidas acontecem. Cada indivíduo possui um estilo de vida único e suas rotinas variam. Pessoas que moram na periferia, enfrentam horas de engarrafamento, seja em um carro particular ou em um ônibus lotado, apenas para chegar em seus trabalhos. E, após o expediente, tem mais algumas horas do mesmo engarrafamento caótico para voltar para casa. Já pessoas que moram em um bairro mais nobre e com diversos serviços ofertados, possuem muito mais tempo livre para investir não só para lazer e descanso, mas também para aprofundar os seus estudos e, por exemplo, aprender um novo idioma. A segunda pessoa possui qualidade de vida imensamente maior do que a da primeira, que passa horas em engarrafamentos, para chegar aos seus destinos. Esses deslocamentos diários, onde a pessoa começa e termina no
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mesmo lugar, são chamados de deslocamentos pendulares. Pois, tal qual o pêndulo de um relógio antigo, ela começa e termina no mesmo lugar, em casa. Pessoas que moram perto dos seus empregos e serviços, fazem muito menos deslocamentos diários, influenciando não só as suas rotinas, mas também seu relacionamento com as cidades em que habitam e/ou trabalham, pois muitas das vezes, essas pessoas moram em cidades diferentes das que trabalham. Temos ainda um terceiro caso, que independe da distância geográfica, o caso dos indivíduos que possuem dependentes. Tomemos como exemplo uma mãe, que possuiu um filho que depende dela para fazer seus trajetos. Mulheres já possuem um relacionamento diferente com as cidades, mas isso será tratado mais na frente. Neste caso específico, vamos apenas falar de como essa mãe sai de casa, deixa o filho na creche, vai para o trabalho, passa no mercado, busca o filho e apenas então vai para casa. Faz diversas viagens e, em muitas delas, também enfrenta engarrafamentos.
Autoria pessoal
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Essa diferença de deslocamentos pendulares diários difere de pessoa para pessoa, dependendo do seu estilo e de sua condição de vida. Como já foi falado, isso influencia diretamente na formação das cidades. Ainda mais no contexto estritamente automobilístico que vivemos. Dada a oportunidade, cada uma dessas pessoas optaria por fazer seus trajetos com um automóvel particular, por motivos que vão desde segurança e maior rapidez até maior conforto no trajeto. Isso faz com que essas pessoas produzam crescentes congestionamentos nas grandes e médias cidades, em detrimento de um déficit de planejamento e investimento em mobilidade através não só do transporte público de massa, mas também na falta de investimento na área da mobilidade ativa, como já foi mencionado. Para mudarmos esse cenário atual das grandes e médias cidades, tirando as pessoas dos carros particulares e colocando-as em transportes públicos, calçadas ou ciclovias, nós precisamos então criar opções que sejam mais fáceis do que dirigir. Pois, a única maneira de realmente tirarmos as pessoas dos carros é se o poder público oferecer para elas meios de locomoção que sejam mais rápidos, seguros e confortáveis do que o seu automóvel particular. Para isso, devemos incentivar que as pessoas optem fazer seus deslocamentos com métodos que se enquadrem nos dez princípios da mobilidade sustentável, sendo estes:
1. Andar a pé: Com o objetivo de incentivar a caminhada, as cidades necessitam de um ambiente de trânsito a pé de qualidade, proporcionando acessibilidade e segurança ao pedestre; 2. Transportes não poluentes: A existência de um ambiente seguro
e
confortável
para
bicicletas
e
outros
veículos
não-motorizados circularem é fundamental para que as pessoas optem por usar esse tipo de transporte; 49
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3. Mobilidade
coletiva:
Para
que
as
pessoas
troquem
definitivamente os automóveis particulares pelo transporte de massa, o poder público precisa oferecer transporte coletivo de qualidade e de preço acessível a todos; 4. Restrição ao acesso de veículos: Em pontos da cidade onde o trânsito de pedestres é grande e existam muitos serviços e construções, o acesso de veículos àquela área deve ser reduzido, criando ruas para pedestres; 5. Serviços de entrega sustentável: As entregas de embalagens e mercadorias devem ser realizadas da maneira mais ecológica e segura possível; 6. Integração: Para reduzir as locomoções pendulares, é fundamental colocarmos as pessoas, as atividades e os espaços da cidade em integração; 7. Preencher espaços: Construir opções de serviços em terrenos inutilizados e áreas “mortas” das cidades com o objetivo de atrair pessoas, melhorar a vida da população de cada bairro e diminuir o número de deslocamentos diários; 8. Preservação: Preservar e fortalecer a cultura, história, natureza e população local; 9. Conexão de bairros: Para possibilitar a mobilidade ativa, devemos tornar as vias e calçadas em locais mais agradáveis e interessantes entre os quarteirões; 10.
Pensando no futuro: Devemos investir em projetos não
só a curto, mas também a longo prazo.
Adotar estes princípios como base do planejamento urbano é uma necessidade que vai além da sustentabilidade que deve ser difundida não só 50
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entre os governos, mas também a população, ainda que isso signifique optar por um meio “não convencional” de transporte, já que muitos brasileiros ainda veem a bicicleta apenas como uma forma de lazer e a caminhada apenas como uma forma de exercício ao invés de uma maneira mais sustentável (e saudável, já que é um exercício físico) de se locomover. Outro ponto fundamental para que essa mudança de paradigma aconteça é a necessidade da valorização do transporte público não individual no dia a dia. Atualmente, o transporte público no Brasil é visto como algo precário, caro, perigoso e que não atende todas as camadas da população. Esses fatores, somados ao maior tempo de deslocamento e a necessidade de troca de modais são os maiores impedimentos para que as pessoas optem por realizar seus trajetos de carro no dia a dia.
Autoria pessoal
Para reduzir esse número de deslocamentos diários e incentivar o uso do transporte público e ativo, se faz necessária a criação de novos serviços e de novos meios de deslocamento. Investimentos em infraestrutura, novas opções de modais, novas linhas de ônibus, métodos de integração mais fáceis e criação
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de faixas exclusivas de ônibus, por exemplo, são algumas das maneiras de incentivarmos essa mudança no dia a dia dos indivíduos. Essa mudança de comportamento dos moradores das cidades se mostra benéfica não só na qualidade de vida, com menos poluição no ar, menos poluição sonora. Ela também se mostra benéfica no que diz respeito à saúde física e mental. O sociólogo alemão Georg Simmel (1858 – 1918) criou, décadas atrás, um conceito que é extremamente relevante até os dias de hoje: o conceito de intensificação da vida nervosa, resultado da alteração brusca e ininterrupta entre os estímulos exteriores e interiores. Para Simmel, a modernidade, além de ter mudado o ritmo de produção, mudou o ritmo de vida nas cidades. Essa mudança de ritmo não parou nas ruas, mas seguiu nos indivíduos… Tudo ao nosso redor foi acelerando de maneira quase que exponencial a cada nova grande descoberta tecnológica, graças à quantidade de estímulos que passamos
a
receber
constantemente.
No
contexto
da cidade, somos
frequentemente expostos a estímulos, em forma de diversas notícias, imagens, sons, rostos, anúncios… Estímulos que acabam exigindo de nós uma sensibilidade muito específica. Desde pequenos, somos condicionados a adquirir certos saberes que hoje são tão normais que são quase automáticos ao comportamento humano. Coisas como desviar dos outros pedestres enquanto presta atenção ao semáforo e aos carros; como ignorar certos sons e estar atento a outros mais importantes, como uma sirene ou buzina, por exemplo; como manter o foco quando tantas imagens passam pela janela do ônibus, mas ainda assim ficar atento para movimentações estranhas (ainda mais se o indivíduo for uma mulher); como agir quando está cercado por rostos estranhos… O ser humano está quase que imune a essa carga de estímulos frequentes, mas isso vem com um grande custo: a nossa saúde mental. 52
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Para que as pessoas conseguissem lidar com todos esses novos estímulos e acelerações que vieram com a intensificação da vida nervosa, elas desenvolveram um comportamento que Simmel chama de atitude blasé, de reserva. Para preservar sua saúde mental, as pessoas acabam se distanciando das emoções cotidianas com o objetivo de se proteger dos estímulos exteriores. Tornando-se indiferentes àquilo que não lhes diz respeito diretamente, prestando atenção apenas ao seu pequeno círculo de convívio e vivendo mergulhados em si mesmos, criando uma vida de experiências plurais e interações anônimas. Com isso, os espaços públicos pensados para funcionar como pontos de encontro e de socialização dos indivíduos, passaram por diversas mudanças com o passar dos anos. A vida corrida, nervosa, em conjunto com a insegurança e o medo, transformaram o modo com que a população das cidades usufrui desses locais de lazer nas cidades. Atualmente, espaços urbanos como praças, por exemplo, são usados apenas como passagem, ao invés de um local de descanso, contemplação e lazer. Para mudar essa situação, o planejamento urbano tenta então encurtar as distâncias que os indivíduos precisam percorrer para realizar todos os seus afazeres diários. Seja colocando os serviços próximos das moradias, com o objetivo de reduzir o número de viagens feitas por um indivíduo durante o dia, reduzindo assim os deslocamentos pendulares e retirando os automóveis particulares das ruas e reduzindo o número de engarrafamentos pela cidade; ou com formas de ordenamento viário que reduzem efetivamente o tempo de deslocamento, como a criação de faixas exclusivas de ônibus. Esses meios encontrados pelo planejamento urbano melhoram a qualidade de vida da população, fazendo com que as pessoas tenham um pouco mais de tempo no dia a dia, podendo então desacelerar e viver a cidade em que habitam. Esse encurtamento de distâncias, geográficas ou não, e retomada dos 53
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espaços públicos podem melhorar a experiência de vida nas cidades atuais, fazendo com que a cidade volte a ser um local de encontro.
Autoria pessoal
Além do tempo ganho diariamente, o incentivo à mobilidade ativa também é benéfico à saúde física e mental dos indivíduos. O exercício físico, que nesse caso consiste em caminhar e pedalar para realizar seus afazeres, ao invés de dirigir até eles, além de combater a obesidade e possuir benefícios como a redução da pressão arterial e fortalecimento de ossos, articulações e músculos, também contribui para a diminuir o estresse, melhorar o sistema imunológico e até combater a ansiedade e a depressão. Isso acontece porque o exercício físico não só funciona no nosso organismo como fonte de serotonina, um hormônio neurotransmissor associado à felicidade, mas também contribuem para a metabolização de substâncias como a quinurenina, uma substância química associada ao estresse, que podem levar à depressão. Com essa crescente necessidade de mudança de hábitos da população, vemos então os planejadores urbanos procurando novas maneiras de fazer com que as pessoas vivenciem a cidade e olhem-na com novos olhos, ao invés de caminhar do ponto A ao B mecanicamente. Surge aí o conceito de “gameficação
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urbana”, termo oriundo da palavra em inglês game, que significa “jogar, brincar”. É a possibilidade de vermos a cidade como uma brincadeira. A inserção de jogos urbanos nos projetos dá às pessoas, oportunidade de interagir, fazendo com que elas vivenciem uma experiência lúdica das cidades, abrindo-se para ver seu entorno pelos olhos dos outros, retomando as cidades como um local de vivências para todas as idades. Esse conceito se aplica em fachadas e em mobiliários urbanos que convidem o indivíduo a interagir com o outro e com a cidade, como, por exemplo, as escadas piano da Volkswagen Fun Theory (a teoria da diversão, em tradução livre). A empresa alemã Volkswagen, criou em 2009 o programa que possuiu como
principal
objetivo
fazer
com
que
as
pessoas
“mudassem
seu
comportamento para fazer a coisa certa tendo como base apenas a diversão”. No caso da escada piano, os dados mostraram que as escadas (que ficam ao lado de escadas rolantes) foram usadas 66% mais do que o normal.
Fonte: Volkswagen Fun Theory
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Questões de gênero, raça, sexualidade e geração e como elas influenciam a vida de cada indivíduo na cidade
“Me avise quando chegar!” é uma frase que praticamente todas as mulheres do mundo escutam diariamente. Desde muito novas, as meninas aprendem que a questão de segurança é diferente para elas. Nós crescemos condicionadas a andar pelas ruas procurando os lugares mais movimentados, a ir o caminho mais longo porque ele é mais seguro, a não sairmos sozinhas, a procurarmos as ruas mais iluminadas… Ainda que exista perigo para todos, para as mulheres a vida é um pouquinho mais perigosa.
Imagem retirada do ‘Manifesto pelo Direito das Mulheres à Cidade’ // Fonte: Global Platform for the Right to the City Fonte: Right to the city
Todos os anos, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro publica o Dossiê Mulher, com dados sobre a violência contra a mulher no Estado. E a 56
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cada ano esses números se tornam mais alarmantes. Os últimos dados, de 2019, mostram que foram registrados 4.543 casos de estupro e um caso de feminicídio a cada cinco dias. Ainda que as mulheres tomem todos os cuidados que aprenderam desde o começo de suas vidas, esses dados refletem diretamente na relação da mulher com a cidade. Esse mesmo estudo mostra que 75% das mulheres já mudaram seu percurso por conta de ruas escuras. 70% delas já deixaram de sair de noite por medo de assédio. 97% das mulheres já foram assediadas no transporte público, em aplicativos de transporte ou nas ruas. Em uma cidade em que praças, ruas e pontos de ônibus se tornam os lugares mais inseguros para as mulheres, como podemos então incentivar que elas vivam suas cidades? Dados como estes nos mostram que a mobilidade urbana não é neutra na questão de gênero. A cada nova intervenção pensada para os padrões automobilísticos do transporte individual, se investe um pouco mais no pior padrão de deslocamento diário e muito menos na infraestrutura necessária para a criação de uma cidade mais democrática. Cada poste com luz inapropriada, cada calçada esburacada, cada viela estreita é um risco a mais para todos. Exceto que, se um homem está sendo seguido em uma rua deserta de noite, o maior risco que esse homem corre é o de ser assaltado. A situação é diferente para as mulheres. O planejamento urbano, para ser democrático, tem que ser sensível ao gênero, considerando as necessidades de cada um. Tenhamos como exemplo os diferentes trajetos pendulares citados anteriormente. Na maioria dos casos, esses trajetos são planejados para movimentos de casa para o trabalho, nos horários de maior movimentação. Mas, na verdade, esse modelo de rotina não é condizente com a experiência da maioria das mulheres. O modelo patriarcal da sociedade atual faz com que as mulheres desempenhem múltiplas tarefas a mais, precisando então realizar viagens 57
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diversas em horários fora do pico para dar conta de tarefas domésticas, atividades com os filhos, trabalho... Como se não bastasse a rua mais insegura, elas ainda devem se expor mais! Essa situação se torna ainda mais delicada e complicada quando consideramos as maneiras que essas mulheres diferem umas das outras. Se adicionarmos fatores como renda e raça à equação, nós temos a população mais pobre morando em periferias, fazendo com que as mulheres mais pobres sejam as que mais sofrem com a falta de políticas de mobilidade urbana que considerem a necessidade de viagens fora do padrão casa-trabalho-casa. Além de residirem mais longe da infraestrutura de transporte público de massa e cicloviária, elas ficam também mais vulneráveis aos riscos da violência. Além do machismo diário que todas as mulheres sentem na pele, elas devem se preocupar também com o racismo. O risco de viver as cidades é maior para toda e qualquer minoria, considerando que o Brasil ainda é um dos países mais homofóbicos do mundo, além de ser o país que mais mata transexuais. É um panorama assustador para todos que não se enquadram no “padrão” da sociedade. Em uma população que consiste em 53% de população negra (IBGE, Censo 2010) e 52% de mulheres (IBGE, Censo 2010), parece que apenas os homens brancos cis-hétero estão seguros. Ainda que esses dados sejam assustadores, nós resistimos! Em uma região metropolitana onde apenas 3,2% da população utiliza bicicletas como meio de transporte principal, Niterói é considerado o município com mais mulheres ciclistas do Brasil! Em dados divulgados pela Prefeitura de Niterói em junho de 2021, pudemos ver, em números significativos como o aumento de 290% de ciclistas, como investimentos na expansão da malha cicloviária e na criação de bicicletários públicos podem nos ajudar a ter cidades mais seguras para todos. Intervenções que visem priorizar pedestres e ciclistas, 58
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como podemos ver no município e no próprio Centro de Niterói, como será abordado mais na frente, tornam as cidades mais vivas e seguras simplesmente por trazerem mais pessoas para as ruas. Esse recente processo de democratização das cidades não acontece apenas com foco nos adultos. Ainda que eles sejam a grande maioria dos usuários dos espaços públicos, é de extrema importância considerarmos o envolvimento das crianças no processo de projetar as cidades, para que elas realmente sejam democráticas. Nos últimos anos, surgiu uma tendência de planejar as cidades também para os seus pequenos habitantes, considerando que mães, pais e cuidadores precisam se locomover com suas crianças pela cidade com segurança, como já foi citado anteriormente. Internacionalmente falando, em 2020, a Global Designing Cities Initiative, programa criado pela National Association of City Transportation Officials (NACTO), em parceria com a ONG holandesa Fundação Bernard Van Leer, lançou a Designing Streets for Kids (Projetando ruas para crianças, em tradução livre). O guia possui como principal objetivo projetar as ruas para pessoas de todas as idades, incluindo as crianças no planejamento urbano, tendo como base princípios de desenho universal e mobiliário urbano, para não só melhor atender as necessidades específicas das crianças e seus familiares, mas também para promover a acessibilidade para ciclistas, para outros meios de transporte individual não motorizado,ara meios de micromobilidade15 e de estimular o uso de transporte público nas cidades. As principais diretrizes de projeto presente no Guia são:
1. Observar o mundo a partir de outra perspectiva; 2. Desestimular o uso de automóveis particulares; Veículos de transporte elétricos com menos de 500 kg e que possuem velocidade máxima de 25 km/h. É o caso de bicicletas e patinetes elétricos compartilhados, muito presentes nos Centros de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. 15
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3. Aumentar a confiabilidade do trânsito; 4. Construir calçadas amplas e acessíveis; 5. Agregar espaços de recreação e aprendizado; 6. Criar ciclofaixas e ciclovias seguras; 7. Qualificar os espaços de travessia para pedestres; 8. Estabelecer áreas de tráfego limitado; 9. Criar jardins e parques; 10. Priorizar uma política voltada ao bem-estar das crianças.
A ONG anteriormente citada, Fundação Bernard Van Leer, também atua no Brasil. Através da iniciativa batizada de Urban95, o programa atua em 24 municípios brasileiros, incentivando que o poder público pense a cidade também pelos olhos de uma criança de 95 centímetros de altura, desenvolvendo e fortalecendo programas e políticas voltadas para a primeira infância. Além da Fundação Bernard van Leer, o programa é comandado também pelo Instituto Cidades Sustentáveis, oferecendo apoio técnico nos temas de urbanismo e mobilidade, com foco em crianças pequenas e seus cuidadores. No estado do Rio de Janeiro, o único município que faz parte da rede Urban95 é Niterói. O município foi um dos primeiros a integrar a rede e já se encontra em uma fase avançada da parceria, com diversos projetos em desenvolvimento. Recentemente, a Prefeitura de Niterói teve dois projetos selecionados para integrar a Plataforma Arbo, uma plataforma de boas práticas relacionadas ao tema, em uma parceria do Urban95 com o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB): os projetos da "Rota Caminhável do Barreto" e o "Pré-Natal do Trânsito" foram escolhidos por meio de chamamento público para fazer parte da plataforma.
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Fonte: Plataforma Arbo
Independentemente do gênero, idade ou sexualidade, todos nós deveríamos nos sentir seguros em andar pelas ruas, em pedalar ou em pegar um ônibus. Mães, pais e cuidadores não deveriam sentir medo de sair com suas crianças porque as cidades e calçadas são perigosas. Mulheres não deveriam deixar de andar nas ruas porque elas são desertas e inseguras. Muitos dos problemas de segurança das cidades poderiam ser reduzidos se as ruas fossem um pouco mais ativas, se as pessoas saíssem dos carros e começassem a ocupar as cidades da maneira que elas devem ser ocupadas.
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O uso da rua: Novos e antigos hábitos de apropriação do espaço urbano
Embora as grandes e médias cidades ao redor do mundo ainda possuam um perfil rodoviarista, consequência de décadas de planejamento voltado apenas para os automóveis particulares, a retomada da cidade por parte das pessoas vem acontecendo de maneira gradual, mas já é um fenômeno bem visível. Atualmente, já podemos ver mais bicicletas nas ruas, uma real ampliação da infraestrutura cicloviária, com a criação de vias cicláveis e paraciclos, calçadas mais largas e acessíveis, novos espaços de permanência… Mas ainda temos um grande caminho a percorrer no que diz respeito à cidades que sejam realmente democráticas, seguras e caminháveis. As cidades devem ser projetadas para as pessoas que nela vivem, para elas poderem realmente viver nas cidades, retomando o espaço que é seu de direito. Seja mudando o perfil das ruas, reduzindo o espaço destinado às faixas de rolamento dos carros, ou apenas fechando ruas em dias específicos para que a população possa se apropriar das ruas para realizar feiras livres, como acontece na Rua do Lavradio16, no Centro do Rio de Janeiro, ou apenas com o objetivo de que as pessoas vão para as ruas para praticar esportes ou até passear com seus cachorros, como é o caso da Avenida Paulista, no Centro de São Paulo. Ambos exemplos citados encontram-se nos dois centros urbanos mais movimentados do país e, ainda assim, funcionam e atraem pessoas semanalmente. Também conhecida como Feira do Rio Antigo, a Feira do Lavradio acontece todos os sábados no Centro e recentemente recebeu o status de Patrimônio Imaterial do Rio de Janeiro. 16
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Rua do Centro fechada para realização da Feira do Lavradio, no Rio de Janeiro // Acervo pessoal
Porém, para que as pessoas realmente passem a ver as ruas como parte do seu dia a dia ao invés de apenas um caminho entre dois pontos, existem diversos impedimentos. Um dos maiores problemas do perfil rodoviarista das cidades é o grande número de acidentes, sejam eles fatais ou não. Seja por travessias mal sinalizadas, motoristas sem preparo e cuidado, ou até por conta de fatores externos, como chuvas fortes fazendo com que os carros derrapem e percam o controle, por exemplo. Acidentes, como os descritos acima, são a principal causa de mortes ao redor do mundo. Nos casos não fatais, essas colisões são o maior motivo de ferimentos graves em pessoas com idades entre 5 e 29 anos (The City Flix, 2021). O maior motivo para que essas colisões
sejam tão graves para os
indivíduos é o alto limite de velocidade. Em casos de acidente, cada pequeno Autoria pessoal
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aumento de velocidade aumenta as chances da vítima se machucar gravemente ou até morrer. Considerando esses dados, uma das táticas mais eficazes para redução de acidentes, fatais ou não, é a redução do limite de velocidade. Criando áreas estratégicas com baixo limite de velocidade, nós aumentamos a segurança para os usuários dessas áreas. Métodos de intervenção como traffic calmings (medidas, sejam elas ativas ou passivas, para desaceleração do tráfego automotivo) são fundamentais para a segurança dos pedestres nesses casos. Essa redução dos limites de velocidade estimula também o transporte ativo, a pé ou de bicicleta, trazendo outros benefícios para a área, como, por exemplo, maior qualidade do ar. Diversas áreas das cidades podem receber menores limites de velocidade, estimulando assim que as pessoas saiam de seus carros e retornem às ruas, como, por exemplo, áreas de alta densidade populacional com edificações de uso misto. Essas ruas são polos de atividade e interação humana e priorizar as pessoas deveria ser o foco do poder público, criando calçadas largas e infraestrutura cicloviária, além da redução de velocidade. Áreas residenciais e escolares também são ideais para receber menores limites de velocidade, por conta das crianças que circulam por ali em massa, diariamente. Essa retomada dos espaços urbanos tem acontecido de maneira gradual não só pelo o Brasil, mas também por todo o mundo. Organizações atuam a nível mundial para que essa retomada possa realmente acontecer, como é o caso da National Association of City Transportation Officials (Organização Nacional de Oficiais de Transporte da Cidade, dos Estados Unidos da América). A NACTO não só produz diversos manuais de projeto urbano, como também atua em conjunto com prefeituras ao redor do mundo para criar cidades que sejam mais inteligentes, sustentáveis e amigáveis para pessoas de todas as idades.
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Outro nome bastante famoso no que diz respeito à retomada do espaço urbano é o World Resources Institute (WRI), “uma iniciativa global que trabalha para criar áreas urbanas acessíveis, equânimes, saudáveis e resilientes”. Eles possuem oito núcleos ao redor do mundo, sendo um deles no Brasil, e atua em mais de 60 países. Em 2017, o WRI Brasil iniciou o movimento batizado de “Ruas Completas”, cujo objetivo é desenhar (ou redesenhar) as ruas para que pessoas de todas as idades e usuários de todos os modais de transporte possam ter segurança e conforto em suas viagens.
Fonte: ITDP Brasil
De acordo com o próprio WRI Brasil, “o conceito de Ruas Completas propõe repensar o desenho viário do último século — e ainda em prática no Brasil —, baseado em soluções para o tráfego de veículos e não para o uso das pessoas. Integrar o planejamento do uso do solo com o da mobilidade torna os projetos, a construção e a operação das redes de transporte mais eficientes e seguras. Esse ambiente ajuda a desenvolver a economia local, abre espaço para
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a mobilidade ativa e traz benefícios para o meio ambiente. A rua se torna mais completa quando atende às suas vocações como espaço público de convivência e como via de movimentação segura para todos os seus usuários.” (WRI Brasil) Em 2017, 11 cidades brasileiras abraçaram o conceito e, em parceria com o WRI Brasil, suas prefeituras desenvolveram projetos de Ruas Completas, com o objetivo de priorizar a mobilidade ativa em suas cidades. No estado do Rio de Janeiro, a iniciativa começou por Niterói, tendo como projeto-piloto a revitalização da Avenida Visconde do Rio Branco, principal via do Centro, atualizando o projeto que foi proposto na Operação Urbana Consorciada da Área Central, já mencionada anteriormente.
Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
A escolha da via como objeto de intervenção se deu não só por conta da grande circulação de veículos, pedestres e ciclistas existentes, mas também por causa da grande concentração de comércios, serviços, escritórios e terminais
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urbanos. Além disso, a área se destaca por sua localização, funcionando de acesso a pontos turísticos importantes como ao Caminho Niemeyer e ao Mercado de Peixe de São Pedro. Apesar do projeto piloto ser o da Avenida Visconde do Rio Branco, o município já conta também com uma Rua Completa concluída: a Avenida Marquês do Paraná, principal acesso ao bairro de Icaraí para quem vem da Ponte Rio-Niterói e do próprio Centro. O projeto, que dá protagonismo à mobilidade ativa e modais de massa, além de possuir áreas de convivência, foi inteiramente pago com a arrecadação da outorga onerosa17 na área da OUC da Área Central.
Fonte: Google Street View; edição pessoal
O projeto teve como principal característica o ordenamento viário e a redistribuição de espaços da via, com o objetivo de priorizar o transporte ativo, e conta não só com a criação de uma quarta faixa de rolamento nas duas pistas existentes, mas também com a criação de faixas exclusivas para ônibus, uma ciclovia bidirecional segregada, conectando às já existentes nas Avenidas Roberto Silveira e Ernani do Amaral Peixoto, e com calçadas largas e acessíveis
Outorga Onerosa é um instrumento urbanístico que consiste na cobrança de uma compensação pela Transferência do Direito de Construir, com o objetivo de recuperar parte dos investimentos a serem realizados pelo Poder Público para suprir as demandas geradas pelas altas densidades.
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Entre 2017 e 2020, a rede do WRI Brasil abrangeu outras 10 cidades, duas delas, no estado do Rio de Janeiro: o Rio de Janeiro, capital, e o município de Mesquita, na Baixada Fluminense, que já conta com um projeto de Rua Completa em fase de teste com intervenções efêmeras, na Rua José Montes Paixão.
Rua Completa em teste em Mesquita, município da Baixada Fluminense // Fonte: WRI Brasil
Técnicas e abordagens de planejamento urbano como essas são fundamentais para podermos voltar a ter cidades voltadas para as pessoas que nelas habitam. Precisamos voltar a ver as ruas não só como parte dos nossos caminhos diários, mas também como local de se estar, de se brincar e de se encontrar.
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Intervenções efêmeras: por um espaço do devir Intervenções efêmeras
Como podemos então propor intervenções que possam fazer com que as cidades finalmente pertençam aos seus moradores, não só para que eles possam se locomover, mas também permanecer, de uma maneira mais financeiramente acessível e sem causar os problemas sociais que são consequência das grandes intervenções cenográficas citadas anteriormente? Além disso, como podemos realizar essas intervenções urbanas efêmeras, que dão título ao trabalho, e como elas podem ajudar não só o poder público a planejar a cidade a curto, mas também a médio e longo prazo, sendo que elas são efêmeras? E como esse tipo de ação pode produzir sentidos e perspectivas de pertencimento ao espaço urbano, para que as pessoas usufruam realmente dos espaços urbanos que elas estão lentamente retomando? O urbanismo tático é uma ferramenta de planejamento urbano que consiste em intervenções urbanas não só temporárias, mas também artísticas, que podem se caracterizar por pinturas extremamente coloridas no asfalto e na instalação de mobiliário urbano temporário, por exemplo. Essa forma de intervir na cidade tem como maior objetivo a promoção e a reapropriação do espaço urbano; destacando possibilidades de mudanças através de intervenções de 69
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baixo custo, permitindo então uma experimentação do espaço criado. Além de ter um forte impacto na paisagem urbana e um imenso potencial de novas perspectivas, em especial, frente à imposição de um modo de mobilidade que nos distancia do cotidiano da rua. O imperativo do automóvel que marca uma paisagem desumana, distante do direito à cidade.
Williansburg Brooklyn Asphalt Plaza Mural, em Nova York, USA // Fonte: SUPERFRESHDESIGN
Esse tipo de intervenção tem ganhado força em meio ao contexto de retomada dos espaços públicos, conforme já foi citado, já que possuem como principal objetivo a readequação e o reordenamento do espaço viário, tirando o espaço que atualmente pertence aos carros e valorizando os espaços públicos, se adequando às necessidades específicas de cada área de intervenção. Em uma rua, por exemplo, a necessidade principal pode ser calçadas mais amplas e acessíveis. Em outra, o ponto crítico pode ser um cruzamento perigoso, onde os pedestres necessitam de mais segurança para realizar a travessia. O que é fundamental para a segurança e até para a sensação de segurança, que varia de indivíduo para indivíduo. Para alguns, a acessibilidade é considerado o maior perigo. Para outros, é a rua escura, onde o perigo pode estar à espreita (literalmente). Lembrando que, uma cidade bem planejada é uma cidade 70
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democrática, o que significa que todos os indivíduos possuem o direito de andar pelas ruas sem medo, independente da hora ou lugar, se encontrar com os amigos na praça, utilizar um transporte de massa digno… Sem sentir ao viver a cidade, está se arriscando por conta de seu gênero, raça e sexualidade. Além dos problemas habituais de uma cidade desenhada para os carros, surgem também os problemas num contexto de pandemia, onde outros desafios se sobrepõem, num momento de mudança radical da paisagem, onde o isolamento de alguns, fez ressaltar a precariedade e quais vidas estão de fato em risco nas cidades. Mas isso será debatido mais a frente. Ainda que a palavra efêmera signifique apenas “o que é passageiro, temporário, transitório”, é uma palavra que possui uma conotação pejorativa na língua portuguesa. Algo efêmero é algo visto como “banal” e sem real importância em um contexto geral e sem resultado definitivo. Porém, intervenções efêmeras realizadas com o urbanismo tático podem ser usadas para
criar
projetos
mais
acessíveis,
avaliando investimentos, estimulando a mobilidade urbana e criando espaços mais seguros. Avaliação esta que, por seu caráter temporário e facilmente reversível, pode ter a real avaliação da população, evitando então gastos significativos caso o projeto não seja útil para quem realmente importa: as pessoas. Outro fator que torna as intervenções temporárias algo extremamente valioso para a população é que, além da aprovação, pode ocorrer uma real apropriação do projeto. Por ser facilmente modificável, o projeto se torna imprevisível. Em um contexto geral, intervenções urbanas já são imprevisíveis 71
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por si só, ainda que sejam projetadas para estabelecer uma determinada ordem fixa, quase como algo congelado no tempo e enquadrado em uma perspectiva de ordem petrificada. Porém, cada indivíduo é uma variável para o projeto, podendo ocupar ou se apropriar de um espaço de um jeito que não foi pensado pelo autor do projeto. As intervenções urbanas temporárias se tornam ainda mais imprevisíveis se considerarmos que as possibilidades de apropriação do espaço são quase que infinitamente maiores se considerarmos que qualquer um pode realizar uma intervenção temporária, estando munido apenas de um balde de tinta e um pincel. São diversas variáveis atuando em um mesmo ponto, moldando-a e transformando-a, mostrando que a cidade funciona quase como se fosse um organismo vivo. Se levarmos em conta essa possibilidade de realizar uma intervenção urbana, seja ela de grande porte ou não, apenas com materiais artísticos ao invés de uma grande obra milionária, nos prova que não é porque uma intervenção é temporária que ela não vá trazer benefícios a médio e longo prazo em forma de um resultado real para a população que ali vive. Até porque não é porque algo é temporário que ele deve ser esquecido. Seja na forma de uma nova praça, de um parklet ou até mesmo um alargamento de calçada com o objetivo de mudar o perfil de uma rua, propondo um novo ordenamento viário… Essas intervenções artísticas temporárias trazem a tona o próprio conceito de temporalidade, pois podem facilmente se tornar algo permanente. Cidades de todos os portes ao redor do mundo, inclusive no Brasil, estão investindo em intervenções de urbanismo tático para estimular novos projetos urbanos, com o objetivo de melhorar a segurança viária e ajudar a criar espaços de permanência públicos e de qualidade, promovendo a reapropriação do espaço urbano. 72
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Antes e depois da Zümrütevler Square, em Istambul, Turquia // Fonte: SUPERPOOL
É nesse contexto de incentivar novos projetos que surge o protagonismo urbanismo tático, com a finalidade de dar novos sentidos para os lugares a partir de mudanças que são rápidas, reversíveis e de baixo custo, criando assim cidades mais amigáveis aos moradores e motivando as pessoas a repensarem seus hábitos de vida a partir dos diferentes encontros e trocas que esses novos espaços públicos possibilitam. E se a intervenção não funcionar como o esperado? Pega-se outro balde de tinta e começamos do zero. Nada nesse contexto é definitivo, já que seu principal uso consiste em uma intervenção temporária, sendo utilizada em uma fase preliminar de um projeto definitivo, com o objetivo de avaliar e coletar dados, para então possibilitar e fundamentar o desenvolvimento de um projeto definitivo. O método de intervenção traz diversos benefícios para as cidades e a população que nela reside, como, por exemplo:
1.
Estimular a elaboração de novos projetos; chamar a
atenção para situações sociais e políticas do desenho urbano, permitindo com que as pessoas experimentem uma rua diferente; 2.
Aumentar a participação social da população, já que
esse tipo de projetos possibilita que os indivíduos possam expressar suas visões e preferências a partir da prática; 73
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3.
Entender
e
aprofundar
o
entendimento
das
necessidades locais, em diversas escalas urbanas; 4.
Possibilitar
a
coleta
dados
a
partir
de
uma
experiência real de uso das ruas e espaços públicos; 5.
Despertar
o
sentimento
de
vizinhança
e
pertencimento à cidade, já que faz com que as pessoas trabalhem juntas, fortalecendo assim os laços entre vizinhos, organizações, comércio local e poder público; 6.
Permitir que o poder público teste elementos de um
projeto antes de realmente investir financeiramente em intervenções permanentes, levando melhor qualidade de vida para áreas urbanas que normalmente não recebem atenção do Estado e seguem sendo cada vez mais sucateadas.
Além disso, a enorme diferença entre o custo provisório e o custo definitivo é algo extremamente interessante para o poder público, pois esse tipo de intervenção “teste” só se impossibilita nos casos de intervenções cujos projetos envolvam desapropriações. Porém, nos casos aplicáveis, intervenções realizadas com o urbanismo tático (intervenções que são quase cenográficas, mas no bom sentido) podem ser usadas para criar intervenções mais financeiramente acessíveis para o poder público, avaliando investimentos, estimulando a mobilidade urbana e criando espaços mais seguros para o transporte ativo (pedestres e ciclistas). Avaliação esta que, por seu caráter efêmero e facilmente reversível, pode ter a real avaliação da população. Evitando então o gasto de milhões de reais em espaços de permanência ou em medidas de ordenamento viário se o projeto não for realmente útil para quem realmente importa: as pessoas que vivem na cidade. 74
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Mas o urbanismo tático vai além do seu caráter temporário e de teste, podendo também ser utilizado como intervenção urbana permanente por parte da população, graças ao seu baixo custo e possibilidade da participação popular na elaboração do projeto. Essa possibilidade faz com que a técnica seja popularmente conhecida como urbanismo colaborativo ou até mesmo “urbanismo faça-você-mesmo”, trazendo benefícios que, em simultâneo, atendem as cidades e as pessoas. E assim como os objetos que sofrem essas intervenções temporárias, os agentes que lideram uma intervenção de urbanismo tático também podem variar. Os projetos podem partir não só de um teste do poder público, mas também de organizações formadas pela sociedade civil, da iniciativa privada ou até mesmo da própria população que reside em uma área urbanisticamente problemática. Independentemente de quem esteja coordenando a ação, o processo de uma intervenção de urbanismo tático deve dialogar com a comunidade afetada pela mudança, já que um de seus principais objetivos é fazer com que os moradores da área que recebe o projeto sintam-se pertencentes àquele lugar. Consideremos uma intervenção temporária, em uma área comercial, que tenha partido do próprio poder público. Essa intervenção trará as pessoas para as ruas e, consequentemente, trará as pessoas para os comércios ali presentes. Essa intervenção, além de propor ordenamento viário e contribuir para o planejamento urbano, contribui também para o comércio local. Não seria então valioso para o comércio, tornar a gestão e manutenção da obra uma parceria público privada que realmente vai beneficiar os moradores da cidade? Essa parceria entre o público e o privado para a manutenção e gestão das intervenções ganha ainda um outro contexto se considerarmos os locais onde elas estão inseridas. Atualmente, vemos nossas calçadas apenas como local de
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passagem, com o meio fio18 completamente escondido por carros estacionados. Porém, se considerarmos a cidade como local de encontro (como já estamos considerando), temos as calçadas como palco principal desse encontro. As intervenções temporárias aparecem nesse contexto justamente para criar esses espaços para as pessoas. Uma vaga se transforma local de um local de parada para um food truck, ou em um local um pouco mais fixo para o famoso “carrinho de churros”, as duas vagas do lado se transformam em um parklet, com bancos e mesinhas para que os clientes possam comer… Temos então um espaço de convivência onde antes era uma área morta, com um carro estacionado. Conforme já foi levantado, existem diversos usos para essas “novas áreas” que surgem com o desaparecimento de algumas vagas de estacionamento. Elas podem vir a ser uma calçada mais larga, uma ciclofaixa, uma faixa exclusiva de ônibus. É com essa divisão do espaço público em mente que a Associação Nacional de Agentes de Transporte Urbano dos Estados Unidos (NACTO) publicou um estudo mostrando como uma boa gestão do meio-fio pode contribuir para a mobilidade urbana, sendo algumas de suas principais funcionalidades:
1. Faixas para bicicletas e ônibus, incluindo pontos de ônibus; 2. Áreas de entrega e de carga e descarga, que ganham relevância com o aumento do número de compras online; 3. Zonas de embarque e desembarque de táxis e carros de aplicativos de transporte; 4. Estações de meios de micromobilidade compartilhados; 5. Espaços para food trucks e vendedores de rua; 18
Borda de um passeio desnivelado, a calçada, em relação à via, as faixas de rolamento.
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6. Espaços
de
convívio
urbano,
como
parklets e as
academias de rua; 7. Estacionamento para veículos particulares.
Uma melhor gestão do meio-fio é fundamental para a política urbana e a mobilidade das cidades, já que, atualmente, grande parte do meio-fio é dedicado aos motoristas que estacionam em vagas públicas. Essas diversas possibilidades de uso para o meio fio implicam em diversos atores interessados, sendo o principal deles o pedestre e o cidadão em seus diversos modais de transporte, como bicicletas, ônibus, patinetes, motos, carros...
Fonte: NACTO; Tradução pessoal
Existem também os agentes do setor privado, como comerciantes, bancas de jornal, empresas de entregas e de transportes... Mudanças no uso do meio fio possuem um grande impacto na vida das pessoas, de empresas e de organizações, fazendo com que a ampla participação da população seja fundamental para esse processo. Existe também, a possibilidade da utilização do urbanismo tático como a possibilidade de um devir, algo que pode vir a ser. Essa oportunidade de pessoas poderem intervir nas cidades, abre um novo leque de possibilidades para o planejamento urbano, seja com intervenções pontuais organizadas e 77
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apoiadas pelo poder público, como os casos recorrentes já citados da Rua do Lavradio (Rio de Janeiro) e da Avenida Paulista (São Paulo), ou até mesmo em datas específicas, como o Dia Mundial Sem Carro, onde grandes cidades fecham ruas inteiras e incentivam os moradores a ocuparem as ruas.
Avenida Paulista no domingo // Fonte: Veja SP
Essa intervenção pontual pode também ser completamente espontânea, vinda da própria população, como aconteceu durante o fechamento da Avenida Brasil, uma das principais e mais caóticas vias do Rio de Janeiro, durante as obras do BRT TransBrasil. Após o comunicado da Prefeitura de que um trecho da Avenida Brasil seria interditado para a instalação de um viaduto, a população do
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Complexo da Maré19 ocupou as 16 faixas de rolamento do trecho, criando uma grande rua de lazer temporária.
Avenida Brasil em dias normais, com o sentido Centro engarrafado // Fonte: G1
Com base em notícias assim, podemos ver que a criação de espaços de lazer e convivência são uma real demanda da população das cidades. Mas para que essa retomada dos espaços públicos nas cidades possa realmente acontecer, as pessoas precisam retomar o que é seu de direito e voltar a utilizar suas ruas estando fora de seus carros. Diversas cidades ao redor do mundo já estão trilhando esse caminho de maneira gradual, não só fazendo bons projetos com programas de necessidades que seguem à risca uma lista que poderia ser batizada de “coisas interessantes para adicionarmos em nossos projetos”, mas também com essas intervenções feitas pelas pessoas e para as pessoas, criando uma cidade viva e segura para todos.
Conhecido também como Maré, é um complexo formado por 16 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro, localizado às margens da Baía de Guanabara e ocupando uma área de aproximadamente 800.000 m². 19
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Fortaleza, Ceará // Fonte: Unifor
Ao redor do mundo, intervenções urbanas efêmeras, sejam elas elaboradas pelo poder público ou pela própria população, vêm ganhando destaque, não só com o objetivo de tornar a cidade mais segura para se transitar, mas também mais segura e agradável de estar. Medidas que a princípio podem parecer banais, como reformar um canteiro de flores, criar mobiliário adequado, propor formas de brincar… Propostas de urbanismo colaborativo podem ir desde uma calçada maior até uma horta comunitária. Se a proposta faz com que a cidade seja um lugar mais agradável para todos, ela é válida.
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Intervenções efêmeras no planejamento das cidades
Já é comum vermos grandes obras serem feitas com base no urbanismo tático, principalmente em grandes cidades, onde seu traçado urbano já está consolidado. Peguemos como exemplo uma das cidades mais populosas do mundo: Nova York, capital do estado norte-americano de mesmo nome, conhecida por seus arranha-céus, táxis amarelos e engarrafamentos. Mas, além disso, a cidade funciona quase como um portfólio em escala 1:1 de urbanismo tático. Um dos exemplos mais emblemáticos é a Times Square, que teve suas faixas de rolamento completamente convertidas em áreas para pedestres, criando assim a versão que conhecemos hoje do cartão postal norte-americano.
Nova York, EUA // Fonte: ArchTrends
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Essa retomada do espaço público foi tão bem sucedida que não parou na Times Square. Nos últimos anos, diversas ruas e avenidas da cidade também ganharam intervenções e foram completamente reformuladas, ganhando novas ciclovias e espaços públicos, valorizando o pedestre e a mobilidade ativa em uma das cidades mais populosas e agitadas do mundo, como a Kent Avenue, a Herald Square, a Queensboro Bridge e a 9th Avenue. A cidade que nunca dorme, voltou a pertencer um pouco mais aos pedestres e um pouco menos aos carros.
Fortaleza, Ceará // Fonte: WRI Brasil
Mas essas intervenções não ocorreram só nos Estados Unidos da América. Elas foram ganhando força ao redor do planeta e existem diversos casos de projetos bem sucedidos de urbanismo tático por todo o mundo. Aqui
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no Brasil, as cidades de Fortaleza, capital do estado do Ceará, no nordeste do país, e São Paulo, capital do estado de São Paulo, no sudeste, são duas capitais brasileiras com projetos que são considerados referências nacionais do tipo de intervenção. Desde
2016,
a
Prefeitura
de
Fortaleza
trabalha
com
parceiros
internacionais, como a Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global e a Global Designing Cities Initiative, com o objetivo de “re” imaginar e redesenhar seus espaços públicos, incluindo ruas e avenidas. As reduções do limite de velocidade da cidade, melhoria da infraestrutura de pedestres com elementos de trânsito calmo, pistas dedicadas aos ônibus e infraestrutura cicloviária são evidências de melhorias recentes que começaram a mudar as práticas e a reduzir o número de atropelamentos por toda a cidade. Em 2017, a capital cearense recebeu pinturas e mobiliário urbano que mudaram completamente o perfil da Avenida Central do bairro Cidade 2000, o projeto-piloto realizado pela Secretaria Municipal de Urbanismo da cidade. Já em São Paulo, cidade mais populosa do país, o bairro de Santana, na Zona Norte, recebeu o exemplo de urbanismo tático mais emblemático do país, com pinturas e mobiliário que ajudaram a melhorar a segurança de cruzamentos e vias do bairro, além de alargar calçadas e criar espaços mais amigáveis e maior segurança para os pedestres da região. Com uma intervenção comandada pelo ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), um dos cruzamentos mais perigosos da região ganhou um novo ordenamento viário a partir de pinturas e mobiliário que ajudaram a melhorar a segurança das vias do bairro, além de alargar calçadas e criar espaços mais amigáveis, áreas de permanência e maior segurança para os pedestres da região. Além disso, a cidade também conta com a iniciativa popular “A Batata Precisa de Você”, que incentiva a ocupação do Largo da Batata e é 83
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completamente organizada por moradores e frequentadores do largo com o objetivo de ocupar o local de forma ativa e saudável. Já no bairro da Liberdade, um dos cartões postais mais famosos da cidade, a Rua Galvão Bueno, recebeu como proposta a transformação de um trecho da via em calçadão, ampliando as calçadas e os espaços de permanência e convivência.
Liberdade, São Paulo // Fonte: Todeschini
Ainda que não recebam tanta atenção quanto às intervenções já citadas de Fortaleza e São Paulo, esse tipo de intervenção efêmera já existe na região metropolitana do Rio de Janeiro. Em Niterói, o tipo de intervenção efêmera é utilizado
pela
própria
Prefeitura
antes
do
investimento em uma
intervenção definitiva. A Avenida Ernani do Amaral Peixoto, icônica no traçado do Centro de Niterói desde sua abertura nos anos 1950, possui um dos perfis 84
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viários mais característicos do município, com calçadas de sete metros de largura cobertas por pilotis. Apesar das amplas calçadas, ainda é uma via larga e difícil de atravessar, com sinais que dão ao pedestre 90 segundos para atravessar os seus 23 metros de largura, divididos em cinco faixas de rolamento e ciclovia bidirecional. Porém, estão sendo estudadas mudanças nesse perfil tão icônico no imaginário niteroiense, com o objetivo de encurtar essa travessia. Nos últimos meses, a rua recebeu novas pinturas zebradas nas esquinas da Praça da República (marco turístico e histórico importantíssimo de Niterói), em uma tentativa não só de ampliar as calçadas e encurtar a caminhada de mais de 20 metros para atravessá-la, mas funcionando também como um segregador e protegendo uma das ciclovias mais importantes do bairro..
Niterói, Rio de Janeiro // Fonte: Fabrício Arriaga (Acervo pessoal)
Além disso, o Plano de Mobilidade Urbana e Sustentável (PMUS) do município, publicado em 2019 e elaborado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade (SMU), em parceria com a COMAP Consultoria, o ITDP Brasil e o WRI Cidades Sustentáveis, prevê diversos projetos urbanos a curto, médio e longo prazo. Um dos projetos previstos a curto prazo é o alargamento
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do trecho sul da Rua Benjamin Constant, um dos principais eixos de mobilidade de Niterói, que conecta a Região Norte com a área central. A intervenção prevê a criação de uma ciclovia, uma terceira faixa de rolamento, que será exclusiva para ônibus e de uma quarta faixa, no sentido oposto do fluxo, localizada no trecho entre a Alameda São Boaventura e o Viaduto Santana. O projeto possui como principais objetivos uma melhor conexão e fluidez viária entre os bairros do Centro e do Barreto, aumentando a capacidade viária da via. Considerando a diferença entre o custo de uma intervenção temporária e de uma intervenção permanente, a SMU optou por realizar intervenção “de teste” com o urbanismo tático. Os responsáveis pelo projeto fizeram uma pintura no chão, trocando o sentido de uma das faixas já existentes no trecho que receberá o projeto. Após analisar os dados de engarrafamento e de acidentes, a Prefeitura de Niterói então optou por dar continuidade ao projeto. Vale ressaltar que esse não foi o primeiro caso em que o urbanismo tático “serviu seu propósito” no município de Niterói, já que parte do ordenamento viário consolidado pelo projeto de alargamento da Avenida Marquês do Paraná, também previsto no PMUS, foi inicialmente testado com um “zebrado” no asfalto, com o objetivo de propor um novo ordenamento no antigo gargalo existente na saída da Rua Dr. Celestino, que contava com um fluxo constante de carros e ônibus. O que antes era uma pintura “zebrada” na pista, tornou-se um prolongamento da calçada, que funciona como uma pequena praça, com paisagismo e mobiliário. A intervenção, concluída em 2020, trouxe uma maior segurança viária para o que antes era um cruzamento problemático, com não só um gargalo viário, mas também com uma travessia extensa perigosa para pedestres e ciclistas, sendo este segundo grupo circulava fora de uma estrutura cicloviária propriamente dita. 86
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Fonte: Google Street View; edição pessoal
E este tipo de intervenção urbana não está restrito apenas aos grandes centros. Em São Pedro da Aldeia, na região dos lagos do estado do Rio de Janeiro, um morador antigo do bairro de Porto do Carro transformou uma área em frente ao CIEP 262 Curvelina Dias Curvello, na rua Maria Dias Curvello, que
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era tomada por lixo, em um espaço de convivência, utilizando apenas materiais reciclados. Quando perguntado sobre o motivo de ter criado o espaço, o "Seu Gilson", disse que o neto estuda no CIEP e ele sempre se incomodava com a quantidade de lixo e lama ao buscá-lo na escola. Como o eixo do logradouro também funciona como divisa municipal entre São Pedro D'Aldeia e Cabo Frio, nenhuma das duas Prefeituras se mostrou disposta a melhorar as condições da área. Seu Gilson então, dono de uma lanchonete na mesma rua, em conjunto com outros moradores da área, transformou o que antes era um lamaçal cheio de lixo, se tornou um espaço de convivência com mesas, cadeiras, bancos, canteiros e até brinquedos para as crianças, graças ao poder da população.
Fonte: Arquivo pessoal
O espaço, que é amplamente utilizado não só nos dias letivos, mas também nos fins de semana, quando as crianças utilizam a quadra da escola para lazer, foi criado por uma comunidade sem especialização na área de projeto e planejamento urbano e sem investimentos públicos, mostrando na
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prática que o urbanismo tático pode sim ser chamado de urbanismo comunitário (ou até mesmo de urbanismo faça você mesmo), como foi citado anteriormente.
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Intervenções efêmeras no contexto de pandemia
Em 2020, nós vimos como a pandemia de Covid-19 mudou não só a vida da população mundial, criando uma imensa mudança de hábitos e tornando um perigo à vida o simples ato de sair na rua, mas também gerou uma alteração nas paisagens urbanas ao redor do mundo, fazendo com que as pessoas saíssem das aglomerações proporcionadas pelos transportes públicos e passassem a adotar a mobilidade ativa no dia a dia.
Ampliação de ciclovia em Berlim, Alemanha // Fonte: WRI Brasil
Com isso, surgiu a necessidade de criar vias mais seguras para se caminhar e pedalar, com mais espaço para que as pessoas possam manter
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distância segura umas das outras nos deslocamentos a pé ou de bicicleta, com intervenções mais pontuais de baixo custo e rápida implementação do urbanismo tático, com o objetivo de seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que as pessoas optem por pedalar ou caminhar sempre que possível, para evitar a aglomeração nos transportes públicos. Cidades do mundo todo foram então obrigadas a repensar seus espaços urbanos para serem mais seguros para a população ao ar livre, com intervenções de urbanismo tático que incentivassem a caminhada e o uso da bicicleta como transporte prioritário, viabilizando deslocamentos diários seguros durante a pandemia e tentando evitar que os indivíduos que utilizavam transportes públicos coletivos migrem para automóveis particulares. Um dos maiores exemplos de intervenções urbanas realizadas com urbanismo tático durante a pandemia do coronavírus foi a ciclovia implantada na maior via da Cidade do México, capital do México e uma das cidades mais populosas do mundo, com aproximadamente 22 milhões de habitantes que realizam a maioria de suas viagens diárias por meio de transporte público. Com o objetivo de possibilitar viagens não só com maior segurança viária, mas também sustentáveis, ao invés de deixar que a população migrasse em massa para o transporte motorizado individual, a capital mexicana colocou em prática
uma
intervenção
extremamente
ambiciosa:
expandiu
em
impressionantes 54 quilômetros a malha cicloviária da cidade, com foco em dois importantes eixos de transporte, conectando a cidade de Sul a Norte e de Leste a Oeste. Tomemos como exemplo a Avenida Insurgientes, uma das vias mais extensas do mundo, que corta a Cidade do México no eixo Norte-Sul. Nela, foram implementados 20 km de ciclovia em cada sentido da via. Já no Eixo 4 Sul, foram 14 km de uma ciclovia bidirecional. Em conjunto com a sinalização horizontal e vertical, agentes de trânsito foram posicionados em localidades 91
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estratégicas, com o objetivo de informar os usuários sobre as novas características das vias.
Ciclovia temporária na Cidade do México, México // Fonte: Archdaily
Além de implementar a infraestrutura necessária para os ciclistas, o poder público mexicano também criou incentivos para que a população realmente adotasse o uso da bicicleta no dia a dia, como, por exemplo, criando promoções para o sistema de aluguel de bicicletas compartilhadas. Com essas medidas, o número de ciclistas na Cidade do México mais do que dobrou, o que já faz o poder público considerar tornar a medida permanente e incentivando o uso da modalidade de mobilidade ativa mesmo após o fim da pandemia. Além disso, a Cidade do México disponibilizou um documento com a finalidade de orientar cidades que considerem implementar infraestruturas cicloviárias temporárias em resposta à pandemia de Covid-19.
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E como uma grande parte da avaliação de uma intervenção urbana temporária é feita a partir do estudo de dados levantados, é possível de analisar dados de intervenções ao redor do mundo no site ‘COVID Mobility works’ (disponível em covidmobilityworks.org), criado pela Universidade de Oregon, nos EUA. Com centenas de iniciativas mapeadas, o site nos mostra indicativos de intervenções com foco na mobilidade urbana que vão desde os quase 60 quilômetros de ciclovias que foram criados na Cidade do México, no México, até a ampliação de calçadas em Barcelona, na Espanha; passando ainda por ciclovias temporárias em Curitiba, capital do Paraná, calçadas alargadas em Duque de Caxias, na baixada fluminense e por intervenções em Singra, uma pequena cidade de Bangladesh que adotou o transporte público apenas em 2019. A pandemia de covid-19 não afetou o planejamento urbano apenas no que diz respeito a valorização da mobilidade ativa, alargando calçadas e criando ciclovias, mas também gerou uma ressignificação das calçadas. O que antes era visto apenas como local de passagem do pedestre (e que estava começando a ser visto como um espaço de encontro e de permanência), tornou-se também local de trabalho. Com as medidas de isolamento social, a área de delivery teve um crescimento exponencial no último ano. Famílias que saíam nos fins de semana para “comer fora” se viram obrigadas a pedir comida, por meio de aplicativos, sites e telefones. É aí que entra a calçada também como local de trabalho. Esses entregadores de delivery, que muitas das vezes utilizam a bicicleta como meio de transporte, adotaram as calçadas e praças próximas a shoppings, restaurantes e polos gastronômicos como local de espera. O posicionamento é estratégico, pois os aplicativos de entrega, como iFood e Uber Eats, redirecionam os pedidos para os entregadores que estão próximos dos estabelecimentos.
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Porém, esses entregadores não receberam nenhum suporte para permanecerem ali, muitas das vezes se arriscando ao sentar no meio fio. Retornamos então a um ponto já levantado, que é o de diversos usos do meio fio. Esse novo uso das calçadas, que não foi planejado e nem previsto, poderia ter sido algo muito mais confortável para esses trabalhadores com algumas das intervenções já mostradas anteriormente.
Alargamento de calçada e instalação de mobiliário urbano em Barcelona, Espanha. // Fonte: ArchDaily
Os últimos meses mudaram a nossa relação com basicamente tudo em nossas vidas, criando um novo normal ao redor do planeta. Porém, o que acontecerá quando a pandemia for embora? Voltaremos ao “antigo normal”? Ou teremos “cicatrizes” deste período tão conturbado que estamos vivendo? Como ficará a nossa relação com as cidades?
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Com o processo gradual de retomada às nossas vidas normais, vimos as pessoas retomarem espaços públicos, como parques e praças, para uma forma de lazer mais segura, ao ar livre, ressignificando-os. As áreas comerciais de rua rua, que antes dependiam de um espaço público de qualidade para atrair consumidores, agora também precisam dele para exercer suas atividades com um menor risco de contaminação, seja ele para atender clientes, organizar filas, ou até mesmo para ocupar vagas de estacionamento e faixas de rolamento com mesas e cadeiras, criando espaços de permanência, quase que como um parklet informal.
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Centro de Niterói: um estudo de caso Histórico, zoneamento e diagnóstico
Seguindo o padrão de todas as cidades do Brasil, a urbanização de Niterói foi tardia e começou pelo Centro. Foi a partir dos principais eixos de transporte que a cidade foi se expandindo e passou por não só mudanças em seu traçado viário, mas também por grandes mudanças territoriais, ganhando não só novas áreas aterradas, mas também terras dos municípios vizinhos, como é o caso da Região Oceânica, que pertencia originalmente à São Gonçalo e tornou-se parte de Niterói em 1943. O município atualmente possui uma área de 131,80 km², que equivale a 0,30% da área total do Estado do Rio de Janeiro, que estão divididos em 52 bairros20 separados entre 5 regiões administrativas: Praias da Baía, Oceânica, Norte, Pendotiba e Leste. O Centro, área estudada, está localizado na Região Praias da Baía. Ainda que a história oficial da cidade tenha seu começo no Século XVI, mais precisamente no ano de 1537, foi apenas 400 anos depois, no processo de urbanização do Brasil durante o Estado Novo (1937), que a cidade passou por um "boom" de
obras e começou a tomar uma forma parecida com a que
O bairro de Itaipu foi dividido em 5 bairros menores pelo Plano Urbanístico da Região Oceânica (Lei Municipal n.º 1968/2002). Antes disso, o município era dividido em 48 bairros, pelo Decreto de Abairramento (Decreto N° 4895/1986). 20
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conhecemos hoje. Vale ressaltar que esse grande número de intervenções na cidade fluminense se dá por conta do fato de que, enquanto o Rio de Janeiro era a capital federal, Niterói era a capital do estado. A área que hoje consiste no Centro passou por inúmeras transformações ao longo dos últimos séculos, recebendo intervenções que vão desde novos traçados viários, como é o caso da emblemática Avenida Ernani do Amaral Peixoto, até e novas topografias, com o desmonte de morros para a criação de aterros, como o Aterrado da Praia Grande e o Aterrado de São Lourenço.
Em ordem, Vila Real da Praia Grande (1), Cidade de Nictheroy (2), obras do Aterrado de São Lourenço (3) e planos de abertura da Av. Ernani do Amaral Peixoto (4) // Fonte: Pré-diagnóstico do Plano de Mobilidade Urbana e Sustentável (Relatório 1 do PMUS) - Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
Na linha do tempo a seguir, estão descritos os principais acontecimentos, legislações e intervenções que moldaram o Centro de Niterói que conhecemos hoje.
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Início da revisão da Lei Urbanística de Niterói, a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Início da pandemia do coronavirus, mudando nossa relação com as cidades. Inauguração da Av. Marquês do Paraná e de uma das ciclovias mais importantes do Centro, cota nectando Icaraí com o bairro
Fim da vigência do PMUS. Previsão de conclusão da implantação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLTT.
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De acordo com as informações mais recentes do IBGE, informadas a partir do site Atlas Brasil, o município de Niterói possui um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)21 de 0,837, que é considerado pelo próprio IBGE como muito alto22. A população do município no último censo era de 487.562 pessoas, com densidade demográfica de 3.640,80 hab/km², De acordo com as estimativas, Niterói possuía uma população de 515.317 pessoas, e uma densidade demográfica de 3.842,78 hab/km² em 2020. No âmbito do Centro de Niterói, objeto de estudo do trabalho, o bairro era o quinto mais populoso do município no último censo. Com um aumento populacional de 0,5% entre os Censos de 2000 (18.487 habitantes) e de 2010 (19.349 habitantes). O Censo de 2010 aponta também que dos 19.349 habitantes do Centro, 1.945 deles eram crianças, 3.134 idosos e 14.270 habitantes se enquadravam na categoria de População em Idade Ativa. O bairro, que é formado por um traçado predominantemente regular, em malha xadrez, constituído por 37 ruas e 73 quadras com, aproximadamente, 4.420 edificações e lotes quase que completamente ocupados pelas edificações, tendo como exceção apenas os prismas de iluminação e ventilação, possui aproximadamente 99,7% de seus moradores vivendo em residências com banheiro e esgoto ligados à rede central. De acordo com Diagnóstico Sócio Econômico de Niterói, realizado em 2013 pelo ‘Niterói Que Queremos’23, a renda domiciliar per capita dos bairros Centro e Morro do Estado, em 2010, era de R $1.365,00, deixando a área com o coeficiente de Gini24 de 0,517 e uma porcentagem de extremamente pobres em
21
Índice composto de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano. 22 Um IDH muito alto é o que possui valores entre 0,8 e 1,0 23 Plano Estratégico de Desenvolvimento de Curto, Médio e Longo Prazos para a cidade de Niterói, pensando nos próximos 20 anos, e preparando-a para os desafios atuais e do futuro. 24 Instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo.
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relação a população municipal, de 6,5%. Vale ressaltar que, na época do último Censo, o salário mínimo no Brasil era de R$ 510,00, enquanto a média de renda domiciliar per capita era de R$ 1.938,00, do Estado do Rio de Janeiro era de R$ 765,00 e a do Brasil era de R$ 991,00. Já
no
que
diz
respeito
ao
mercado
imobiliário
do
bairro,
aproximadamente 11% das transações imobiliárias de Niterói foram realizadas dentro dos limites do Centro, de acordo com os dados do 'Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis', o ITBI, entre Janeiro de 2014 e Julho de 2021. Os mesmos dados apontam uma média de valor do metro quadrado no bairro, sendo essa de R$4.750,00/m² de apartamentos, R$2.450,00/m² de casas e R$1.010,00/m² de salas comerciais e lojas, de acordo com os dados de pesquisa do grupo de pesquisas Geonit, do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA). A legislação vigente no Centro é a Lei Municipal n.º 3061/2013, que constitui a Operação Urbana Consorciada da Área Central de Niterói, que sobrepõe o Plano Urbanístico Regional das Praias da Baía (Lei Municipal n.º 1967/2002) e divide a Área Central em 17 setores e 24 subsetores. Apesar dessas diretrizes, explicitadas logo nas primeiras páginas da lei municipal, o Centro de Niterói segue sendo um lugar não muito agradável para o pedestre. Calçadas sem manutenção, travessias desordenadas, população de rua, pouca iluminação pública e até diversas áreas de estacionamento (principalmente ao longo da orla) são coisas comuns para o meio milhão de pessoas que passam diariamente pelo bairro25.
25
De acordo com um levantamento realizado pela Prefeitura de Niterói em 2018, o Terminal Rodoviário João Goulart recebe em média 350 mil passageiros por dia, que chegam nas 146 linhas de ônibus (60% das linhas que passam pelo município), sendo 35 municipais e 111 intermunicipais. Já a Estação de Barcas recebe em média 100 mil passageiros por dia. Esses dados nos mostram quase meio milhão de pessoas transitando pelo bairro diariamente, apenas no âmbito do transporte público.
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O texto da Operação Urbana Consorciada da Área Central vai além das diretrizes, citando e descrevendo diversas intervenções e projetos para o recorte, dividido em 17 setores. Alguns deles já foram contemplados, alguns estão sendo estudados e alguns, como a famosa Linha 3 do Metrô seguem apenas no imaginário popular, quase como uma lenda urbana. Uma das principais propostas da OUC é a criação de redes subterrâneas de telefonia e energia elétrica, além da recuperação de novas redes de esgotamento sanitário e abastecimento de água e gás encanado. A fiação que deveria ser retirada para a criação da rede subterrânea, garantiria mais segurança no fornecimento de serviços aos moradores e frequentadores. Atualmente, o Centro ainda conta com fiação aérea em quase todos os pontos, sendo a exceção os locais de grandes intervenções, como a Avenida Marquês do Paraná. A previsão para a criação dessas redes subterrâneas está no Cenário 2025 do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS), na descrição do projeto intitulado de “Calçadas do Centro”, que propõe “Requalificação de calçadas do Centro através da implantação de infraestrutura subterrânea de calha técnica e substituição de pavimento” Já a parte que trata de pavimentação, que diz que aproximadamente 60 km de ruas receberão nova pavimentação, ficou para o Cenário 2030 do PMUS, que cita a requalificação urbana do Centro como um todo. De acordo com a própria Prefeitura, o projeto de requalificação conta com mais de 300 mil metros de calçadas reformadas, garantindo acessibilidade a todos, além de mais de 500 mil metros quadrados de recapeamento de vias. Atualmente, o Centro segue com calçadas estreitas, com buracos e sem acessibilidade. Já no âmbito do lazer e turismo, enquanto o texto da OUC cita os megaeventos que ocorreram alguns anos atrás, como a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016), e fala como a área central possui um enorme potencial turístico. Algumas das principais intervenções citadas aqui são: 110
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● Revitalização de praças importantes da região, como a Cantareira, a Praça São Pedro, a Praça do Rink e a Praça da República seriam revitalizadas e suas grades retiradas. ● Orla e Esplanada Araribóia, que consiste em um parque litorâneo de 600.000 m², divididos em uma orla de 5 km, ligando os bairros de Ponta d’Areia e Boa Viagem. O projeto passou por diversas versões após a publicação da OUC e, atualmente, encontra-se no cenário de curto prazo do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável, batizado de ‘Orla Centro’. Consiste no projeto piloto de uma ‘Rua Completa’ de Niterói, feito em parceria com o WRI Brasil, que já foi citado anteriormente.
Atual proposta da Orla Centro // Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
● Polo gastronômico e Vila dos Pescadores: Ainda que o projeto não envolvesse a remoção do Mercado do Peixe de São Pedro, atração icônica de Niterói, a proposta incluía a criação da ‘Vila de Pescadores’, em um espaço que supostamente funcionaria 111
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como ambiente de integração das comunidades pesqueiras em um polo gastronômico. A proposta original, que possuía um forte ar cenográfico, com direito a um farol cenográfico tal qual de filmes antigos, com faixas vermelhas e brancas, foi substituída pela revitalização proposta no projeto já citado da ‘Orla Centro’, em parceria com o WRI Brasil.
Proposta original // Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
Proposta atual // Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
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● Novo projeto paisagístico para o Caminho Niemeyer. Vale ressaltar que a proposta incluía a construção de diversas edificações que nunca saíram do papel, como o Terminal Integração Multimodal (que substituiria o Terminal Rodoviário João Goulart), o Centro de Convenções, a Torre Panorâmica, o Aquário público, a Capela flutuante, a Arena Multiuso, o Terminal Hidroviário do Centro (que substituiria a Estação Araribóia) e a Catedral evangélica.
Na esfera cultural, propõe-se o resgate de atividades culturais e restauro dos bens históricos da região, como a instalação de corredores culturais em áreas como a Rua Marechal Deodoro, com a preservação de fachadas históricas e incentivos para a melhoria das instalações culturais e de lazer da região. Além disso, traz propostas de restauro para a Casa Norival de Freitas, na Rua Maestro Felício Toledo e tombada a nível estadual, e da Igreja Boa Viagem, tombada a nível federal. No âmbito da habitação, a OUC toma como responsabilidade da prefeitura de Niterói as demandas geradas pelos novos habitantes que seriam atraídos para o bairro. De acordo com o Censo de 2010, o bairro possuía 31 mil habitantes e a estimativa é que, com as intervenções, o bairro atraísse mais 34 mil habitantes. Para isso, a Prefeitura de Niterói lançou o Programa
Morar
Melhor. No que diz respeito à sustentabilidade, uma de suas principais metas é alcançar o desenvolvimento dentro do conceito sustentável, otimizando o transporte coletivo de massa, incentivando o uso de bicicletas com a criação de ciclovias, a restaurando praças e a criando outros espaços públicos a fim de qualificar o ambiente urbano, reduzir a emissão de gases poluentes e contribuir 113
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para a melhoria da qualidade de vida, tanto da população residente como da população flutuante. Algumas das principais transformações são:
● Criação de áreas verdes; ● Uso de lâmpadas LED na iluminação pública; ● Coleta de lixo e reutilização de águas utilizadas em edificações públicas e privadas.
Ainda relacionado à sustentabilidade, temos o item que trata de mobilidade sustentável. Com propostas direcionadas principalmente a investimentos em sistemas de transporte, como Barcas, VLT e não motorizados, e estratégias de uso do solo, incentivando edificações de uso misto.
Projeto da Estação Intermodal // Fonte: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
A principal transformação citada na lei é a Estação Intermodal, projeto de Oscar Niemeyer que substituiria o Terminal Rodoviário João Goulart. A
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edificação, que nunca saiu do papel, seria a maior estação intermodal da América Latina, integrando barcas, ônibus e bicicletas, além dos projetos de transporte em andamento, como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), projeto que se encontra no cenário 2030 do Plano de Mobilidade Urbana e Sustentável (PMUS) e já está em andamento , e a Linha 3 do Metrô, que possivelmente é uma das maiores lendas urbanas do governo estadual.
Estações da Linha 3 // Fonte: Governo do Estado do Rio de Janeiro
No intuito de incentivar o transporte ativo e os modais de massa, a OUC estipula que todas as novas edificações residenciais da Área Central deverão possuir bicicletários, como forma de permitir a utilização dos investimentos em rede cicloviária por parte de seus futuros moradores. Além disso, os usos não residenciais distantes até 400 metros a pé de um ponto de ônibus ou estação26, estarão dispensados da obrigação de construção de vagas de garagem, como incentivo ao uso do transporte coletivo público. De acordo com um levantamento realizado pela Prefeitura de Niterói em 2018, o Terminal Rodoviário João Goulart recebe em média 350 mil passageiros por dia, que chegam nas 146 linhas de ônibus (60% das linhas que passam pelo município), sendo 35 municipais e 111 intermunicipais. Já a Estação de Barcas recebe em média 100 mil passageiros por dia. Esses dados nos mostram quase 26
Neste caso, fazendo referência a estações de VLT e Metrô.
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meio milhão de pessoas transitando pelo bairro diariamente, apenas no âmbito do transporte público. Já no caso de automóveis particulares, em relatório divulgado pela Concessionária EcoPonte em 2017, o volume diário médio de automóveis que atravessam a Ponte Rio-Niterói no sentido Niterói era de 80.198 veículos nos dias de semana e 70.219 nos finais de semana. Já no sentido Rio de Janeiro, os dias de semana contavam com 74.132 veículos e os fins de semana com 70.471. É importante ressaltar que a Ponte Rio-Niterói funciona como acesso não só a outros municípios do Rio de Janeiro, como por exemplo São Gonçalo e Itaboraí, mas também à Região dos Lagos. Esses números são relativamente expressivos se comparados com os dados divulgados pelo Denatran em 2018, que apresentou 218.955 veículos leves e 39.307 motos registradas no município de Niterói após a revisão veicular obrigatória.
Estacionamentos particulares e terrenos baldios na Orla // Fonte: Arquivo pessoal
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Ainda no caso dos automóveis particulares, é necessário falar de onde todos esses veículos particulares estão estacionados. Conforme já foi levantado, abrigar todos os veículos é um grande desafio para o planejamento e para a paisagem urbana. No caso dos estacionamentos particulares, existem 37 pontos mapeados, incluindo terrenos da orla, edificações de valor arquitetônico convertidas em estacionamentos e até um edifício garagem. Já no caso do estacionamento de rua, as vagas são gerenciadas pela concessionária Niterói Rotativo, que atua junto à Prefeitura de Niterói desde 1999. As 2.016 vagas do Centro estão divididas em um polígono fechado que consiste nas Avenidas Jansen de Melo, trecho da Marquês do Paraná (até a interseção da Rua Dr. Celestino), nas Ruas da Conceição, José Clemente, Andrade Neves, Professor Hernani Melo, Eduardo Luis Gomes e também na orla marítima paralela à Avenida Visconde do Rio Branco e Fróes da Cruz. Considerando essas 2.016 vagas, temos uma área27 de aproximadamente 25.200 m² do espaço público do Centro de Niterói destinado apenas para as vagas de rua do Niterói Rotativo. Se contarmos todas as outras vagas “clandestinas” existentes no bairro28, podemos encontrar diversas áreas que poderiam ser calçada mais larga, uma faixa exclusiva de ônibus, uma ciclovia ou até mesmo um pequeno espaço de convivência, na forma de um parklet.
27 28
Considerando as dimensões de 5,0X2,50 m de uma vaga de estacionamento paralela à calçada. Foram mapeadas vagas de estacionamento em 24 das 37 ruas do Centro.
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Mapeamento de pontos de interesse e geradores de fluxo Por conta do Centro de Niterói ser o bairro com a maior concentração de empregos e serviços, ele ganhou esse status de “obrigação” ao longo dos anos. As pessoas vêem o ato de “ir no Centro” quase que como uma tortura, algo que ela precisa fazer, ainda que sem muita vontade, tornando o lugar um destino apenas para necessidades, apesar de todas as opções de lazer aqui presentes.
Concentração de empregos // Fonte dos dados: Secretaria Municipal de Urbanismo e Mobilidade
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O Centro é uma área riquíssima em diversos aspectos, mas principalmente nas áreas de cultura e turismo. O bairro possui centros culturais, museus, teatros, bibliotecas, cinemas… Além de ser ponto de partida para todos os outros pontos importantes culturalmente dos outros 51 bairros de Niterói, como é o caso do Museu de Arte Contemporânea e da Universidade Federal Fluminense. Porém, esse status de chegada transformou o Centro em uma área extremamente apagada, sendo vista apenas como um local de trabalho e/ou de passagem, com carros por todos os lados, pouca acessibilidade, sujo e, muitas das vezes, fedido (de acordo com relatos de frequentadores do bairro nas redes sociais, especificamente com odor de urina). Com o objetivo de fazer com que essas pessoas que habitam ou passam pelo bairro diariamente possam conhecê-lo um pouco melhor, a ideia central do mapeamento de pontos de interesse é trazer para primeiro plano esses pontos turísticos e atrativos culturais que, muitas das vezes, são completamente apagados, esquecidos como se não existissem ali de verdade. Já os geradores de fluxo, como escolas, universidades e equipamentos públicos, foram mapeados para entendermos como a população se desloca pelo bairro. Além desses atrativos, foram mapeados também espaços vazios e subutilizados, que podem ser ganhar novos usos, como lazer, habitações sociais ou serviços, por exemplo. Os dados utilizados nos mapas a seguir possuem diversas fontes, que foram reunidos com o objetivo de entendermos melhor o bairro antes de propor intervenções. A maioria dos dados foram levantados a partir dos Dados Abertos fornecidos pela própria Prefeitura de Niterói, a partir de arquivos shapefile. Outras fontes de dados foram a plataforma online Open Street Map e levantamentos de campo. Além desse levantamento de dados, foi estudado também um raio de 100 metros a partir dos geradores de fluxo, com o objetivo de melhor entender a proximidade dos pontos. A medida corresponde a 20% do “raio caminhável” proposto no urbanismo, que é de 500 metros. 119
Uso do solo
Áreas vazias
Serviços públicos e privados
Estrutura cicloviária
Áreas livres
Raio de alcançe dos geradores
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Propostas de rotas caminháveis e cicláveis Ainda que todas as cidades devam ser caminhável e ciclável, para efeito deste estudo de caso foi criada uma grande rota (que pode se dividir em quatro rotas menores que se interligam) para o bairro, a partir do mapeamento realizado, com o principal objetivo de fazer com que a pessoa, quer ela more no Centro ou não, sinta-se sempre instigada a dar alguns passos a mais para conhecer uma coisa nova, quase que se apropriando da curiosidade humana. Com o objetivo de criar rotas que possam realmente fazer parte do dia a dia das pessoas, as rotas foram desenvolvidas a partir do mapeamento apresentado anteriormente, partindo do pressuposto de que as pessoas realmente se sintam instigadas a “aproveitar a viagem” e conhecer um pouco mais da cidade que vivem (ou que trabalham). A partir desse mapeamento, foi feito o já mencionado raio de 100 metros a partir de cada um dos pontos mapeados. Ainda que o raio caminhável adotado no planejamento urbano seja de 500 metros, que normalmente são caminhados em 15 minutos, a escolha de um raio menor se deu justamente para instigar a curiosidade, algo como o popularmente falado “é logo ali”. Mas a proposta de uma rota não precisa necessariamente prender a pessoa a um roteiro especificamente pré determinado, sendo possível optar por visitar apenas um ou dois pontos e possibilitando que, ainda que pré determinadas, as rotas possam quase que conduzir o indivíduo a um devir, criando um fluxo permanente e contrapondo ao esvaziamento do bairro. O principal objetivo é fazer com que as pessoas conheçam o bairro, ainda que de pouco em pouco. Para isso, serão posicionados totens próximos desses pontos geradores de fluxo, atraindo a atenção do indivíduo que passa por ali. 146
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Esse novo mobiliário vai possuir informações do atrativo próximo a qual ele estará posicionado e indicará que outros atrativos próximos dali a pessoa pode visitar, a partir de uma caminhada ou pedalada rápida.
Autoria pessoal
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Intervenções propostas e diretrizes de projeto
Tendo as rotas como ponto de partida, foram levantados do bairro para propor as intervenções efêmeras, com o objetivo de incentivar a mobilidade urbana no bairro, tornando mais fácil, segura e acessível a vivência do pedestre e ciclista em um bairro já consolidado. São propostos então três “projetos piloto” para o bairro, cada um abordando um caso específico e podendo ter propostas replicadas em casos similares futuramente levantados. Vale ressaltar que todos os pontos propostos estão próximos de serviços ou comércios que serão beneficiados com as intervenções e poderão dividir a gestão do projeto com o poder público. O primeiro ponto, no cruzamento consiste em um cruzamento com fluxo intenso de pessoas, bicicletas e carros em uma área completamente comercial do bairro, paralelo com a Avenida Ernani do Amaral Peixoto. O segundo ponto, no cruzamento das ruas Professor Heitor Carrilho e José Figueiredo, encontra-se em uma área majoritariamente industrial, ainda que com algumas residências, sem sinalização, sem controle de estacionamento e com calçadas com buracos, apesar de abrigar atrativos culturais, como uma galeria de arte urbana a céu aberto, um polo gastronômico e possui diversos serviços próximos. Já o terceiro e último ponto, é um cruzamento do maior gerador de fluxo do Centro com a via mais importante do bairro, porém sem travessias seguras e falta de ordenamento viário, ocasionando em carros parando por todos os lados para embarque e desembarque, consequentemente parando o trânsito.
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Autoria pessoal
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1. Ruas Coronel Gomes Machado e Maestro Felício Toledo 2. Ruas Professor Heitor Carrilho e José Figueiredo 3. Avenida Visconde do Rio Branco e Rua XV de Novembro
Diretrizes projetuais Classiicação viária funcional Prioridade do carro Ruas inseguras para a maioria das pessoas
Considerar os usos e contexto de cada via Priorizar a segurança e o conforto de todos Novas opções de transporte
CRIAR UM AMBIENTE CONFORTAVEL, SEGURO E INTERESSANTE PROMOVER AS CALCADAS COMO LUGAR DE SE ESTAR FACHADAS ATIVAS; MOBILIARIO URBANO; AREAS DE PERMANENCIA
CAMINHOS PARA PEDESTRES, CICLISTAS, TRANSPORTES DE MASSA, MICROMIBILIDADE E CARROS PARTICULARES; CRIANDO TRANSICOES E INTEGRACAO
A CIDADE COMO LUGAR DE ESTAR
SEGURANCA
ALARGAMENTO DE CALCADAS, PARKLETS, CRUZAMENTOS SEGUROS, ACESSIBILIDADE, INFRAESTRUTURA CICLOVIARIA, PRIORIZACAO DO PEDESTRE E DOS MODAIS DE MASSA, NOVO USO DE AREAS VIARIAS...
Setorização da calçada de acordo com o manual
Faixa de transição Faixa livre Faixa de serviço
Manual de calçadas acessíveis da Prefeitura de Niterói, com diretrizes e instruções para a criação de calçadas acessíveis. O Manual aborda dimensões ideais, instalação de piso tátil, inclinação correta... Mas apesar de ter quase dez anos de “idade”, é pouco conhecido.
DIRETRIZES APLICADAS
1. Ruas Coronel Gomes Machado X Maestro Felício Toledo O cruzamento entre essas ruas encontra-se em uma área extremamente comercial do Centro, possuindo não apenas estabelecimentos de comerciantes locais, mas também lojas de redes grandes e famosas, como é o caso das Lojas Americanas e das Casas Pedro, esta última localizada exatamente na esquina intervida. Até pouco antes do cruzamento, a Rua Coronel Gomes Machado funciona como uma rua de pedestres, repleta de barraquinhas e até mesmo vendedores com mesas desmontáveis. Porém, quando chegamos no cruzamento em si, temos travessias completamente não sinalizadas para atender todos os pedestres que transitam pela região, o que torna perigoso o trânsito não so dos próprios pedestres, que é sempre intenso, por conta de uma agência do Banco do Brasil, mas também o trânsito de de ciclistas, já que a Rua Maestro Felício Toledo é uma via compartilhada entre veículos motorizados e bicicletas, e de carros e caminhões VUC (Veículo Urbano de Carga, que fazem entregas para as lanchonetes da área), que tem que ter atenção redobrada com os pedestres que correm para realizar as travessias.
Levantamento fotográáco:
Fonte das imagens: Google Street View (fotos de 2019)
Referências projetuais:
Fonte das imagens: Pinterest
PERSPECTIVA PANORAMICA
REFERENCIAS PROJETUAIS
Fonte das imagens: Pinterest
Principais mudanças: 1. Priorização do pedestre:
2. Gestão compartilhada
- Prolongamento do trecho de pedestres da rua Coronel Gomes Machado; - Criação de travessias seguras para os pedestres, que atualmente atravessam correndo, em uma situação perigosa para os pedestres, ciclistas e motoristas; - Adoção de um traffic calming na rua Coronel Gomes Machado, com o objetivo de reduzir a velocidade e trazer maior segurança viária.
- Possibilidade do projeto lhada entre a Prefeitura de N região, que serão beneeciad - Organização das vagas de - Criação de um parklet na criando uma área de perma rios do banco, mas também usuários dos serviços da áre
a:
o possuir gestão compartiNiterói e os comerciantes da dos com a intervenção; e estacionamento; a frente da agência bancária, anência não só para os usuám para os clientes das lojas e ea.
3. Expansão da malha cicloviária - Transformação da rua Coronel Gomes Machado em uma faixa compartilhada, expandindo a malha cicloviária do bairro e promovendo segurança para ciclistas que já utilizam da malha cicloviária presente na área, vindas da ciclovia da Rua Ernani do Amaral Peixoto e das faixas compartilhadas das ruas Maestro Felício Toledo e suas paralelas, as ruas Barão do Amazonas e Visconde de Sepetiba.
2. Ruas Professor Heitor Carrilho X José Figueiredo Localizado em uma área majoritariamente residencial do bairro, esse cruzamento possui fácil acesso à eixos de estruturação da mobilidade urbana do município, as Avenidas Jansen de Melo e Feliciano Sodré, tornando-o um ponto estratégico. Além disso, ele possui grande proximidade com a Rua Marquês de Caxias, que possui um projeto de intervenção urbana no Cenário 2025 do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável (2019) Além disso, o cruzamento é próximo de diversos serviços e atrativos culturais, como é o caso da Policlínica Regional Doutor Carlos Antônio da Silva, do Campus do Mequinho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Centro Cultural Leila Diniz, do terminal Rodoviário Roberto Silveira (Rodoviária de Niterói), do Mercado Municipal e da Vila Cervejeira, polo gastronômico que, frequentemente, abriga shows de artistas locais. Apesar de ser próximo de diversos pontos geradores de uxo, a área está degradada, não possui sinalização viária e está repleta de vagas de estacionamento desordenado por todos os lados.
Levantamento fotográáco:
Fonte das imagens: Google Street View (fotos de 2019)
Referências projetuais:
Fonte das imagens: Pinterest
RA
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TRAVESSIAS? SINALIZACAO? ACESSIBILIDADE?
ARTE URBANA POR TODA A RUA
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CALCADAS OBSTRUIDAS
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DOS DOIS LADOS
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"CANYON EST ACI ONA URBANO" MEN TO MUROS ALTOS
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Principais mudanças: 1. Expansão da malha cicloviária:
2. Priorização dos atrati
- Criação de uma ciclovia bidirecional na Rua Professor Heitor Carrilho; - Transformação das Ruas José Figueiredo e Dirceu Briggs de Barros em vias compartilhadas entre carros e bicicletas; - Redução de velocidade nas mesmas, para maior segurança dos ciclistas.
- Prolongamento de calça jeira, criando integração d passeio, além da criação de desembarque’ para a Vila; - Ampliação das calçadas área de permanência na ru nalizada como galeria de ar
ivos:
ada na frente da Vila Cervedo estabelecimento com o e um espaço de ‘embarque e
e criação de uma pequena ua José Figueiredo, que é sirte urbana.
3. Ordenamento viário: - Regularização das vagas de estacionamento; - Vagas paralelas com o objetivo de liberar as calçadas que atualmente são ocupadas com carros a 90°, principalmente na rua Dirceu Briggs de Barros; - Criação de travessias seguras para os pedestres; - Solução para o gargalo viário existente no acesso à rua José Figueiredo.
3. Avenida Visconde do Rio Branco X Rua XV de Novembro A Rua XV de Novembro, popularmente conhecida como “Rua do Plaza” é uma rua extremamente característica, por conta da passarela de vidro que conecta as duas partes da loja Renner. Porém, é uma rua com muitas outras características marcantes. É onde está localizada a entrada principal do Niterói Plaza Shopping, o Teatro Municipal de Niterói, galerias comerciais, lojas de música... Além de ser esquina com a principal via do bairro, a Avenida Visconde do Rio Branco, e ser proxima da Estação Aquaviária Araribóia, principal conexão com o Centro do Rio de Janeiro, e do Terminal Sul, que recebe 59 linhas de ônibus, sendo 51 delas munici pais e 8 intermunicipais. Essa esquina possui um uxo constantemente intenso de pessoas de todas as idades (adultos, adolescentes, crianças... por conta do shopping, um grande atrativo), motos, carros e bicicletas e, ainda assim, não possui nenhuma espécie de sinalização na travessia. Além disso, foi uma das calçadas que se tornou local de trabalho, principalmente durante a pandemia de covid-19, com diversos entregadores de aplicativos ocupando as calçadas enquanto esperam uma notiicação no celular, sinalizando uma entrega para voltarem a trabalhar.
Levantamento fotográáco:
Fonte das imagens: Google Street View (fotos de 2019)
Referências projetuais:
Fonte das imagens: Pinterest
BANCA DE JORNAL FLUXO INTENSO DE PEDESTRES
FALTA DE ORDENAMENTO ESTACIONAMENTO, EMBARQUE E DESEMBARQUE, PEDESTRES E ENTREGADORES DE APP
RAMPA PARA TRAVESSIA
EXCLUSIVO D
ACESSO AO SHOPPING
FALTA DE AREA DE PERMANENCIA
DE TAXIS
O
ESTACIONAMENTO
UNICA TRAVESSIA
BANCA DE JORNAL
Principais mudanças: 1. Priorização do pedestre:
2. Ordenamento viário:
- Criação de uma travessia na esquina da Avenida Visconde do Rio Branco com a rua XV de Novembro, com o objetivo de promover a segurança do pedestre; - Alargamento de calçadas, promovendo caminhadas mais seguras e travessias mais curtas, considerando o intenso uxo de pedestres que transitam por aqui com destino ao Plaza Shopping, ao Teatro Municipal, à UFF, à Praça do Rink e aos serviços do Centro; - Redução de velocidade na rua XV de Novembro, para maior segurança dos ciclistas que utilizarão a recém criada faixa compartilhada.
- Realocação do ponto de versão do atual ponto de tá que e desembarque, ordena mente, formado por motor buscar e deixar passageiros - O embarque e desem mente à entrada principal d siste em área de permanên tervenção benééca também dade de gestão compartilha - Criação de vagas destinad
e Táxi, possibilitando a conáxi em uma área de embarando o “nó” que existe atualristas de aplicativo que vão e fecham a rua; mbarque está ligado diretado Plaza Shopping, que conncia mobiliada, e torna a inm para o Shopping; Possibiliada das ao Teatro Municipa
3. Novos espaços: - Criação de uma área de permanência e apoio à entregadores de aplicativo, próxima à entrada do Plaza Shopping, com paraciclos, mobiliário temporário e fácil acesso à malha cicloviária; - Criação de uma área de permanência na frente do Teatro, com mobiliário temporário fora da faixa de circulação, criando uma espécie de foyer à céu aberto; - Além de eventos, funciona também como ponto de vacinação durante grandes campanhas, fazendo com que muitas das pessoas aguardem sentadas no canteiro ou encostadas nas paredes, obstruindo a passagem.
Totem
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Conclusão e considerações finais Ao longo do trabalho, fomos do processo de formação das cidades até exercícios projetuais de micro escala pensados para priorizar o transporte ativo, funcionando como uma resposta direta às décadas de planejamento urbano voltados para o modelo rodoviarista de planejamento das cidades. A partir do exercício projetual, podemos não só visualizar diferentes aplicações para as intervenções temporárias, partindo do seu caráter de execução mais rápida e mais acessível financeiramente e chegando em resultados que comprovadamente tornam a cidade um lugar mais agradável para pedestres e ciclistas, criando a sensação de pertencimento ao espaço urbano e democratizando a não só a cidade, mas também a paisagem urbana. Essas intervenções efêmeras, que são possíveis em diversas áreas, cada uma com a sua peculiaridade, funcionam não só como uma alternativa para testar intervenções definitivas, mas podendo também funcionar como solução permanente de ordenamento viário em determinados casos. Além disso, ela pode ser feita até pela própria população, não necessariamente partindo do poder público (ou de um urbanista). Se são as pessoas que moldam as cidades, nesse contexto nada as impede de retomar (ou de finalmente ter) seu direito à cidade e à paisagem urbana da maneira que for mais benéfico para elas. A partir de modificações no espaço urbano, seja ele realizado em uma malha urbana já consolidada ou em uma área remota, as pessoas já vem retomando as cidades, ainda que de maneira gradual. Já podemos ver mais 182
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bicicletas nas ruas, mais paraciclos, calçadas melhores. As cidades vêm se transformando em algo novo e diferente na frente dos nossos olhos diariamente, ainda que de pouco em pouco. É um caminho longo, mas ele já está sendo trilhado. Porém, temos ainda um grande caminho a percorrer no que diz respeito às cidades seguras e caminháveis, principalmente na parte da segurança de todos os indivíduos, que deve ir além da segurança viária em si para criar uma cidade realmente democrática. Essa segurança deve existir em todos os aspectos, indo desde uma segurança sanitária em contextos de pandemia até a nossa segurança pessoal no dia a dia. As cidades devem ser projetadas não só para, mas também com as pessoas que nela vivem, independentemente do gênero, sexualidade, idade, poder aquisitivo... Todos nós deveríamos sentir-nos seguros em andar pelas ruas, pedalar ou pegar um ônibus… Em vivenciar as cidades como elas devem ser vivenciadas.Mas para isso, as pessoas precisam retomar o que é seu de direito, voltando a utilizar suas ruas. Estamos trilhando esse caminho gradativamente, com cidades feitas não só para as pessoas, mas também feitas por elas. 183
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