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EDITORIAL
A TRANSFORMAÇÃO QUE FAZ A DIFERENÇA NO PLANETA
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“Seja a transformação que você quer ver no mundo” (Mahatma Gandhi)
á décadas, um dos grandes expoentes da transformação social pela desobediência civil, pela união entre os povos e pela não violência proferiu essas palavras, acreditando que um mundo melhor só pode se tornar possível se cada pessoa puder ser e manifestar o melhor de si a cada momento. Porque uma vida mais digna para todos somente pode surgir quando esses vários momentos, em que acreditamos que podemos ser melhores, preenchem por inteiro os anos de nossas vidas e servem de referenciais (para nós e para os outros) de que, por mais óbvio que pareça, propagar o bem faz bem (para nós e para os outros).
Embora essa verdade seja tão óbvia, por que tal mensagem de Gandhi ainda não é o “lema de ouro” de nossas vidas? Basta ver o mundo para que possamos constatar como um lema tão importante assim faria toda a diferença no planeta em que vivemos. Foi isso o que nos motivou desde o começo, em meados do ano de 2015: que o bem propagado gera o bem. Por isso, não cansamos de acreditar que ler e conhecer exemplos de pessoas que venceram o pior de si – e se tornaram “a transformação que elas queriam ver no mundo” – pode nos apoiar na busca de referenciais para que nós, enfim, possamos fazer o citado lema se tornar uma verdade em nossas vidas. Com base em tal crença, apresentamos nesta edição, como matéria de capa, o trabalho formidável de uma entidade brasiliense do terceiro setor que representa uma verdadeira “luz” social para portadores de necessidades visuais, atuando como guias predestinados para cegos e pessoas com baixa visão. Leia suas histórias e comprove isso.
Ainda apresentamos um depoimento tocante de simplicidade e tolerância de um tuareg, que muito tem a nos ensinar nestes tempos de xenofobia, perseguição religiosa e passividade em relação à crise dos refugiados no mundo. De igual modo, apresentamos a história de um pai que fez um livro sobre a Fada do Cabelo para sua filha, que perdeu suas madeixas por conta de um tratamento contra o câncer. E não é só isso. É só abrir a revista mais à frente para ver histórias tão marcantes quanto as que mencionamos agora. Teremos uma novidade na nossa próxima edição: uma seção de cartas, para apresentar os comentários de nossos leitores. Não percam! Agradecemos a todos vocês que acreditaram no sonho deste projeto, de que é possível semear o planeta com exemplos de superação e boas notícias. Sabemos que, assim, vocês estão contribuindo também Por Um Mundo Melhor. Em memória de Marina Vasques (1927-2017). Rainha Marina, esta edição é dedicada a você, que sempre foi a maior entusiasta da revista e minha fiel amiga. Nossos corações alçaram os céus em suas mãos. Fique com Deus, querida. Muitas saudades.
Mostramos também uma matéria que evidencia o quão importante é para a nossa transformação pessoal uma amizade fiel e resiliente, que se propaga para os outros em verdadeira solidariedade. Falo de Kim Phuc e Nick Ut, cujas histórias vão comover você.
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EXPEDIENTE M
Também apresentamos a história de uma militante vegana que está construindo um verdadeiro santuário para animais em Planaltina (DF), em incansável batalha de Davi contra o Golias da indiferença em geral da sociedade para com o holocausto animal planetário.
A revista Por Um Mundo Melhor é uma publicação trimestral da Editora Palomitas e não tem fins lucrativos. Todos os recursos advindos da comercialização de seus anúncios se destinam à sustentabilidade do periódico, à remuneração de seus profissionais e ao apoio a projetos sociais, ambientais e de defesa dos vulneráveis. CNPJ: 19.920.208/0001-57 Contato: revistaporummundomelhor@gmail.com Tel.: (61) 99819-9828 Fundador e editor-chefe: Paulo Henrique de Castro e Faria (RP MTb: 4136/DF) (paulo.castro.jornalista@gmail.com) Facebook: Revista Por Um Mundo Melhor
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Boa leitura!
Projeto gráfico e diagramação: Paulo Moluap Tel.: (61) 99962-4463 Representação comercial, consultoria em produção gráfica: Cleber de Albuquerque Colônia Editora Independente CNPJ: 24.206.387/0001-03 www.coloniaeditora.com.br Tel.: (61) 99964-7263 Consultoria editorial: Neuza Castro e Silva Impressão: Qualidade Gráfica e Editora Tiragem: 2.000 exemplares ISSN: 2358-3207 Distribuição gratuita
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A sensibilidade e a alegria a serviço da saúde
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Onde mora o coração?
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Uma vida sem medo
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O que realmente importa?
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Uma amizade mais forte que os traumas da guerra
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Uma sociedade baseada na noção de posse
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Uma experiência de tolerância e simplicidade
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O silêncio e a cura da indiferença
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O silêncio em prol da paz
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SUMÁRIO
Saber ver com o coração
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Segundo dados do IBGE (2010), o Brasil possui cerca de 6,5 milhões de pessoas com alguma deficiência visual. São indivíduos que não querem ser um estorvo para a sociedade e nem viver exclusivamente de programas sociais de auxílio. São pessoas que querem unicamente ser respeitadas em suas limitações físicas e almejam ser úteis para o país, sem abrir mão de seus sonhos e de suas conquistas pessoais, profissionais e familiares. Procurando enxergar, com o coração, pessoas assim, Ruth e Jayme Jeronymo, dirigentes do Instituto Olhos, uma entidade sem fins lucrativos de Brasília (DF), realizam um louvável trabalho de capacitar pessoas com alguma limitação visual (parcial ou total), oferecendo-lhes cursos de informática, gravando e distribuindo gratuitamente audiolivros e, principalmente, amparando e compreendendo suas dores.
Antes da visão profética do que lhes estava destinado como parte de sua nova contribuição ao serviço evolutivo, Ruth e seu marido desenvolviam outra atividade social: com moradores de rua e suas famílias. O trabalho do casal buscava realizar uma integração
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eche os olhos após ler esta matéria. Em seguida, caminhe pela sua casa, tentando não esbarrar nos objetos e nas pessoas. Depois, tente sair de casa e enfrentar o mundo lá fora, repleto de todos os obstáculos possíveis e mesmo os jamais imaginados (alguns, silenciosos e perigosos). Milhões de pessoas no Brasil cumprem naturalmente e compulsoriamente essa mesma rotina diária não como um exercício de se colocar no lugar do outro, mas sim como uma condição necessária de lutar pela sua própria sobrevivência. São indivíduos que possuem limitações visuais sérias (alguns, com restrição total e permanente). Não é difícil ver pessoas assim. Basta não estar com os olhos fechados. Mas é impossível ampará-las sem estar com o coração aberto.
INSTITUTO OLHOS
CORAÇÃO
Paulo Castro/Editora Palomitas
SABER VER COM O
Foi com essa condição necessária ao surgimento da solidariedade (que é o que torna tudo o mais possível, capaz de trazer, com ela, todos os fatores da transformação pessoal e social, como o desvelo, a compaixão, a renúncia pessoal ao próprio conforto em prol de mitigar a necessidade alheia...), foi assim que Ruth Antunes Jeronymo e seu marido, Jayme, se tornaram guias seguros de dezenas de portadores de necessidades visuais, que “viram”, no Instituto Olhos, um auxílio e uma “luz” para quem vive rodeado pela escuridão, pelo preconceito e pela falta de oportunidades. “O Instituto Olhos nasceu não porque eu tivesse um parente ou conhecesse algum deficiente visual, alguma pessoa cega, mas nasceu de uma visão que me foi dada”, afirmou Ruth Jeronymo.
Ruth e Jayme Jeronymo: o auxílio aos portadores de necessidades visuais começou a partir de uma visão profética
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familiar, pois normalmente todo sem-teto tem uma família e uma casa, mas infelizmente, na maioria das vezes, vem de lares desestruturados, cujas mães são obrigadas a ampliar seu papel doméstico, atuando como mães e pais ao mesmo tempo. Muitas vezes, elas são obrigadas a deixar seus filhos sozinhos, do amanhecer ao anoitecer, praticamente todos os dias. Em situações assim, o assédio das drogas é maior na vida dessas crianças e, quando as mães percebem, já é tarde demais. Assim, muitos jovens acabam nas ruas.
visuais. Então, convidou para uma reunião em sua casa várias pessoas da sua igreja que já lhe ajudavam nos outros trabalhos sociais. Muitas aceitaram o convite e assinaram a ata da entidade. Nascia, assim, em 2004, o Instituto Olhos.
“Abrimos o instituto com três projetos: em um, atendíamos os moradores de rua e seus familiares; já outros dois eram direcionados aos cegos. Com o apoio do oftalmologista Caius Rodrigo Prieto, atendíamos os cegos doando consultas, exames e cirurgias oftalmológicas, mas logo em 2006 tivemos que suspender este projeto, porque tinha um custo muito alto”, lamentou Ruth. Eles também criaram um estúdio de voz. Assim, passaram a gravar e produzir livros falados (os chamados audiolivros), que são enviados por correio para todo o Brasil, para os portadores de necessidades visuais que têm cadastro com a entidade. “Entre pessoas deficientes, escolas e bibliotecas públicas, temos mais de mil cadastrados hoje conosco”, completou Ruth.
Na mesma época, o casal também desenvolvia um trabalho com meninos internos do sistema socioeducativo e seus familiares, buscando recuperá-los para o reingresso na vida em sociedade. “E muitos foram os que voltaram recuperados para suas casas, para nunca mais retornarem à criminalidade”, salienta Ruth.
Todavia, há 13 anos, Ruth diz que sentiu que ela e o marido iriam trabalhar com pessoas cegas. Ela afirma que um sentimento foi inundando seu coração, mas declarou que era muito difícil, na época, ela sequer saber por onde começar: Ruth e seu marido não conheciam as necessidades de pessoas com limitações visuais e nem tinham convivência com elas. Mas ela sabia que, se sua visão fosse, de fato, genuína e verdadeira, nada mais restava a fazer senão orar, e foi exatamente o que ela fez. Ruth declarou que passava as madrugadas em oração e, assim, as coisas lhe foram sendo mostradas. Ela teve uma revelação de que deveria montar uma audioteca para os deficientes
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A visão se torna realidade
Ela afirma que, excetuando uma doação generosa que receberam apenas uma vez, todos os recursos da entidade vêm da aposentadoria de Jayme Jeronymo. Além disso, à exceção do aluguel, todos os outros gastos da sala que eles ocupam no Brasília Medical Center – como condomínio, água, IPTU etc. – são bancados por eles também. “Não precisamos pagar aluguel porque uma irmã generosa da igreja cedeu gratuitamente o espaço para nós, o que é uma grande bênção”, afirmou Jayme.
Elisângela de Oliveira (cega há 25 anos): “É excelente uma chance como essa de aprender”
tilhada por Wallace Pascoal, cego há 16 anos: “Está sendo muito útil para mim”, salientou. O professor da turma, Marcos Silva, também deixou seu depoimento. “É gratificante poder ensinar. Aqui, no Instituto Olhos, existe uma oportunidade para nós, cegos, que dificilmente se encontra em Brasília. A parte mais difícil para o cego é enfrentar o medo”, asseverou.
Ruth explica que, à medida que ela e o marido foram convivendo com os portadores de necessidades visuais, ambos começaram a compreender que, por mais que o casal estivesse fazendo a sua parte para diminuir a sensação de exclusão que os cegos sentiam, eles continuavam sentindo-se excluídos, pois até mesmo entre eles havia dificuldades de comunicação, pois não conseguiam enviar um e-mail ou acessar a internet. Foi, então, que eles perceberam a necessidade de desenvolver um outro projeto, de informática básica para pessoas com deficiência visual, para cegos e pessoas de visão subnormal. “E com sucesso e alegria temos trabalhado arduamente neste sentido”, comemorou Ruth.
“Está só melhorando a minha vida em todos os sentidos, depois que comecei a fazer as aulas no Instituto Olhos. É um aprendizado mesmo, para nos incluir na sociedade”, garantiu Marcelo Gonçalves, que perdeu a visão há pouco mais de três anos. Opinião compar-
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Larissa Pâmela Rodrigues (baixa visão): “Com as aulas, me sinto realizada, porque, mesmo com a deficiência, posso ser uma pessoa ativa”
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Ela explica que se trata de um projeto que apresenta um modo real de inclusão social, pois assim as pessoas cegas ou de baixa visão podem se juntar a outros indivíduos como elas, participando e formando grupos, por intermédio dos quais eles poderão compartilhar experiências, interagir socialmente, integrar-se com seus iguais (que têm interesses e dificuldades comuns), se apoiar emocionalmente, se capacitar profissionalmente e, ainda, com empoderamento social. “Objetivamos também capacitá-los para provas de concursos públicos e, com a inclusão digital, eles podem ter maior acesso ao estudo, ao lazer e às redes sociais”, afirmou Ruth.
Exemplos de alguns audiolivros produzidos e distribuídos pelo Instituto Olhos
Ruth explica que, sem o voluntariado, o casal não teria conseguido auxiliar tantas pessoas. “Voluntá-
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Marcos Silva (professor de informática): “É gratificante poder ensinar. Aqui, no Instituto Olhos, existe uma oportunidade para nós, cegos, que dificilmente se encontra em Brasília. A parte mais difícil para o cego é enfrentar o medo”
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rios como Valter Jr., que foi um dos instrutores de informática do Instituto Olhos por muitos anos, que, sendo cego total, sempre usou sua deficiência em prol dos colegas deficientes. E, claro, também com o voluntariado do Marcos Silva, que também é cego total e, neste ano, é ele quem tem ministrado as aulas aos outros cegos”, lembra.
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Aulas de informática: empoderamento social e profissional
Ela faz questão de ressaltar ainda que “tudo o que realizamos, em prol das pessoas cegas, é inteiramente gratuito e que todos os nossos voluntários são voluntários ao pé da palavra. Ou seja, trabalhamos pelo prazer de ajudar o próximo”, finaliza Ruth. Tudo porque, a partir de uma visão profética, com os corações abertos, um casal resolveu ver por outros que não podem enxergar.
A turma reunida. Da direita para a esquerda (de pé), Wallace Pascoal, Elisângela de Oliveira, Marcelo Gonçalves, Larissa Pâmela Rodrigues e (sentado) Marcos Silva: superação
Conheça mais o trabalho: Instituto Olhos Brasília Medical Center SGAN 607, módulo “A”, bloco “A”, sala 222 (61) 3037-8039, 98415-2030, 98181-2627 instituto@institutoolhos.org www.institutoolhos.org
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Pai curitibano escreve e publica historinha da Fada do Cabelo para auxiliar sua filha e outras crianças como ela no tratamento contra o câncer. Qual é o poder que a fantasia da infância tem para inspirar nas pessoas a predisposição para a cura? PAULO CASTRO
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anhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1999), o filme “A Vida é Bela”, do diretor, ator e comediante italiano Roberto Benigni, conquistou plateias de todo o mundo ao mostrar o esforço e a criatividade de um pai para convencer seu filho pequeno de que a submissão de ambos, como prisioneiros de um campo de concentração nazista, era somente uma brincadeira, uma espécie de “faz de conta”. Toda essa fantasia tinha a louvável finalidade de não fazer o filho se amedrontar com a difícil condição deles, enquanto o pai se concentrava em meios de tirar os dois daquela situação. Da ficção para a vida real, Luciano de Castro, um pai de Curitiba (PR), fez algo semelhante para que sua filha, Luísa, não sofresse tão duramente os efeitos de um tratamento contra o câncer. Esta história fala do quão importante é manter a pureza da infância alheia às agruras do mundo adulto, como uma maneira de fortalecer, na criança, os estados de consciência propícios à cura, como os momentos de alegria, devaneio, imaginação, candura, esperança. Assim, centrada única e exclusivamente no mundo colorido da infância, a criança poderá estar mais relaxada, serena, tranquila, mais apta a que seu organismo se recupere do forte tratamento, estando mais propenso à recuperação.
A CURA PELAS VIRTUDES
SAÚDE
Tudo começou quando, com apenas quatro anos de idade, Luísa foi diagnosticada com um tumor chamado neuroblastoma e precisou ser submetida a um procedimento pesado: quimioterapia. Quando a menina tinha seis anos, como decorrência da terapêutica, houve a necessidade de raspar a cabeça da menina. Para os pais de Luísa, Luciano e Paula de Castro, não foi fácil explicar, de uma forma compreensível ao entendimento da criança, que de uma hora para outra ela perderia seu cabelo. Após conversarem, seus pais decidiram que era melhor que Luísa não comArquivo pessoal
A SENSIBILIDADE E A ALEGRIA A SERVIÇO DA
A ideia do livro
Luciano e Luísa: personagem da Fada Pilara ajudou a menina a superar a perda do cabelo
preendesse a seriedade da doença. “A criança não precisa carregar esse fardo. Essa é uma tarefa para os adultos”, disse Luciano. Certo dia, enquanto Luciano se recuperava de um transplante de fígado, foi que surgiu a ideia de escrever o livro: “Fada Pilara e Marujo Gadeinha”. “Eu estava internado olhando para o teto e decidi escrever a história. Porque nós já tínhamos experimentado [a contação de histórias] com outras crianças
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Depois que o livro ficou pronto e foi impresso, sua leitura adentrou Luísa em um mundo de magia. “A nossa missão era, mesmo nas horas mais difíceis, fazer com que a nossa filha estivesse feliz. Então, eu criei a história da Fadinha do Cabelo, que escolhe crianças especiais para pegar emprestado o cabelo e fazer uma poção mágica. Depois, ela compartilha a magia e ajuda outras pessoas”, contou o pai. Luísa faz tratamento no Hospital Pequeno Príncipe e precisa fazer sessões de quimioterapia uma vez por semana. “Ela achou super legal e adorou quando precisou cortar o cabelo por causa do tratamento. E até hoje ela não sofre com isso”, conta o pai sobre Luísa. Luciano explicou ainda que, atualmente, a menina já entende um pouco mais sobre as obrigações do tratamento, mas de uma forma extremamente positiva.
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Fonte: <http://g1.globo.com/pr/parana/ noticia/pai-lanca-livro-com-historia-dafada-do-cabelo-para-ajudar-criancas-emtratamento-de-cancer.ghtml>.
Veja mais: <http://g1.globo.com/pr/ parana/videos/v/pai-lanca-livro-comhistoria-da-fada-do-cabelo-para-ajudarcriancas-com-cancer/5895786/>.
As instituições que tiverem interesse em receber os exemplares devem entrar em contato com a editora pelo e-mail <fadinhadocabelo@gmail.com> ou pelo telefone (41) 0800-727-4001.
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Sobre a relevância da participação dos pais e da família em todas as fases do tratamento de Luísa, Luciano declara: “Eu acho que a gente sempre tem que ter um lado social. E eu acho, também, que as pessoas têm que se preocupar com o próximo. Quando você ajuda ao próximo, está ajudando a você mesmo”. Esperança A oncologista pediátrica e chefe do serviço de oncologia do Hospital Pequeno Príncipe, Flora Watanabe, explicou que Luísa está se mantendo em bom estado geral e responde bem diante do diagnóstico. “Eu percebo que a família tem uma dedicação total à criança. Eu vejo que o pai, a mãe, a avó e vários outros parentes estão envolvidos no cuidado com ela. E essa participação é muito importante até mesmo contra a evolução da doença”, argumentou Flora. Bom Jesus Editora
no Hospital Pequeno Príncipe [em Curitiba] e também deu muito certo”, acrescentou.
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Já imaginou que valor teria para você encontrar um local com o qual você sempre sonhou, mas sempre julgou uma utopia existir, quanto menos encontrar? Um lugar mítico, um paraíso, ao qual você estaria destinado após uma vida inteira de sofrimentos, maustratos, tortura, esforços imensos, dores ingentes? Pode acreditar: locais assim existem no planeta para alguns animais. Comumente chamados de “santuários”, esses locais são obras de um amor desmedido de alguns seres humanos abnegados e servem como forma de remediar a extrema e inimaginável agressão que os animais sofrem no mundo inteiro, um holocausto diário e inteiramente injustificável. Um desses locais fica em Planaltina (DF) e é chamado de “Santuário dos Unicórnios”. Sua proprietária, Camila Monteiro Steck, é médica e homeopata veterinária, além de militante vegana. Após ver tantos cavalos abandonados, maltratados, torturados e mortos pela atividade dos carroceiros, Camila resolveu destinar inteiramente a chácara de sua família ao abrigo de cavalos e outros animais salvos de abatedouros e de demais atividades comerciais exploratórias. Mas o local carece muito do apoio de iniciativas de grupos ligados à defesa da terra e dos animais. Além disso, é um paraíso ameaçado pelas práticas da agricultura convencional e pelo uso irresponsável da água e do solo realizados na região. O Santuário dos Unicórnios existe para comprovar que o coração mora exatamente onde nossa consciência abre suas portas para abrigar, respeitar e amar todas as formas de vida, sejam elas quais forem.
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oje em dia, é extremamente complexa a relação entre os meios de transporte e os habitantes dos centros urbanos nos países subdesenvolvidos. A ocupação desordenada do espaço público nas cidades do terceiro mundo está estreitamente relacionada à crise da mobilidade urbana, que assola países como o Brasil. Além da difícil convivência entre motoristas de automóveis particulares, coletivos de transporte público, ciclistas e pedestres nos centros urbanos brasileiros, existe o agravante da presença de carroças em meio ao tráfego nas grandes e pequenas cidades. Muitas vezes obrigados por situações de desemprego, baixa qualificação profissional e pouquíssimo poder aquisitivo, centenas e até milhares de trabalhadores do setor informal da economia acabam se vendo forçados a optar pelo transporte animal tanto para trabalhar quanto para o seu deslocamento nas cidades. Não se trata apenas de Vegano Vítor
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Camila Steck: uma vida dedicada à causa animal
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DIREITOS DOS ANIMAIS
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uma questão social complexa e desumana decorrente do sistema capitalista. Considerando a quantidade de animais envolvidos e o grande número de pessoas que compulsoriamente realiza tal atividade, sendo às vezes a principal ou até a única fonte de renda de um grupo familiar e mesmo o seu exclusivo meio de transporte, o estudo sobre essa prática se impõe como necessária questão de bem-estar também dos animais, além dos seres humanos.
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Os equinos utilizados por esses trabalhadores e por inúmeras famílias pobres, em decorrência de anos e anos de maus-tratos diários, são expostos a uma rotina torturante e cruel, que um ser humano dificilmente suportaria. Muitos animais carregam lesões corporais consolidadas, doenças e sequelas diversas (inclusive comportamentais), alteração do seu processo fisiológico e do seu desenvolvimento anatômico, entre muitos outros problemas de saúde, alguns dos quais tão graves e copiosos que abreviam suas vidas.
Convidado ilustre: recentemente falecido, por uma picada de cobra, Dom Quixote era um dos cavalos do santuário e tinha uma pata com fratura consolidada, devido à omissão criminosa do seu antigo dono, que não tratou dele na época
Entrega à causa Após uma década de vida dedicada à equitação, para a médica e homeopata veterinária Camila Steck, que nunca se acostumou a ver a difícil situação dos equinos abandonados e submetidos ao martírio das carroças, o amor aos cavalos e aos animais acabou falando mais alto: optou por se tornar vegana e resolveu destinar a chácara de sua família à causa animal. (Conforme um dito popular, vegana é uma pessoa que tem a “louca” e “estranha” ideia de que os animais não devem sofrer). Situada no núcleo rural Pipiripau II, em Planaltina (DF), a chácara de Camila tornou-se, assim, o “Santuário dos Unicórnios”. Destina-se inicialmente ao abrigo de cavalos, mas a intenção de Camila é albergar muitos outros animais, em especial bovinos e suínos salvos de abatedouros e aves silvestres salvas do comércio ilegal e de rinhas de galos, além de caprinos, ovinos, coelhos, roedores e até peixes. Os primeiros cavalos adotados por Camila foram resgatados pelo Projeto Pangaré, da ONG brasiliense ProAnima. “O interesse por saúde e por preservação ambiental sempre estiveram na minha vida. Nunca separei os dois assuntos. A própria escolha pela homeopatia foi motivada tanto pelo resultado de benefício à saúde humana e animal quanto pelo fato de ser um sistema médico que verdadeiramente não testa em animais nem polui o meio ambiente. Atualmente, eu estudo também o reiki”, afirma Camila.
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Mas como surgiu o seu interesse pelo ativismo animal? “Eu sempre me incomodei muito com a exploração animal. Já presenciei as maiores atrocidades, mas não enxergava absolutamente nenhuma chance de que a realidade deles mudasse, mesmo que eu fosse vegana. Eu estava errada sobre essa ideia. Até cheguei a achar, por pouco tempo e por pressão cultural da minha formação, que o consumo de carne era importante. Até que conheci o movimento dos direitos dos animais. Daí, eu comecei a acreditar que seria possível fazer a diferença para os animais, além de ser um despertar de que este sempre foi o meu caminho. Enfim, eu já estava atrasada, mas queria compensar o tempo perdido pensando e agindo ao contrário do que eu idealizava e sentia”, esclarece Camila.
Contra as atividades extrativistas e exploratórias
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Ela ressalta que, antes de sua decisão de criar o santuário, sua família, por várias vezes, tentou colocar a chácara à venda, mas Camila sempre impedia as negociações, quando via que os compradores sempre tinham interesses de realizar, na propriedade, atividades extrativistas e exploratórias da terra e dos recursos hídricos e também opostas ao veganismo.
De onde veio a opção pelo nome do santuário? Camila explica que “o mito do unicórnio nos remete à inocência e à ingenuidade, características presentes em todas as espécies de animais, que acabam sendo vítimas da exploração humana. Na mitologia, os unicórnios são vítimas de caçadores, que cobiçam seu chifre, sua beleza, seu poder, seu sangue, numa analogia do que o ser humano faz com as outras espécies animais”. Quando pensa no legado que seu trabalho pode trazer à causa, Camila não pensa duas vezes: “Queria que as pessoas deixassem de explorar os animais, de usá-los como mercadoria, adorno, força de trabalho, matéria-prima da indústria, ingrediente de receita, cobaias... Abrigar animais é, atualmente, um trabalho de ‘enxugar gelo’, eu sei, mas espero que um dia isso mude. Além disso, para aquele indivíduo que adotamos, estamos fazendo toda a diferença. Quero que o Santuário dos Unicórnios represente uma mensagem de paz, de não violência, de que a paz inclui os animais, de que devemos considerá-los na nossa esfera ética, moral e comportamental”, finaliza ela.
Veja mais: Entrevista de Camila Steck no YouTube: <https://www.youtube.com/ watch?v=J2WkwJGVAj0>. Contatos: • Camila Steck: (61) 9666-7460. • Projeto Pangaré, da ProAnima: <https:// pt-br.facebook.com/Projeto-Pangar%C3%A9ProAnima-300394526655860/>.
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Uma VIDA sem MEDO TRIGUEIRINHO
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medo é, entre outras coisas, o resultado da atividade mental mal direcionada. Quando a mente é orientada para a meta superior da existência, o medo se abranda ou nem surge. Poderíamos dizer que a ignorância acerca do que realmente somos em essência é que faz surgir o medo. Quase sempre, vemo-nos como indivíduos isolados, e não como células de uma única Vida. Mas à medida que, por amor, nos doamos a alguma causa ou serviço altruísta, vamos tomando consciência da existência de um Universo Maior, e o medo começa a se dissolver. Há também um medo ancestral, que costuma emergir do subconsciente de todos, originado da memória de experiências vividas em épocas pré-históricas, em que o ambiente sobre a Terra era por demais inóspito. Esse medo é ainda atuante devido à falta de comunicação livre entre a consciência externa e o nível supramental, encontrado além da mente concreta. Quando essa comunicação se estabelece e se firma, quando a pessoa chega à vibração interior e profunda da alma, o medo tende a desaparecer. É importante saber que o medo e os sentimentos negativos alheios podem ser incorporados à nossa aura sensitiva e tomados como nossos. A mente individual tem a capacidade de captar elementos do nível mental coletivo e transferi-los para si mesma. Também podemos manifestar apreensões pelo que está ocorrendo não especificamente conosco, mas de modo generalizado. Por exemplo, muitos hoje estão sentindo a iminente ruína da economia no mundo e costumam interpretar isso como algo que seu destino pessoal lhes reserva. Nessas pessoas pode-se redobrar, então, o medo de sofrer privações. A humanidade atual sofre de um medo bastante comum: o medo do fracasso. Esse medo advém do fato de que estamos identificados em demasia com a nossa
O sentimento de inadequação pode demonstrar que visamos a algo que não nos é destinado no momento. Se estivéssemos canalizando nossa atenção e nossa energia para a tarefa imediata que nos cabe, de acordo com o Propósito Superior do Universo, veríamos como podemos estar preparados para desempenhá-la corretamente e de nada mais precisaríamos além da nossa total entrega ao serviço evolutivo. Mas o sentimento de inadequação pode também resultar da imensa necessidade planetária. Dado o número insuficiente de pessoas disponíveis para ajudar na grande obra evolutiva, espiritual, a ser realizada na Terra, às que estiverem dispostas a servir são oferecidas oportunidades que exigem uma capacidade maior do que a por elas manifestada. É porque se conta com o seu potencial oculto. Assumir essas tarefas com coragem atrai uma força desconhecida, que dissolve o medo do fracasso logo que ele desponta. Aceitar sem receio trabalhos mais complexos do que os de hábito cura-nos dessa espécie de medo – desde que as circunstâncias para realizá-los venham dos níveis superiores do ser, e não de impulsos engendrados pela ambição do próprio ego. Se fizermos o que for necessário na ocasião propícia, conforme a nossa mais elevada consciência, e se entregarmos à Vida Universal o resultado das nossas ações, liberamonos desse sentimento de inadequação. Fonte: “Mensagens Reunidas: Volume 1”, de José Hipólito Trigueirinho Netto. Artigo: “A Aspiração à Busca Espiritual e ao Serviço Altruísta Anula o Medo”. Associação Irdin Editora, 2015, p. 29-31 (com adaptações).
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própria personalidade e vivemos em ambientes que nos depreciam. Habituados, pela educação normal, a nos comparar e a nos confrontar com os nossos semelhantes, é comum que fiquemos insatisfeitos com as nossas possibilidades. Na realidade, cada um é útil com as suas próprias qualidades e virtudes, e as qualidades dos demais têm outra serventia.
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O QUE REALMENTE IMPORTA
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Você não está aqui por acaso. Nesta vida você está apenas de passagem. Você é um espírito ocupando um corpo, e não um corpo ocupando um espírito. Há um propósito maior na existência humana. No entanto, a maioria de nós não tem consciência disso. Perdemos a dimensão espiritual da vida na mesquinhez do dia a dia. Não aproveitamos cada minuto de nossa existência como deveríamos. Em vez disso, deixamos o tempo escorrer por entre nossos dedos, enquanto estamos ocupados com coisas absolutamente sem importância. ANDERSON CAVALCANTE
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u lido com gente o tempo todo e tenho percebido claramente e cada vez mais o quanto as pessoas estão vivendo sem um sentido para suas vidas. A agenda está sempre cheia. Mas quase sempre o vaivém não passa de movimento sem significado. As pessoas vivem
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enredadas em afazeres de todo tipo. Mas ao final do dia, do mês, do ano (da vida?), têm a sensação de que isso não as levou a lugar algum. Por isso, não ponha mais dias em sua vida. Ponha mais vida em seus dias! É cada vez mais comum empresas procurarem definir sua missão para se manter no caminho do crescimento e do desenvolvimento. Agora, eu pergunto: e você? Você sabe qual é a sua missão neste mundo? Já parou para pensar se está no caminho da evolução ou se estagnou na estrada? Alguma vez você já olhou para dentro de si e se perguntou o que está fazendo neste planeta? Ou vai deixar a vida passar como se você fosse um tronco boiando no rio, deixando que a força das águas decidam seu rumo? Quantas pessoas não têm clareza de sua missão, de seus propósitos e levam a vida como um velho mascate? Vivem de trocas e recompensas. Pessoas assim não percebem que uma vida sem propósito não leva a lugar nenhum, não veem que o problema não é externo, mas está dentro delas mesmas. Só que olhar para dentro é um hábito que as pessoas vão deixando de lado. O mais comum é que olhem apenas no espelho, para ver se estão com a aparência que a moda dita. É por isso que eu insisto. Se você quer viver uma vida com mais sentido, defina seu propósito e, a partir daí, faça as escolhas certas para que você possa sustentar seu propósito e colocar em prática as ações que o levarão à sua realização. Viver não é apenas passar pelo mundo. É preciso também aprender a ouvir o seu próprio ser. Você precisa ouvir o seu próprio chamado, que é aquele que vem dessa zona quase inalcançável que está em você, oculta pelos afazeres cotidianos. Você precisa encontrar sua verdadeira vocação. Mesmo que ela esteja soterrada por uma infinidade de atividades que você foi assumindo ao longo da vida sem refletir se elas realmente fariam sentido para você. A missão é a energia que gera o alto desempenho. É a energia da vida. Os espiritualistas acreditam que pessoas com projetos de vida que beneficiam o próximo recebem de Deus uma espécie de bônus para viver mais, a fim de concluir sua missão. Mas há quem viva sem nunca sequer ter se perguntado o que está fazendo neste planeta, qual é o sentido da sua vida e o que pode fazer para contribuir com um mundo melhor. Se você estiver consciente de sua missão, de seu propósito, e se comprometer verdadeiramente com isso,
será merecedor de uma colheita abundante de prosperidade e alegria como jamais imaginou. Pense bem e verá que a vida só vale a pena quando temos algo maior que nos impulsiona a ir além. Do contrário, ela pode ser apenas uma sucessão de dias mais ou menos interessantes. Se você optar por viver uma vida sem sentido, sua existência poderá se transformar num poço de frustração. No final de cada dia, ao se deitar para dormir, você terá o corpo cansado e a alma tensa. Porque sua alma precisa de muito mais do que o movimento frenético de seu corpo para se nutrir. Só que o dia a dia e os “compromissos” que você assume o afastam do que é essencial, daquilo de que sua alma realmente precisa.
Talvez você pergunte: “tudo bem, mas onde está o essencial?”. E eu respondo que é você quem precisa descobrir isso. A essência do que você é e deseja está dentro de você. Contudo, sobre essa luz que brilha lá no fundo de sua alma há uma montanha de entulho que você precisará remover para ter acesso à sua verdade. O problema é que, em vez de nos voltarmos para aquilo que é único em nós, fazemos justamente o contrário, buscando nos assemelhar àquilo que nos vendem como modelo. Seu corpo, sua alma, seu sangue e suas células estão impregnados de centelhas desse talento único, cujo objetivo é permitir que você realize a sua missão. Talvez falte a você apenas o movimento certo para mobilizar essa potência do seu ser. Os filósofos antigos acreditavam que tudo na natureza tem um ser em potencial que, para se tornar o que é, precisa ser desenvolvido. Viver uma vida com plenitude tem a ver com manter o vínculo com algo maior no momento presente, algo que nos transcende. Mas como conseguiremos nos ligar ou nos religar àquilo que nos transcende (é esse o propósito de todas as religiões) se não conseguimos nos desligar daquilo que serve apenas para roubar o nosso tempo? As circunstâncias da vida não podem ser mais fortes do que a sua alma.
Trecho do livro
“O Que Realmente Importa?”, de Anderson Cavalcante (Gente Editora e Sextante)
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PERFIS
Kim Phuc e Nick Ut:
UMA AMIZADE MAIS FORTE QUE OS TRAUMAS DA GUERRA
https://nppa.org
Em tempos de Guerra da Síria e da maior crise de refugiados de que se tem notícia em toda a nossa civilização, é importante lembrar de exemplos que nos ajudam a compreender e envidar todos os esforços necessários para combater o maior flagelo da humanidade: a guerra. Conheça a história de como um vínculo fraterno, iniciado no epicentro de um dos conflitos mais dolorosos do século XX, salvou a vida de uma criança. Além disso, possibilitou que ela superasse as perdas da guerra e lhe inspirou protagonismo, a ponto de auxiliar centenas de outras crianças que, assim como ela, perderam suas infâncias e seus familiares em confrontos bélicos. Uma amizade de décadas entre a protagonista involuntária de uma das fotos de guerra mais icônicas de toda a história e o fotógrafo que flagrou a cena. PAULO CASTRO
POR UM MUNDO
MELHOR
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á 45 anos, ela é considerada uma das mais representativas fotos não apenas da Guerra do Vietnã, mas de todas as guerras, não só por mostrar suas principais vítimas em todos os tempos (as crianças), mas principalmente pelo seu poder de simbolizar e exprimir com exatidão um momento crucial da humanidade e ter força o suficiente para induzir o seu fim. Isso mesmo: uma fotografia que ajudou a acabar com um dos mais sangrentos conflitos armados do século passado. Além disso, ela é, possivelmente, uma das mais conhecidas fotos de todo o planeta desde Daguerre. Não por acaso, seu autor foi ganhador do Prêmio Pulitzer, uma das mais importantes premiações do mundo para trabalhos jornalísticos. Quer mais? O flagrante fotográfico ainda serviu para unir duas
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Kim Phuc e Nick Ut: um registro histórico de dor contra todas as guerras
vidas em uma amizade poderosa, que propiciou resiliência e inspirou a protagonista da foto a fundar uma organização que presta auxílio a crianças com sequelas e traumatizadas por guerras.
Muito teríamos, ainda, a dizer sobre tal foto, de modo que é impossível esgotar o assunto. O fato é que, quando um fotojornalista da Associated Press (AP), o vietnamita Huynh Cong Ut (ou, simplesmente, Nick Ut), flagrou crianças correndo aos prantos da vila de Trang Bang, na província de Tay Ninh, no Vietnã, após um bombardeio americano com bombas napalm, ele instintivamente sacou sua câmera e disparou várias fotos. No centro da cena, uma garotinha de apenas 9 anos se destacava das demais crianças, por estar completamente nua, em estado de choque e gritando: “muito quente, muito quente”: seu nome era Phan Thi Kim Phuc (ou, apenas, Kim Phuc). Era o dia 8 de junho de 1972. “Sempre quis fugir daquela imagem”
Nick Ut afirmou que, depois de tirar a foto de Kim, correu para acudir a garota, juntamente com outros jornalistas. Quando Kim desmaiou, ele a levou para o hospital mais próximo, onde os médicos disseram que a menina não resistiria às queimaduras, que cobriam mais da metade de seu corpo. Como era fotógrafo de uma agência americana importante, Nick tinha uma credencial e, usando esse documento, exigiu que Kim fosse atendida. Depois de deixá-la no hospital, Nick Ut achou que a menina não sobreviveria e eles perderam contato momentâneo.
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Nick Ut visita Kim Phuc no hospital em 1973
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pa.o
Kim declarou que, quando viram os aviões sobrevoando sua vila, ela e sua família correram em busca de abrigo em um templo budista. Quando as bombas detonaram, ela sentiu o impacto devastador das explosões e, subitamente, viu o fogo tomar conta do seu braço esquerdo e tentou apagá-lo. Em vão: as chamas se espalharam pelo seu corpo e por suas roupas. Para não ser inteiramente consumida pelo incêndio, ela instintivamente retirou o resto que havia da sua vestimenta e saiu correndo, desesperada, com seus irmãos e seu primo, até que se sentiu cansada demais para correr e recebeu auxílio.
Associated Press (AP)
“Eu chorei quando a vi correndo”, disse Nick Ut. O fotojornalista declarou tempos depois que, naquele momento dramático, sentiu que, se não ajudasse aquela criança e alguma coisa lhe acontecesse que a levasse à morte, ele não conseguiria viver com a culpa. Kim Phuc, que hoje tem 54 anos, diz que aquela fotografia a perseguiu durante toda a sua vida. “Eu realmente quis escapar daquela menina”, diz. “Eu queria fugir dessa imagem, mas parece que a foto não me deixou escapar”, afirmou ela, que precisou de tratamentos longos (de muitos anos) para conseguir conviver melhor com as dores do corpo e, principalmente, da alma.
Nick Ut: “Eu a chamo de ‘minha filha’”.
A foto foi publicada e, dias depois, outro jornalista, Christopher Wain, um correspondente que tinha dado água de seu cantil para Kim, descobriu que ela havia resistido e contou para Nick. A garota havia sido transferida para uma unidade americana em Barsky, única instalação em Saigon equipada para lidar com ferimentos graves. Nick correu até lá para vê-la. Desde então, eles nunca mais deixaram de se falar.
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http://hr.n1info.com
Em um dos encontros entre eles, Kim Phuc se emociona (e é amparada por Nick Ut) ao se lembrar dos acontecimentos para os espectadores do auditório
Taiwan News
Depois de vários enxertos de pele e diversas cirurgias, Kim foi finalmente autorizada a deixar o hospital, 13 meses após o bombardeio. Ela tinha visto a foto, mas ainda não sabia do alcance e do poder daquela imagem.
Além disso, foi uma fotografia que ajudou a formar verdadeiras legiões de correspondentes ao redor de todo o mundo. Um dos mais importantes e atuais fotojornalistas de guerra, o americano James Nachtwey diversas vezes afirmou que a foto de Nick Ut foi catalizadora da sua própria opção profissional. Nachtwey sempre sustentou também o poder que aquele documento histórico teve para o fim do conflito. É essa crença que sempre o impulsionou a acreditar no poder humanista da verdade documental para mudar toda uma realidade adversa. “A foto me deu o poder de ajudar as pessoas”
POR UM MUNDO
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Ajudou a acabar com uma guerra A divulgação mundial da foto de Nick Ut, principalmente nos principais jornais americanos, periódicos formadores de opinião, muitos dos quais críticos ao então governo Nixon, afundado em escândalos, reverberou como um eco anti-imperialista perante a opinião pública dos EUA, unindo-se a outros registros igualmente perturbadores da guerra (como os de My Lai). Tais contribuições reforçaram diversos movimentos pacifistas que já vociferavam (até com manifestações duramente coibidas pela polícia) contra a participação americana na guerra, que terminaria pouco menos de três anos depois da foto (o conflito já se estendia, então, há quase 17 anos!).
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Em depoimentos à imprensa brasileira, quando esteve em Florianópolis (SC), em 2012, na ocasião do 8º Congresso Brasileiro de Queimaduras e 1º Simpósio Internacional Wound Care, Kim Phuc falou que sua maior dificuldade, com o passar dos anos, foi vencer a ira e o rancor que a guerra lhe causou. “Foi difícil carregar todo esse ódio, toda essa raiva”, lembrou ela, que resolveu estudar medicina, principalmente por causa dos tratamentos ultrapassados contra queimaduras aos quais ela teve de se sujeitar por anos a fio e para que outras pessoas não passassem pelo que ela sofreu. À procura de paz para as feridas do corpo e do coração, Kim se aprofundou em sua busca espiritual e começou a conviver com pessoas que, assim como ela, passaram por traumas semelhantes.
James Nachtwey: “O maior desejo de qualquer fotógrafo de guerra é ficar sem trabalho”
www.ted.com
Kim Phuc brinca com um dos seus dois filhos
Apesar das queimaduras (que marcam 55% do seu corpo), das muitas cirurgias e da dor constante até hoje, Kim acredita que falar contra os conflitos e prestar auxílio a famílias que tiveram suas vidas destruídas pela guerra deu um propósito à sua vida e que a foto lhe propiciou um grande poder: ajudar as pessoas. Com o auxílio do marido, Bui Huy Toan (com quem já vivia, no Canadá, com seus dois filhos), e dos amigos (entre os quais, o onipresente Nick Ut), ela fundou, em 1997, a Kim Foundation International (www.kimfoundation.com), para proporcionar assistência médica e psicológica às crianças vítimas de guerras, como as de Uganda, Timor Oriental, Romênia, Tadjiquistão, Quênia, Gana e Afeganistão. O projeto se expandiu e hoje existem várias filiais da iniciativa. Além disso, Kim tornou-se embaixadora da boa vontade da ONU.
Principais depoimentos de Kim Phuc “Quero destacar que, por mais que a dor das queimaduras seja muito intensa, o sofrimento psicológico e emocional talvez seja até maior. A amargura, a raiva, o ódio e a baixa autoestima são muito dolorosos também. Hoje, existe muita gente envolvida no tratamento de sobreviventes de queimaduras. Pessoas que realmente se importam e espalham conhecimento e esperança para os pacientes. Eu tive um tratamento no hospital, mas quando fui para casa o tratamento acabou. Eu não tive um programa continuado para me ajudar com a raiva. Então, tive que fazer isso sozinha, com minha família”.
Mark Edward Harris/https://2.bp.blogspot.com
Kim Phuc: “Nick Ut foi um herói para mim”
“Quanto mais famosa a foto ficava, mais isso custava minha vida pessoal. Eu não tinha privacidade. Realmente, eu queria escapar da foto no começo, mas, em 1996, eu percebi que podia ter liberdade vivendo no Canadá e que posso controlar a foto. Posso dizer ‘sim’ e ‘não’ e, então, percebi que a foto era um presente poderoso para mim e decidi trabalhar com ela pela paz. Por muitos anos, a foto controlou minha vida; agora, é o contrário. Sou muito feliz por ser quem sou. A história por trás da foto não é fácil para mim, mas estou viva e tenho voz. Aprendi que posso ajudar pessoas que também passaram por situações árduas”.
“Foi muito difícil [perdoar os ‘senhores da guerra’]. Vi o exemplo de Jesus, que perdoou os que o crucificaram e achei linda essa imagem. Quis aprender a perdoar. O ódio em meu coração me matava todos os dias. Eu chorava, me sentia infeliz, me perguntava por que isso tinha acontecido comigo. Eu odiava minha vida e não queria mais viver. Pensava que era melhor ter morrido no bombardeio, queria desaparecer, mas isso não me ajudava em nada. Então, passei a desejar o bem. Quanto mais eu desejava o bem aos que tinham me machucado, mais leve eu me sentia. Isso é ter compaixão”.
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POR UM MUNDO
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“Fico muito feliz por poder encorajar as pessoas com minha história. Se eu posso passar por isso e me sair bem, qualquer um pode. Você pode pedir ajuda, mas também precisa se ajudar. Se você senta e espera que sua vida melhore sozinha, você fica cada vez mais amarga. A maioria das pessoas conhece minha foto, mas sabe pouco sobre minha história. Fico agradecida por poder aceitar essa foto como um presente. Com ela, eu posso usá-la para a paz”.
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“O perdão me libertou do ódio [escreveu Kim, em sua biografia: “The Girl In The Picture”]. Ainda tenho muitas cicatrizes no corpo e uma forte dor quase todos os dias, mas o meu coração se purificou. O napalm é muito potente, mas a fé, o perdão e o amor são mais fortes. Não teremos mais guerras se todos aprenderem a conviver com o verdadeiro amor, com a esperança e o perdão. Se isso foi possível com a menina da foto, pergunte-se: será que eu também posso?”.
Uma filha e um herói Passados vários anos, Nick Ut e Kim Phuc já se reuniram diversas vezes, para recontar os acontecimentos no dia do bombardeio e suas consequências, principalmente na vida da mulher que Kim se tornou. Nessas ocasiões, ambos não se cansam de refazer os votos de sua amizade, que soergueu e transformou suas vidas. Em um desses encontros, ao ser questionado por jornalistas a respeito da força dessa amizade, Nick Ut afirmou: “Fico muito feliz em saber que ajudei Kim”, disse. “Eu a chamo de ‘minha filha’”, brincou. “Ele foi um herói para mim”, retribuiu Kim. Associated Press (AP)
“Eu odiava até minhas amigas, que eram saudáveis, porque podiam usar blusas de manga curta e eu estava sempre de mangas longas, com todo o calor do Vietnã, para que ninguém visse minhas cicatrizes. Hoje, não tenho mais medo das minhas cicatrizes. Sou casada, tenho dois filhos. Nunca pensei que me casaria, que teria um namorado... Como alguém poderia me amar, de verdade, com minhas cicatrizes? Crescer com essa ideia não é bom. E eu estava muito errada. Aos 29 anos, conheci meu marido. Ele já me disse que me ama mais por causa das minhas cicatrizes [risos]. Isso acontece com cada uma das pessoas que sofrem queimaduras. Meu marido é o homem mais feliz do mundo. Eu já passei por tantas coisas que hoje sou muito feliz. Estou sempre rindo, nunca me chateio por mais de 10 minutos”.
Em 1972, aos 21 anos, Nick Ut já era um fotojornalista experiente Fontes: <http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2012/10/conheca-ahistoria-de-kim-phuc-icone-da-guerra-do-vietna-que-vira-a-florianopolisnesta-semana-3908614.html>, <https://pt.aleteia.org/2015/02/03/ sabe-o-que-aconteceu-com-a-menina-desta-famosa-fotografia/>, <http:// dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2012/10/entrevista-40-anos-depoiskim-phuc-fala-sobre-a-guerra-do-vietna-3909448.html> e <http://lounge. obviousmag.org/cafe_nao_te_deixa_mais_cult/2014/01/uma-historia-portras-da-fotografia-historica-da-guerra-do-vietna.html>.
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ISMAEL V. L. COSTA
POR UM MUNDO
MELHOR
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a nossa vida cotidiana, há uma dramática diferença entre os nossos pensamentos sobre um fato e o próprio fato. Isso porque o fato independe de nossas concepções sobre ele. Conceitos – como os de beleza, de funcionalidade ou mesmo de posse sobre algo – são meras formulações mentais. As pessoas simplesmente vivem e constroem suas sociedades alicerçadas em padrões pessoais de pensamento e julga-os como inerentes ao ser. Com isso, erigimos uma sociedade global estruturada em bases ilusórias. A própria ideia de posse consiste em um pensamento humano tornado coletivo e corroborado com normalidade como se fosse um fato. Porém, não passa de uma fantasia, de um grande devaneio. Infelizmente, a maioria se acostumou com a convenção de que a Terra pode pertencer a certos indivíduos e que os rios, as fontes, os mares e os ecossistemas possuam proprietários. Acostumamo-nos com a situação de que árvores e animais sejam considerados propriedades das pessoas. E isso se estende a tudo o que existe na atual sociedade. Talvez, daqui a 500 anos, a
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Tendo em vista a percepção de que muito do caos global foi criado e alimentado com base na concepção social de posse, é mister uma mudança radical em todas as estruturas do planeta para mudar essa realidade. Precisaríamos nos desapegar de nossas criações mentais e nos concentrar no sentido de acelerar o progresso da organização social planetária. Porém, necessitamos realmente nos convencer de tal possibilidade, empregar os meios, adquirir o hábito constante de coletivamente buscar o nosso aprofundamento nas bases sociais, sempre com a postura de não estagnar conceitos, mas sim de buscar o nosso reposicionamento e realizar uma construção coletiva. Procuremos nos desapegar de conceitos, muitas vezes arraigados, como: “isso é impossível”, “muitos já tentaram”, “o mundo sempre será assim” e “tudo não passa de uma utopia”. https://umairhaque.com/the-cycle-of-violence
ARTIGO
UMA SOCIEDADE BASEADA NA NOÇÃO DE POSSE
humanidade vai se entristecer só de pensar que seus antepassados supunham ser possuidores de algo, do mesmo modo que atualmente nos lembramos da sociedade escravagista com pesar.
O pensamento de posse serviu de alicerce para construir a atual sociedade escrava das relações monetárias. Nesse sentido, o dinheiro escamoteia uma tendência mais profunda do indivíduo, pois se trata de um instrumento estabelecido pela humanidade para regulamentar o pensamento de posse. Em consequência, a dinâmica social fundamentada no dinheiro reflete uma sociedade estruturada na ideia de que algo nos pertence: bens materiais, pensamentos, ideias, sentimentos, animais de estimação, a natureza, um palmo de chão, pessoas… E, infelizmente, tal estrutura social propicia o desenvolvimento de outras formas de apego no ser humano. As transações com dinheiro se enquadram em um ciclo que pode ter auxiliado, sobre determinados aspectos, a organização social, mas isso não implica que tenhamos que seguir para sempre esse padrão, até porque as muitas e perversas sequelas legadas por tal sistema ao contexto social, ambiental e planetário estão crescendo e são sintomas da nossa falência enquanto civilização. Um ponto fundamental, referente ao trabalho na sociedade alicerçada na noção de posse, consiste no fato de encontrar pessoas que laboram unicamente para angariar dinheiro e, dessa maneira, buscar a sobrevivência. Vemos que as pessoas não desempenham as atividades necessárias para a manifestação dos princípios superiores da Vida, mas apenas para a sua sobrevivência. Vidas inteiras são comprometidas a partir dessa noção. Mesmo as guerras são realizadas e legitimadas com base nesse prisma distorcido. Por esse motivo, existem professores ministrando aulas, porém gostariam de ser médicos; bancários com anseio de ser engenheiros; administradores com desejo de ser agrônomos etc. Eles dispõem de certa liberdade para buscar a concretização de seus sonhos, porém o sistema social não está estruturado adequadamente para facilitar essa busca individual e, muitas vezes, atua como uma correnteza contrária. Assim, um dos reflexos de uma sociedade embasada na utilização do dinheiro consiste em indivíduos competindo para se encaixar em atividades profissionais por vezes não condizentes com os seus anseios íntimos. Como consequência, o cidadão não se dedica por inteiro nem se sente totalmente realizado em sua atividade. Assim, uma organização social fundamentada nas relações de dinheiro facilita a existência de ofícios exercidos por indivíduos sem as aptidões e motivações para bem desempenhá-los. Que desventura para o organismo
social! Imagine se, em um organismo humano, a célula do fígado resolvesse desempenhar a função destinada à célula do coração ou se uma célula adiposa resolvesse desempenhar o trabalho de uma célula do pulmão. Um organismo doente e fraco! E a nossa sociedade se encontra assim! Na sociedade centrada em transações monetárias, habitualmente seres humanos com grande potencial em certas atividades, por não terem desfrutado de oportunidades, realizam trabalhos bem aquém do que poderiam desenvolver em benefício conjunto. O sistema social está estruturado de tal modo que muitos cidadãos (principalmente os com pouco dinheiro) não dispõem de condições para se aprimorar e trilhar o caminho que acham o mais adequado para servir à coletividade, pois, muitas vezes, veem-se constrangidos a palmilhar os poucos caminhos que lhes estão disponíveis. Assim caracteriza-se a estrutura de nosso presente sistema social: os que possuem mais dinheiro dispõem de maiores condições, enquanto os outros apenas lutam para sobreviver. O atual funcionamento da sociedade tem alcançado uma tal proporção de periculosidade que se faz necessária nossa organização em prol da construção de novas bases para uma sociedade mais harmônica, sem mais protelarmos ou delegarmos tais iniciativas para outros indivíduos ou outra geração. Fonte: “O Planeta Feliz: Vislumbres da estrutura e do funcionamento de um organismo social saudável”, livro de Ismael V. L. Costa, com adaptações. Para o acesso gratuito ao livro na íntegra, acesse: <http://wwwismaelvlcosta.net.br>.
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POR UM MUNDO
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Nascido em pleno Saara, o beduíno Moussa Ag Assarid deixa-nos um testemunho de vida enriquecedor, capaz de nos fazer constatar nosso modo insano de viver e perceber a vida. Um depoimento repleto de poesia e sabedoria, que confronta os distorcidos contextos sociais, ambientais, políticos, econômicos... da nossa “civilização” PAULO CASTRO
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e você não teve a oportunidade de ver o magnífico filme “Um Herói do Nosso Tempo” (veja a sinopse dele em destaque) – que conta a história de um menino etíope que foge pelo deserto do Saara, através do Sudão, com a mãe, como êxodos da miséria, da guerra, do fanatismo religioso e da seca, rumo ao exílio em Israel –, apresentamos para você uma narrativa real tão notável quanto a mostrada no filme. Um depoimento que nos serve de ensinamento sobre como o modo de viver das populações tradicionais pode contribuir para romper os paradigmas desvirtuados da nossa civilização, viciada na mercantilização da vida e na forma mesquinha de conviver no planeta. Embora tenha sido publicada pela primeira vez há mais de dez anos (10/02/2007) e, desde então, haja ganhado disseminação ampla pela internet (principalmente em Power Point), é atualíssima a entrevista que o pastor tuareg, radicado na França, Moussa Ag Assarid concedeu ao jornalista catalão Víctor Manuel Amela Bonilla, para o jornal espanhol “La Vanguardia” (www.lavanguardia.com). Uma conversa que toca em um tema que, além de atual, é urgente e pungente, principalmente se considerarmos a crise de hoje dos refugiados no mundo e o aumento de casos de xenofobia, racismo e preconceito (sobretudo religioso). Conheça agora a mensagem de solidariedade, tolerância e simplicidade dos tuaregues que Moussa Ag Assarid trouxe do deserto para os povos ocidentais.
Capa do primeiro livro de Moussa Ag Assarid: “Não Existe Engarrafamento no Deserto! Crônicas de um Tuareg na França”
“Não conheço minha idade exata: nasci no deserto do Saara, sem endereço nem documentos… Nasci em um acampamento nômade tuareg entre 1975 e 1978, no norte do Máli, entre Timbuctu e Gao, com areia nos olhos e a olhar para as estrelas. Só fui à escola por volta dos meus 13 para 14 anos. Fui pastor de camelos, cabras, cordeiros e vacas que pertenciam ao meu pai. [...] Defendo os pastores tuaregs. Sou muçulmano, mas sem fanatismo”. Que turbante bonito! É apenas um tecido fino de algodão: permite cobrir o rosto no deserto quando a areia se levanta e, ao mesmo tempo, você pode continuar vendo e respirando através dele. Sua cor azul é belíssima… Ela é a razão pela qual chamam a nós, tuaregs, de homens-azuis: o tecido aos poucos desbota e tinge nossa pele com tons azulados.
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DEPOIMENTOS NOTÁVEIS
Presses de La Renaissance
UMA EXPERIÊNCIA DE TOLERÂNCIA E SIMPLICIDADE
Por quê? É a cor dominante: a do céu, a do teto da nossa “casa” [o planeta]. Quem são os tuaregs? “Tuareg” significa “abandonado”, porque somos um velho povo nômade do deserto, um povo orgulhoso: “Senhores do Deserto”, nos chamam. Nossa etnia é a amazigh (berbere), e nosso alfabeto, o tifinagh. Quantos vocês são? Cerca de três milhões, a maioria ainda nômade. Mas a população diminui… “É preciso que um povo desapareça para que percebamos que ele existia!”, denunciou certa vez um sábio. Eu luto para preservar o meu povo.
POR UM MUNDO
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A que o seu povo se dedica? Ao pastoreio de rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e asnos, em um reino feito de infinito e de silêncio. O deserto é mesmo tão silencioso? Quando se está sozinho naquele silêncio, ouvem-se as batidas do próprio coração. Não existe melhor lugar para quem deseja encontrar a si mesmo. Que recordações da sua infância no deserto você conserva com maior nitidez? Acordo com o sol. Perto de mim estão as cabras de meu pai. Elas nos dão leite. Nós as conduzimos para onde existe água e grama… Assim fez meu bisavô, meu avô e
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meu pai… E eu. No mundo, não havia nada além disso, e eu era muito feliz assim! Bem, isso não parece muito estimulante… Mas é, e muito! Aos sete anos de idade, já permitem que você se afaste do acampamento e descubra o mundo sozinho, mas para isso lhe ensinam coisas importantes: a cheirar o ar, a escutar e ouvir, a aguçar a visão, a se orientar pelo sol e pelas estrelas… E a se deixar conduzir pelo camelo; se você se perde, ele conduzirá você para onde existe água. Formado em Gestão Pública na França, hoje Moussa Ag Assarid é escritor, jornalista, contador de histórias e ator. O seu primeiro livro foi lançado na França em 2006, seguido por um segundo (“Crianças das Areias”), em 2008, em coautoria com o seu irmão, Ibrahim. Ambos estão traduzidos para o castelhano, italiano, coreano, árabe e catalão. Seu terceiro livro (“Não Existe Somente Areia no Deserto! Um Reencontro com os Tuaregs”) (confira sua capa ao lado), escrito em parceria com Nathalie Valera Gil, fala sobre a Caravana do Coração (www.facebook.com/ Caravane-du-Coeur553918758134196/), uma associação de vocação humanitária fundada por Moussa, em prol dos tuaregues.
Presses de La Renaissance
Como vocês produzem esse intenso azul anil? Com uma planta chamada “índigo”, misturada a outros pigmentos naturais. O azul, para os tuaregs, é a cor do mundo.
Esse é um conhecimento muito valioso, não há dúvida… Lá, tudo é simples e profundo. Existem poucas coisas no deserto, e cada uma delas possui grande valor. Assim sendo, este mundo e aquele são bem diferentes, não é mesmo? Lá, cada pequena coisa proporciona felicidade. Cada roçar é valioso. Sentimos uma enorme alegria pelo simples fato de nos tocarmos, de estarmos juntos! Lá, ninguém sonha em chegar a ser, porque cada um já é.
“Aos sete anos de idade, já permitem que você se afaste do acampamento e descubra o mundo sozinho, mas para isso lhe ensinam coisas importantes: a cheirar o ar, a escutar e ouvir, a aguçar a visão, a se orientar pelo sol e pelas estrelas… E a se deixar conduzir pelo camelo; se você se perde, ele conduzirá você para onde existe água”. www.midiaturis.com.br
doze anos, e minha mãe morreu… Ela era tudo para mim. Contava-me histórias e ensinou-me a contá-las bem. Ensinou-me a ser eu mesmo. O que aconteceu com sua família? Convenci meu pai a me deixar frequentar a escola. Todos os dias, eu caminhava quinze quilômetros para chegar até ela. Até que um professor arrumou uma cama para eu dormir, e uma senhora me dava comida quando eu passava em frente à sua casa. Entendi: era minha mãe quem me ajudava… De onde veio essa paixão pelos estudos? Dois anos antes, o rali Paris-Dakar passou pelo nosso acampamento e caiu um livro da mochila de uma jornalista. Eu o apanhei e o devolvi a ela. Mas ela me deu o livro de presente e disse que ele se chamava “O Pequeno Príncipe” [de Antoine de Saint-Exupéry]. Naquele instante, prometi para mim mesmo que, um dia, eu seria capaz de lê-lo…
O que mais o chocou ao chegar pela primeira vez à Europa? Ver as pessoas correrem nos aeroportos. No deserto, só corremos quando uma tempestade de areia se aproxima. Fiquei assustado, é claro… Corriam para buscar suas bagagens… Sim, devia ser isso. Também vi cartazes mostrando mulheres nuas. “Por que essa falta de respeito para com a mulher?”, perguntei-me. Depois, no Hotel Íbis, vi uma torneira pela primeira vez em minha vida: vi a água correr… e tive vontade de chorar. Que abundância, que desperdício, não é mesmo? Até então, todos os dias da minha vida tinham sido dedicados à procura d’água. Até hoje, quando vejo as fontes e os chafarizes decorativos que existem aqui, sinto uma dor imensa dentro de mim. Por quê? No começo dos anos de 1990, houve uma grande seca. Os animais morreram, nós adoecemos… Eu tinha uns
E você conseguiu… Sim. Foi assim que consegui uma bolsa para estudar na França… Um tuareg na universidade! Do que mais tenho saudade é do leite de camela. E do fogo de madeira. E de caminhar descalço sobre a areia tépida. E das estrelas: lá, nós as admiramos todas as noites, e cada estrela é diversa da outra, como cada cabra é diversa da outra. Aqui, à noite, vocês ficam vendo televisão. Sim. Na sua opinião, qual é a pior coisa que existe aqui? A insatisfação. Vocês têm tudo, mas nada lhes é suficiente. Vocês vivem se queixando. Vocês se acorrentam por toda a vida a um banco por causa de um empréstimo e existe essa ânsia de possuir, essa correria, essa pressa. No deserto não existem engarrafamentos. Sabe por quê? Porque ninguém lá quer passar à frente de ninguém!
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“Dois anos antes, o rali Paris-Dakar passou pelo nosso acampamento e caiu um livro da mochila de uma jornalista. Eu o apanhei e o devolvi a ela. Mas ela me deu o livro de presente e disse que ele se chamava “O Pequeno Príncipe” [de Antoine de Saint-Exupéry]. Naquele instante, prometi para mim mesmo que, um dia, eu seria capaz de lê-lo…”.
Relate um momento de felicidade intensa que você viveu no seu distante deserto. Esse momento lá se repete a cada dia, duas horas antes do pôr-dosol: o calor diminui, o frio da noite ainda não chegou, homens e animais retornam lentamente ao
Que paz… Aqui, vocês têm o relógio. Lá, nós temos o tempo. “A pior coisa aqui é a insatisfação. Vocês têm tudo, mas nada lhes é suficiente. Vocês vivem se queixando. Vocês se acorrentam por toda a vida a um banco por causa de um empréstimo e existe essa ânsia de possuir, essa correria, essa pressa. No deserto não existem Fonte:<http://www. engarrafamentos. Sabe por luispellegrini.com. br/2010/04/06/voce-tem- quê? Porque ninguém lá quer passar à frente de ninguém! o-relogio-eu-tenho-otempo/#ixzz3J2fRlmxX>. Aqui, vocês têm o relógio. Lá, nós temos o tempo”.
Sinopse:
Um Herói do Nosso Tempo Título original: “Va, Vis et Deviens” Gênero: drama Países: França, Bélgica, Israel, Itália Ano: 2005 Duração: 140 min Direção: Radu Mihaileanu
POR UM MUNDO
MELHOR
É fascinante. E então… Esse é um momento mágico… Entramos todos na tenda e fervemos a água para o chá. Sentados, em silêncio, escutamos o barulho da água, que ferve… A calma toma conta de nós… As batidas do coração entram no mesmo compasso, no ‘pot-pot’ da fervura…
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acampamento e seus perfis aparecem como recortes contra o céu, que se tinge de rosa, azul, vermelho, amarelo, verde…
Com apenas 9 anos de idade, um menino, que se vê forçado a assumir o nome de Salomão para sobreviver, é um caldeirão humano de culturas e religiões: é um cristão negro, nascido na Etiópia, que fugiu da fome, da seca e da perseguição religiosa e vive com sua mãe em um campo de refugiados no Sudão. A fim de salvar a vida de Salomão, sua mãe o ensina a se passar por judeu, para ele poder entrar em Israel e fugir da miséria e do destino incerto. Uma vez na Palestina, Salomão é adotado por uma família de judeus de origem francesa. Obrigado a usar vários recursos para ocultar sua origem cristã, Salomão também enfrenta duras experiências para se adaptar à sua nova vida e driblar o preconceito, do qual é vítima. Intimamente, com todas as suas forças, o jovem busca não perder a memória de sua origem etíope e acalenta o sonho ardente de reencontrar sua mãe biológica. Com um título pouco criativo em português, o filme é uma metáfora contemporânea da história bíblica de Salomão, que se vê obrigado a atender à súplica de duas mulheres, que reclamam o reconhecimento da maternidade de uma mesma criança.
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ESPIRITUALIDADE
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O SILÊNCIO E A CURA DA
“Você pode optar por olhar para o outro lado, mas nunca mais poderá dizer que não sabia” (William Wilberforce)
INDIFERENÇA
FREI LUCIANO (SIVANUM)
E
stamos em contínua interação com o que nos cerca. Por que será que perdemos a sensibilidade com o que se passa em torno? Nossa identidade enquanto seres individuais é mal compreendida. Somos educados para que a busca do bem e da evolução seja um fato independente do crescimento dos demais e isso nos leva a um isolamento, mesmo quando essa busca envolve o trabalho espiritual. Na medida em que nossos pequenos e limitados objetivos individuais são alcançados numa certa proporção, consideramos que esse é o fim, a meta e o destino de nossas existências. A insistência nesse padrão de conduta nos coloca no limite da indiferença, da falta de compaixão e já não podemos ajudar os demais e o planeta como seria necessário.
Não podemos medir a repercussão de nossas aspirações nem de como isso se reflete na vida daqueles com os quais convivemos e compartilhamos nossos dias. Nossa energia é gerada em nossas intenções e nossos pensamentos, que se irradiam com muito mais intensidade do que imaginamos. É na medida em que começamos a incluir os demais em nossas vidas que resgatamos a sensibilidade para senti-los, ajudá-los em suas necessidades e mesmo anteciparnos em algo que seja de auxílio em sua evolução.
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Mas essa inclusão apenas surge se cultivamos um estado interno de vigilância, de atenção e de esvaziamento, que amplia nossos espaços internos e abre campo para retomarmos uma íntima interação com outros seres. E de onde vem esse silêncio, essa quietude interna? Somos seres complexos, que experimentamos a vida em muitas dimensões ao mesmo tempo e nem sempre estamos no controle de nossos pensamentos e sentimentos, pois nossas intenções ainda estão centradas em assuntos meramente pessoais e individuais.
POR UM MUNDO
MELHOR
Ao expandir a consciência, ao contatar energias mais sutis dentro de nosso próprio mundo interior, vamos encontrar um espaço, uma região de quietude e de estabilidade e experimentaremos que esse estado se mantém independentemente de fatos externos e circunstâncias. Mas como delimitar o momento em que isso começa a acontecer? Vivemos e experimentamos, ao longo de nossas vidas, determinados ciclos de aprendizagens e tendemos a despertar
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para níveis mais amplos. Tudo isso ocorre na consciência, impulsionado pelas energias de nossas almas, o primeiro nível superior de nosso ser. Esse despertar define o momento em que naturalmente estaremos sendo atraídos para estados mais amplos, relações mais impessoais e, portanto, mais amorosas e baseadas em valores cada vez mais voltados para o bem-comum. Esse despertar nutre e amplia esse espaço interno e o que chamamos de silêncio organiza todas as energias que circulam em nossa consciência e em nossos corpos. O silêncio, desse ponto de vista, pode funcionar como um guardião, filtrando as energias que ingressam em nossas auras. Estando nessa atitude, tudo o que ocorre em torno e com os demais tende a interagir conosco de uma forma mais consciente e poderemos experimentar um sentido de responsabilidade, ao despertar e cultivar essa sensibilidade ao que se passa em torno. A tendência é a de que possamos resgatar e curar essa indiferença, na qual a humanidade vive, especialmente para com os demais reinos da natureza. E uma vida silenciosa e vigilante abre as primeiras portas para essa interação invisível com o mundo em torno. Fonte: “Silêncio, Ó Amado Silêncio”, de Frei Luciano (Sivanum), da Ordem Graça Misericórdia. Associação Irdin Editora, 2014, p. 15-17 (com adaptações).
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ENSINAMENTO
O SILÊNCIO EM PROL DA PAZ Before you speak, THINK: Antes de falar, pense: T = Is it true? [O que você vai falar] é verdadeiro? H = Is it helpful? É construtivo? I = Is it inspiring? É inspirador? N = Is it necessary? É necessário?
POR UM MUNDO
MELHOR
K = Is it kind? É gentil? Se não for, não fale.
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