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2020: um ano desafiante na gestão das marcas de bebidas refrescantes
MERCADO
O ano arrancou com uma evolução positiva das bebidas não alcoólicas. Mas eis que a pandemia irrompeu, com impactos avassaladores em Portugal e no mundo. Com o confinamento, o canal alimentar assumiu um papel preponderante, com muitos consumidores a privilegiarem bens de primeira necessidade, o que se traduziu em alguma dinâmica da categoria de águas. Nos sumos e refrigerantes, contudo, o impacto da pandemia foi negativo, nomeadamente, durante os meses de “stockpiling”: março e abril. 2020 está, assim, a ser um ano altamente desafiante para a gestão das marcas, que não deixaram, mesmo assim, de inovar, nem de colocar na agenda questões de fundo, como a da sustentabilidade.
TEXTO Carina Rodrigues FOTOS Shutterstock
De acordo com os dados Nielsen Market Track para o ano móvel findo a 31 de maio, o mercado dos sumos e refrigerantes encontra-se com tendências negativas. Nos sumos e néctares, foram comercializados 88,3 milhões de litros, estabilizando as vendas em volume face ao ano anterior. Contudo, em valor, o mesmo número de litros traduziu-se num menor nível de faturação, que caiu 2%, para os 100,6 milhões de euros. No caso dos refrigerantes, a tendência é inversamente negativa. Em valor, o mercado estabilizou nos 265,9 milhões de euros, mas em volume houve uma queda de 1%, para os 339 milhões de litros. A análise da Nielsen contempla apenas três meses de pandemia em Portugal, mas é inegável o impacto tremendo que teve neste mercado. E, sobretudo, se considerarmos os litros abruptamente perdidos no “on trade”, que travou a fundo mais de dois meses e, desde a sua reabertura, não voltou aos níveis dos meses homólogos de 2019. “O teletrabalho ganhou o seu espaço nas organizações, levando a menos deslocações, o ensino à distância idem, os estabelecimentos de Horeca reviram o layout do seu espaço, de acordo com as diretrizes, reduzindo lugares. Em ‘off trade’, as visitas às lojas foram e são programadas, tipicamente espaçadas no tempo, não dispersando e concentrando, no mesmo ato de compra, mercearia, legumes, talho, peixe e pão. E, se antes iam duas pessoas do lar, tal deixou de acontecer e só há um par de braços. Certamente impactou, retraindo o consumo da categoria em Portugal”, confirma Rodrigo Costa, marketing director Portugal e Espanha da Sumol+Compal. Houve segmentos que, contudo, tiveram um desempenho positivo, com crescimentos homólogos de 50%. É o caso dos concentrados líquidos e em pó, que, de acordo com Márcio Barbosa, chief business development officer da Ferbar, tiveram crescimento “supranormal” também durante o período de maio a julho, enquanto os restantes recuperaram para níveis de volume normais. Já nas águas, os dados da Nielsen para o ano móvel findo a 28 de junho refletem tendências claramente positivas. As águas sem gás estabilizaram o seu volume nos 883,5 milhões de litros, mas com maior valor colocado no mercado: 169,7 milhões de euros, o que corresponde a um crescimento de 1%. Por seu turno, nas águas com gás, houve uma evolução positiva quer em volume (2%), para os 39,6 milhões de litros, quer em valor (3%), para os 49,1 milhões de euros. Não quer isto dizer que a pandemia também não tenha impactado o mercado das águas. Dependendo dos canais, a pandemia tanto potenciou como também retraiu o consumo. “O canal alimentar viu crescer, de forma generalizada, o consumo no início da pandemia. Após esta fase inicial, que registou uma forte afluência às lojas, verificou-se apenas o crescimento das grandes capacidades, tendo sido, claramente, penalizadas as capacidades mais pequenas”, avança Raquel Santos, gestora de marketing da Empresa Águas do Vimeiro. “Já o canal Horeca, com o encerramento de investimentos e alterações estratégicas, obviamente não compensando a totalidade do negócio do Horeca” de muitos estabelecimentos e as contínuas medidas de contingência para os que optaram por abrir portas, continua a registar um decréscimo nas vendas comparativamente ao período homólogo do ano anterior”, acrescenta. 2020 está, assim, a revelar-se um ano complicado para a gestão das marcas e a obrigar a alguns ajustes de operação, uma vez que o canal Horeca representa uma fatia muito significativa do mercado das bebidas e não era possível uma atuação nos moldes ditos tradicionais. “O e-commerce e o retalho foram canais de distribuição que beneficiaram da reafetação de investimentos e alterações estratégicas, obviamente não compensando a totalidade do negócio do Horeca”, confirma Eunice Costa, responsável de New Business Acceleration do Grupo Nabeiro/Delta Cafés.
Ajustes de operação De um modo geral, o calendário de novos lançamentos foi cumprido, mas as operações tiveram de ser ajustadas para dar prioridade à cobertura do risco. Os stocks de segurança foram reforçados, os recursos logísticos diversificados e a eficácia da distribuição, assegurando um modelo capilar, permitiu apoiar os clientes e maximizar o nível de serviço, num contexto em que as operações centralizadas não estavam dimensionadas para responder ao pico da pandemia. Dito isto, não há como negar, em 2020, dificilmente se conseguirá implementar toda a atividade prevista das marcas. “Até seria irresponsável fazê-lo, alocar recursos em projetos pensados em satisfazer necessidades de um consumidor pré-Covid, quando todos os pressupostos de motivações, índices de confiança e disponibilidade de atenção do consumidor se alteraram”, defende Filipe Guerreiro, marketing manager de águas e refrigerantes da Sumol+Compal. Com a pandemia a alterar por completo os hábitos de consumo de bebidas, o foco das empresas desviou-se também para o apoio aos seus parceiros, nomeadamente ao canal Horeca, e aos consumidores, através de várias iniciativas de apoio aos serviços de saúde. Agora que a fase mais aguda parece ter já passado, e que a ameaça de uma segunda vaga, embora presente, está ainda temporalmente afastada, as fichas estão todas colocadas na recuperação económica e dos níveis de confiança. Reabertura do Horeca Níveis estes que, concretamente para o canal Horeca, serão fundamentais para a sua revitalização. “O negócio tem aumentado gradualmente, em paralelo com a confiança dos consumidores portugueses, contudo, dependente da evolução da pandemia”, confirma Eunice Costa. “Há, no entanto, uma parte do consumo de água que estava diretamente relacionado com o turismo, com grande incidência nas unidades hoteleiras, que não se conseguirá compensar”, reforça Sara Ornelas, responsável de marketing de águas e refrigerantes da Sociedade Central de Cervejas e Bebidas. mostrar-se, ainda, muito incerta, a atitude das marcas de bebidas é, eminentemente, de prudência. De acordo com Miguel Araújo, diretor de Comunicação e Relações Institucionais do Super Bock Group, os dados de maio para o mercado da restauração, bares e cafés mostram que ainda se está um pouco distante dos 50% da atividade antes da pandemia.
Tendências
Muito pelo contrário, têm apostado na dinamização do consumo, trazendo inovações para o mercado e mostrando-se, particularmente, atentas às tendências, nomeadamente, à apetência por produtos mais saudáveis que sejam, ao mesmo tempo, indulgentes. “Claramente, o ‘prazer sem culpa’ é a grande tendência e a oferta no mercado tem sido, principalmente, marcada pela redução do conteúdo de açúcar dos refrigerantes e sumos. As bebidas funcionais, com base em ingredientes naturais, parecem-nos ser o próximo grande foco de inovação”, avança Márcio Barbosa. Algumas categorias têm-se mostrado mais dinâmicas em prateleira. Nos sumos e refrigerantes, no canal alimentar, destacam-se, de acordo com Rodrigo Costa, as bebidas carbonatadas, que crescem 7% volume e 7% valor, em consequência da transferência dos momentos de consumo da rua para o lar. Em sentido inverso, as bebidas sem gás de fruta ou à base de fruta decresceram 2% volume e 6% valor e a principal explicação advém da grande quebra dos formatos para consumo individual, tipicamente consumidos em contexto de conveniência “on the go”. “Com o teletrabalho e a telescola, todas as propostas no mercado vocacionadas para a lancheira e portabilidade foram altamente penalizadas, explicando o decréscimo quer em volume e muito do valor da categoria”, salienta. Nas águas, ambas as categorias – águas lisas e águas com gás – mostraram-se positivas. No contexto atual, e com a perspetiva de um novo cenário económico, o verdadeiro impacto do preço nas decisões de compra só poderá ser, no entender de Sara Ornelas, avaliado mais à frente. Certo é que, nos últimos anos, a dinâmica positiva das águas tem levado os consumidores a fazer escolhas mais informadas e menos baseadas apenas em preço. “Apesar do PVP ter, naturalmente, o seu peso na decisão de compra, entendemos que os portugueses, por norma, são recetivos a inovações e gostam de experimentar novos produtos”, reforça Miguel Araújo. Mas, tal como nos sumos e refrigerantes, durante estes meses, algumas categorias de águas mostraram-se mais dinâmicas. Filipe Guerreiro destaca o crescimento de 3% em volume nas águas lisas e, em contrapartida, a retração de 25% nas águas lisas com sabor, “evidenciando que, para o consumidor, em contexto de confinamento, claramente, não eram relevantes, mas substituíveis”. Também as águas com gás cresceram 4% em volume, crescimento esse registado em ambas as subcategorias, águas com gás sem sabor (3%) e com sabor (8%). Mais uma demonstração de que, sendo uma das variáveis do processo de decisão, o preço não justifica por si só a proposta de valor de uma marca. “Água engarrafada não é uma ‘commodity’ e não pode ser tratada pelos atores da cadeia de valor como tal. As águas minerais e de nascente são um recurso do planeta, cada uma tem as suas propriedades e há que saber valorizá-las. Felizmente, o consumidor está cada vez desperto e informado”, sustenta.
“Drivers” de consumo
Quais são, então, os “drivers” de consumo nas categorias de sumos e refrigerantes e de águas, onde a intensidade competitiva é muito elevada e a frequência e profundidade promocionais são consideráveis? “Estamos no campo das bebidas de alta rotação, onde diariamente são efetuados milhares e milhares de transações de baixo valor. A dinâmica promocional tem o seu papel de curto prazo, de acelerador rápido, incentivando rotação e defesa de quota, mas não se deve confundir com o longo prazo, de construção de marcas fortes e sustentáveis no tempo”, aconselha Rodrigo Costa. A já aludida questão da saúde, mas também do prazer, são dois “drivers” de consumo no universo de sumos e refrigerantes e das águas. Mas importa não esquecer que existem outras questões na agenda do consumidor, a que a pandemia de Covid-19 não tirou força, e a sustentabilidade é, claramente, uma delas. “Este período que atravessamos diz-nos que podemos e devemos ter uma atitude ‘green’, ‘blue’ ou ‘red’, sem nos afastarmos dos problemas que temos pela frente. Podemos dar continuidade às políticas ambientais ou estimular iniciativas de economia circular, não deixando de lançar novos produtos, com conceitos mais inovadores e, em simultâneo, manter o foco nas categorias ‘core’ e respetiva rentabilidade”, advoga Miguel Araújo. O consumo é, de facto, movido por distintas va riáveis e, mesmo em contexto de Covid-19, há espaço para múltiplos “clusters” de consumidores que privilegiam mais uma variável que outra. “Sendo que o preço não constrói marca, não é fator fidelizador, é curto-prazista e, muito provavelmente, insustentável na cadeia de valor. Falar de sustentabilidade é pensar os três eixos: ambiental, económico e social”, conclui Filipe Guerreiro.