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“Temos a possibilidade ou oportunidade de sermos agentes ativos de mudança"
ENTREVISTA
A pandemia afetou as vendas da CocaCola European Partners (CCEP) em Portugal, mas não desacelerou o seu compromisso com a sustentabilidade, reforçado em 2017 quando foi lançado o programa Avançamos. Na agenda deste programa estavam, e estão, metas importantes para 2025, como recolher e reciclar o equivalente a 100% das garrafas ou latas que vende, bem como que todas as embalagens sejam 100% recicláveis e as garrafas de plástico contenham, pelo menos, 50% de PET reciclado. Alguns destes objetivos foram já alcançados, numa clara demonstração de como se passa do compromisso à ação para construir um mundo mais sustentável. Márcio Cruz, head of public affairs, communication and sustainability da Coca-Cola European Partners Portugal, faz um balanço deste empenho da empresa em liderar, também, pelo exemplo e do dever de quem está no mundo empresarial, seja qual for a sua atividade, de fazer a diferença. O consumidor assim o exige.
TEXTO Carina Rodrigues FOTOS Sara Matos
Grande Consumo - A Coca-Cola European Partners (CCEP) apre sentou a versão mais recente do seu relatório de sustentabilidade Avançamos, alusivo ao exercício de 2019. O percurso desenhado pela marca de, até 2025, ser uma empresa mais sustentável, tendo por base seis eixos operacionais, continua a ser exequível?
Márcio Cruz - No programa Avançamos, podemos encontrar os nossos objetivos divididos em seis áreas de atuação: bebidas, embalagens, água, clima, cadeia de fornecimento e sociedade. São estas as áreas que consideramos fundamentais na Coca-Cola European Partners para fortalecer a sustentabilidade da empresa, fazendo com que a nossa atividade contribua ativamente para uma economia circular, para a mudança que todos queremos ver na sociedade, para um presente e futuro mais promissores, com igualdade de oportunidades para todos. O percurso continua a ser exequível nas seis áreas e temos já, nos resultados de 2019 e 2020, indicadores que nos permitem acreditar que vamos superar objetivos, antes do tempo previsto. Exemplo desta superação é a incorporação de plástico reciclado nas nossas embalagens. Tínhamos como meta, até 2025, incorporar no fabrico de cada embalagem 50% de plástico reciclado e, neste momento, estamos já a 30%, com planos que nos dizem que vamos antecipar o objetivo em dois anos, para 2023.
GC - Como se aplica, na prática, essa visão? E como é que a mesma é passada, ou pode ser passada, como um benefício para o consumidor final?
MC – Hoje, como consumidores, estamos muito atentos à responsabilidade social das empresas, somos um consumidor informado, que toma as suas decisões também com base no que é o benefício coletivo e não apenas individual. A CCEP, pela sua dimensão e relevância das marcas com que trabalha, tem uma responsabilidade de atuação e oportunidade acrescidas neste benefício coletivo. A responsabilidade faz com que, constantemente, procuremos novas soluções, melhores e mais adequadas aos novos problemas. Temos também, pela posição que assumimos no mercado, a possibilidade ou oportunidade de sermos agentes ativos da mudança. Ser ambientalmente responsável, ser socialmente ativo e fomentar a inclusão e a diversidade são ações que fazem parte do nosso ADN. São vividas de forma transversal em toda a empresa, implícitas em todas as áreas do negócio. O nosso foco está em cumprir com todos os objetivos, em ser uma empresa rigorosa e que cada passo que damos seja sustentável.
GC - É possível estar-se, hoje, no negócio dos refrigerantes, ou noutra área de negócio, sem ter uma visão sustentável do mesmo?
MC - Se olharmos para uma abordagem completa da sustentabilidade, diremos que não é possível para qualquer área de negócio. A sustentabilidade deve ser ambiental, mas também social e económica, e tem que estar presente em qualquer atividade. Hoje, a consciência coletiva está mais desperta para a problemática das alterações climáticas e para a inclusão e diversidade, mas os temas em que todos temos que atuar são muitos e prementes. Quem atua a nível empresarial pode e deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para contribuir nas áreas em que, de acordo com a sua atividade, faça mais a diferença.
GC - A pandemia veio, de algum modo, atrasar a concretização desse trajeto?
MC - O caminho que a Coca-Cola European Partners tem vindo a traçar começou já há muitos anos e ainda tem muito para percorrer, mas a pandemia não alterou a concretização deste trajeto, onde temos já uma posição bastante consolidada e reconhecida. Estamos presentes no índice de sustentabilidade Dow Jones, há já quatro anos consecutivos; somos reconhecidos, todos os anos, pelo Carbon Disclosure Project na lista A; assinámos os protocolos de atuação internacionais Green Recovery e Recover Better e, a nível nacional, o Lisboa Capital Verde e Pacto Português para os Plásticos.
GC - A promessa/objetivo é de ser “uma empresa total de bebidas que disponibiliza aos consumidores uma maior variedade de bebidas com menor quantidade de açúcar ou sem açúcar”. O que falta para que seja uma realidade?
MC - Neste momento, em 2020, já somos uma empresa que oferece opção de escolha para as várias ocasiões de consumo. Temos uma vasta oferta para cada momento e, para todas as marcas que comercializamos, temos as variantes de baixo teor ou sem qualquer adição de açúcar. A Coca- -Cola, por exemplo, para além do sabor tradicional, apresenta todas as variantes: Sem Açúcar, Light, Sem Cafeína, Sem Açúcar e Sem Cafeína. Este ano, adicionámos, ainda, ao nosso portfólio Coca-Cola Energy, com e sem açúcar, e Coca-Cola Limão sem açúcar.
GC - A companhia apresentou uma redução de 19,4% do açúcar por litro, nas bebidas vendidas no período decorrido entre 2015 e 2019. É este o teto máximo que se consegue atingir, presentemente? Ou é possível ir ainda mais longe face a este indicador? Está prevista uma redução adicional do percentual de açúcar por litro para os próximos cinco anos?
MC - A meta de redução do açúcar era de 10%, até 2020, e no fecho de 2019 conseguimos estar muito próximos de duplicar o nosso objetivo, com 19,4%. Vamos sempre procurar soluções para reduzir e continuar a aposta forte nas opções para cada ocasião de consumo, para que o consumidor possa fazer uma escolha livre e informada. Importa destacar que, desde 2010, no total, foi feita uma redução de 30% de açúcar e, atualmente, 42% das nossas vendas já são de produtos de baixo teor de açúcar ou sem calorias.
GC - Como é que se equilibra a identidade e sabor tradicional das bebidas da companhia com um correto valor nutricional? Inovação sem sabor é algo que não existe...
MC - A nossa aposta em novos sabores ou formatos tem sempre por base os princípios orientadores que definimos no nosso programa de sustentabilidade. Estamos, continuamente, a apresentar ao mercado novos produtos com o sabor esperado. Nesta linha, os consumidores têm, também, à sua disposição mais variedade, formatos de menor tamanho e informações claras e simples para que possam controlar a sua ingestão calórica.
GC - A companhia tem, igualmente, como objetivo contribuir para a recuperação de 100% das embalagens, até 2025. Como é que podem assegurar a concretização, na íntegra, desse objetivo?
MC - Enquanto empresa, asseguramos que estamos fortemente empenhados em apoiar todas as iniciativas que possam contribuir para uma recuperação mais eficaz das embalagens, como, por exemplo, sistemas de incentivo à reciclagem ou sistemas de depósito reembolso. Recuperação eficaz no sentido de que promova não só a recolha generalizada, para evitar que as embalagens se tornem resíduos, mas também para aumentar a sua circularidade, de forma a que possam voltar a ter uma nova vida com a mesma função. Estamos também empenhados em utilizar os nossos meios para ajudar a passar a mensagem da importância da reciclagem, onde, recentemente, para além dos rótulos, passámos a colocar, nas tampas das garrafas PET da marca Coca-Cola, a mensagem “Por favor, recicla-me”. Temos, ainda, ações importantes de sensibilização das comunidades através do programa Mares Circulares, desenvolvido em parceria com entidades de proteção da natureza e autarquias, que, a nível ibérico, e apenas em 2019, envolveu mais de 100 praias, 11.600 voluntários e permitiu recolher mais de cinco toneladas de PET.
GC - De igual modo, a incorporação de até 50% de plástico reciclado é um dos objetivos assumidos. O fomento para a criação da primeira garrafa do mundo adequada para uso em alimentação e bebidas, feita de 25% de plástico reciclado a partir de lixo marinho, é um exemplo de como esse objetivo poderá ser atingido?
MC - O objetivo de incorporarmos mais material reciclado nas nossas embalagens está também no caminho de superação e antecipação, como referido anteriormente. Em 2020, esta percentagem está já a 30% e temos muitas ações a decorrer que ajudam a recolher mais plástico reciclado para incorporação. A garrafa feita a partir de plástico reciclado de resíduos marinhos foi uma ação piloto que provou que os plásticos descartados, ainda que altamente degradados, podem ser convertidos em plástico de qualidade suficiente para uso alimentar. O passo seguinte foi a parceria com a CuRe Technology, uma startup criada e liderada por um consórcio de líderes mundiais e especialistas em inovação de reciclagem, para que possamos vir a utilizar apenas plástico reciclado nas nossas embalagens PET, o que pode representar a utilização de menos 200 mil toneladas de plástico virgem por ano, durante a próxima década. A ideia é aplicar o processo da CuRe Technology, de reciclagem por despolimerização, para transformar o plástico de uso alimentar opaco e difícil de reciclar em plástico reciclado de alta qualidade, que pode ser utilizado novamente como embalagem de uso alimentar, num processo contínuo desenvolvido numa mesma fábrica. Temos vindo a tornar as nossas embalagens mais leves para reduzir o uso de matérias-primas. As nossas latas são mais leves e estamos a eliminar plásticos desnecessários ou difíceis de reciclar. Removemos, ainda, a película de plástico de embalagem das latas de 150 mililitros, que substituímos por cartão com a certificação florestal PEFC.
GC - A nível do processo produtivo foi possível potenciar/melhorar a utilização de água? Como é que se pode continuar competitivo, em termos operacionais, e, simultaneamente, consumir menos recursos, como, por exemplo, água, essencial na composição de Coca-Cola e de outras bebidas do portfólio?
MC - O nosso compromisso é o de continuarmos a adotar uma gestão responsável na utilização da água, ao longo de toda a nossa cadeia de valor. Em apenas um ano, conseguimos reduzir em 5% o consumo de água que utilizamos para produzir as nossas bebidas, sendo, atualmente, o rácio de uso de água por litro de 1,59 litros. Para isto, baseamo-nos num processo de melhoria contínua e redução de desperdício. Potenciar a utilização da água permite-nos, até, estarmos mais atentos e sermos mais eficientes. Estamos, ainda, a promover projetos locais que repõem na natureza o equivalente a 100% da água contida nas nossas bebidas, para contribuir para a conservação de ecossistemas vulneráveis em zonas de stress hídrico.
GC - A gestão energética está também na agenda? O que tem sido feito nessa matéria? É um assunto, igualmente, prioritário para a companhia?
MC - A gestão energética é um dos componentes estratégicos do pilar Clima, do programa Avançamos. A fábrica opera, desde 2018, com 100% de eletricidade obtida de fontes renováveis, instalámos um sistema de iluminação natural nas linhas de produção de latas e vidro, adquirimos modelos de equipamentos de refrigeração mais eficientes energeticamente e instalámos dispositivos de economia de energia. Em 2010, cada unidade de frio consumia uma média de 6,09 KWH por dia, em Portugal. Até ao momento, conseguimos reduzir para 4,19 KWH por dia, o que representa uma economia de 31%, nos últimos anos. Os desenvolvimentos, em termos de gestão da eficiência energética, são tão visíveis que, em julho, fomos a primeira empresa portuguesa a ser distinguida com o Insight Management Award, prémio promovido pelo Clean Energy Ministerial, fórum mundial que engloba os ministros do ambiente e líderes governamentais de 26 países, reconhecendo as organizações pelos benefícios alcançados com a implementação de sistemas de gestão de energia certificados pela ISO 50001. Entre 2016 e 2019, a melhoria do sistema de gestão de energia permitiu à Coca-Cola European Partners em Portugal uma melhoria da eficiência em 30%, com a consequente redução de emissão de CO2 em 13.909 toneladas e uma poupança de 2.534 milhões de euros. Podemos, ainda, falar de outras ações pelo clima, como, por exemplo, a novidade introduzida em 2019, em que os novos os guarda-sóis das esplanadas têm todos proteção UV, que evita a radiação solar, e são feitos de plástico 100% reciclado, assim como as cadeiras e as mesas. O processo de conversão de plástico em poliéster envolve o uso de menos 40% de energia e menos 75% de emissões de CO2. Além disso, a estrutura do guarda-sol é de 25% de alumínio reciclado e é totalmente reciclável.
GC - Uma empresa sustentável é, igualmente, uma empresa que promove a inclusão e o desenvolvimento económico na sociedade. Como é que a CCEP tem aplicado isso?
MC - A inclusão e o desenvolvimento económico da socie- dade, em especial nas comu- nidades em que estamos inseridos, sempre foi uma preocupação fundamental para a CCEP. Temos vindo sempre a apoiar a realização, em território nacional, dos grandes eventos de projeção internacional, promovemos programas de apoio ao empreendedorismo feminino e procuramos estar ao lado de quem mais precisa, através dos nossos parceiros de solidariedade social. Tendo em conta as circunstâncias da pandemia, este ano, iremos apresentar um formato online do programa de empreendedorismo feminino Bora Mulheres, que terá também um foco especial no desenvolvimento de projetos que possam integrar a recuperação sustentável do negócio. Da mesma forma, vamos apoiar o lançamento de um programa direcionado à empregabilidade dos jovens, vital na recuperação pós-Covid. Para a recuperação da economia, temos ainda projetos para ajudar a implementar medidas de sustentabilidade ambiental e ações para incentivar o regresso do consumidor aos locais de venda, com segurança, tendo sido já exemplo recente o apoio à campanha “Sabe pela vida”, da FIPA e AHRESP, e a campanha da The Coca-Cola Company “Abertos para o melhor que está por vir”. Internamente, promovemos programas de voluntariado junto dos nossos colaboradores, para que possam dedicar dois dias de trabalho às causas que lhes façam mais sentido, e elegemos ainda, anualmente, entre todos, duas causas que beneficiam de apoio financeiro para as suas atividades.
GC - A pandemia veio colocar, de novo e com maior intensidade, o foco de consumir e comprar nacional. Como têm evoluído as compras a fornecedores nacionais? Esses valores foram revistos com a chegada da Covid-19 ou decorrem dentro do previsto?
MC - Continuam dentro do previsto e, sempre que possível, vamos naturalmente reforçar. Como empresa com produção nacional, percebemos bem a importância de apoiar e incentivar a economia local. Em Portugal, empregamos mais de 400 pessoas e contribuímos para a criação de mais de cinco mil postos de trabalho diretos e indiretos. A contribuição total da estimativa de valor acrescentado do sistema Coca-Cola na economia de Portugal ascende a 237 milhões de euros, 0,13 % do Produto Interno Bruto (PIB) total, com um valor acrescentado direto de 16 milhões de euros, tendo particular relevância na zona envolvente da nossa fábrica, em Azeitão.
GC - A companhia assume como compromisso ter a plenitude dos seus principais ingredientes e matérias- -primas, em 2020, a serem provenientes de recursos sustentáveis. Uma vez mais, a pandemia veio atrasar ou propiciar esse aspeto?
MC - Todos os dados indicam que conseguiremos alcançar o objetivo de que todos os nossos ingredientes e matérias-primas, em 2020, sejam provenientes de recursos sustentáveis e que a pandemia não terá interferido na sua prossecução. A escolha dos fornecedores obedece uma série de princípios já definida antes da pandemia, onde cada fornecedor recebe uma pontuação com base no valor financeiro, na eficiência, na inovação, no risco e na sustentabilidade. A componente de sustentabilidade é definida por uma empresa de avaliação independente, que avalia aspetos ambientais, gestão de carbono, direitos humanos e práticas comerciais justas. Os nossos principais fornecedores assinam um contrato de colaboração, que inclui o compromisso de seguir os Princípios Orientadores e o Código de Ética do Fornecedor. Em Portugal, por exemplo, 100% dos fornecedores já aderiram a este código.