10 minute read

Conservação de Grãos: A Importância de Aproveitar as Janelas – Marcos Wendt

Marcos Wendt

Instrutor Curso Excelência em Conservação de Grãos

Advertisement

Quando uma porta se fecha, Deus abre uma janela, diz o velho ditado. Desconheço a origem do dito popular, mas, se a tese for real, tanto mais aumenta a nossa responsabilidade em aproveitar ao máximo essas janelas oferecidas.

O tema que quero trazer nesta edição não aborda ditados populares, embora trate de janelas; janelas estas que na armazenagem de grãos devem ser aproveitadas ao máximo, sem qualquer margem para desperdícios.

Quero fazer um breve comentário sobre as janelas climáticas possíveis para realizarmos operações de aeração e resfriamento na massa de grãos.

Traduzindo, essas janelas às quais me refiro são os intervalos de tempo em que encontramos condições ambientes de temperatura e umidade que sejam favoráveis para promovermos operações de aeração de resfriamento da massa de grãos armazenados objetivando sua preservação e conservação.

Vamos partir do princípio de que todos conhecemos o fato dos grãos serem higroscópicos, ou seja, buscarem uma relação de equilíbrio de temperatura e teor de umidade com o ambiente que os cerca, no nosso caso, a massa de grãos.

Nesse sentido, não necessitamos nos delongar demasiadamente quanto às questões envolvendo a fisiologia dos grãos, a qual tem relação direta com sua conservação.

É sabido de todos que atuam no contexto da armazenagem de grãos que, para obtermos uma boa condição de conservação, que propicie a preservação e manutenção dos índices de qualidade do produto, devemos promover o resfriamento e equilíbrio higroscópico em níveis adequados e seguros através da manipulação das condições de temperatura e umidade relativa intersticial da massa, seja por meio de aeração com ar natural ou resfriamento artificial.

Resumindo o tema, boa conservação requer, dentre outros, bom

resfriamento e teor de umidade controlado à níveis adequados.

Obter tal condição torna-se menos preocupante e dificultoso quando utilizadas tecnologias de resfriamento artificial. Já quando nosso recurso disponível se limita ao ar natural ambiente e aeração convencional, as dificuldades e desafios aumentam em escala bastante significativa.

O uso de aeração convencional praticamente inviabiliza a obtenção de um bom resfriamento da massa de grãos na maior parte das regiões produtoras de grãos brasileiras. Quando digo bom resfriamento, me refiro a temperaturas da massa de grãos de 20°C ou menos.

Levando em conta nossas características climáticas é notório que na maioria das regiões brasileiras, com sistema de aeração convencional, obter tais números é praticamente impossível.

As temperaturas médias de armazenagem no Brasil costumam ficar geralmente acima dos 24°C (entre 24-27°C na maioria das regiões).

O grande problema reside no fato de os grãos não se adaptarem à nossa condição de clima durante o armazenamento.

Suas características fisiológicas demandam temperaturas amenas e teor de umidade controlado para viabilizar a conservação e preservação dos índices de qualidade.

Dito isso, fica evidente a importância de não desperdiçarmos as “janelas” que o clima nos oferece para atingirmos tal condição.

Se nossas temperaturas médias constituem uma “porta fechada”, aproveitar períodos (as janelas) de condições mais amenas é imprescindível.

Hoje, para que seja possível não perder esses – muitas vezes escassos – intervalos diários de temperatura e umidade relativa ambiente possíveis para o resfriamento e manutenção de teor de umidade dos grãos armazenados temos à disposição os sistemas de automação e termometria, os quais monitoram constantemente as condições climáticas relatórios de “horas perdidas” de aeração que alguns sistemas de termometria oferecem.

Avaliar as razões pelas quais essas “janelas” estão sendo perdidas é de suma importância, assim como corrigir nossas práticas operacionais sempre que possível visando evitar o desperdício de oportunidades, muitas vezes escassas.

Como costumo dizer aos alunos do curso Excelência em Conservação de Grãos, quando falamos em armazenagem, existem coisas que não temos condições de mudar: a característica climática, a fisiologia dos grãos e as características biológicas das pragas. Por outro lado, podemos adequar nossa estratégia de modo a promovermos a melhor condição possível de conservação.

Dentre essas adequações, não perder as “janelas” climáticas muitas vezes escassas é de suma importância, quando falamos em promover resfriamento da massa de grãos.

Além disso, é importante buscarmos analisar nosso ciclo de armazenagem de uma forma mais estratégica, visando coordenar nossas operações de maneira a obtermos melhores resultados.

É importante conhecermos as tendências do comportamento climático da nossa região durante o período que estamos projetando a armazenagem de forma a traçarmos uma estratégia mais eficiente e com maior economia possível.

Por exemplo: se temos previsão de armazenar um lote de grãos durante 03 meses, é importante entender as tendências climáticas nesse período, conhecer as temperaturas médias que historicamente ocorrem durante esse intervalo e assim traçar uma estratégia. Isso não nos dará garantias absolutas de sucesso, mas certamente irá nos conduzir de maneira mais assertiva, contribuindo para melhores resultados.

Para demonstrar isso de uma forma mais visual, vamos acompanhar um gráfico com uma situação fictícia (figura 01) para tornar a explicação mais simples:

e acionam automaticamente os aeradores sempre que a situação encontrada seja favorável.

No entanto muitas vezes o que ocorre é que essas “janelas” possíveis são encontradas durante as madrugadas ou em então em horários em que o custo de energia elétrica torna a operação mais onerosa. Daí muitas vezes os sistemas estão programados para não operarem, seja devido os custos com energia elétrica, seja por políticas e normas de segurança internas das empresas e assim perdem-se as tais janelas (oportunidades?).

Isso pode ser constatado nos

Figura 1: Análise de condições climáticas no ciclo de armazenagem

O gráfico (figura 01) apresenta uma situação fictícia de curvas de comportamento climático de temperatura e umidade relativa ao longo de um ano (janeiro a dezembro).

Na curva azul contínua temos a tendência de Umidade Relativa Média Máxima durante o período. Na curva vermelha contínua temos a tendência de temperatura média para o período.

As linhas tracejadas (azul e vermelha) indicam as alterações de temperatura e umidade relativa ocorridas nos sistemas de aeração, devido atrito e turbilhonamento gerado dentro dos ventiladores e canalizações, provocando alteração nas condições do ar que é insuflado na massa de grãos, ou seja: aumento de temperatura (geralmente +3°C) e redução da umidade relativa (na casa de -10%) em relação à condição ambiente.

Esses comportamentos podem ser analisados na carta psicrométrica, porém não vamos nos deter agora nesse ponto para não nos delongarmos além do necessário para o tema central aqui abordado.

Dito isso, temos ainda no gráfico (fictício, volto a reforçar) a indicação de um ciclo de armazenagem que vai de 15/março a 15/junho, aproximadamente.

Dentro desse ciclo de armazenagem, temos indicado na linha verde nosso objetivo de manutenção de teor de umidade, girando na casa de 13% (soja), coincidindo com umidade relativa de equilíbrio próxima à 70%.

Na linha magenta temos nosso objetivo de resfriamento, partindo de aproximadamente 27°C almejando temperatura final de 20°C.

Visto isso, temos então, observando nosso gráfico, uma visão bastante interessante para traçarmos nossas estratégias de manejo nessa situação.

Podemos ver as evoluções da condição climática ambiente ao longo do ciclo, comparar com nossos objetivos de temperatura e teor de umidade do produto armazenado e buscar viabilidade operacional.

Analisando o gráfico considerando temperatura e umidade relativa média máxima já corrigidas (linhas azul e vermelha tracejadas), podemos ver que teremos maior facilidade para realizar resfriamento (temperatura ambiente média abaixo de 20°C) apenas a partir do início do mês de maio.

Já para a manutenção do teor de umidade no objetivo de 13% encontramos condições de umidade relativa ambiente média máxima favorável apenas em meados do mês de junho, já próximo do final do ciclo de armazenagem com um possível agravante: dias/períodos de chuva.

O que podemos concluir então a partir da análise desse gráfico, ainda que fictício?

Observando as tendências médias de temperatura e umidade relativa, podemos perceber dificuldades na obtenção de nosso objetivo de manutenção de teor de umidade e resfriamento durante a primeira metade do ciclo de armazenagem previsto na situação apresentada no gráfico (março a maio).

Devido esse fato, torna-se de extrema importância o aproveitamento das oscilações diárias de temperatura e umidade relativa que nos permitem janelas favoráveis à realização de operações de aeração, especialmente no início do ciclo da armazenagem, onde deve ser priorizado a resfriamento da massa de grãos.

Não podemos correr risco de perder janelas climáticas diárias favoráveis à realização de aeração.

Devemos sempre aproveitar os picos diários com umidade relativa acima de 70% (ver figura 02) de modo a manter o teor de umidade dos grãos em níveis adequados e não promover secagem do produto.

Figura 2: Picos diários de Umidade Relativa ambiente

Se fizermos uma análise diária de condições climáticas numa situação real, encontraremos oscilações de temperatura e umidade relativa praticamente todos os dias, onde teremos momentos (por vezes algumas horas) com janelas favoráveis à realização de aeração. Esses momentos devem ser aproveitados.

Observando ainda a situação fictícia apresentada no gráfico (figura 01), podemos perceber também que essas janelas possíveis tendem a aumentar na segunda metade do ciclo de armazenagem adotado (maio a junho), criando então uma maior facilidade e tranquilidade para o manejo, desde que tudo tenha sido feito da maneira correta no início, obviamente.

Devemos considerar sempre que o resfriamento da massa de grãos deve ser priorizado desde o início do armazenamento (figura 03) pois, quanto antes os grãos forem resfriados, menores as chances de ocorrência de problemas e possíveis perdas, logo devemos também manter atenção quanto às janelas de temperatura diárias possíveis para aeração de resfriamento.

Figura 3: Evolução do Resfriamento da massa de grãos

Dito isso, restam poucos argumentos para mostrar o quanto é importante não perder as oportunidades de realização de aeração de resfriamento em um ciclo de armazenagem quando temos as médias de temperatura e umidade fora da faixa ideal para uma boa conservação.

Analisando o gráfico (modelo fictício, lembrando) é possível notar que durante o ciclo de 03 meses tivemos menos de 10 dias com condição de temperatura e umidade relativa ambiente médias favoráveis ao objetivo final de temperatura e teor de umidade da massa de grãos (20°C – 13%).

Dentro desses quase 10 dias, numa situação real, existe ainda uma séria possibilidade de haver ocorrências de chuva, complicando ainda mais a situação.

Sendo assim, fica muito fácil observar a importância de não perdermos as janelas climáticas diárias possíveis para realizar aeração.

Devemos aproveitar sempre os picos diários de umidade relativa mais elevada e temperaturas amenas, geralmente encontrados em períodos noturnos, para realizar aeração.

Os relatórios de “horas perdidas” de aeração apresentados por alguns sistemas de termometria devem ser, na medida do possível, zerados.

Imaginar ainda que será possível obter resultado favorável realizando operação de aeração apenas no período em que temperatura e umidade relativa ambiente médias sejam favoráveis pode nos levar a situações impossíveis de serem corrigidas ocasionando grandes perdas, visto o metabolismo dos grãos por si só provocar aquecimento.

Logo, sempre que as condições climáticas oferecerem condição adequada, devemos promover o resfriamento visando a boa conservação da massa de grãos.

Operar os sistemas de automação em modo automático (desde que corretamente configurados) pode ser determinante para aproveitarmos ao máximo essas oportunidades e obtermos os melhores resultados na conservação de grãos.

Vale lembrar mais uma vez que a situação que foi aqui apresentada no gráfico e as análises do mesmo são fictícias, não representando a realidade, com números e valores criados para serem utilizados como exemplo meramente didático.

Fica assim o desafio para cada líder, gestor e operador de unidades de armazenagem montarem seus próprios gráficos, fazerem suas análises, identificarem os diferentes cenários, os períodos críticos e assim traçarem estratégias mais assertivas no manejo e conservação de grãos.

Se, como diz o ditado, “quando uma porta se fecha, abre-se uma janela”, não desperdiçar a oportunidade e fazer boa gestão dos recursos está em nossas mãos.

This article is from: