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Destaques
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Situação mundial da lagarta-do-cartucho e os desafios de manejar a praga no sistema de cultivo do Brasil
Alvo monitorado
A importância do
monitoramento das lavouras de algodão contra a mancha-alvo
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@RevistaCultivar
Índice
Especial Spodoptera
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Mofo disseminado
Estratégias integradas
Cultivar Grandes Culturas • Ano XX • Nº 244 Setembro 2019 • ISSN - 1516-358X Crédito de Capa: Cecília Czepack
www.grupocultivar.com contato@grupocultivar.com Assinatura anual (11 edições*): R$ 269,90 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan)
Manejo de resistência de plantas daninhas
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Manejo integrado de fungos e nematoides
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Quanto custa tratar sementes de soja
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Controle otimizado da ferrugem-asiática
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Capa - Especial Spodoptera frugiperda
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Mancha-alvo em algodoeiro
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KWS Sementes amplia unidade
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Manejo do mofo-branco
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Investimentos e lançamentos Corteva
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Coluna Agronegócios
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Coluna Mercado Agrícola
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Coluna ANPII
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Fundadores: Milton Sousa Guerra, Newton Peter e Schubert Peter
do mofo-branco
Diretor Newton Peter
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Expediente
para o correto manejo
Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ : 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300
Diretas
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Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.
REDAÇÃO • Editor Gilvan Dutra Quevedo
COMERCIAL • Coordenação Charles Ricardo Echer
• Redação Rocheli Wachholz Karine Gobbi Cassiane Fonseca
• Vendas Sedeli Feijó Miriam Portugal
• Design Gráfico e Diagramação Cristiano Ceia • Revisão Aline Partzsch de Almeida
GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda.
CIRCULAÇÃO • Coordenação Simone Lopes • Assinaturas Natália Rodrigues Clarissa Cardoso • Expedição Edson Krause
Diretas Soluções
A Santa Clara Agrociência apresentou, no Congresso Andav, seus mais recentes lançamentos. Entre os produtos, foi dada ênfase especial para a nova linha de adjuvantes Silox, formada por seis compostos que se aplicam a todo tipo de cultura. A Santa Clara demonstrou ainda o Protex, um protetor solar antiestresse para as plantas, assim como sua nova geração de bioestimulantes vegetais naturais, o Matriz G, que melhora a germinação das plantas de diversas culturas, e a Linha Totale SC, que auxilia e potencializa o desenvolvimento da lavoura.
Soja
A FMC participou, em agosto, da 9ª edição do Congresso Andav, em São Paulo. “É mais produtivo quando a gente faz junto”, foi o mote do Projeto de Soja que a companhia apresentou no evento. O diretor de Negócios Brasil FMC, Marcelo Magurno, destacou a importância da sojicultora para a estratégia de negócio da empresa. “Com crescimento da produção de soja nos últimos 20 anos, a cultura tornou-se o principal mercado agrícola brasileiro, no segmento de proteção de cultivos”, explicou. Mario Lavacca
Programa
Marcelo Magurno
Diversificação
A Kimberlit Agrociências participou do Congresso Andav, em São Paulo. No ano em que completa 30 anos de atuação no mercado, a empresa tem apostado na diversificação do seu portfólio de produtos, com a aquisição da Embrafós, do segmento de organominerais e com a inauguração da Bionat, uma aposta no mercado de biodefensivos. A empresa tem a expectativa de ampliar ainda mais sua atuação por meio dos distribuidores, com soluções que vão desde fertilizantes foliares, adjuvantes, passando por indutores de resistência até tratamento de sementes.
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A Basf levou para o Congresso Andav, em São Paulo, o programa de Relacionamento Agrega, que acaba de completar um ano. A ação permite aos clientes da marca a troca de pontos acumulados durante as compras por serviços para auxiliar na produção agrícola. “Com um ano de Agrega, reiteramos nesta edição do Congresso Andav nosso compromisso em oferecer soluções adequadas às necessidades dos diferentes perfis de agricultores, contribuindo cada vez mais para a produtividade e longevidade de seus negócios”, comentou o gerente sênior de Acesso ao Mercado e Gestão de Clientes da Basf, Mario Lavacca.
Distribuição
A Agrichem aproveitou o IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav) para refletir e debater sobre o mercado de distribuição no Brasil. Segundo o diretor geral, Marcelo Soares, uma das principais preocupações da marca reside em ajudar os distribuidores a implantar um processo de vendas consultivas. Para isso, a Agrichem apresentou no evento um pacote batizado de Nutri Focar.
André Savino
Plataforma
A Syngenta apresentou, durante o IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), a plataforma de relacionamento, reconhecimento e recompensa Acessa Agro, desenvolvida pela empresa para vendas nos canais de distribuição. “É um portal que ajuda o distribuidor a se diferenciar com o seu cliente e com sua força de vendas”, explicou o diretor de Marketing da Syngenta, André Savino.
Marcelo Soares
Participação
A Corteva Agriscience esteve presente na 51ª edição do Congresso Brasileiro de Fitopatologia, em Recife, Pernambuco. Além de estreitar o relacionamento com as comunidades científica e acadêmica, a marca apresentou o inseticida Verter, indicado para o controle de pulgões, mosca-branca e psilídeo nas culturas de tomate, melão, melancia e citrus. Quem passou pelo estande da Corteva também teve acesso às soluções para controle das principais doenças que acometem as lavouras brasileiras, como os fungicidas Vessarya e Aproach Prima. “Queremos mostrar aos sojicultores que é possível fazer um manejo adequado, que costumamos chamar de manejo campeão, que utiliza estratégias eficientes para o controle de doenças, com aplicações preventivas, rotação de fungicidas e respeitando as orientações da bula, explica Marcus Fiorini, líder de Fungicidas da Corteva Agriscience.
Fungicida
A Bayer destacou no IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), o fungicida Fox Xpro para a cultura da soja. O produto possui três modos de ação e três ingredientes ativos, com destaque para o Bixafem, nova carboxamida da marca. O gerente de Marketing da Bayer, Marcelo Junqueira, destacou ainda a plataforma digital Climate FieldView.
Douglas Ribeiro
Inseticida e herbicida
Marcelo Junqueira
A Corteva Agriscience levou para o IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav) os inseticidas Closer, para controle do pulgão no algodão, e Verter, para combate a mosca-branca, pulgão e psilídeo nas culturas de tomate, melão, melancia e citros. O diretor de Marketing da empresa, Douglas Ribeiro, também destacou o pré-lançamento no Brasil do herbicida Loyant, para a cultura do arroz. www.revistacultivar.com.br • Setembro 2019
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Crescimento
A Alta participou da 9ª edição do Congresso Andav, em São Paulo. A empresa, que já conta com 30 anos de atuação em agricultura, está há cinco anos no mercado brasileiro. Segundo o diretor executivo, Paulo Alves, a expectativa para 2019 é de que a marca cresça acima do percentual de 40%.
Cristiano Figueiredo
Rede aberta
A UPL destacou a importância do conceito OpenAg para criar uma rede aberta de inovação em benefício da agricultura, no IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), em agosto, em São Paulo. "Queremos ser uma empresa aberta para novas conexões, novas formas de se relacionar e novos desafios. Assim, entenderemos efetivamente como podemos nos posicionar e definir estratégias de acesso ao mercado, escutando os parceiros distribuidores", explicou o diretor comercial da UPL, Cristiano Figueiredo.
Paulo Alves
Proteção
Presente na 51ª edição do Congresso Brasileiro de Fitopatologia, a UPL destacou o fungicida multissítio Tridium, com formulação composta por três princípios ativos, para proteger o potencial produtivo da soja aliado à manutenção da eficiência dos fungicidas sítio-específicos. De acordo com Fernando Arantes, gerente de Marketing Estratégico Portfólio Fungicidas, o produto exclusivo da UPL oferece proteção e produtividade desde o início. “Queremos fortalecer essa mensagem para os nossos clientes. Os produtos da empresa são de fácil aplicação e contam com a credibilidade da UPL. Nosso objetivo é estar sempre à frente do mercado, em todas as etapas do ciclo produtivo”, explicou.
Visão
A Alltech Crop Science levou para o Congresso Andav 2019, em São Paulo, tecnologias para melhoria da saúde do solo, proteção de plantas, nutrição e performance produtiva dos cultivos. A visão Planet of Plenty (Planeta de Abundância) foi apresentada pela equipe técnica da marca durante o evento, destacou a gerente de Marketing da Alltech, Tatiana Neves.
Relacionamento
Tatiana Neves
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O programa de relacionamento multimarcas Clube Agro foi apresentado aos participantes do Congresso Andav 2019. A plataforma será lançada para distribuidores na segunda quinzena de setembro. Ao lado da Corteva, uma das marcas associadas, foi possível criar uma aproximação com o público a quem se destina a iniciativa.
Doenças
A Syngenta participou do Congresso de Fitopatologia, em Recife, Pernambuco. O time liderado pelo engenheiro agrônomo Bruno Zuntini apresentou inovações e o portfólio da empresa para controle de doenças na cultura da soja. Outro destaque ficou por conta do Manejo Consciente, cujo principal objetivo é disseminar melhores práticas agrícolas para o uso efetivo e sustentável de defensivos agrícolas, com o apoio de técnicos, pesquisadores e outras entidades do agronegócio.
Algodão
Durante a 12ª edição do Congresso Brasileiro de Algodão, a Corteva Agriscience lançou oficialmente o inseticida Closer, que acaba de receber aprovação comercial no Brasil. Formulado a partir da tecnologia IsoclastM Active, o produto pertence a um novo grupo químico (sulfoxaminas), possui modo de ação diferenciado e será importante para o manejo integrado de pragas e de resistência. Na cultura do algodão, o inseticida é recomendado para o controle de pulgões. “Entre as características da tecnologia, destacam-se a ação de choque e o longo período de controle. O produto é seletivo a inimigos naturais, não desequilibra ácaros e possui baixíssima dose por hectare”, explicou Thomas Scott, líder de Inseticidas da área de Proteção de Cultivos da Corteva Agriscience para o Brasil e o Paraguai.
Dinâmica
A Ubyfol participou, pela primeira vez, do Congresso Andav. Durante o evento, a empresa apresentou um infográfico com soluções especiais para aplicações foliares em soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Para demonstrar as principais tecnologias para essas culturas, a empresa levou aos visitantes uma dinâmica com os produtos Potamol, Peso+ e o adjuvante de alta performance Disperse Ultra. Durante a dinâmica, ocorreu uma simulação com o uso de tubos de ensaio de grande proporção.
Fertilizantes
Os fertilizantes Métis e Métis Nutri foram lançados pelo Grupo Vittia durante o Congresso Andav. As fontes de nutrientes, como os óxidos e carbonatos, contidas nos dois produtos, embora insolúveis em água, propiciam a liberação gradual quando aplicadas sobre as superfícies das folhas, fazendo com que a planta absorva os nutrientes ao longo do tempo, possibilitando uma nutrição mineral mais equilibrada à cultura. A empresa oferece ainda adjuvantes, acaricidas, condicionadores de solo, defensivos biológicos, fertilizantes organominerais, micronutrientes granulados e sais para a agricultura e a pecuária. www.revistacultivar.com.br • Setembro 2019
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Plantas daninhas
Resistência implacável
Ao longo dos anos o problema de plantas daninhas resistentes tem perturbado o sossego de produtores brasileiros, com agravamento de prejuízos e aumento dos custos de produção. A resposta para enfrentar este desafio reside no bom uso da tecnologia
N
ão é de hoje que as plantas daninhas tiram o sono do produtor rural. No entanto, em 1994, quando foi anunciada nos EUA a soja transgênica resistente ao herbicida glifosato, parte do problema parecia ter acabado, ou pelo menos estava próxima do fim. Neste momento, se iniciou uma batalha judicial buscando trazer a tecnologia RoundUp Ready para as lavouras brasileiras. As primeiras cultivares foram
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introduzidas ilegalmente na região Sul do Brasil, no final da década de 1990, vindas principalmente do Paraguai e da Argentina. A longa batalha só acabou em 2003, quando a lei 10.688/2003 foi sancionada e liberou o cultivo de soja transgênica no Brasil. As plantas daninhas ou invasoras podem atuar de várias maneiras na redução da produtividade. Isso ocorre pela competição por luz, água, nutrientes ou pela
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liberação de metabolitos secundários tóxicos, que prejudicam o desenvolvimento da cultura de interesse, fenômeno conhecido como alelopatia. Além disso, estas plantas podem ser hospedeiras de patógenos e insetos nos períodos de entressafra, aumentando a pressão de doenças e pragas durante a safra. Há ainda problemas causados pela presença de daninhas no momento da colheita, onde suas sementes acabam
Figura 1 - Aumento do número de plantas de uma espécie resistente a um herbicida devido à aplicação repetida do mesmo princípio ativo
Fotos José Paulo Molin
Figura 2 - Talhão com a presença de plantas daninhas resistentes
misturando-se com os grãos de interesse econômico, podendo causar contaminação da carga. Os casos mais recentes desta natureza ocorreram com o fedegoso (Senna occidentalis), em que empresas se recusaram a receber cargas por conta da presença da semente desta daninha, que é tóxica para alimentação animal. Um dos aspectos biológicos das plantas daninhas que dificultam seu controle é a presença de dormência nas sementes. Isso faz com que as plantas possam germinar em diversos momentos ao longo do tempo, com diferenças de dias até vários anos. Normalmente, a estratégia usada para controle é esperar que uma quantidade significativa de plantas germine antes de se realizar a aplicação de herbicidas, entretanto existe o risco de que as primeiras plantas a germinarem já estejam maiores que o estádio
ideal de controle, levando à necessidade de aumento de doses e o risco de menor taxa de controle, além, é claro, da possibilidade de já terem produzido sementes. A própria soja, o algodão ou o milho resistentes a herbicidas podem se tornar um problema para as culturas subsequentes, uma vez que o combate pode exigir um herbicida específico, ou em alguns casos necessitar remover a planta manualmente para não comprometer a cultura de interesse. Neste mesmo sentido, o vazio sanitário, exigido por lei em 11 estados brasileiros, determina a eliminação total de plantas hospedeiras para interromper o ciclo biológico de pragas e doenças na entressafra, o que garante uma pressão menor destes problemas durante a safra. No caso do algodoeiro, que naturalmente rebrota após a
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Figura 3 - Região em vermelho, áreas infestadas com plantas daninhas resistentes no Brasil
Fonte: Embrapa 2015
sistentes, até atingir toda a lavoura. Na Figura 2 pode-se observar o problema de ervas daninhas resistentes em uma lavoura comercial, pois sobreviveram à aplicação de herbicida. A imagem aérea foi captada logo após a semeadura e demonstra claramente que essas plantas irão competir com a cultura, gerar perda de produtividade e espalhar sementes pela lavoura, aumentando a quantidade destas plantas para o próximo ano. Este problema não fica restrito apenas ao talhão onde ocorreu a seleção. As sementes se dispersam e a utilização do mesmo tipo de herbicida em nível
Fotos José Paulo Molin
colheita, a destruição da soqueira torna-se obrigatória; amparada por lei federal, com o objetivo principalmente de controle do bicudo (Anthonomus grandis) na entressafra. As principais técnicas para destruição da soqueira utilizam princípios mecânicos ou químicos, podendo ser uma combinação dos dois. No caso da destruição mecânica com o uso de máquinas específicas, a taxa de rebrota pode chegar a 30%, dependendo do tipo de máquina e características do solo. No entanto, como regra, a taxa de rebrota é sempre baixa, mas exige controle químico subsequente em área total, gerando desperdício de defensivos e gastos desnecessários, além, é claro, do impacto ambiental que pode ser evitado. É conhecido que a introdução de cultivares transgênicas com resistência ao glifosato causou uma revolução no combate às ervas daninhas no Brasil. Por possuir alta eficácia e baixo impacto ambiental, o herbicida tornou-se praticamente único durante o ciclo da soja. Em contrapartida, a repetição do mesmo princípio ativo acaba selecionando no campo as plantas daninhas resistentes. Torna-se importante destacar que a resistência não é induzida pelo herbicida, mas já existe naturalmente em alguns indivíduos que acabam sendo selecionados. O modo como são feitas a seleção e a perpetuação de uma planta daninha resistente ao longo dos anos pode ser observado na Figura 1. A seleção ocorre naturalmente quando se aplica repetidamente o mesmo herbicida, iniciando em reboleiras ao redor das plantas re-
As plantas daninhas ou invasoras podem atuar de várias maneiras na redução da produtividade
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regional alastra o problema para todo o país. Deste modo, o problema ganha proporções que atingem as principais regiões produtoras do país, ou seja, os locais de cultivo de plantas resistentes ao glifosato, como soja, milho e algodão. A Figura 3 destaca as áreas com problemas de plantas daninhas resistentes no Brasil, destacando o Norte do Rio Grande do Sul, onde as primeiras cultivares de soja RR foram semeadas. O primeiro caso de resistência de uma erva daninha ao glifosato foi observado na Austrália, em 1996. Desde então, o número de espécies só tem aumentado, tornando-se uma dor de cabeça para os agricultores em todo o mundo. Atualmente, EUA e Austrália são os países que lideram o ranking do número de espécies de plantas com comprovada resistência ao glifosato, apresentando 17 espécies e 16 espécies, respectivamente. Em terceiro e quarto lugar surgem Argentina e Brasil, com 12 espécies e oito espécies, respectivamente (Figura 4). Segundo o Levantamento Internacional de Ervas Daninhas Resistentes a Herbicidas (http://www.weedscience.org), são 43 espécies resistentes ao glifosato catalogadas no mundo (Figura 5). Apesar do elevado número, o glifosato ainda é o segundo, aparecendo atrás da atrazina, que tem nada menos que 66 espécies com resistência comprovada. No Brasil, há oito espécies com resistência comprovada ao glifosato, sendo capim amargoso (Digitaria insularis), buva (Conyza bonariensis / Conyza canadensis / Conyza sumatrensis), capim pé-de-galinha (Eleusine indica), capim branco (Chloris elata), azevém (Lolium multiflorum) e uma espécie exótica de caruru (Amaranthus palmeri). O caruru exótico ou caruru gigante é considerado a principal planta daninha do algodoeiro nos EUA e foi encontrado pela primeira vez em 2015 no estado do Mato Grosso, causando alerta entre os produtores. Por apresentar crescimento rápido, é extremamente agressivo, podendo produzir de 100.000 a 1.000.000 de sementes por planta. Além disso, a espécie apresenta resistência a seis mecanismos de ação de herbicidas, tornando o seu controle ainda mais difícil. Na safra de algodão de 2016, 2017 e
2018 não foram constatados novos casos de Amaranthus palmeri, indicando que os esforços do Instituto Mato-Grossense do Algodão (IMAmt) e do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (InDeA/MT) surtiram efeito. No entanto, as áreas em Tapurah e Ipiranga do Norte, onde a espécie foi detectada, seguirão sob intenso acompanhamento. A Argentina é um dos países afetados em que a espécie já se tornou um grave problema, espalhando-se rapidamente por todo o território do país. Após ser identificado pela primeira vez em 2011, em uma região restrita da província de Córdoba, passou a ter presença generalizada em todas as regiões em 2017, com infestações de nível moderado a alto em mais de 50% das áreas. Deixando o Amaranthus palmeri um pouco de lado e abordando o problema mais atual dos produtores, não é preciso dirigir muito pelas rodovias do Centro-Oeste para identificar plantas de capim amargoso, buva e capim pé-de-galinha. Estas três espécies têm sido as de maior recorrência na região Centro-Oeste do Brasil, já na Região Sul, além da buva, junta-se à lista o azevém. A buva resistente em solo brasileiro é representada por três espécies: Conyza sumatrensis, Conyza bonariensis e Conyza canadensis. A Conyza sumatrensis teve o primeiro caso de resistência comprovado somente em 2010. Em apenas sete anos, mais quatro mecanismos de ação de herbicidas perderam efeito para esta espécie, caracterizando uma resistência múltipla. O problema mais comum no Centro-Oeste e região do Matopiba tem sido o capim amargoso, planta perene que depois de formar touceiras torna-se difícil de ser controlada. A dispersão de sementes pelo vento a longas distâncias contribui para a disseminação desta daninha. O controle químico desta espécie deve ser realizado quando a planta ainda estiver em fase inicial de desenvolvimento, geralmente até os 45 dias após a emergência. Após este prazo, o crescimento torna-se acelerado e a formação de pequenos rizomas dificulta o seu controle. Além das oito espécies citadas como resistentes, há ainda aquelas que são tolerantes ao glifosato, ou seja, podem sobreviver à aplicação do herbicida nas doses recomendadas, mesmo sofrendo graves danos. O combate químico a estas plantas deve
ser realizado com outros princípios ativos, sempre buscando uma rotação eficiente. No entanto, na maior parte das vezes, por se tratar de produtos mais caros, resultam em aumento dos custos de produção. Estes novos gastos não faziam parte da vida do produtor até pouco tempo, o que começou a ser problema recorrente há pelo menos seis anos. Estudos recentes da Embrapa apontam para um aumento do custo de controle de 42% e 165%, em áreas com presença de buva e capim amargoso resistentes ao glifosato, respectivamente. Lavouras com a presença de ambas as espécies geram aumento médio de 222% em relação ao combate em áreas com plantas suscetíveis. Diante disso, o mercado está novamente vivendo um aquecimento em torno de cultivares de soja transgênicas resistentes a herbicidas alternativos ao glifosato. As grandes empresas do setor já estão buscando posicionar a sua tecnologia, como é o caso do sistema Cultivance (parceria entre Basf e Embrapa) resistente a herbicidas do grupo das imidazolinonas, a Xtend (Bayer) resistente ao dicamba e o Enlist (Dow Agrosciences) resistente ao 2,4-D, glifosato e glufosinato. Enquanto estas cultivares não chegam, a tecnologia pode auxiliar o produtor a cortar gastos com herbicidas sem comprometer a produção. Embora pouco divulgadas, algumas tecnologias já existem e estão à disposição do agricultor. No entanto, é importante ficar claro que naturalmente as plantas daninhas não estão distribuídas uniformemente em toda a lavoura. Na maior parte das vezes estão agregadas em reboleiras, principalmente devido à forma de dispersão das sementes. Em outras, os focos podem ser de plantas isoladas e muito esparsas. Independentemente da situação, haverá uma tecnologia capaz de auxiliar no seu combaC te localizado.
Figura 4 - Mapa global do número de espécies resistentes ao herbicida glifosato
Figura 5 - Sequência cronológica de identificação das 43 espécies resistentes ao glifosato
Fonte: Adaptado de Heap, I. The International Survey of Herbicide Resistant Weeds. (Disponível em: www.weedscience.org)
Fonte: Adaptado de Heap, I. The International Survey of Herbicide Resistant Weeds. (Disponível em: www.weedscience.org)
Mateus Tonini Eitelwein, Rodrigo Gonçalvez Trevisan e Marcos Nascimbem Ferraz, Smart Agri José Paulo Molin, USP/Esalq
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Soja
Agentes aliados Cada vez mais difundidas, as ferramentas biológicas podem oferecer benefícios no manejo integrado de fungos e de nematoides fitopatogênicos. Associadas a outras estratégias compatíveis, possibilitam combinar diferentes modos e mecanismos de ação, para aumentar a eficácia e a consistência de controle
O
s problemas de estabelecimento de plantas em lavouras de soja têm sido algo recorrente safra após safra, em várias regiões do Brasil. Muitos desses entraves têm origem na ocorrência de podridão de sementes, morte de plântulas e podridões radiculares, causadas por fungos de solo ou veiculadas pelas sementes de baixa qualidade. O impacto disso é a redução de estande e de vigor de plantas, que afeta negativamente a produtividade das lavouras. Em vários dos casos, foi necessário o replantio das lavouras, o que não é conveniente ao produtor e impacta no aumento de custos de produção. Além disso, muitos produtores, por não conseguirem entrar nas áreas, tiveram atraso da época ideal para semeadura, com penalizações no potencial produtivo das lavouras. Diversas espécies de fungos podem estar relacionadas aos pro-
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blemas de emergência, tais como: Phytophthora sojae; Pythium spp.; Fusarium spp., Rhizoctonia solani, Phomopsis sojae e Colletotrichum truncatum. Muitos desses patógenos, além de causarem problemas de estabelecimento, se não forem controlados eficientemente podem causar doenças em parte aérea em plantas adultas. É o caso, por exemplo, de Phytophthora sojae, que pode atacar a cultura em qualquer estágio, desde que ocorram condições favoráveis. Os principais fatores ambientais ocorridos na safra 2018/19 que favoreceram o ataque de fungos foram o excesso de umidade e as baixas temperaturas do solo. Áreas que apresentavam baixa capacidade de infiltração (solos compactados) tiveram problemas mais recorrentes, especialmente com os oomicetos de solo, Phytophthora sojae e Pythium spp., que são muito favorecidos pe-
Fotos Elevagro
Figuras 1 - Sintomas do ataque de fungos em plantas de soja na fase inicial de estabelecimento
lo excesso de água. A baixa temperatura do solo causa atraso na emergência das plântulas, o que as torna mais vulneráveis à infecção por fungos. Dentre os fatores que afetam a qualidade da emergência e o crescimento inicial de plantas, muitos estão na mão do produtor, como o uso de sementes de qualidade, a operacionalização de uma boa prática de semeadura e o investimento em maior qualidade física, química e biológica do solo. Otimizando e ajustando esses fatores de manejo, o produtor poderá minimizar os problemas com as adversidades climáticas, sobre as quais não tem o controle. A proteção inicial da emergência com o uso de fungicidas em tratamento de sementes é uma prática fundamental. Existem diversas opções de fungicidas específicos e formulados adequadamente para tratamento de sementes. O uso de produtos não recomendados para essa modalidade pode comprometer a eficácia de controle e causar fitotoxidade nas plantas. Para a escolha assertiva de qual fungicida utilizar, é importante conhecer quais fungos se quer controlar, pois a efetividade varia conforme o alvo. A proteção proporcionada pelo tratamento de semente é relativamente curta (em torno de 12 dias a 14 dias). Nesse sentido, não se pode depositar toda a responsabilidade de proteção sobre os fungicidas, e sim pensar em estratégias que possam contribuir para uma proteção mais consistente e duradoura. Nesse cenário, o controle biológico passa a ter papel fundamental no mane-
jo integrado de doenças, visto que, atualmente há diversas opções de produtos com ação biofungicida. Espécies do fungo Trichoderma spp. e de bactérias do gênero Bacillus estão entre os principais e mais utilizados produtos biológicos na atualidade quando se trata de controle de fungos. Bacillus sp., por exemplo, são bactérias com a capacidade de formar endósporos, que são células especiais de resistência, as quais proporcionam à bactéria maior habilidade de sobrevivência em diferentes ambientes e condições adversas. Além do controle de fitopatógenos, esses agentes de biocontrole podem atuar como promotores de crescimento em plantas, tanto do sistema radicular como de parte aérea. Dentre as vantagens desses micro-organismos estão a ação sobre uma ampla gama de patógenos e a capacidade de atuar por meio de múltiplos mecanismos de ação. Dentre esses mecanismos, é possível citar a competição por espaço e recursos do meio; a síntese de substâncias com ação antimicrobiana; a capacidade de parasitismo direto, especialmente no caso de Trichoderma spp., sobre estruturas de resistência de alguns fungos, como Sclerotinia sclerotiorum; a síntese de compostos voláteis tóxicos; e ainda a capacidade de induzir mecanismos de resistência sistêmica nas plantas. Nota-se que é possível alcançar níveis de controle satisfatórios com a utilização de agentes biológicos (Figura 2). Os dados são oriundos de testes em casa de vegetação, em que foi utilizado o agente Bacillus amyloquefaciens, aplicado em tratamento de sementes de soja para o controle de
diferentes fungos, comumente relacionados a problemas de emergência, inoculados ao substrato. Através da avaliação de incidência, foi possível observar reduções próximas a 50% do ataque dos fungos na presença do agente biológico. São evidentes as vantagens da utilização de produtos biológicos dentro de um contexto de manejo integrado de doenças. A aplicação desses agentes pode se dar nos cultivos de inverno, nas culturas que antecedem a soja, com o objetivo de atacar o inóculo inicial de doenças já presentes na área, sobreviventes no solo ou nos restos culturais. Posteriormente, novas aplicações deverão ser planejadas por ocasião da semeadura e pós-emergência da cultura.
AGENTES BIOLÓGICOS NO MANEJO DE NEMATOIDES
Os nematoides passam grande parte do ciclo de vida no solo. Vários fatores nesse ambiente influenciam no seu desenvolvimento e dinâmica populacional, como plantas hospedeiras, temperatura, umidade, aeração, textura, matéria orgânica e microbiota. O número de nematoides presentes do solo aumenta com a presença de plantas hospedeiras e as condições ambientais favoráveis. Em áreas bem infestadas, o ataque em culturas como soja, milho, feijão, tabaco, algodão, arroz, entre outras, causa grandes perdas, chegando a inviabilizar o cultivo em determinadas áreas. Na cultura da soja, por exemplo, os mais problemáticos têm sido os nematoides-das-galhas (Meloidogyne incognita e M. javanica), o nematoide-do-cisto-da-soja (Heterodera glycines), o nematoide-das-lesões radiculares (Pratylenchus brachyurus) e o nematoide-reniforme
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Figuras 2 - Eficiência de controle de Bacillus amyloliquefaciens sobre patógenos via tratamento de sementes em soja
(Rotylenchulus reniformis). A redução populacional desses nematoides no solo tem sido possível com a utilização, principalmente, de cultivares tolerantes/resistentes, com a rotação de culturas não hospedeiras, com o uso de nematicidas químicos e de agentes de controle biológico. O uso de micro-organismos para o controle biológico tem crescido muito, ao ponto de haver 23 produtos registrados no Brasil. O Instituto Phytus, localizado nas regiões Sul e Centro-Norte do Brasil (Rio Grande do Sul e Distrito Federal), tem acompanhado, através de estudos a campo, em lavouras comerciais de soja, infestadas com nematoides, os benefícios do uso de agentes biológicos no manejo desses patógenos. Tem sido verificados efeitos benéficos na redução populacional e incrementos significativos de produtividade pela utilização desses produtos (Figuras 3). Dentre as classes
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de micro-organismos com potencial de controle biológico estão alguns fungos, bactérias, ácaros, protozoários, oligoquetas e vírus, mas os mais utilizados, até então, em produtos comerciais, têm sido alguns fungos e bactérias. Os agentes de biocontrole podem atuar sobre diferentes fases da vida do nematoide, como na de ovo, juvenis móveis no solo ou no interior das raízes. Uma das grandes vantagens desses micro-organismos é a multiplicidade dos mecanismos de ação. Podem produzir compostos tóxicos, parasitar diretamente e matar os nematoides, além de competir por espaço e alimento. A concentração dos agentes de biocontrole no solo é maior onde há alimento, isto é, ao redor das raízes, que liberam nutrientes em seus exsudatos. Nesse sentido, a capacidade de o nematoide detectar e penetrar as raízes também pode ser
Fotos Elevagro
alterada pelos agentes de biocontrole. Além disso, alguns fungos e bactérias têm a capacidade de emitir sinais para a planta que desencadeiam ativação de respostas de defesas, tornando-as mais resistentes. Desse modo, a formação de células vegetais especializadas para a alimentação dos nematoides é alterada, impedindo a sua nutrição. Toxinas e enzimas líticas também são produzidas por fungos e bactérias, que podem degradar a parede celular de ovos ou a cutícula do corpo dos nematoides, favorecendo a sua predação e morte. O gênero com maior sucesso para o controle biológico de fitonematoides no momento tem sido as espécies de Bacillus, sendo as mais utilizadas B. subtilis, B. firmus, B. methylotrophicus, B. licheniformis e B. amyloliquefaciens. Essas bactérias vivem nas proximidades ou no interior das raízes, por isso são chamadas de rizobactérias, e não apresentam efeitos nocivos para as plantas, pelo contrário, podem atuar como promotoras de crescimento. Bactérias do gênero Pasteuria são outros exemplos que têm sido testados no controle de nematoides. Essas bactérias são parasitas de nematoides e dependem exclusivamente deles para se multiplicarem no solo. Além dessas bactérias, alguns fungos colonizadores de raízes, podem apresentar efeitos benéficos no controle de nematoides, como Purpureocillium lilacinum, Pochonia chlamydosporia e espécies de Trichoderma, ambos já encontrados em produtos comerciais. Tais fungos podem parasitar os nematoides, levando-os à morte, bem como podem induzir resistência sistêmica nas
Caroline, Santos e Bellé destacam importância de agentes de biocontrole
plantas e promover o desenvolvimento radicular e da parte aérea. A forma de aplicação, o momento e as condições do meio são fatores que afetam a eficácia dos biológicos. A aplicação apenas em tratamento de sementes possui efeito inferior comparada à aplicação no sulco. A combinação de sulco + tratamento de semente proporciona os melhores resultados. É importante que o solo apresente umidade e temperatura adequadas para que os biológicos funcionem, pois estes produtos precisam de condições favoráveis para germinarem, crescerem e colonizarem o solo. Quanto ao momento, diversos trabalhos têm indicado que a aplicação antecipada, durante a entressafra, pode possibilitar que os biológicos iniciem sua atividade sobre o inóculo inicial dos nematoides, principalmente em restos culturais e nos ovos no solo, propiciando uma redução da pressão de ataque na cultura de verão subsequente. O planejamento assertivo das culturas de inverno a serem utilizadas ou aquelas de cobertura para formação de palhada, com a aplicação de biológicos, pode proporcionar resultados muito positivos no manejo de nematoi-
des. Posteriormente, novas interferências podem ser planejadas por ocasião da semeadura da cultura. Considerando os benefícios proporcionados, os agentes biológicos se apresentam como ferramentas importantes a serem inseridas dentro de um programa de Manejo Integrado. A associação de estratégias é muito promissora, pois possibilita combinar diferentes modos e mecanismos de ação, que podem aumentar a eficácia e a consistência de controle. Associar diferentes biológicos, fungos + bactérias, por exemplo, bem como associar nematicidas químicos + biológicos, tem sido uma estratégia testada pela pesquisa para maximizar o controle. Especialmente no caso de combinações de químicos + biológicos, é muito importante haver avaliações prévias de compatibilidade. No caso de existir compatibilidade, torna-se uma combinação interessante, podendo promover maior efeito residual e redução C populacional dos nematoides. Caroline Gulart, Paulo Sergio dos Santos e Cristiano Bellé, Instituto Phytus
Figura 3 - Incrementos produtivos em função da adoção de agentes de controle biológico no manejo de nematoides em diferentes safras e regiões produtoras de soja no Brasil
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Soja
Custo de tratar
Levantamento realizado nos últimos dez anos aponta que o investimento em tratamento de sementes com fungicida e inseticida no Brasil responde por apenas 2,2% do custo de produção, estimado em R$ 2.076,15 por hectare de soja. Prática equivale a seguro barato, ante os benefícios que proporciona em proteção do desenvolvimento inicial da cultura
O
uso de defensivos agrícolas no tratamento de sementes de soja confere à planta condições de defesa, o que possibilita maior potencial para o desenvolvimento inicial da cultura. O controle de pragas e doenças que atacam a cultura é realizado desde o início de seu ciclo com uso de
inseticidas e fungicidas no tratamento de sementes, sendo essa uma prática eficiente e amplamente adotada. A importância do tratamento de sementes com fungicidas, no contexto atual da agricultura brasileira, dispensa maiores argumentações, considerando o seu valor como medida preventiva no
controle integrado de inúmeras doenças de impacto econômico na cultura da soja. A maioria das doenças de importância econômica que ocorrem na cultura da soja é causada por patógenos que podem ser transmitidos pelas sementes. Por meio delas, esses micro-organismos sobrevivem através dos anos (meio de
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Fotos Augusto César Pereira Goulart
Figura 1 - Custo do tratamento de sementes e custo total da soja, por hectare, no período de 2008/2009 a 2018/2019, em Mato Grosso do Sul
Plantas de soja em área com uso de sementes tratadas
perpetuação de doenças de geração a geração) e se disseminam pela lavoura, como focos primários de doenças. No Brasil, os fungos de maior importância que ocorrem em sementes de soja são Phomopsis sojae, Colletotrichum truncatum, Cercospora kikuchii, Fusarium semitectum, Sclerotinia sclerotiorum, Corynespora cassiicola e Aspergillus flavus. Baseado em critérios de importância, patogenicidade e ocorrência, merece destaque também outro patógeno que não pertence a essa categoria de “fungos de sementes”. Trata-se do fungo de solo Rhizoctonia solani Kuhn, grupo de anastomose (AG)-4 (teleomorfo: Thanatephorus cucumeris (A.B. Frank) Donk), que pode ser transmitido pelas sementes, porém raramente isto ocorre, motivo pelo qual a semente não é considerada a principal fonte de inóculo desse fungo. A maneira mais eficaz e econômica de controle desses patógenos é o tratamento das sementes com fungicidas. Os objetivos do tratamento de sementes de soja com fungicidas se enquadram em dois grupos distintos: o primeiro, que se refere aos aspectos epidemiológicos (controle e transmissão do patógeno – itens 1, 2 e 3) e o segundo, relacionado à sustentabilidade da lavoura na fase inicial de desenvolvimento (itens 4, 5 e 6). Para a escolha correta de um fungicida, o primeiro aspecto que deve ser considerado é o organismo-alvo do tratamento. Neste contexto, sabe-se que, de forma variável, os fungicidas diferem entre si quanto ao espectro de ação ou especificidade. Assim, a ação combinada de fungicidas sistêmicos com protetores tem sido estratégia das mais eficazes no controle de patógenos das sementes e do solo, uma vez que o espectro da mistura é ampliado pela ação de dois ou mais produtos. Desse modo, verificam-se melhores emergências de plântulas no campo com a utilização de misturas, em comparação ao uso isolado de um determinado fungicida. Atualmente, as misturas mais utilizadas para o tratamento de sementes de soja são carbendazim + thiram, carboxin + thiram, fludioxonil + mefenoxan, fipronil + piraclostrobin + tiofanato metílico, fludioxonil + mefenoxan + thiabendazole, tiofanato metílico + fluazinan e clorotalonil + tiofanato metílico, nas doses recomendadas pelos fabricantes. Para evitar possíveis perdas decorrentes da ação de pragas de solo e da parte aérea, que danificam as sementes e as plântulas de soja, tem-se como alternativa o uso de inseticidas no tratamento de sementes. A adoção dessa prática proporciona melhor desenvolvimento inicial da cultura, controlando as pragas iniciais
e contribuindo para a obtenção do estande inicial almejado, possibilitando, na maioria dos casos, reduzir o número de aplicações de inseticida após a emergência da cultura. Dentre os ingredientes ativos recomendados para o tratamento de sementes de soja com inseticidas, os mais utilizados são thiametoxan e imidacloprid, fipronil, imidaclopride + tiodicarb. Considerando a importância dessa tecnologia, elaborou-se esse trabalho com o objetivo de avaliar a adoção e o custo do tratamento de sementes de soja.
ADOÇÃO DO TRATAMENTO DE SEMENTES DE SOJA COM FUNGICIDAS E INSETICIDAS
A prática do tratamento de sementes de soja com fungicidas no Brasil vem crescendo a cada ano, partindo de apenas 5% da área de soja semeada com sementes tratadas na safra 1991/1992 e atingindo significativos 98% na safra 2016/2017, sendo 25% oriundos do tratamento de sementes industrial (TSI) e 73% provenientes do tratamento realizado na propriedade agrícola, também denominado on farm. Em relação à adoção do uso de inseticidas no tratamento de sementes de soja, até a safra 2016/17, esses dados ainda não tinham sido levantados no Brasil. Na safra 2017/18, a adoção do tratamento de sementes de soja (aí já considerando fungicida + inseticida) atingiu os 100%, sendo 74% on farm e 26% TSI. Na safra 2018/19, foi observada uma variação bastante significativa nessa proporção, sendo 65% de adoção para o tratamento on farm e 35% para o TSI, evidenciando uma forte tendência de crescimento do TSI no Brasil. Esta prática caracteriza-se basicamente pela utilização de equipamentos especiais que asseguram cobertura, dose e qualidade das sementes, possibilitando sua comercialização já tratadas, dentro de elevados e seguros padrões de qualidade. As vantagens do TSI em relação ao tratamento on farm são cobertura uniforme, dose adequada (precisão na quantidade do fungicida), qualidade das sementes garantida, evita o contato do produtor com o fungicida, redução do risco de contaminação, padrão de segurança garantido, tratamento de elevada qualidade, agrega valor ao produto (semente), além de proporcionar economia de tempo.
CUSTO DO TRATAMENTO DE SEMENTES DE SOJA COM FUNGICIDAS E INSETICIDAS
Em qualquer processo produtivo, um dos pontos mais impor-
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Tabela 1 - Misturas formuladas e respectivas doses dos fungicidas/inseticidas recomendados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o tratamento de sementes de soja e usados na composição do custo de produção Nome comum Carbendazin + thiram Carboxin + thiram Fipronil Piraclostrobina + tiofofanato metílico + fipronil
Dose do i. a. (g/100kg de sementes) 30 g + 70 g 50 g + 50 g 50 g 5 g + 45 g + 50 g
Dose do P. C. (g ou ml/100kg de sementes) 200 ml 250 ml 250 g 200 ml
Nota: i.a. = ingrediente ativo; P.C. = produto comercial
produto contendo inseticida e fungicida em sua composição. As informações relativas ao tratamento de sementes e ao custo de produção da cultura da soja foram provenientes do conjunto de dados publicados pela Embrapa Agropecuária Oeste, no período de 2008/2009 a 2018/2019, Mato Grosso do Sul (Figura 1). Na evolução do custo do tratamento de sementes observa-se que enquanto foi usado apenas fungicida, o impacto no custo de produção foi de apenas 0,76% na safra 2008/2009 e 0,29% na de 2009/2010. Com a introdução do inseticida em 2010/2011, houve aumento do custo do tratamento, passando a ser de 3,19%. A partir de então, o custo com o tratamento de sementes apresentou trajetória descendente até a safra 2016/2017, quando foi observado um discreto aumento, voltando a decrescer nas últimas duas safras. Esse acréscimo registrado na safra 2016/2017 se deu
Objetivos do tratamento de sementes de soja 1) Erradicar ou reduzir, aos mais baixos níveis possíveis, os fungos presentes nas sementes. 2) Proporcionar a proteção das sementes e plântulas contra fungos do solo. 3) Evitar o desenvolvimento de epidemias no campo. 4) Promover condições de uniformidade na germinação e emergência. 5) Proporcionar maior sustentabilidade à cultura pela redução de riscos na fase de implantação da lavoura. 6) Promover o estabelecimento inicial da lavoura com uma população ideal de plantas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento de sementes é uma prática de suma importância, pela ótima relação benefício/custo e por proporcionar inegáveis vantagens para o produtor e para a economia do País. Por essa razão, o tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas vem sendo utilizado por um número cada vez maior de produtores, para garantir populações adequadas de plantas, principalmente quando as condições edafoclimáticas durante a semeadura são adversas. Assim, pode-se considerar que o tratamento de sementes é um "seguro barato" que o agricultor faz no início de C implantação de sua lavoura.
Augusto César Pereira Goulart
tantes que o produtor considera é o aspecto financeiro. De maneira geral, é lógico e compreensível que o agricultor pense dessa maneira, pois a sua atividade objetiva lucro. Partindo desse ponto de vista, torna-se fundamental que o agricultor saiba quanto vai gastar pela adoção de uma determinada prática agrícola na sua propriedade. Levando-se em conta os gastos necessários para a condução do processo produtivo de uma lavoura de soja, o tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas é uma tecnologia que auxilia no controle de doenças e pragas nas fases iniciais da cultura, sendo uma das práticas de menor impacto no custo de produção dessa cultura. Considerou-se como tratamento de sementes, o uso de fungicida e inseticida em suas dosagens recomendadas (Tabela 1). Nos anos de 2008/2009 e 2009/2010 foi utilizado na composição do custo apenas o fungicida. No período das safras 2010/2011 a 2013/2014, além do fungicida, usou-se o inseticida. A partir da safra 2014/2015, empregou-se apenas um
devido à majoração dos preços dos defensivos agrícolas, o que acarretou aumento no custo de produção. Apesar do custo de produção elevar-se na safra 2018/2019, o custo com tratamento de sementes permanece praticamente estável em 1,5% (Figura 1). Considerando-se a média do período analisado, o tratamento de sementes com fungicida e inseticida representou apenas 2,2% do custo de produção de 1ha de lavoura de soja, que foi de R$ 2.076,15.
Sementes de soja tratadas industrialmente
Alceu Richetti e Augusto César Pereira Goulart, Embrapa Agropecuária Oeste
Soja
Eficácia otimizada
Na batalha contra a ferrugem-asiática, principal pesadelo dos produtores, é preciso lançar mão de estratégias que auxiliem a melhorar a eficácia da aplicação de produtos fitossanitários. Neste sentido, o uso de adjuvantes agrícolas pode auxiliar em diversos aspectos, como facilitar as operações, aumentar a deposição das gotas na planta, prevenir deriva e reduzir o volume de calda com economia de água
O
sucesso da produção de soja no Brasil depende de medidas integradas no sistema de produção, com o objetivo de reduzir riscos, perdas e custos, para tornar a atividade viável e sustentável. Dentre os principais fatores que reduzem a produtividade agrícola de soja estão as doenças, com destaque para a ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrizi) a mais severa delas, que ocorre em todo o território nacional, causando perdas que variam entre 10% e 90% na produtividade das lavouras. O controle químico da ferrugem-asiática da soja é o método mais utilizado para o manejo da doença. A cultura da soja é a que tem maior consumo de adjuvantes no Brasil. Estimativas recentes relatam que são consumidos aproximadamente 50 milhões de litros de óleos emulsionávies no país, entre óleo vegetal e mineral, 35 milhões nas lavouras de soja. A utilização de adjuvantes na cultura apresenta uma série de vantagens, como aumentar a deposição das gotas na planta, diminuir a deriva e permitir, em muitas situações de campo, a redução do volume de calda com economia de água.
UTILIZAÇÃO DE ADJUVANTES NA AGRICULTURA
Os adjuvantes melhoraram a performance dos produtos fitossanitários nas diferentes situações de campo, principalmente quando utilizados em mistura de tanque. São compostos sem qualquer atividade biológica sobre plantas invasoras, patógenos e insetos que melhoram de forma geral a eficácia da aplicação dos produtos fitossanitários. Qualquer substância adicionada à formulação ou à calda na mistura de tanque que modifique a atividade do ingrediente ativo ou as características da formulação é um adjuvante. Suas principais funções são aumentar a eficácia dos produtos, facilitar a aplicação e minimizar possíveis problemas, principalmente aqueles relacionados à
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deriva. Na prática, os modernos adjuvantes melhoram a molhabilidade, a espalhabilidade e a penetrabilidade dos produtos no alvo biológico.
FUNÇÃO DOS ADJUVANTES AGRÍCOLAS
A atividade dos adjuvantes pode ser dividida entre dois tipos: adjuvantes que aumentam a atividade biológica e adjuvantes de utilidade. Os primeiros aumentam a eficácia biológica, enquanto os últimos modificam as características físicas da mistura de tanque utilizada na pulverização. Basicamente, os adjuvantes são utilizados na agricultura para aumentar a eficácia do produto, facilitar a aplicação e minimizar possíveis problemas de aplicação. Os agricultores, de forma geral, estão aplicando um volume menor de pulverização por unidade de área, exigindo uma boa cobertura. Outra tendência na agricultura é a redução nas doses de aplicação. Por meio de práticas gerais, bem como por meio de registro, o principal objetivo será a redução do impacto dos agroquímicos no ambiente. Os adjuvantes têm uma base histórica na redução de doses, e muitas pesquisas demonstram que a redução tem sido possível, em muitos casos, com a adição de adjuvantes.
REDUÇÃO DO VOLUME DE CALDA DA PULVERIZAÇÃO
Diversos trabalhos de pesquisa conduzidos no campo demonstram que é possível a redução do volume de aplicação em soja para o controle da ferrugem. Um dos trabalhos realizados pelo professor Luís Azevedo, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, na safra 2015/2016, obteve resultados bem consistentes com redução do volume de calda de 100 litros para 50 litros, desde que utilizados adjuvantes recomendados pelos fabricantes específicos para os fungicidas registrados para a ferrugem-asiática. Nessa
Cultivar
Figura 1 - Papéis hidrossensíveis da cobertura dos folíolos de soja de ciproconazole + azoxistrobina (0,3L/ha), azoxistrobina + benzovindiflupir (0,3L/ha) e trifloxistrobina + protioconazole (0,4L/ha) aplicados com o volume de 100L/ha
Melhorar o desempenho das aplicações de fungicidas é fundamental no manejo da doença
Figura 2 - Papéis hidrossensíveis da cobertura dos folíolos de soja de ciproconazole + azoxistrobina + nimbus (0,3L/ha + 0,5L/ha), azoxistrobina + benzovindiflupir + nimbus (0,3L/ha + 0,5L/ha) e trifloxistrobina + protioconazole + aureo (0,4L/ha + 0,25L/ha) aplicados com o volume de 50L/ha
André Shimohiro
Figura 3 - Papéis hidrossensíveis da cobertura dos folíolos de soja de ciproconazole + azoxistrobina + nimbus (0,3L/ha + 0,5L/ha), azoxistrobina + benzovindiflupir + nimbus (0,3L/ha + 0,5L/ha) e trifloxistrobina + protioconazole + aureo (0,4L/ha + 0,25L/ha) aplicados com o volume de 100L/ha
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Figura 4 - Papéis hidrossensíveis da cobertura dos folíolos de soja de ciproconazole + azoxistrobina + nimbus + mancozebe (0,3L/ha + 0,5L/ha + 1,5L/ha ou kg/ha) aplicados com os volumes de 50L/ha e 100L/ha
A ferrugem é a mais severa das doenças na cultura da soja
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muito bom para a avaliação da cobertura da pulverização. A adição dos adjuvantes específicos aos fungicidas melhorou a cobertura dos folíolos de soja. As pesquisas de campo envolvendo a utilização de adjuvantes, especialmente a classe dos óleos emulsionáveis, na cultura da soja para a redução
Luís Antônio S. de Azevedo, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Instituto de Ciências Biológicas Depto de Entomologia e Fitopatologia
Marcelo Madalosso
pesquisa, foram avaliados os fungicidas azoxistrobina + ciproconazole + nimbus; azoxistrobina + ciproconazole + nimbus + mancozebe; azoxistrobina + benzovindiflupir + nimbus; azoxistrobina + benzovindiflupir + nimbus + mancozebe; trifloxistrobina + protioconazole + aureo; trifloxistrobina + protioconazole + aureo + mancozebe; azoxistrobina + ciproconazole; azoxistrobina + benzovindiflupir; trifloxistrobina + protioconazole. Todos os produtos foram testados nos volumes de 100 litros e 50 litros por hectare em três aplicações (R1, R3, R5.1). Além de não haver diferenças em relação a severidade, desfolha e peso de mil grãos, não houve alterações significativas quando se avaliou a cobertura dos folíolos de soja, utilizando-se o teste do papel hidrossensível. As Figuras 1, 2, 3 e 4 mostram a cobertura dos folíolos de soja utilizando o papel hidrossensível para a avaliação dos volumes de 100 litros e 50 litros. Em termos de cobertura avaliada pelo número de gotas por cm2, não houve diferença entre os volumes de 100L/ha e 50L/ha. Todos os produtos proporcionaram um número mínimo de 70 gotas/cm2, o que é considerado
do volume de aplicação são recentes. Há a necessidade de um maior número de resultados nas mais diversas situações de campo. A tendência atual é cada vez mais a redução dos volumes de aplicação em soja, tanto em aplicações terrestres como aéreas. O Brasil é um dos países que utilizam os menores volumes de aplicação de produtos fitossanitários no mundo. Esta é uma realidade presente e que precisa ser melhor entendida para alcançar os objetivos do manejo de doenças na C cultura da soja.
Área de soja severamente atacada pela ferrugem-asiática
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Especial Spodoptera
Migração acelerada Fonte de grande preocupação na área fitossanitária, a movimentação de pragas de um continente a outro é uma realidade cada vez mais presente. Em relação à Spodoptera frugiperda, a atenção precisa ser redobrada diante do potencial destrutivo dessa lagarta. De identificação recente na Nigéria e em muitos países africanos e asiáticos, este inseto encontra nas condições de cultivo do Brasil ambiente extremamente favorável por conta da oferta continuada de alimentos
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rojeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que em três décadas a população mundial poderá superar a marca de nove bilhões de pessoas e este crescimento deve ocorrer principalmente em alguns países africanos e na Índia, o que deve aumentar a demanda por alimentos de forma geral. Seguindo esse raciocínio, o mundo precisaria produzir mais 70% do alimento que produz para suprir toda essa população. Nesse contexto, o Brasil se apresenta como um dos poucos países com grande potencial produtivo, porém, sabe-se que mudanças climáticas, principalmente em países tropicais, favorecem os problemas fitossanitários que podem comprometer de forma irreversível a produção de ali-
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mentos. Avalia-se que, no mundo, as perdas da agricultura devido aos ataques de pragas cheguem a 1,4 trilhão de dólares, ou quase 5% do PIB mundial. No Brasil, estudos recentes assinalam uma perda média anual de até 7,7% da produção agrícola, ou o equivalente a 25 milhões de toneladas, devido ao ataque de pragas. Sendo assim, as perdas decorrentes desses problemas para o agronegócio brasileiro podem chegar a R$ 55 bilhões ao ano. Entre as grandes preocupações na área fitossanitária está a movimentação de pragas de um continente a outro. Exemplo recente reside na praga quarentenária Helicoverpa armigera (Hübner) (Lepidoptera: Noctuidae) na América Latina, causando perdas inestimáveis
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na agricultura de vários países do bloco. Outras duas pragas têm causado grande preocupação para os países dos continentes asiático, europeu e africano, a Tuta absoluta (Meyrick) (Lepidoptera: Gelechiidae), que foi detectada em 2006 na Espanha e já se encontra disseminada por vários países dos continentes europeu, africano (predominantemente nas nações da África Subsaariana) e asiático, e Spodoptera frugiperda, (J.E. Smith) (Lepidoptera: Noctuidae) descrita pela primeira vez na Nigéria em 2016, causando danos significativos em cultivos de milho e, atualmente, já atinge uma boa parte dos continentes africano e asiático (Figura 1). Em S. frugiperda as atenções se intensificam, sobretudo pelo potencial destrutivo de suas lagartas e porque foram
Fotos Cecília Czepak
Figura 1 - Países onde S. frugiperda está presente (data da atualização: julho de 2019)
Em S. frugiperda a fronte da cabeça geralmente é marcada com um "Y" invertido e o último segmento abdominal apresenta quatro pontos negros equidistantes formando um quadrado
os primeiros relatos nesses continentes. As condições climáticas ideais presentes em muitas partes da África e da Ásia e a abundância de plantas hospedeiras permitem que S. frugiperda produza várias gerações em uma única estação, o que provavelmente levará a praga a se estabelecer de forma permanente nos países onde já foi detectada. S. frugiperda é conhecida em diferentes partes do mundo como fall armyworm (FAW) e vulgarmente chamada no Brasil de lagarta militar ou lagarta-do-cartucho. Foi reconhecida como praga pela primeira vez no estado da Geórgia/EUA em 1797, atacando cultivos de milho, e naquele mesmo ano, Smith e Abbot a descreveram com o nome de Phalaena frugiperda. Desde então, gênero e espécie foram mudados diversas vezes até a denominação atual de S. frugiperda. Sabe-se também que esta lagarta é composta por biótipos, ‘corn strain’ (C strain) e ‘rice strain’ (R strain), definidos pelo hospedeiro onde se desenvolve, pois o primeiro biótipo foi identificado a partir de populações coletadas no algodão e em gramíneas de porte maior, como milho e sorgo, e o segundo identificado em populações coletadas em arroz, grama-seda e algumas gramíneas forrageiras. São morfologicamente idênticas e só distinguíveis a partir de técnicas moleculares. Muitos estudos identificaram diferenças específicas desses biótipos não somente quando provenientes desses hospedeiros, mas também em relação a características fisiológicas e comportamentais, como acasalamento e resistência a inseticidas. Tais biótipos passaram a ser considerados espécies crípticas associadas às plantas hospedeiras e ambos já foram encontrados no continente africano. Cogita-se que a origem deles, devido à semelhança genética, seja do Caribe ou da costa oriental dos EUA. Há especulação sobre os fatores que levaram à chegada da S. frugiperda no continente africano, os quais poderiam envolver o comércio agrícola de commodities infestadas e o próprio turismo. Embora a Nigéria e a República de São Tomé e Príncipe tenham sido as primeiras a confirmar a presença de S. frugiperda em 2016, a data exata da sua chegada à África permanece desconhecida, assim como também não se sabe em qual país do continente africano esse complexo de pragas se estabeleceu pela primeira vez, pois a confirmação da presença de uma determinada espécie de praga invasora não equivale a quando e/ou onde foi seu ponto de
entrada, principalmente para uma praga com grande capacidade migratória como S. frugiperda. A presença de S. frugiperda foi confirmada em fevereiro de 2018 em todos os países da África Subsaariana. Também no mesmo ano foi relatada em países vizinhos no Oceano Índico (por exemplo, Madagascar, Ilha da Reunião (La Réunion) e República das Seychelles). Além disso, foi confirmada no Iêmen, seguida por relatos de detecções na Índia (maio de 2018) e em países vizinhos como Bangladesh e Sri Lanka. Em agosto e dezembro, respectivamente, também foi relatada na Tailândia e em Mianmar, no sudeste da Ásia. No final de janeiro de 2019 a praga foi confirmada inicialmente na província de Yunnan, no sul da China, e, desde então, S. frugiperda já se espalhou para o Norte, atingindo pelo menos 16 províncias Chinesas. Agora se aproxima da região Nordeste, onde se encontram as áreas de produção de milho do país. Depois da China, também confirmaram a presença da praga países como Malásia, Indonésia, Taiwan, Japão, Coreia do Sul, Filipinas, Nepal, Vietnã e, recentemente, Camboja, Laos e Butão. Pela cronologia dos relatos sobre as detecções de S. frugiperda, a hipótese que melhor se encaixa é de que as populações africanas foram fontes contínuas de disseminação para o Velho Mundo segundo o Modelo “Steping Stone”. Neste modelo, supõe-se que as mariposas migram alternadamente entre um conjunto infinito de colônias, podendo sofrer acasalamentos aleatórios dentro de cada colônia e estando sujeitas a mutações. Sendo assim, marcadores genéticos moleculares, isto é, a região gênica estudada, também confirmam a hipótese de que as populações do Velho Mundo são compatíveis com as origens das populações africanas, pelo menos para populações da Índia e da China, onde foram realizadas as pesquisas. No entanto, estudos detalhados da diversidade genética das populações tanto do Velho Mundo quanto das regiões de origem permanecem escassos. Aliás, a diversidade genética das populações globais de S. frugiperda, especialmente as invasoras, continua desconhecida. Embora exista alta probabilidade de que as populações asiáticas tenham origem africana, não é possível descartar que o comércio partindo de países do Novo Mundo e da África possam ter levado populações da praga para as várias regiões da Ásia. Essa hipótese é plausível, dadas a frequentes interceptações da praga pela União
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Europeia nos primeiros seis meses de 2019. Entender as origens das populações invasoras de S. frugiperda é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de manejo dessa praga, pois caso tenha havido múltiplas introduções na Ásia e no Sudeste asiático, todas envolvendo populações de diversas origens e com diferentes perfis de resistência, juntamente com populações africanas que também têm se deslocado para o Leste, é possível que a região do Sudeste asiático se torne um novo “caldeirão” de diversidade genética das populações invasoras de S. frugiperda, impactando com isso o futuro do manejo dessa praga tão destrutiva. A lagarta-do-cartucho é considerada, dentro do gênero Spodoptera, a mais importante e, portanto, a mais conhecida dentre as 30 espécies descritas. Possui hábitos migratórios e alto grau de polifagia, pois segundo estudos recentes a lagarta pode se hospedar em mais de 350 espécies de plantas, sendo estas silvestres e cultivadas como milho, algodão, soja, feijão, tomate, sorgo, arroz, trigo, pastagens, cana-de-açúcar, além de hortaliças e frutíferas. Pode danificar folhas, caules, ramos e órgãos reprodutivos das plantas, como flores e frutos, ocasionando, se não controlada e em altas infestações, perdas significativas na produção, sendo, portanto, alvo de preocupação 28
e intensas aplicações de inseticidas por parte dos agricultores. Os sistemas agrícolas no Brasil promovem uma oferta continuada de alimentos a insetos polífagos, como é o caso do gênero Spodoptera, especialmente quando estes cultivos são compostos por rotações como soja/milho/feijão/soja, soja/tomate, soja/trigo ou mesmo soja/algodão. Sendo muitas vezes culturas irrigadas, notadamente nas regiões de Cerrado, que acabam por prolongar a sobrevivência de insetos como S. frugiperda, e por consequência, aumentar o número de gerações, perpetuando a espécie no ambiente agrícola. Esta permanência favorece ainda mais o fluxo migratório, pois adultos dessa praga podem se estabelecer na cultura ou migrar entre lavouras, sejam estas compostas por espécies vegetais análogas ou diferentes, bem como implantadas em épocas distintas ou ao mesmo tempo. Também podem se dispersar em grandes números, a quilômetros de distância em busca de outras áreas agrícolas. Na América do Norte, S. frugiperda, apresenta-se como uma espécie de comportamento migratório anual, onde os rituais de dispersão são repetidos por suas gerações todos os anos, pois depois de
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sobreviverem ao inverno das regiões tropicais do Sul da Flórida e Texas, dão início a migrações durante a primavera que se estendem também pelo verão e outono, deslocando-se a grandes distâncias, atingindo regiões ao Norte dos EUA até o Canadá. Registros dão conta de que mariposas de S. frugiperda, aproveitando-se das correntes de ar, foram capazes de se deslocar do Mississippi para o Canadá em pouco mais de um dia (30 horas). Estes fatos sugerem que nesta espécie a migração evoluiu como um componente importante na sua estratégia de vida, pois ao migrar no período de pré-oviposição de forma generalizada, aumenta a possibilidade de sobrevivência da sua prole. Provavelmente este seja um dos motivos para sua presença ser constatada tão rapidamente em várias direções do planeta, pois desde sua identificação na Nigéria, em 2016, muitos países africanos e também asiáticos, como citado anteriormente, já constataram a praga no seu território e os relatos de novas introduções não param. No Brasil, em função da alimentação diversificada e disponível o ano todo e das condições climáticas favoráveis, sua distribuição apresenta-se generalizada por todo o país.
DESCRIÇÃO, BIOLOGIA E COMPORTAMENTO
Os ovos recém-depostos apresentam coloração creme-clara e próximos da eclosão tornam-se escurecidos, permanecendo, durante este período, cobertos com uma camada de escamas e uma secreção produzida pelo aparato bucal da fêmea por ocasião da postura. Essa estratégia de cobrir os ovos com escamas e secreção, protegendo-os, e depositá-los em camadas diminui o risco de predação e parasitismo. O número de posturas por fêmea e o de ovos por postura é variável, podendo chegar até 13 posturas por fêmea e até 600 ovos por postura, em média é possível que uma única fêmea consiga depositar ao longo de sua vida de 900 a 1.500 ovos. São colocados em massa, chegando até três camadas de ovos por postura. O tempo de eclosão das larvas se dá em função da temperatura, pois acima de 26°C podem eclodir em até dois dias e abaixo de 20°C tendem a levar até quatro
A emergência dos adultos ocorre à noite e antes de fazerem posturas, geralmente migram a grandes distâncias da área de origem. As fêmeas podem emergir um dia ou mais antes dos machos. Durante o dia, permanecem escondidas sob as folhagens das plantas hospedeiras ou usando a cultura do milho como exemplo, dentro dos cartuchos das plantas. Quando perturbadas, voam de forma aleatória, até encontrarem outro ponto para se esconder. A atividade das mariposas começa no entardecer e alcança o auge entre duas a quatro horas depois, provavelmente quando a temperatura é mais amena, e é neste período que acasalam. Geralmente, depois de três ou quatro dias da emergência, a fêmea começa a oviposição, realizada somente durante a noite com o maior número de ovos depositados nos primeiros cinco dias. Machos e fêmeas podem viver em média dez dias, com um intervalo de cerca de sete a 21 dias. Adultos de S. frugiperda apresentam em média 37mm de envergadura, com asas de coloração cinza, sendo que o macho possui nas asas anteriores duas manchas claras bem caracterizadas, que os diferenciam da fêmea. Porém, as asas posteriores de ambos os sexos são de coloração clara, contornadas por linhas marrons. O ciclo de vida da S. frugiperda, portanto, está ligado à temperatura, pois à medida que esta diminui, aumenta o ciclo, que, em média, é de 30 dias durante o verão e de até 60 dias durante os períodos mais frios. O número de gerações durante o ano depende da latitude do habitat. Em países como o Brasil, onde as condições de sobrevivência o ano todo são maiores, podem cheC gar a oito ou mais gerações. Cecilia Czepak, UFG/Brasil Wee Tek Tay, CSIRO/Austrália Michael Otim, Naro/África Sergio R. Roy, Karina C. A. Godinho, Vinicius Magalhães e Karin F.S. Collier, UFG/Brasil Cecília Czepak
dias para eclodirem. Passam por seis estágios larvais que podem durar de 15 a 35 dias, dependendo da temperatura. As larvas recém-eclodidas de S. frugiperda inicialmente são claras e apresentam grande quantidade de pelos e o corpo proporcionalmente menor que a cabeça. À medida que passam os instares, adquirem coloração mais escura, sendo que no último instar, podem chegar a 4,5cm de comprimento e sua coloração passa a ser, geralmente, marrom-acinzentada. Porém, pode se tornar totalmente escura, devido a fatores como alta densidade populacional ou escassez de alimento. Além disso, a fronte da cabeça geralmente é marcada com um Y invertido e no último segmento abdominal apresenta quatro pontos negros equidistantes formando um quadrado. As larvas recém-eclodidas começam sua alimentação consumindo a própria casca do ovo, permanecendo em repouso por quatro a até dez horas, antes de sair em todas as direções em busca de outros alimentos. Nesta fase, apesar da aparência frágil, estudos demonstram que possuem grande habilidade e resistência, podendo permanecer por até um dia sem se alimentar, caminhando por horas seguidas em busca de alimento. Além disso, apresentam fototropismo positivo acentuado, explicando assim, em parte, sua ocorrência sempre nas partes mais altas das plantas. Quando se deslocam, as larvas recém-eclodidas tecem fios de seda que as ajudam na dispersão ou fuga de possíveis predadores. Esta habilidade é perdida ainda no primeiro estágio e a partir do encontro do hospedeiro adequado, iniciam seu ataque, raspando as folhas, deixando-as com pequenas “janelas translúcidas”. Este sintoma inicial ajuda na determinação pelo técnico ou produtor da presença de lagartas pequenas na área. À medida que passam para outros instares, sua voracidade aumenta proporcionalmente e as folhas passam a apresentar perfurações de todos os tamanhos, além de excrementos aparentando serragens que em plantas como o milho podem servir de “tampão”, ajudando a proteger a praga das aplicações com inseticidas. São mais ativas no início da manhã ou final da tarde e alimentam-se preferencialmente à noite, permanecendo durante o dia escondidas nas folhagens. O canibalismo se acentua à medida que a lagarta aumenta de tamanho, o que, de certa forma, pode funcionar como um controle natural, porém em altas infestações dificilmente pode ser levado em consideração. Quando totalmente desenvolvidas, lagartas do último instar, geralmente dirigem-se para o solo e passam por um período denominado de pré-pupa, durante o qual não se alimentam. Esta fase tem duração de um a cinco dias, sendo a temperatura o fator determinante. Após este período, se transformam em pupas, e em solos arenosos alcançam profundidades de até 10cm, mas em solos argilosos raramente chegam a profundidades maiores que dois centímetros. Estas pupas apresentam, inicialmente, coloração alaranjada e depois marrom-avermelhada, sendo que, próximas da emergência do adulto, sua coloração é quase negra. A profundidade em que pupam pode determinar um aumento da sobrevivência durante períodos desfavoráveis. Porém, S. frugiperda não consegue permanecer em sua fase pupal por períodos maiores que três meses. Geralmente, a duração do período pupal pode variar de seis dias a 55 dias, dependendo principalmente da temperatura.
Lagartas recém-eclodidas de S. frugiperda iniciam seu ataque, raspando as folhas, deixando-as com pequenas "janelas translúcidas "
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Especial Spodoptera Fotos Cecília Czepak
Alvos agrícolas Alto potencial destrutivo das lagartas de Spodoptera frugiperda pode ser observado nas lavouras de milho, soja, feijão e tomate. Em arroz o ataque da praga pode levar as plantas à morte
E
m cultivos recém-emergidos ou transplantados, se houver presença de lagartas grandes de Spodoptera frugiperda, estas podem se comportar como as lagartas-roscas (Agrotis ipsilon e Feltia subterranea) e cortar as plantas rentes ao solo e, portanto, determinar a perda inicial de estande, como também perfurar o colmo, causando sintomas semelhantes ao da lagarta Elasmopalpus lignosellus. Quando ocorre a infestação por lagartas recém-eclodidas, inicialmente se observam folhas e estruturas reprodutivas raspadas, e à medida que as lagartas atingem estágios maiores passam a destruir completamente caules, ramos, folhas e brotações perfurando-as por todos os lados, para depois atacarem de forma irreversível estruturas reprodutivas, como botões florais, flores e maçãs do algodoeiro, vagens da soja e do feijoeiro, ou frutos de tomateiro. Esta diversificação de ataque dentro de uma mesma planta pode, de certa maneira, restringir o dano nas partes reprodutivas de culturas, como algodão, soja e tomate, pois ao se alimentar de várias estruturas da planta, acaba se saciando mais rapidamente e por consequência haverá menor
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número de frutos atacados. Fato este não considerado em lagartas da espécie H. armigera, que têm preferência pelas partes reprodutivas. Entretanto, quando a população de S. frugiperda é muito alta, dificilmente ocorrerá vantagem nesse comportamento. Os prejuízos provocados na fase reprodutiva são irremediáveis e, geralmente, seu ataque no início da infestação é localizado na cultura, mas à medida que aumenta sua população, podem ocorrer surtos migratórios observando-se grandes quantidades de lagartas caminhando pelas proximidades, atacando culturas vizinhas, daí o nome de lagarta militar. Cultivos de milho são alvos frequentes dos ataques dessa praga, que a princípio raspam as folhas da planta para depois se deslocarem para dentro do cartucho, onde podem permanecer até o último estágio larval. Caso a larva não consiga completar o ciclo no cartucho, pode se deslocar para o pendão, permanecendo ali até o aparecimento das espigas, onde então descem e penetram pela ponta ou perfuram a parte mediana ou basal das espigas, proporcionando perdas quantitativas e qualitativas na pro-
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dutividade da cultura. Em uma única planta podem estar presentes muitas larvas jovens, mas geralmente uma ou duas larvas mais velhas tendem a ser encontradas em um mesmo cartucho, já que outras migram e se alimentam de plantas vizinhas. Em campos muito infestados o ataque tem a aparência de danos provocados por tempestades de granizo. Em cultivos de arroz, S. frugiperda pode se alimentar das plantas desde a fase de emergência, consumindo-as até o nível do solo, levando-as à morte.
S. FRUGIPERDA EM MILHO NA ÁFRICA
S. frugiperda na África se disseminou para quase todos os países produtores de milho do continente, e em Uganda, plantas de milho atacadas foram observadas pela primeira vez por volta de maio/ junho de 2016. Os danos iniciais se assemelhavam aos observados por outras pragas já existentes na região, mas com o desenvolvimento da planta e da praga foram se modificando, com folhas apresentando várias perfurações e a presença de lagartas dentro do cartucho do milho,
sintoma atípico do observado nas pragas nativas, pois geralmente atacam o colmo da planta. Esse fato levou os produtores a desconfiarem de que estavam diante de uma nova praga na região. Em Uganda, a praga se espalhou rapidamente, causando uma perda estimada de grãos de 15% a 75%, dependendo da região, e isso pode ser traduzido em 450 mil toneladas de milho a menos produzidas, o equivalente a US$ 192.857.000. A rápida disseminação, a extensão dos danos e as perdas provocadas pela praga geraram uma grande preocupação, entre os governos africanos, inclusive o de Uganda, resultando na busca de parcerias com agências internacionais de desenvolvimento para delinear estratégias de gerenciamento frente a essa emergência fitossanitária. Entre as táticas adotadas, destacam-se campanhas de conscientização da população, estabelecimento de sistemas de vigilância para alerta precoce, registro emergencial de inseticidas para aquisição e distribuição, capacitação de seus aplicadores e mobilização comunitária. A pesquisa foi um componente importante que envolveu a busca de inseticidas para o controle da S. frugiperda, avaliando o impacto socioeconômico de sua adoção, além de compreender a biologia e a ecologia para o manejo da praga nas condições ecoclimáticas africanas. O Centro Internacional de Agricultura e Biociências (Cabi) estimou em um estudo envolvendo 12 dos países produtores de milho da África, que S. frugiperda tem um potencial para causar perdas de rendimento de grãos de milho de 8,3 a 20,6 milhões de toneladas por ano. Isto representaria 21% - 53% da produção anual de milho em média ao longo de três anos. O valor dessas perdas foi estimado entre 2,48 e 6,19 bilhões de dólares, embora essa estimativa não tenha se concretizado, a ocorrência da praga no continente africano levou a medidas mais rigorosas nas inspeções de exportação. Entre janeiro e junho de 2019, ocorreram várias interceptações de S. frugiperda em países africanos como Moçambique, Senegal e Zimbábue. Um estudo socioeconômico realizado pelo NaCRRI revelou que os agricultores do Leste e do Norte de Uganda observaram os danos da S. frugiperda já em 2014. Essas regiões apresentaram maior incidência da praga, coincidindo também com a falta de precipitação, e ao cruzar os dados concluiu-se que o rendimento do milho foi afetado em 26,1% devido ao ataque da S. frugiperda e em 24,8% devido à falta de chuvas. Mais de 90% dos agricultores de Uganda adotaram o controle químico ao perceberem a real ameaça desta praga na produção de milho. Os inseticidas mais utilizados foram aqueles à base de piretroides, fosforados e neonicotinoides, aumentando os custos de produção e consequentemente reduzindo a renda dos agricultores em 3% a 10%, dependendo da escala de produção e da estação do ano. Entretanto, em ensaios de campo as perdas de rendimento devido ao ataque de S. frugiperda podem chegar a até 42%. Geralmente, em áreas onde a aplicação de inseticidas ocorreu dentro das três primeiras semanas após a emergência da cultura, o rendimento se apresentou melhor quando comparadas a áreas onde a pulverização foi tardia. Além disso, aumentando-se os intervalos de pulverização para 20 dias houve perdas significativas na produtividade.
Em cultivos de milho na África, além das avermectinas, outras classes de ativos utilizados em mistura têm se mostrado eficazes contra a lagarta, como por piretroides com neonicotinoides e fosforados com piretroides, sendo importante lembrar que para países como o Brasil alguns desses produtos, mesmo em mistura, não apresentam mais a eficácia satisfatória no controle da praga. S. frugiperda é uma praga que exige o estabelecimento do Manejo Integrado de Pragas (MIP). No entanto, há necessidade de se realizar estudos aprofundados de bioecologia da praga, bem como dos percentuais de dano e controle nas diferentes regiões e cultivos onde tem sido detectada. E, por fim, o desenvolvimento de ferramentas de monitoramento para a tomada de decisão quanto à adoção das táticas de MIP, como o uso de agentes biológicos ou o controle químico, sendo importante levar em consideração também os aspectos socioambiental e econômico destas práticas. Mesmo considerando que várias iniciativas de capacitação foram realizadas, ainda há muito desconhecimento entre os agricultores, extensionistas e pesquisadores, e isso exigirá ainda bastante estudos e treinamentos. É importante lembrar que o uso continuado e indiscriminado de inseticidas para controle da lagarta pode representar riscos. A invasão da África pela lagarta-do-cartucho não só aumentou a diversidade de pragas nas plantações de cereais, como também impactou de forma negativa a produção agrícola das regiões invadidas, transformando-se em um problema de segurança alimentar C no continente. Cecilia Czepak, UFG/Brasil Wee Tek Tay, CSIRO/Austrália Michael Otim, NARO/África Sergio R. Roy, Karina C. A. Godinho, Vinicius Magalhães e Karin F.S. Collier, UFG/Brasil
Potencial extremamente destrutivo da praga é uma das maiores preocupações
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Especial Spodoptera Fotos Cecília Czepak
Como controlar
Integrar medidas de controle é o caminho para reduzir o potencial de dano e minimizar os prejuízos de Spodoptera frugiperda. A compreensão dos fluxos migratórios da praga, bem como a sua capacidade de evoluir para a resistência, exige que os produtores adotem práticas cooperativas, com uma visão global que extrapole o mero manejo na propriedade
O
manejo começa pela identificação correta de Spodoptera frugiperda, e seu monitoramento deve ocorrer antes, durante e depois do estabelecimento da cultura. Antes do estabelecimento da cultura, recomenda-se realizar pontos de amostragens no pré-plantio. Para tanto, geralmente são feitos dez pontos por talhão de 100ha, marcando-se uma área de 1m2 e nela se faz uma vistoria, quantificando-se a presença de larvas e pupas na superfície e até 10cm de profundidade. Neste monitoramento, também são contados inimigos naturais, como tesourinhas, carabídeos, entre outros. A presença de lagartas e pupas no solo e também o número de inimigos naturais podem ser indicativos para a tomada de decisão com relação às táticas de controle a serem utilizadas naquele momento. Ainda na etapa anterior ao estabelecimento da cultura é recomendada a instalação de armadilhas com feromônio da praga, mantidas durante todo o ciclo da cultura. Durante o estabelecimento da cultura, é fundamental o monitoramento da praga a partir da emergência, de pelo menos 80% das plantas na área. Para esse monitoramento, é possível utilizar-se de diferentes métodos, dependendo da cultura, por exemplo, na cultura do milho, há o monitoramento sequencial, publicado por R. Bianco (Iapar) e disponibilizado para este fim na internet. Este pode ser utilizado com grande eficácia na fase vegetativa da cultura. A partir da fase reprodutiva, faz-se a verificação, a cada dez plantas, do dano e da presença da praga nas estruturas reprodutivas (totalizando 100 plantas a cada 100ha). Massas de ovos, larvas de lepidópteros, bem como inimigos naturais presentes devem ser identificados e quantificados. Na soja é possível quantificar inicialmente o número de lagartas e massas de ovos por metro de linha, observando-se as plântulas por inteiro. E a partir do desenvolvimento da cultura, utiliza-se o método
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da batida de pano, muito adequada para este fim, seguindo as mesmas recomendações para outras lagartas da cultura. Para cultivos como tomate, algodão, sorgo, entre outros, pode ser adotada a quantificação de estruturas reprodutivas atacadas e massas de ovos e lagartas em dez plantas por ponto, variando o número de pontos conforme a cultura e a área em questão, sempre lembrando que a variabilidade diminui quanto maior for o número de amostragens. Após o final do estabelecimento da cultura é importante monitorar o que ficou no solo depois da colheita e os restos da cultura, sempre no intuito de conhecer a área agrícola em que se está trabalhando. Para isso, mantem-se o monitoramento por meio de m2.
sideração que esses produtos devem ser aplicados nos primeiros indícios e nos primeiros estágios da praga, principalmente em relação a vírus e fungos. A liberação de parasitoides de ovos de lepidópteros como Trichogramma pode auxiliar na redução de larvas recém-eclodidas e é uma alternativa bastante viável. Entretanto, é sempre bom lembrar que, dependendo da região, as migrações de adultos são intensas. Serve como exemplo o estado de Goiás, onde se planta milho o ano inteiro e para estes casos a frequência de liberações pode ser maior e os intervalos ajustados conforme a migração de adultos coletados nas armadilhas com feromônios.
TÁTICAS DE CONTROLE PARA S. FRUGIPERDA
O vazio sanitário para cultivos de soja e tomate foi estabelecido para auxiliar no controle de problemas fitossanitários, e apesar da relutância de muitos produtores, a compreensão, a aceitação e a adoção dessas medidas legislativas são cruciais para a conservação de tecnologias, bem como para a sustentabilidade da agricultura no mundo. Em se tratando de S. frugiperda, as dificuldades são enormes e começam pela gama de hospedeiros, seus danos e terminam na sua distribuição por várias partes do mundo. A saída seria estabelecer, por meios legislativos, a rastreabilidade nos cultivos agrícolas, o que obrigaria a cadeia produtiva a promover mudanças com relação ao processo produtivo e, como consequência imediata, questões fitossanitárias seriam resolvidas e a população e o meio ambiente seriam beneficiários diretos desta ação.
A partir do conhecimento da praga, da área e, logicamente, da cultura a ser instalada, decide-se em relação às táticas a utilizar para controle de S. frugiperda. Importante lembrar que somente o somatório de diferentes táticas de controle, atingindo as quatro fases da praga (adulto, ovo, larva e pupa) irá garantir o sucesso do manejo.
CULTURAL
Estão incluídas as boas práticas agrícolas que se iniciam com a escolha correta da cultivar a ser plantada e seguem até a destruição da cultura após a colheita. O revolvimento do solo, como medida cultural de controle, é uma tática antiga, e a partir de uma simples gradagem é possível obter uma mortalidade das pupas de até 50%, visto que a maioria permanece a poucos centímetros do solo. Sabe-se que a exposição por 30 minutos das pupas ao calor do sol é suficiente para matá-las. Essa medida cultural, segundo especialistas, torna-se muito importante quando se pensa em plantios em rotação que podem ser hospedeiros da praga, como o próprio milho, o feijão, o tomate ou o sorgo. Alguns relatos têm indicado que com fornecimento adequado de silício as plantas podem apresentar maior resistência e tolerância a insetos e doenças. Este elemento forma sobre as folhas uma camada protetora, sendo que o principal efeito desta camada seria a ação direta no desgaste das mandíbulas das lagartas que por consequência, dificultaria a alimentação. Semeadura, controle de plantas daninhas, adubação, irrigação, colheita, preparo do solo, eliminação de restos culturais, evitar plantio escalonado na mesma área ou em área próxima, entre outros e, sobretudo, uma supervisão técnica adequada, podem reduzir os danos e prejuízos dessa praga.
LEGISLATIVO
QUÍMICO
Em diversas regiões do Brasil o controle químico para a lagarta-do-cartucho tem aumentado em quase todas as culturas, inclusive em plantas geneticamente modificadas, podendo chegar, em alguns casos como no milho doce, a oito aplicações em uma única safra sem, entretanto, alcançar o controle esperado. Isso porque em algumas áreas, a resistência a inseticidas pode ser generalizada e o controle se torna difícil. Entretanto, o controle químico passa pela escolha no mercado das moléculas mais efi-
COMPORTAMENTAL
Utilização de feromônios com o objetivo de retirar e ou monitorar o maior número possível de adultos da área, bem como aplicação em faixas de substâncias atrativas juntamente com inseticida, com o intuito de atrair e matar.
BIOLÓGICO
Neste caso, as opções são inúmeras, como a aplicação de produtos à base de vírus, bactérias ou fungos, todas já disponíveis no mercado. Porém, antes de adotá-las, é preciso levar em con-
S. frugiperda possui alto grau de polifagia atacando diferentes espécies de plantas, entre cultivadas e silvestres, mas os cultivos agrícolas têm se tornado alvo cada vez mais frequente
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cientes até a tecnologia de aplicação, que para o caso de cultivos como o milho, são essenciais para a obtenção de bons resultados de eficácia no controle da lagarta. Além disso, para uma lavoura de milho, uma infestação média em 10% pode ser considerada um nível de controle adequado. O tratamento de sementes deve ser incluído na tática química de controle e nesse caso a escolha de moléculas que tenham efeito sobre lagartas é importante. Atualmente, existem opções para tratamento de sementes com bom desempenho inicial para controle de lagartas. O problema é que se houver migração intensa na área, a percepção de ineficiência é inevitável. Porém, esta é uma alternativa que o produtor não deve descartar, mesmo em cultivares com tecnologia Bt. Atualmente, a maioria das sementes já é comercializada com tratamentos inseticidas. Resta saber se a molécula utilizada tem resposta inicial a um ataque da praga em questão, o que pode resultar em vantagem para o produtor por necessitar de menos operações e, muitas vezes, ser mais vantajoso economicamente. Quanto às aplicações foliares, a boa dica é seguir as recomendações do Comitê de Ação à Resistência a Inseticidas (Irac), evitando, com isso, falhas nas aplicações. E sempre bom lembrar que a praga deve ser controlada com base nos monitoramentos e nos primeiros estágios. E ao escolher os inseticidas, levar em conta a seletividade aos inimigos naturais, o modo de ação e os estágios da cultura e da lagarta. Além de sempre rotacionar os modos e sítios de ação para evitar problemas de resistência. Uma questão bastante polêmica tem a ver com a utilização de produtos conforme sua faixa de preço, pois geralmente os agricultores insistem na tese de que o que é bom é caro e, portanto, deve ser utilizado como “bombeiro”, isto é, quando não há alternativa. Na verdade, o produto e o momento de aplicá-lo devem ser decididos a partir do monitoramento da praga e da real necessidade de controlá-la, uma vez que, havendo o dano, a probabilidade de prejuízos é grande e não há como reverter. Além disso, muitas vezes aquele que poderia ser o “bombeiro”, também falhará, e com certeza os custos aumentarão sem que o produtor tenha obtido o controle desejado e muito menos evitado o prejuízo. Isso vale, sobretudo, para culturas como milho, tomate e algodão. Para S. frugiperda vale o jargão: “é mais fácil controlar 100 lagartas pequenas do que dez grandes”.
Enfim, decisões de controlar ou não a praga são adotadas, muitas vezes, sem base técnica, portanto de forma precipitada ou tardia, levando ao aumento dos custos de produção e, por fim, gerando desequilíbrios no agroecossistema.
RESISTÊNCIA DE S. FRUGIPERDA A INSETICIDAS E PLANTAS BT
O manejo da resistência de S. frugiperda a inseticidas e plantas Bt no Brasil tem sido um grande desafio, pois esta praga tem alto potencial reprodutivo, alta capacidade de dispersão, ciclo biológico relativamente curto e se alimenta de várias plantas. No cenário agrícola brasileiro, estas características associadas com as sobreposições e/ou sucessão de cultivos de plantas hospedeiras podem expor a praga a elevadas pressões de seleção por inseticidas e proteínas Bt, propiciando um ambiente favorável para a evolução da resistência. E para aumentar o desafio, há no campo inúmeras cultivares com tecnologia Bt expressando as mesmas proteínas inseticidas (Quadro 1). Esta repetição de proteínas nas diferentes culturas faz com que S. frugiperda tenha grande potencial de evoluir resistência tanto às proteínas Cry1Ab, Cry1F e Cry2Ab2, expressas em milho Bt, quanto às proteínas Cry1Ac, Cry2Ab2 e Cry1F, expressas em algodão Bt. Isto já ocorre no Brasil, pois há relatos de evolução da resistência de S. frugiperda em campo para as proteínas Cry1F e Cry1Ab expressas no milho Bt. Também foi detectada uma alta frequência de alelos da resistência ao milho piramidado contendo a proteína Cry1. Em contrapartida, uma baixa frequência de alelos da resistência foi detectada para a proteína vip3Aa20. Para o manejo da resistência de S. frugiperda a plantas Bt existe a necessidade de planejamento do sistema produtivo agrícola para permitir períodos com ausência de plantas hospedeiras da praga e assim reduzir a pressão de seleção em favor dos resistentes. A escolha da cultivar com tecnologia Bt deve ser feita de forma que haja rotação das diferentes proteínas inseticidas expressas nas plantas Bt. Entre as estratégias propostas para preservar a eficácia das plantas Bt recomendam-se plantas com a expressão dos genes Cry em alta dose associada ao refúgio, bem como o uso de plantas piramidadas. O refúgio compreende a área onde determinada parcela da população não é exposta à pressão de seleção (fontes
Cultivos de milho estão entre os principais alvos da lagarta com ataques ao cartucho, ao pendão e às espigas
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Quadro 1- Eventos de milho, algodão e soja liberados no Brasil de 2007 a 2015 Cultura Milho
Algodão
Soja
Proteína inseticida Cry1Ab Cry1F Cry1A.105+Cry2Ab2 VIP3Aa20 Cry1Ab/ VIP3Aa20 Cry1A.105/ Cry2Ab2/ Cry1F Cry1Ab/ Cry1F Cry1A.105/ Cry2Ab2/cry3Bb1 Cry1Ac Cry1Ac+Cry1F Cry2Ab+Cry1Ac Cry1Ab+Cry2Ae Cry1Ac
(Fonte: comissão técnica nacional de biossegurança, 2018)
pesquisa), os propagadores deste saber (extensão rural e empresas) e os órgãos de regulamentação do estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A instalação de armadilhas com feromônio é uma estratégia importante no manejo da praga
de indivíduos suscetíveis) ou seja, podem sobreviver, e se acasalarem-se com indivíduos sobreviventes da área Bt, produzindo descendentes suscetíveis. Juntamente com a estratégia de alta dose e refúgio, deve-se dar preferência para os cultivos de plantas Bt que expressam mais de uma proteína inseticida, as denominadas plantas Bt piramidadas. No Brasil, grande parte das plantas Bt não atende aos requisitos de alta dose para as pragas-alvo, desta forma, lagartas dos gêneros Spodoptera e Helicoverpa são expostas a baixas doses e como consequência essas espécies apresentam maior potencial para a evolução da resistência. Nesses casos, a resistência pode ser retardada, aumentando o tamanho do refúgio. Em geral, devido à alta mobilidade da praga em questão, as táticas de manejo da resistência devem ser implementadas de forma a abranger regiões inteiras, não apenas uma unidade agrícola. Sendo assim, as estratégias de manejo da resistência da lagarta-do-cartucho a inseticidas e plantas Bt devem ser coordenadas através do diálogo entre os agentes envolvidos, sendo os geradores de conhecimento (universidades e institutos de
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A lagarta-do-cartucho provoca danos e prejuízos nos cultivos agrícolas há mais de 200 anos em vários países do continente americano e atualmente invadiu cultivos agrícolas de muitos países da África e da Ásia, e provavelmente chegará à Europa, haja vista que nos primeiros seis meses de 2019, 34 interceptações da praga foram realizadas na União Europeia. Sendo assim, à medida que os anos se passam, S. frugiperda está se tornando um problema mundial. No Brasil, apesar dos inúmeros estudos referentes à lagarta-do-cartucho, o manejo deste lepidóptero ainda caminha a passos lentos e mesmo com toda a sua importância, os erros em relação
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ao controle continuam sendo os mesmos, embora novas tecnologias sejam apresentadas a todo momento. A chave para resolver esses problemas relacionados a pragas de expressão mundial, como S. frugiperda, está na integração de medidas de controle que podem reduzir o potencial de dano e minimizar os prejuízos, mas antes de tudo os envolvidos precisam querer para que isso ocorra, o que por si só já é uma tarefa difícil. Por fim, para cumprir o seu relevante papel de ajudar a saciar a fome no mundo, a cadeia produtiva de alimentos no Brasil precisa mudar a sua postura. A compreensão dos fluxos migratórios de S. frugiperda, bem como a sua capacidade de evoluir para a resistência, exige a integração das ações dos produtores, deixando de olhar apenas para a sua propriedade e passando a adotar práticas cooperativas com uma visão global. Além disso, urge, por parte dos técnicos, a compreensão das ações de longo prazo com a adoção de táticas sustentáveis e do poder público, a fiscalização efetiva C da legislação vigente. Cecilia Czepak, UFG/Brasil Wee Tek Tay, CSIRO/Austrália Michael Otim, NARO/África Sergio R. Roy, Karina C. A. Godinho, Vinicius Magalhães e Karin F.S. Collier, UFG/Brasil
Devido à alta mobilidade da praga o manejo de resistência deve ser implementado para abranger regiões inteiras e não apenas a unidade agrícola
Algodão
Alvo monitorado Por que é fundamental o monitoramento constante das lavouras de algodão para definir as melhores estratégias contra a mancha-alvo, seja em relação ao fungicida a ser utilizado ou ao emprego de outras opções de manejo necessárias para enfrentar esta doença agressiva
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entro do âmbito de novas doenças que têm surgido e ganhado importância na cultura do algodoeiro, destaca-se a mancha-alvo, causada pelo fungo Corynespora cassiicola, cujo primeiro relato em algodão foi descrito em 1959 em lavouras do Mississippi, nos Estados Unidos (Jones, 1961). No Brasil, a primeira ocorrência no algodoeiro foi em 2005 nas lavouras comerciais de algodão em Campo Verde, Mato Grosso (Mehta et al, 2005), considerada doença secundária. Hoje, porém, o cenário é diferente, sendo relatada em algumas regiões como a principal doença, ocasionando desfolha precoce nos campos cultivados com algodoeiro. Desde sua incidência na safra 2011/2012, mais especifica-
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mente em Costa Rica, Mato Grosso do Sul, essa doença passou a ser vista com outros olhos devido à sua agressividade, sendo monitorada e estudada pela Fundação Chapadão na região. Mais tarde, na safra 2013/2014, foi confirmada a presença do patógeno no Sudoeste goiano, no município de Chapadão do Céu. O patógeno Corynespora cassiicola já foi descrito em mais de 300 hospedeiros em regiões tropicais e subtropicais (Teramoto et al, 2013). Podem ser observados sintomas da mancha-alvo em diversas espécies de plantas de interesse econômico como o algodoeiro e a soja, plantas de cobertura como a Crotalaria spectabilis e daninhas como a corda-de-viola (Ipomea spp). Outra característica muito importante do patógeno Cory-
Fotos Alfredo Riciere Dias
nespora cassiicola é ser considerado um fungo saprófita facultativo, ou seja, capaz de sobreviver em restos culturais. Diante dessas informações, e tendo o conhecimento de que as culturas da soja e do algodão são suscetíveis ao mesmo patógeno (Corynespora cassiicola), há preocupação generalizada entre os produtores das referidas culturas, devido ao fato de que, na região central do país, o sistema de produção é caracterizado pelo cultivo de soja na primeira safra, seguido pelo algodão em segunda safra. Tal preocupação despertou a primeira dúvida, a mancha-alvo que ocorre no algodoeiro é a mesma da soja? A princípio, a resposta para essa pergunta foi sim, pois se acredita tratar-se do mesmo patógeno para ambas as culturas, como ocorreu no trabalho desenvolvido por Galbieri et al (2014), onde todos os isolados de C. cassiicola provenientes de algodoeiro e da soja foram patogênicos para as duas culturas, sem diferenciação. Posteriormente, na safra 2016/17, a resposta a tal pergunta não foi diferente. No trabalho conduzido pela TMG/ Fundação MT, houve sintomatologia da doença nas culturas de soja e algodão, com a presença de características de patogenicidade cruzada do fungo. Esta confirmação é primordial, visto que o tipo de sistema de produção que tem como sequência soja-algodoeiro pode resultar em uma continuidade do ciclo do fungo, elevando seu potencial de danos na área de cultivo.
Figura 1 - Sintomas de mancha-alvo em folha de algodoeiro
A Fundação Chapadão tem realizado ao longo dos últimos anos um trabalho de monitoramento das lavouras de algodoeiro na região dos Chapadões, onde é possível constatar que a epidemia dessa doença ocorre em meados de março a abril, logo após o fechamento das entre linhas, e associada a períodos chuvosos com temperatura amena, forma um microclima extremamente favorável ao desenvolvimento do patógeno. É válido ressaltar a importância do monitoramento regional, pois as condições são particulares de cada local. Diante da exposição da cultura ao patógeno descrito anteriormente, nota-se a necessidade de se utilizar estratégias que previnam ou reduzam a incidência de mancha-alvo na cultura, para redu-
zir ao máximo a necessidade de estratégias curativas. Dentre as alternativas de controle para essa doença, o controle genético, através da utilização de cultivares que apresentam resistência ao patógeno, ainda é desconhecido, e por isso é necessário integrar outros métodos, como o químico e o cultural. A manipulação do porte das plantas constitui prática de controle cultural das doenças. Plantas de porte alto favorecem acúmulo de umidade, redução do fluxo do vento e de penetração de raios solares na parte inferior, promovendo ambiente favorável ao desenvolvimento da mancha-alvo. Tal prática auxilia no controle da doença, uma vez que a modificação do porte das plantas pode alterar o microclima, causando condições desfavoráveis ao desenvolvimento do patógeno.
Gráfico 1 - Eficácia do momento de aplicação de carboxamida no controle de mancha-alvo no algodoeiro. Colunas seguidas de cores iguais, não diferem estatisticamente entre si pelo teste Skott-Knott a 5% de probabilidade. CV (%)= 20,33. Chapadão do Sul – MS, safra 2018/2019. Fundação Chapadão 2019
Figura 2 - Mancha-alvo em folha de soja
Figura 3 - Mancha-alvo em folha de Crotalaria spectabilis
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Tabela 1 - Momento de aplicação de carboxamida no controle de mancha-alvo no algodoeiro. Chapadão do Sul – MS, Safra 2018/19 M. Apl. 40DAE B1 55DAE B5 70DAE F4 85DAE F9 100DAE F13 115DAE F16 130DAE F20 1
2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2
3 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 -
4 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 -
5 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 -
6 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 -
7 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2
8 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2
9 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2
10 Carboxamida2 Carboxamida2 Carboxamida2
1Momento da aplicação (DAE = Dias Após a Emergência). 2Orkestra (0,3 L ha-1)+Assist (0,5 L ha-1).
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sete pulverizações do mesmo fungicida (tratameno 2), o valor médio de eficácia (46%) ficou abaixo do nível satisfatório de controle. Estes resultados ressaltam cada vez mais a importância em conhecer o modo e o tipo de ação do fungicida na planta, para decidir qual produto deve ser usado e também sua época de aplicação, sendo fundamental que seja empregado de maneira alternada com diferentes princípios ativos, uma vez que esta estratégia é eficaz para evitar o aumento da frequência de isolados resistentes. Atualmente, há cinco fungicidas comerciais registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a mancha-alvo na cultura do algodoeiro, os quais possuem combinações de ingredientes ativos como azoxistrobina, mancozebe, epoxiconazol, fluxapiroxade, piraclostrobina, protioconazol e trifloxistrobina (Agrofit, 2019). São poucas as opções de fungicidas disponíveis ao produtor, o que dificulta ainda mais a elaboração de um
programa de manejo, que busca a rotação de fungicidas com diferentes modos de ação para atrasar o aparecimento de resistência do fungo. A dificuldade no controle dessa doença se atribui ainda, à perda de eficiência de grupos químicos, como os benzimidazóis (Xavier et al, 2013) e carboxamidas, onde isolados de mancha-alvo em soja apresentaram menor sensibilidade (Frac, 2019). Nesse contexto, para o manejo da mancha-alvo que se faz presente no algodoeiro, é necessária a integração de todos os métodos de controle de doenças, como genético, cultural, físico, químico e biológico, a fim de manter uma sanidade maior não apenas na cultura do algodoeiro, mas também no sistema de produção, o que acarretará rentabiliC dade ao produtor.
Alfredo Riciere Dias
Além do atraso na incidência de mancha-alvo proporcionado por plantas de menor porte, essa estratégia permite melhor distribuição do fungicida no interior do dossel das plantas, favorecendo o controle químico da doença, sendo esta a ferramenta mais utilizada pelo produtor de algodão. O controle químico é o método mais empregado e deve ser iniciado de maneira preventiva, antes mesmo dos primeiros sintomas visíveis, principalmente quando a cultura anterior for a soja. Nesta situação, novamente, é válido ressaltar a importância do monitoramento constante da lavoura para definir o produto a ser utilizado, sempre respeitando as características dos grupos químicos disponíveis (carboxamida, estrobilurina, triazol e multissítio). Uma das pesquisas desenvolvidas pela Fundação Chapadão tem por objetivo determinar qual seria o melhor momento de aplicação de fungicidas para o controle da mancha-alvo no algodoeiro (Tabela 1). A linha de cor vermelha na Tabela 1 corresponde ao momento da incidência de mancha-alvo no tratamento testemunha. O resultado de eficácia deste trabalho está apresentado no Gráfico 1, onde é possível constatar a necessidade de aplicações preventivas, visto que a maior eficácia foi proporcionada nos tratamentos 2, 3, 4 e 7. Diante dos resultados obtidos neste trabalho, ainda é possível afirmar que nos tratamentos onde as pulverizações foram realizadas de maneira preventiva (tratamentos 5 e 6) existe a necessidade de complementar outras estratégias de manejo. O mesmo ocorre onde as pulverizações foram realizadas próximo ou após a incidência de sintomas visíveis na área testemunha. A eficácia foi inferior a 18% de controle sobre os dados de Área Abaixo da Curva de Progresso da Doença (AACPD). Outra questão que chama atenção é que mesmo realizando
Figura 4 - Mancha-alvo em folha de corda-de-viola
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Alfredo Riciere Dias. Suzany Santos de Moura. Nathana da Cruz Krug. José Donizete Queiroz Otone Fundação Chapadão
Empresas
Futuro semeado
Fotos Divulgação
Com investimento de aproximadamente R$ 45 milhões, a alemã KWS aposta no mercado brasileiro ao dobrar sua capacidade de beneficiamento de sementes
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KWS, empresa alemã de melhoramento de plantas e especialista em sementes, inaugurou a expansão de sua Unidade de Produção de Sementes em Patos de Minas, Minas Gerais. O evento, que ocorreu em agosto, recebeu representantes da família fundadora da empresa, assim como o CEO global da marca, Hagen Duenbostel. O investimento de aproximadamente R$ 45 milhões mais que dobra a capacidade da planta, que passa de 900 mil sacas por ano para dois milhões de sacas. Durante a abertura do evento, Duenbostel ressaltou que a KWS nasceu do trabalho de agricultores. “Somos de agricultores, para agricultores. Só consideramos nosso sucesso quando ele é atingido em conjunto com o do nosso cliente agricultor”, disse. O executivo também citou que 18% do faturamento anual é dedicado exclusivamente à pesquisa e à inovação. No Brasil, além da unidade de Patos de Minas, há mais quatro estações de pesquisa e melhoramento genético espalhadas pelo país, sendo a matriz em São Paulo. Segundo o presidente da KWS para a América do Sul, Marcelo Salles, a empresa também está em processo de desenvolvimento e implantação de um centro de pesquisa no Nordeste. “Cobrimos todos os ambientes de produção do Brasil para lançamentos de produtos e verdadeiramente atendermos às demandas do produtor”, explicou. Fundada há mais de 160 anos, a KWS sempre trabalhou de forma independente e, atualmente, a companhia possui operações de produção e vendas em mais de 70 países. “A inauguração da nova planta é um dos fatores mais importantes do nosso plano de crescimento para os próximos dez anos e do nosso comprometimento com a agricultura
brasileira. Hoje, a KWS enxerga o Brasil como um dos países mais importantes para suprir a demanda da alimentação mundial no futuro, e com grande potencial de crescimento de área para o negócio de milho e soja”, disse Salles. A planta de Patos de Minas é responsável pelo beneficiamento de híbridos de milho, híbridos de sorgo e variedades de soja, e é a primeira planta nacional a utilizar um modelo horizontal de processamento. Segundo Salles, esse padrão de trabalho reduz significativamente o dano mecânico durante todo processo de produção, desde que a semente chega na unidade, até o ensaque. Outros destaques da nova unidade incluem a capacidade de armazenamento de um milhão de sacas; recebimento de 15 a 18 carretas por dia – o que representa de sete a dez mil sacas - e debulhadoras com 40 toneladas/hora de habilidade de operação. Para garantir a qualidade das sementes, a companhia também não permite que as cargas passem mais de 16 horas ou 18 horas em trânsito, o que evita danos provocados por aumento de temperatura. A KWS está operando no Brasil desde 2012, quando adquiriu a empresa brasileira Riber. Desde então, a sua participação no mercado de milho cresceu de cerca de três por cento para aproximadamente sete por cento e, com a inauguração, a marca dá os primeiros passos para um futuro que visualiza o mercado brasileiro como protagonista. “Queremos ser reconhecidos pelo produtor como uma especialista técnica em sementes. Em dez anos, queremos ser a principal opção consultiva do produtor pensando em sementes no Brasil”, C projetou Salles.
Evento contou com a participação de representantes da família fundadora e do CEO global da marca
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Doenças
Mofo disseminado Espalhado por diversas culturas e regiões agrícolas do Brasil o mofo branco, causado por Sclerotinia sclerotiorum, é uma doença letal, capaz de comprometer completamente a produtividade e cujas incidência e agressividade têm crescido nas lavouras. Na ausência de cultivares com nível de resistência genética ideal, resta lançar mão de medidas integradas para manejar o patógeno
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doença mofo-branco é causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum (Lib.) de Bary. Esse patógeno era de ocorrência esporádica em algumas culturas, no Brasil, porém atualmente encontra-se amplamente disseminado nas regiões produtoras das mais diversas culturas, assim como em algumas plantas daninhas. O mofo-branco é conhecido também como podridão da haste, podridão branca, podridão aquosa, podridão de esclerotinia e murcha de esclerotinia. Essa doença era característica de regiões de clima frio a temperado, porém no Brasil encontra-se disseminada em grandes áreas e tem ocorrido na maioria das regiões produtoras de grandes culturas, como de algodão, feijão, girassol, soja e em várias hortaliças e outras culturas hospedeiras, com aumento da incidência e da severidade, podendo causar, em condições ideais ao seu desenvolvimento, perdas de até 100%. O solo brasileiro vem sendo contaminado por S. sclerotiorum, devido ao uso de sementes contaminadas das culturas hospedeiras, em forma de micélio dormente, como também em contaminação concomitante das estruturas de resistência, os escleródios. Outra forma de disseminação do patógeno, apontada pelos agricultores, têm sido por máquinas agrícolas oriundas de lavouras
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Mônica De Bortoli / Phytus Club
Fotos Margarida Fumiko Ito
contaminadas por S. sclerotiorum. A contaminação dos solos brasileiros por S. sclerotiorum atingiu essa situação devido ao aumento do seu potencial de inóculo, em forma de estrutura de resistência, os escleródios, que podem sobreviver em condições ambientes adversas, por muitos anos, na ausência de plantas hospedeiras. Sua ocorrência e severidade têm sido maior em cultivos de inverno, sob irrigação, ou em safras quando ocorrem clima ameno e períodos chuvosos, com aumento da umidade relativa e do solo e em regiões de alta altitude, com alta umidade. O uso de sementes portadoras do patógeno contribuiu com a sua introdução e disseminação, agravado com o movimento de máquinas e implementos de um solo contaminado a outro, sem a sua devida limpeza e desinfestação, dentre outros métodos de manejo de doenças não adotados ao longo do tempo. A maioria dos estados brasileiros, produtores de soja e de outras culturas hospedeiras, tais como feijão, algodão, A
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girassol etc, apresenta solo contaminado com o fungo S. sclerotiorum; pesquisadores brasileiros relatam que ao redor de dez milhões de hectares de lavouras com essas culturas já estejam contaminados com o patógeno. As cultivares das culturas em exploração econômica não têm apresentado resistência ideal ao patógeno S. sclerotiorum. Este patógeno, uma vez introduzido na área, é de difícil controle, pois tem capacidade de formar, numa planta infectada, grande quantidade de estruturas de resistência, os escleródios (Figura 1), que sobrevivem no solo por muitos anos, além de apresentar ampla gama de hospedeiros e ser disseminado por sementes e por máquinas agrícolas.
DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA
O fungo S. sclerotiorum é polífago, de ocorrência mundial, podendo causar doença em mais de 500 espécies de plantas hospedeiras, segundo diversos pesquisadores. Esse fungo pode atacar culturas de alta a baixa expressão econômica, além de diversas plantas daninhas. As condições ideais para o desenvolvimento de S. sclerotiorum em culturas são de temperaturas baixas a amenas e alta umidade relativa e do solo, porém pode desenvolver-se em uma ampla faixa, de 5ºC a 30ºC, sendo o ideal de 11ºC a 25ºC. O fungo S. sclerotiorum pode se desenvolver em toda planta e produzir grande quantidade de escleródios, externa e internamente nos tecidos. No processo de colheita das culturas, muitos desses escleródios caem ao soC
lo, contaminando-o, e permanecendo viáveis nos restos culturais e no solo, por muitos anos. Normalmente, quando as culturas atingem a fase de seu fechamento e se as condições climáticas forem favoráveis e na presença de escleródios de S. sclerotiorum, podem formar o micélio, as estruturas de reprodução, os apotécios e os ascósporos (Figura 2), iniciando-se o ciclo da doença. Em condições favoráveis ao desenvolvimento da doença, os escleródios presentes em restos culturais, no solo, ou introduzidos em contaminação concomitante às sementes, germinam formando a estrutura de reprodução, os apotécios (Figura 2D), onde são formados os ascósporos. Os ascósporos são ejetados dos apotécios na sua maturidade e são disseminados principalmente através do vento, podendo atingir tecidos das plantas hospedeiras, e iniciar o processo doença. Ao atingir as pétalas das flores, o fungo encontrará nutrientes que favorecem o seu desenvolvimento, podendo progredir colonizando outras partes da planta e até causar sua morte. Outra forma de se iniciar a doença é pela formação de micélio branco, de aspecto de algodão, a partir do escleródio (Figura 2C), que ao atingir o tecido da planta, começa a infecção e a colonização. O fungo S. sclerotiorum pode ser introduzido em uma área, a curtas e longas distâncias, pela veiculação dos escleródios em contaminação concomitante às sementes e em forma de micélio dormente nas sementes. As águas de chuva e de irrigação também podem disseminar o patógeno, assim como máquinas e D
Figura 1 - Escleródios de Sclerotinia sclerotiorum: A) Diferentes formas e tamanhos. B) Sementes de soja e escleródios. C) Semente de feijão infectada e D) Desenvolvimento do fungo e esleródios, em meio de cultura BDA
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Fotos Margarida Fumiko Ito
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Figura 2 - Mofo branco causado pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, em feijoeiro. A) Cultura em estádio propício ao ataque do fungo. B) Planta atacada. C) Micélio do fungo formado pela germinação de escleródios. D) Germinação de escleródios e formação de apotécios e ascósporos. E) Micélio em vagem. F) Escleródios na vagem e no solo. G) Sementes infectadas
implementos utilizados em áreas contaminadas pelo fungo, sem o devido cuidado de sua limpeza, dentre outras formas.
SINTOMAS DO MOFO BRANCO
O fungo S. sclerotiorum pode causar sintomas em toda parte aérea das plantas (Figura 3). No início, no ponto de infecção aparecem pequenas lesões com aspecto encharcado, evoluindo-se ao desenvolvimento de micélio branco, semelhante a algodão. As lesões progridem, atingem extensas áreas, onde continua a formação de micélio branco, e após, com aumento da temperatura ambiente, formam-se as estruturas de resistência, os escleródios, interna e externamente nas hastes e nas vagens das plantas. O meio ácido torna-se propício ao desenvolvimento dos escleródios. Quando o tecido afetado por S. sclerotiorum fica mais velho, ou seco, apresenta coloração palha-claro, que se destaca no campo (Figura 4).
MANEJO INTEGRADO
O método ideal para o controle de doenças de plantas é o uso de cultivares com resistência genética aos patógenos. Por ser de menor custo ao produtor e de fácil adoção, apresenta maior garantia de cultura sadia, evita prejuízos e ajuda a manter a sustentabilidade do ambiente. No entanto, no caso da doença mofo branco, as culturas não apresentam nível de resistência genética ideal, ou resistência ao fungo S. sclerotiorum. Em algumas culturas são encontradas cultivares com algum nível de resistência, porém não totalmente resistentes. Para o controle de mofo branco é necessário adotar o manejo integrado, pois apenas algumas medidas não são suficientes para se evitar prejuízos na produção, tanto na quantidade, como na qualidade do produto.
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No manejo integrado, devem ser adotadas todas as medidas de controle possíveis.
MÉTODO GENÉTICO
Utilizar cultivares com maior nível de resistência genética a S. sclerotiorum e dar preferência às de porte ereto. A cultivar de porte ereto, semeada com maior espaçamento, facilita a aeração na cultura e o ambiente torna-se desfavorável ao desenvolvimento do patógeno.
MÉTODO CULTURAL
Compreende várias técnicas. Primeiramente deve-se procurar conhecer o nível de contaminação (número de escleródios) e os locais da propriedade mais infestados com o fungo. O solo contaminado com S. sclerotiorum deve ser preparado de forma a reduzir ou eliminar o patógeno, através de aração profunda para enterrar os restos culturais contaminados e os escleródios, para ocorrer a sua degradação. É muito importante o uso de sementes certificadas, isentas de S. sclerotiorum, e tratadas com fungicidas, evitando-se sua introdução e/ou sua disseminação na área. A rotação de culturas, principalmente com gramíneas e adubos verdes, é ideal para reduzir o potencial de inóculo no solo, aumentando-se a diversidade da população de microfauna e microflora, parasitas benéficos, antagônicos e competidores com o patógeno, além de melhorar as estruturas físicas, químicas e biológicas e proporcionar maior aeração no solo. Entretanto, algumas espécies de plantas utilizadas como adubos verdes, devido à contaminação das suas sementes pelo patógeno, têm disseminado S. sclerotiorum para áreas antes livres da presença desse fungo. É de grande importância o conhecimento da origem e da qualidade das sementes das espécies de adubos verdes a serem utilizadas, bem como de se fazer o tratamento
dessas sementes com fungicidas. Para algumas culturas, o plantio direto na palha, como de braquiárias, tem proporcionado bons resultados na redução da incidência de mofo branco, pela barreira física que evita a entrada de luz, necessária para a formação dos apotécios e na disseminação dos ascósporos, que não conseguiram, devido à camada de palha, atingir as partes mais vulneráveis das plantas. A escolha da época de plantio para evitar a ocorrência do mofo branco no estádio mais vulnerável da cultura é técnica, para se evitar prejuízos causados por essa doença. A redução da densidade de plantio pode reduzir a umidade, através da maior ventilação no interior da cultura, o que desfavorece o desenvolvimento da doença, especialmente em áreas com histórico da sua ocorrência. Na época propícia à ocorrência do mofo branco, recomenda-se reduzir a irrigação e melhorar a drenagem, mantendo-se baixa a umidade do solo e do ambiente da cultura. É importante a nutrição da planta, pois vegetal bem nutrido mantém o maior vigor e a resistência natural. Porém, deve-se evitar o excesso de nitrogênio, que pode favorecer o ataque de S. sclerotiorum. Recomenda-se limpar, lavar e desinfetar ferramentas, botas e utensílios, tratores e implementos utilizados em áreas contaminadas com S. sclerotiorum, utilizando-se produtos químicos desinfetantes a cada operação. Esse procedimento evita a introdução e disseminação do
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Figura 3 - Sintomas de mofo branco em funcho, causado pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum: A) Desenvolvimento de micélio branco, cotonoso. B) Lesão de aspecto encharcado, de cor palha. C) Formação de escleródios e D) Morte da planta
fungo a outras áreas.
MÉTODO BIOLÓGICO
Os escleródios de S. sclerotiorum podem ser parasitados por fungos como Trichoderma spp., Coniothyrium minitans, Sporidesmium sclerotivorum, Aspergillus spp. etc, sendo mais empregado Trichoderma spp., atualmente. Alguns isolados de Trichoderma sp. podem também promover melhor crescimento da planta. Produtos produzidos à base das bactérias Bacillus subtilis, Bacillus pumillus e Bacillus amyloliquefaciens também têm mostrado eficácia no controle da doença, especialmente em hortaliças.
MÉTODO QUÍMICO
No manejo integrado, é também uma estratégia importante, aliada a outras, para se evitar perdas na produção. Diversos fungicidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para controle de S. sclerotiorum em algumas culturas, podem ser encontrados no site www. agrofit.com.br.
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A aplicação de fungicida deve se dar de forma preventiva, preferencialmente, atingir o alvo, os escleródios e os apotécios no solo, toda parte aérea das plantas, com cobertura adequada e ser repetida conforme a necessidade indicada pelo monitoramento, seguindo-se as recomendações da empresa detentora do produto. A época do fechamento da cultura, normalmente na fase do florescimento, se dá a fase mais propícia ao início do desenvolvimento do mofo branco. Portanto, nessa fase deve-se redobrar a atenção às condições climáticas, para não perder o momento de se iniciar a aplicação de fungicida. As pulverizações com fungicidas são mais eficazes quando realizadas na fase de pré-fechamento das culturas, tendo em vista possibilitar boa penetração e cobertura dos produtos nas partes baixeiras C e medianas das plantas. Margarida Fumiko Ito, Centro de Pesq. e Desenv. de Fitossanidade Instituto Agronômico - IAC David de S. Jaccoud Filho, Universidade Estadual de Ponta Grossa Grupo de Fitopatologia Aplicada - Defito
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Figura 4 - Formação de escleródios de Sclerotinia sclerotiorum em soja: A e B) Desenvolvimento interno e externo em ramo e C) Coloração palha-claro nos ramos e nas vagens
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Empresa
Investimento acelerado
Fotos Cultivar
Poucos meses após se tornar uma empresa independente, a Corteva Agriscience anuncia o lançamento de produtos e inaugura no Brasil seu primeiro Centro de Tecnologia de Tratamento de Sementes (Csat) da América Latina
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Corteva Agriscience registra agenda intensa de investimentos no Brasil. A ex-Divisão Agrícola da holding DowDuPont, que se tornou independente em junho de 2019, em curto espaço de tempo inaugurou um centro de tecnologia em tratamento de sementes, lançou produtos para culturas como soja, algodão, milho e HF, além de obter aprovação comercial para um novo herbicida em arroz. Batizado de Loyant, o herbicida foi apresentado em setembro, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, principal estado produtor de arroz irrigado no Brasil. Voltado ao combate de daninhas resistentes, o defensivo tem como alvo desde gramíneas a plantas de folhas largas, ciperáceas, capim-arroz e
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plantas aquáticas. Do grupo químico arilpicolinato, Loyant tem como princípio ativo o Rinskor, uma auxina sintética. Indicado para a fase de pós-emergência do cultivo do arroz, o produto é resultado de um investimento de aproximadamente 250 milhões de dólares, em mais de dez anos, com experimentos de campo realizados em aproximadamente cinco mil áreas espalhadas pelo mundo. Autorizado pelos órgãos regulatórios brasileiros, o herbicida está liberado para comercialização. O líder de Marketing de Arroz para Brasil e Paraguai, Ecli Ávila, informou que a Corteva projeta atingir com o novo produto, no primeiro ano de
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comercialização, de 8% a 10% dos 800 mil hectares cultivados com o uso de herbicida pós-emergente.
Ribeiro ressaltou parceria da marca com a cultura do arroz
Sistêmico, pós-emergente e de aplicação na pré-entrada da água na lavoura, o produto conta com novo modo de ação, apresenta compatibilidade com outros herbicidas e possui perfil toxicológico e ambiental faixa azul. “A Corteva é muito parceira da cultura do arroz, com posição de liderança e destaque no mundo todo. Investimos na cultura, conseguimos registro em tempo recorde de um produto que tem perfil toxicológico bem interessante, em linha com o que o mercado deseja. Com mecanismo de ação diferente e ferramenta estratégica que chega para ajudar o agricultor no Rio Grande do Sul e Tocantins, para que possa produzir arroz controlando plantas invasoras resistentes”, explicou o diretor de Marketing da Corteva Agriscience, Douglas Ribeiro.
CENTRO DE TECNOLOGIA DE TRATAMENTO DE SEMENTES
Dentro da estratégia de investimentos, a Corteva Agriscience inaugurou em agosto, em Formosa, Goiás seu primeiro Centro de Tecnologia de Tratamento de Sementes (Csat) na América Latina. Trata-se do segundo espaço da companhia no mundo, desenvolvido com equipamentos de alta tecnologia para a realização de testes de qualidade de tratamentos aplicados às sementes. O segmento é responsável por 56% do faturamento global da empresa. O local escolhido para o desenvolvimento do Csat se caracteriza como uma área onde se encontram as principais cidades produtoras de grãos do Brasil. Integrado à rede global da companhia o Centro será utilizado para dar suporte a toda América Latina. Com um investimento de aproximadamente 90 milhões de dólares, o espaço faz parte do pacote de aplicações que a companhia realiza no Brasil desde sua fusão. Segundo o presidente da Corteva, Roberto Hun, várias áreas estão passando por investimento e expansão, o que reforça o compromisso da marca com o país e com o crescimento nos próximos anos. “Estamos muito contentes com os últimos lançamentos; com produtos e modos de ação para auxiliar o produtor a lidar com os desafios que encontra na agricultura tropical do Brasil”, disse. O serviço prestado pelo Csat será voltado para as marcas próprias de sementes, Brevant e Pioneer, bem como para treinamento de multiplicadores, distribuidores e demais parceiros da companhia que promovem o tratamento de sementes industrial. “Percebemos que os multiplicadores possuem muitos negócios distintos com a Corteva. Resolvemos colocar todos os negócios em uma mesma área. O primeiro é a genética de soja da Cordius, que vai funcionar com um banco de germoplasma oferecendo li-
Roberto Hun, ao centro, na inauguração do Csat
cenciamento de soja para esses multiplicadores. A segunda parte dessa área é a biotecnologia. Em terceiro vem o tratamento de sementes com o inseticida Dermacor e o fungicida Rancona T. Dessa forma, cria-se um canal para trabalhar com o multiplicador que recebe, testa, multiplica e oferece o produto final”, explicou o líder da área de Tratamento de Sementes, Christian Pflug.
CONGRESSOS AGRÍCOLAS
A participação em congressos agrícolas serviu para a empresa expor os novos produtos. Foi assim com o pré-lançamento do Loyant no Congresso Brasileiro de Arroz Irrigado, em agosto, em Camboriú, Santa Catarina, e com a presença da marca no 12º Congresso Brasileiro do Algodão, em Goiânia, Goiás. No IX Congresso da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), que ocorreu também em agosto, em São Paulo, a Corteva apresentou os inseticidas Closer SC e Verter SC. Ambos os produtos possuem mesma molécula com tecnologia Isoclast Active, mas estão separados em duas marcas para o segmento de insetos sugadores. Closer SC foi desenvolvido principalmente para o controle do pulgão no algodão. O produto também pode ser utilizado para grandes culturas como milho e soja. Já o inseticida Verter SC é indicado para cultivos menores, em hortaliças e frutas, como tomate, melão, melancia e citros, auxiliando no controle de mosca-branca, pulgão e psilídeo. Para Douglas Ribeiro, a nova segmentação de produtos foi idealizada para facilitar o acesso dos agricultores. “Utilizamos embalagens distintas nestes produtos. São modos de ação diferentes, com mecanismo novo, ferramenta estratégica diferenciada para os agricultores que enfrentam desafios para controlar insetos em C um país tropical”, explicou.
No Congresso da Andav, apresentou novos inseticidas www.revistacultivar.com.br • Setembro 2019
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Coluna Agronegócios
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Vamos banir os agroquímicos
m Ciência, uma hipótese será sempre uma hipótese, a menos que comprovada além de qualquer dúvida razoável. Um cientista apenas debate sobre fatos e números, discursos pertencem a outros domínios das atividades humanas. Em 24/1/2017, o Conselho de Direitos Humanos da ONU divulgou um relatório produzido por Hilal Elver, intitulado “Direito à Alimentação” (https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/017/90/PDF/ G1701790.pdf?OpenElement). Ela é advogada, nascida na Turquia e professora da Universidade da Califórnia. Hilal propôs o banimento de todos os agroquímicos usados na agricultura e na saúde, alegando que pesticidas matam pessoas, são dispensáveis, e que devemos alimentar o mundo com lavouras agroecológicas. Precisamos testar essa hipótese. À época, publiquei um artigo sugerindo que a professora Hilal propusesse ao seu país, a Turquia, uma lei proibindo a produção, a comercialização e o uso de qualquer pesticida para combater pragas agrícolas, urbanas ou vetores de doenças. Os resultados seriam avaliados após cinco anos de sua vigência, garantindo que houve sua efetiva e integral aplicação. Os parâmetros seriam a produção, a produtividade e a área utilizada para produção, a importação de alimentos e o custo dos mesmos para a população. Na saúde pública seriam computados os casos de doenças transmissíveis por vetores atualmente controlados por pesticidas. Se, ao final de cinco anos, ficasse demonstrado, além de qualquer dúvida razoável, que a Turquia melhorou sua qualidade de vida, que produziu mais alimentos e de melhor qualidade, que reduziu a importação de alimentos (até exportou) e que o custo ao consumidor diminuiu, bem como que os casos de doenças transmissíveis por vetores diminuíram ou desapareceram, então iniciaríamos um processo de comprovação do mesmo estudo em outros países. Se comprovada sua inutilidade, os pesticidas seriam banidos do mundo. Por algum motivo que desconheço, a doutora Hilal nunca respondeu à minha proposta.
BRASIL SEM AGROQUÍMICOS
Ao longo dos dois últimos anos, observamos uma campanha semelhante, no Brasil. São diversas entidades que, em linhas gerais, afirmam o mesmo que a professora Hilal. Tenho certeza de que estão absolutamente convictos de que é possível banir todo e qualquer uso de pesticidas, sem ocasionar qualquer problema de produção, de renda, de saúde ou de abastecimento de alimentos. Então, como sou cientista, vou fazer uma proposta objetiva e clara às organizações que batalham pelo fim dos pesticidas. Para ser bem didático, vou colocar a proposta em pontos curtos e objetivos. Vamos dividi-la em duas partes: 1) Todos os cidadãos brasileiros que estão convictos de que é possível produzir alimentos, temperos, roupas, flores, madeira, energia etc sem agroquímicos devem boicotar imediatamente o seu consumo. Frutas, hortaliças, leite, frango, suínos, algodão, etanol combustível, eletricidade cogerada nas usinas e termoelétricas a biomassa não devem mais ser consumidos. Tudo deve vir da produção agroecológica, sem a utilização de qualquer pesticida, seja ele sintético ou natural. Lembrando que, na agricultura orgânica também são usados pesticidas, com graus variados de toxicidade para seres humanos e para o ambiente, portanto sequer produtos orgânicos podem ser consumidos. 2) Vamos comprovar a hipótese de que é possível obter todos os produtos agrícolas, controlar as pragas domésticas e os vetores de doenças sem o uso de pesticidas. Escolheremos um município do Brasil. Seria
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exarada uma lei proibindo a venda, a distribuição e o uso de pesticidas em lavouras, parques, jardins, residências, nas campanhas contra vetores de doenças, pelo período de cinco anos. Para tanto, deveriam ser atendidas as seguintes condições mínimas: a) A lei terá que contar com uma fiscalização muito dura, para garantir sua aplicação, especialmente evitando a compra de pesticidas em outros municípios. Estima-se que serão necessários cerca de 200 fiscais para agir diuturnamente na repressão ao comércio e uso de pesticidas. O custo de salários e encargos dos fiscais ficaria em R$ 325 milhões, sendo necessário valor equivalente para aquisição de veículos, escritórios, combustível, energia etc. Portanto, serão R$ 650 milhões em cinco anos. b) Imaginemos o valor da produção agrícola municipal em R$ 700 milhões. Logo, em cinco anos, seriam R$ 3,5 bilhões. c) As estimativas de perda de produção por ataque de pragas (plantas invasoras, fungos, insetos etc) variam entre 30% e 100%, dependendo da cultura, do ano e do local. Vamos assumir uma perda média de 65%. Nesse caso, necessitaríamos um fundo segurador de R$ 2.275.000,00, para garantir eventuais perdas de renda dos produtores, que não podem ser submetidos a uma hipótese sem comprovação, por sua conta e risco, em uma escala tão grande. d) Será necessária uma força-tarefa de assistência técnica de, aproximadamente, 50 agrônomos, para capacitar os agricultores em novos processos de cultivo, que dispensem o uso de pesticidas. Estima-se o custo de pessoal e outros gastos em, aproximadamente, R$ 500 milhões, ao longo dos cinco anos. e) Portanto, os proponentes do banimento dos agroquímicos necessitam mobilizar R$ 1,1 bilhão, para assistência técnica e fiscalização, valor este sem possibilidade de retorno financeiro, pois se trata do investimento direto para demonstrar a viabilidade da tese proposta. f) Também será necessário que os proponentes da campanha depositem, sob custódia legal, o valor de R$ 2.275.000,00, equivalente a 65% do valor da produção do município, para garantir aos produtores que eles serão ressarcidos de qualquer eventual prejuízo. Este valor será devolvido integralmente aos proponentes da campanha de banimento dos defensivos, ao final de cinco anos, com os rendimentos da aplicação financeira. Se a hipótese for verdadeira, não haverá redução de produção nem aumento de custos, portanto trata-se de mera garantia contratual. Os R$ 3,375 bilhões serão facilmente obtidos entre os próprios proponentes e entre os financiadores de ONGs, principalmente recursos advindos do exterior. g) Se, ao final de cinco anos, não houver redução de produção, produtividade ou rentabilidade na agricultura; se todos os problemas de pragas domésticas tiverem sido controlados sem o uso de pesticidas; se as enfermidades transmitidas por vetores, que atualmente são controlados por pesticidas, não apresentarem índices superiores aos atuais, então o experimento será estendido para todo um estado grande produtor agrícola, nos cinco anos seguintes. h) Se, ao final do novo período de cinco anos, a hipótese for comprovada ao nível estadual, então baniremos os pesticidas de todo o Brasil e lutaremos pelo seu banimento no mundo, porque o Brasil terá demonstrado que pode produzir mais e melhor, sem o seu uso. Está feito o repto. Na esperança de que, desta vez, poderemos testar C a hipótese de banimento de pesticidas.
Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, membro do Conselho Consultivo Agrossustentável
Coluna Mercado Agrícola
Nova safra de grãos pode chegar a 250 milhões de toneladas
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s produtores brasileiros já deram a largada para a nova e grande safra de grãos 2019/20, com estimativa de colheita de 250 milhões de toneladas. A soja mostra expectativa na casa de 125 milhões de toneladas, seguida por milho, com 105 milhões de toneladas, divididos em duas safras. Há uma grande fatia negociada antecipadamente, inclusive de milho. Juntos, soja e milho devem superar 140 milhões de toneladas exportadas em 2020.
MILHO
Safrinha próxima de 80 milhões de toneladas
A safrinha está em fechamento de colheita e os produtores comemoram o bom desempenho econômico. Estados importantes como o Mato Grosso, maior produtor, registram volume acima de 31 milhões de toneladas, com percentual de mais de 90% já negociado. Com isso, o estado já mostra ritmo acelerado de negociações da nova safrinha, que será plantada em fevereiro do próximo ano, com aproximadamente 25% da safra futura comercializada para entrega entre julho e setembro de 2020. Os números finais da safra atual devem fechar neste final de setembro ao redor de 80 milhões de toneladas.
SOJA
Safra velha alcança negociação de 85%
A negociação da safra velha avançou e agora supera 85%. O mês de agosto re-
gistrou forte pressão de compra e houve muitos negócios realizados na faixa de R$ 86,00 a R$ 88,00 por saca nos portos. Assim, o ritmo de comercialização cresceu rápido. A safra está fechada com aproximadamente 115,5 milhões de toneladas, restando pouco para ser negociado. Há, ainda, grande interesse de compra por parte dos chineses.
FEIJÃO
Feijão mostra vazio de ofertas até novembro
Em agosto, o feijão registrou ofertas maiores que a demanda, limitando a alta dos indicativos. Mas como em setembro e outubro as ofertas tendem a diminuir, a expectativa é de um vazio de ofertas e fôlego positivo para as cotações. Com espaço para nova fase de alta e boas perspectivas de demanda. Os produtores do Sul começam o plantio da primeira safra.
ARROZ
Arroz aguarda alta nestes
últimos meses do ano
O mercado do arroz se mostrou fraco nos primeiros oito meses do ano e isso traz desestímulo aos produtores para o novo plantio, que já começou em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Há sinais de que novamente a área plantada irá recuar. O desempenho econômico para os produtores foi frustrante mais uma vez, com maior parte do grão vendida abaixo do custo. A queda na área plantada gaúcha deve passar de 100 mil hectares neste ano e, pela primeira vez em mais de uma década, cair abaixo de um milhão de hectares plantados. O mercado dá sinais de alta neste restante de ano, mas para grande parte dos produtores a evolução chega tarde e não irá reverter a tendência de queda C desta nova safra.
Vlamir Brandalizze Twitter @brandalizzecons www.brandalizzeconsulting.com.br
Curtas e boas TRIGO - O mercado desta safra, que começou a ser colhida no Paraná com problemas de geadas afetando a qualidade dos grãos, indica que os produtores podem ter novamente boas cotações favorecidas também pela alta do dólar. O Brasil caminha novamente para importações na faixa de seis milhões de toneladas e o mercado deve trabalhar com valores entre R$ 750,00 e R$ 900,00 por tonelada. O produtor que aguardar melhores momentos de venda deve obter médias maiores. EUA - Os produtores estão apavorados com a safra deste ano. Reclamam dos dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que segundo o setor produtivo americano estaria mostrando números muito maiores que a produção. Apontam que a safra de milho não deve chegar a 340 milhões de toneladas (13 milhões abaixo dos dados do USDA do mês de agosto) e a soja não chegaria à casa de 95 milhões de toneladas frente a pouco mais de 100
milhões de toneladas estimados pelo USDA. Esse cenário fez as cotações em Chicago ficarem abaixo do esperado, com muitas críticas ao governo norte-americano. CHINA - A China tem atuado forte no mercado da soja da América do Sul, principalmente do Brasil. Levou muito grão no mês de agosto e deverá continuar comprando na região neste restante do ano para escapar de compras nos EUA, com quem se encontra em disputa comercial. Os problemas com a peste suína começam a ser superados e a demanda local deverá voltar a crescer forte neste novo ano. ARGENTINA - A safra dos argentinos ficou dentro da normalidade, com a soja em 56 milhões de toneladas e o milho em 48 milhões de toneladas. Agora, a atenção dos produtores se volta para as eleições e os temas como o risco de retorno da taxa de retenciones da soja aos patamares de 35%.
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Coluna ANPII
Cuidado com a qualidade
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Induzir alguém a produzir inoculante em equipamentos rudimentares, sem as mínimas condições de assepsia, afronta os princípios científicos e constitui fonte potencial de prejuízos ao agricultor
agricultura brasileira vem gerando expressões de ad- do meios de cultura, condições operacionais das mais anticienmiração em todo o mundo. De um país importador de tíficas compõem os chamados “kits”, desenvolvidos para ganhar comida, em poucos anos passou a ser um dos princi- dinheiro fácil em cima do desconhecimento dos agricultores. pais exportadores, contribuindo de forma decisiva para oferecer O inoculante é um insumo essencial para a produtividade alimentos em maior quantidade e com preços mais acessíveis. e a rentabilidade da soja e de outras leguminosas. Mas para Este salto se deu por muitos fatores, contando, claro, com que traga todo o benefício que o agricultor necessita, é indisa natureza que temos. Mas o uso intensivo da tecnologia e a pensável um produto de elevada qualidade. As indústrias de “cabeça aberta” dos modernos agricultores, aplicando de for- inoculantes se capacitaram tecnicamente para, sempre em conma correta as novas ferramentas surgidas no mercado, con- junto com a pesquisa, oferecer ao mercado inoculantes de alto tribuíram de forma decisiva para o enorme sucesso da pro- padrão e estão cumprindo efetivamente esta tarefa. E agora, dutividade da agricultura nacional. De nada adiantaria termos todo o trabalho de anos feito pela pesquisa e pelas indústrias uma ciência de ponta, com técnicas de manejo e produtos de é posto em xeque pela ignorância e a ganância. Produzir inocuelevada qualidade, se a ignorância predominasse no campo e lante, mas inoculante de verdade, que funcione, que agregue o conhecimento gerado pelas entidades de pesquisa e pelas valor, requer toda uma tecnologia baseada em microbiologia, empresas de insumos não fosse realmente aplicado. A ligação em processos industriais, gente preparada, estruturas sofistientre geração e uso da tecnologia é que impulsiona o sucesso cadas, técnicas de última geração. Induzir alguém a produzir de nossa agricultura. inoculante em equipamentos rudimentares, sem as mínimas Dentre os fatores de sucesso da cultura da soja no Brasil, condições de assepsia, é uma afronta aos princípios científicos a fixação biológica do nitrogênio (FBN) é um dos pilares mais e, mais do que isso, uma fonte de prejuízos para o agricultor fortes e mais visíveis. Fruto de um trabalho que é modelo de que vai deixar de se beneficiar do aumento de produtividade sucesso mundial, a pesquisa montou uma estrutura ímpar, re- gerado pelo uso de inoculante. conhecida como de elevada eficiência. Unido a uma moderna Os dados divulgados pela pesquisa, analisando os pseuindústria de inoculantes, a uma assistência doinoculantes, têm demonstrado tudo o técnica comprometida e a um agricultor que dizemos aqui. O que se produz nos esclarecido, atualmente o país consome famigerados “kits” não é inoculante. É mais de 80 milhões de doses de inocuum mescla de micro-organismos, alguns lante de alta qualidade por ano e cultiva até com potencial prejuízo para a saúde O inoculante 35 milhões de hectares de soja, obtendo humana, mas zero de Bradyrhizobium ou é um insumo elevadas produtividades com um uso irriAzospirillum, que deveriam estar presensório de fertilizante nitrogenado. tes para beneficiar o agricultor. essencial para a Entretanto, nesse universo de milhares Tudo o que escrevemos é baseado em produtividade e a de agricultores modernos, esclarecidos, dados de entidades de pesquisa. A Embraligados aos avanços da ciência e da tecpa Soja, analisando amostras de “inocurentabilidade da nologia, aparecem bolsões de ignorância lantes” produzidos em fazendas de Mato soja e de outras e má-fé que desconhecem o processo Grosso, Bahia e Paraná (M. A. Nogueira, leguminosas evolutivo e buscam o obscurantismo, a apresentação na Reunião de Pesquisa de falta de ciência. Soja, 2019), detectou presença de diverSurgem pessoas inescrupulosas e agrisos micro-organismos, alguns potencialcultores desligados da modernidade que mente nocivos para a saúde humana e estão optando por processos absoluta e nenhuma célula de Bradyrhizobium. Vaprovadamente ineficazes para tentar produzir inoculantes à lincenti et al, 2015, da Embrapa Milho e Sorgo, também debase das bactérias fixadoras do nitrogênio na própria fazenda. tectaram potenciais patógenos em cultivo de B. thuringiensis. É absolutamente impossível produzir inoculante nas condições A ANPII, sempre alerta na defesa do agricultor, está lutando que estão sendo “empurradas” aos agricultores menos escla- para que todos os produtores de soja tenham acesso a inocurecidos. Infelizmente, há um grande histórico de empresas e lantes de elevada qualidade, abandoando estas práticas que, pessoas inescrupulosas que ao longo dos anos procuram se falsamente, levam a uma economia, quando, na verdade, traC aproveitar do desconhecimento de agricultores menos infor- zem prejuízos aos agricultores. mados para ganhar dinheiro fácil. E isso está ocorrendo no momento, em diversos rincões do Solon Araujo, Brasil, em pleno século 21. Equipamentos rudimentares, pseuConsultor da ANPII 50
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Sugadores de lucro André Shimohiro
Percevejos são o grupo mais relevante de pragas da soja na atualidade, e embora o produtor dispense recursos de controle, muitas vezes ainda permite o convívio com a cultura até a colheita, resultando em perdas de peso e de qualidade. Se a soja for colhida com dois percevejos/m2, a lavoura pode perder mais de 140kg de soja/ha
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N
baixas populações. Somam-se aos fatores que facilitaram o crescimento dos percevejos a falta de alternativas biológicas disponíveis e o reduzido número de grupos químicos e ingredientes ativos no mercado para o controle de sugadores. De outro lado, por muito tempo o controle de percevejos foi realizado tardiamente (erros de recomendação da pesquisa), sem atenção para as ocorrências, para sua distribuição aleatória e em baixas populações iniciais, as populações residentes e migrações de áreas adjacentes, bem como o real impacto de populações muito baixas por unidade de área.
ESPÉCIES QUE GANHARAM IMPORTÂNCIA
Em função das suas características biológicas, ecológicas e comportamentais, as espécies que mais se adaptaram e se beneficiaram com as alterações no cultivo de soja no Brasil foram o percevejo-marrom e o percevejo-barriga-verde. O impacto destas espécies está relacionado à sua densidade populacional, ao período de convivência com as fases vulneráveis da soja, mas também com a cultivar. A predominância e as altas populações dessas espécies no sistema produtivo da soja requerem conhecimento quanto à correta identificação, à
biologia, aos danos, ao comportamento, aos níveis de dano econômico e de controle e à amostragem populacional, a fim de adequar o controle de forma assertiva para cada situação. O Pe rc e v e j o - m a r ro m m e d e 11mm de comprimento em média e tem o pronoto pontiagudo que termina em espinhos escuros. Na fase adulta, tem coloração marrom-escura e apresenta uma mancha clara em forma de “v” no escutelo. As fêmeas depositam os ovos de forma agrupada, principalmente nos legumes, nas folhas e nas hastes, e são dispostos em duas ou três fileiras paralelas com aproximadamente 15 a 20 ovos amarelos. As ninfas recém-eclodidas têm coloração alaranjada e as ninfas maiores (terceiro-quinto instares) variam de cinza a marrom, com bordos serreados e com várias manchas de cor clara em forma de “U”, em toda a borda do abdômen. O período de ovo-adulto do percevejo-marrom dura aproximadamente 28 dias, compreendendo 13 dias entre as fases de ovo até o segundo instar (período com hábito gregário e não se alimenta) e 15 dias do terceiro instar até adulto (período de alimentação e dispersão). Já os adultos podem viver mais de 100 dias. O Percevejo-barriga-verde mede de 9mm a 10mm de comprimento
Fotos Jerson Guedes
os últimos anos, ocorreram alterações e inovações no cultivo da soja no Brasil que se refletiram na ocorrência de percevejos, aumentando sua prevalência, resultando em dificuldades de controle e consolidando sua relevância como o grupo mais importante de pragas da cultura. Entre estes aspectos, podem ser destacados: - O crescimento da área cultivada com soja associado ao cultivo em uma maior amplitude de épocas, permitindo ter a cultura por cerca de oito a nove meses no ano. - Os sistemas de cultivo intensivo com “pontes verdes hospedeiras”, que permitem alternativas de hospedagem maior e mais diversa para os percevejos. - Uso mais intenso de herbicidas (eliminam plantas daninhas que hospedam inimigos naturais) e fungicidas (que impactam sobre fungos benéficos). - Plantio de cultivares indeterminadas ou determinadas com maior período reprodutivo e maior tempo de estruturas de alimentação, ficando mais vulneráveis aos percevejos da soja. - Cultivo de sojas Bts que controlam lagartas com redução do número de aplicações de inseticidas. - Elevado valor da soja, baixo custo do controle e impacto de
Adulto do percevejo-barriga-verde (esquerda) e adulto do percevejo-marrom (direita)
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e tem coloração variando de castanho-amarelado ao acinzentado, com o abdômen verde. A cabeça termina em duas projeções pontiagudas e o pronoto com margens anteriores denteadas e expansões laterais em espinhos. As fêmeas realizam as posturas sobre folhas, legumes e hastes da soja em massas de aproximadamente 14 ovos de coloração verde-clara. As ninfas pequenas do percevejo barriga-verde podem ser confundidas com as do percevejo-marrom, com a coloração marrom-acinzentada, mas podem ser identificadas pelo abdômen verde e pelas projeções pontiagudas na cabeça. Muito semelhante ao percevejo-marrom, o período de ovo-adulto do percevejo barriga-verde dura entre 25 dias e 30 dias. As ninfas grandes, que causam dano, (terceiro ao quinto instar) levam em torno de 15 dias até chegarem à fase adulta.
OCORRÊNCIA NA SOJA E EM OUTROS CULTIVOS
Durante o período de cultivo da soja, os percevejos podem ter sua ocorrência iniciada antes mesmo da semeadura, por indivíduos remanescentes da cultura antecessora (coberturas ou cereais de inverno, pastagens ou soja), podendo se alimentar em plantas daninhas ou cultivadas, em grãos caídos no solo ou em cotilédones das plantas de soja recém-emergidas, podendo permanecer e se estabelecer na lavoura ainda durante o período vegetativo, quando podem se alimentar sugando quaisquer estruturas da planta. A partir da formação dos legumes, até o final do enchimento dos grãos, os percevejos se alimentam preferencialmente das estruturas reprodutivas e se reproduzem e aumentam sua população nas áreas de cultivo da leguminosa. A ocorrência de percevejos nos sistemas de produção de soja está associada principalmente à imensa oferta de alimento/culturas para a sobrevivência dessas populações. O sistema de cultivo com soja em 06
André Shimohiro
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Conhecer a distribuição espacial dos percevejos é um recurso adicional para auxiliar no monitoramento e controle
primeiro cultivo (safra) e soja em segundo cultivo (safrinha), que, além da enorme área brasileira de 35 milhões de hectares, abrange os meses de setembro a maio e amplia a janela de produção, permitindo a ocorrência de maior densidade populacional, principalmente nas sojas mais tardias. Nas sojas Bts há um menor número de aplicações de inseticidas para o controle de lagartas, que também controlam populações iniciais de percevejos. Assim, há ocorrência mais cedo de percevejos que, sem controle, se reproduzem e aumentam a densidade populacional, mais precocemente. Conforme levantamento do Laboratório de Manejo Integrado de Pragas (LabMIP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), há pelo menos 10% a mais de percevejos nas sojas Bts que em lavouras não Bt. A sobrevivência desses percevejos passa pela cultura da soja, e após a
colheita se abrigam sob a palhada, onde se alimentam de grãos caídos no solo ou nas bordas das lavouras, onde entram em diapausa ou habitam outras culturas, as chamadas pontes-verdes, disponíveis no período de entressafra da soja. Nas outras culturas, como o milho no verão (principalmente o cultivo safrinha) e as pastagens, coberturas e os cereais de inverno mudam de hábito alimentar e passam a sugar tecido vegetativo das plântulas e plantas, ao invés de sementes. Esse sistema de rotação de cultivos durante todo o ano (rotação com cereais e trigo, principalmente) favoreceu a ocorrência dos percevejos-barriga-verde e atualmente apresenta populações fora de controle em algumas regiões do Brasil.
DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DA POPULAÇÃO
Conhecer a distribuição espa-
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cial dos percevejos é um recurso adicional para auxiliar o monitoramento e melhorar o controle desses insetos-praga na cultura da soja. O monitoramento das populações de percevejos permite a visualização da sua ocorrência, a sua distribuição e a infestação na lavoura. Normalmente, a colonização das áreas ocorre no final do período vegetativo e início do reprodutivo da soja. A partir desse período, a densidade de percevejos aumenta e é capaz de produzir perdas significativas. Em trabalho realizado pela Equipe do Laboratório de Manejo Integrado de Pragas (LabMIP) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no município de Jóia, em uma área irrigada por pivô central, com 92ha, sendo 41ha com soja e 51ha com milho, se avaliou a distribuição espacial de percevejos nos cultivos e no seu entorno durante dois anos (Figura 1). As espécies Euschistus heros, Dichelops sp. foram predominantes, mas também ocorreram Piezodorus guildinii, Nezara viridula e Edessa meditabunda. Na fase inicial do cultivo, as populações de percevejos foram detectadas no mato, borda do açude e do banhado, para depois migrar para as bordas das lavouras (não irrigada) irrigadas sob pivô central e colonizar todas as áreas de soja. A partir do enchimento de grãos, a população de percevejos aumentou em grande parte da área de soja (vermelho), especialmente na soja mais precoce, em relação à soja da área sob irrigação do pivô. Esses resultados confirmam que as sojas mais precoces propiciam populações de percevejos que posteriormente irão infestar lavouras adjacentes mais tardias. As aplicações nas bordaduras da lavoura podem auxiliar na diminuição da infestação na lavoura de soja. Após a colheita da soja, em avaliações realizadas na palhada, a maior população de percevejos foi encontrada em locais fora da lavoura. Demonstrando assim que os percevejos procuram
locais de refúgio no período de entressafra. Esta experiência em áreas de alta tecnologia e de produção de sementes mostrou que o monitoramento das lavouras pode ser realizado até antes das semeaduras de soja, em áreas adjacentes e de bordadura, de onde os percevejos vão migrar para as áreas de cultivo. Além disso, revelou que a detecção de pequenas populações ainda na fase vegetativa da soja pode ser um momento de iniciar o controle precocemente, quando a soja ainda permite aplicações mais eficazes, devido à baixa densidade foliar.
O MONITORAMENTO
O monitoramento de percevejos da soja serve para determinar as fases (ninfas pequenas, grandes e adultos), as espécies infestantes e o número de percevejos/m2 nas lavouras. Esses dados devem ser usados para a tomada de decisão de controle, determinando
se controla ou não, quais inseticidas mais adequados e a dose que deve ser aplicada. A maneira de amostrar percevejos depende do estágio de desenvolvimento da soja. Nos estágios iniciais e na entressafra é realizada pela contagem direta do número de percevejos em uma área de 1m2, nas plantas e na palhada. Com as plantas mais desenvolvidas se usa o pano-de-batida vertical com calha, que é prático e eficiente segundo estudos conduzidos pelo LabMIP-UFSM, desde 2006, com duas tomadas (batidas) em uma fileira de soja (2m), totalizando 1m2 de área amostrada. Essa amostragem deve ser semanal em tantos pontos na lavoura, que permita ter certeza da variação espacial das populações. Em média, pode ser utilizado um número mínimo de quatro pontos de amostragem em áreas/talhões inferiores a 20ha, dez pontos em áreas de até 100ha e até 15 pontos em áreas superiores a 100ha.
Figura 1 - Distribuição espacial de percevejos em área de cultivo de soja e milho, sob pivô central, ao longo do ano
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Danos de percevejos em grãos de soja
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permitam quantificar a população de insetos-praga. Em trabalhos realizados pelo LabMIP, nos quais avaliou-se a densidade populacional de percevejos na entressafra, verificou-se a presença de percevejos adultos protegidos na palhada e posteriormente na cultura de cobertura, durante todo o período de entressafra. Com o monitoramento pode se avaliar como está a densidade populacional de percevejos na área e realizar controle caso seja necessário, antes mesmo de ocorrerem danos à cultura. As injúrias e os danos dos percevejos variam ao longo do seu desenvolvimento. As ninfas pequenas (de 1o e 2o instares) ficam agrupadas e não se alimentam, como as ninfas grandes e os adultos. As ninfas grandes (de 3o, Clérison Perini
Em geral, somente alguns produtores realizam amostragem nas suas lavouras, que determinam aplicações de inseticidas preventivas e/ou aleatória, muitas vezes juntamente com outras aplicações. Essas práticas têm consequências negativas, como a entrada tardia para percevejos e permitindo seu crescimento populacional. Em trabalho desenvolvido pelo LabMIP-UFSM, entre 2009 e 2010, no qual aproximadamente 400 produtores de soja do Rio Grande do Sul e do Paraná foram entrevistados, cerca de 60% do Rio Grande do Sul responderam que utilizam o pano-de-batida; no Paraná, estes valores são menores e cerca de 41% dos produtores utilizam o pano-de-batida (Guedes - informação pessoal). As culturas em rotação e sucessão com a soja influenciam na população de percevejos. Assim, o monitoramento da densidade populacional deve ser realizado também no período de entressafra. Os demais cultivos e plantas daninhas no entorno da lavoura podem influenciar na dinâmica populacional de percevejos. Nesse período, pode-se realizar amostragem de percevejos na palhada com observações visuais, no local e/ou utilização de métodos de amostragem que
4o e 5o instares) se alimentam para se desenvolver e cumulativamente causam a maior parte dos danos, e somente 1/3 restante dos danos é causado pela alimentação dos adultos. Por isso, quando se observam percevejos adultos na soja, parte dos lucros já foi sugada pelas ninfas em desenvolvimento. Os cotilédones das plantas de soja recém-emergidas são atacados por percevejos remanescentes de culturas anteriores (como milho, trigo ou mesmo a soja), resultando em menor altura inicial das plantas, por cessar o fornecimento de energia para o seu crescimento inicial. A partir da formação dos legumes até o final do enchimento dos grãos ocorrem danos diretos, quando os percevejos se reproduzem e aumentam em número nas lavouras, sugando os legumes e grãos que ficam menores, chochos, enrugados e com menos peso, diminuindo o rendimento e a qualidade dos grãos. Além disso, o ataque de percevejos em legumes recém-formados (R3-R4) pode provocar o abortamento, que pode ser ainda mais severo em períodos de estiagem. A maior sensibilidade da soja ao ataque de percevejos ocorre entre o começo da frutificação (R3) e o ponto de máxima acumulação de matéria seca no grão (R7). Dentro deste grande período, o intervalo mais crítico e vulnerável às perdas encontra-se a partir de R4 (final do desenvolvimento das vagens) até R5.5 (final do enchimento de grãos), de acordo com resultados observados em vários dos estudos analisados. Danos econômicos são difíceis de calcular, assim como é complicado
Grãos de soja indicando injúrias de percevejos pelo teste do tetrazolio em parcela sem aplicação de inseticida (esquerda) e com aplicação de inseticida (direita)
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estabelecer um valor de dano fixo para cada espécie de percevejo, devido aos diferentes fatores envolvidos na estimativa desses danos. Entretanto, a intensidade dos danos causados pelos percevejos da soja depende de (1) espécie de percevejo; (2) estágio de desenvolvimento do percevejo; (3) estádio fenológico da soja em que ocorre o ataque; (4) período de convivência ou duração do ataque e (5) nível populacional da praga.
NÍVEL DE DANO ECONÔMICO E DE CONTROLE
As bases para decidir o controle de percevejos são o Nível de Dano Econômico (NDE) e o Nível de Controle (NC). A decisão de controle tem relação direta com quatro fatores: 1) CT - custo do controle (inseticida + aplicação); 2) V - valor da saca de soja; 3) D - dano dos percevejos e 4) K - eficiência do inseticida. Estes são os fatores que alimentam a equação do NDE e que devem nortear a decisão econômica do controle. Com base nesses dados, o produtor deve estimar para a sua situação o momento de controle de percevejos, pois o valor do NDE (número de percevejos/m2) estimado pela fórmula (NDE = [CT/V*D] * K), expressa o limite máximo de percevejos que o produtor pode tolerar em sua lavoura.
A ocorrência de percevejos em soja está associada principalmente à imensa oferta de alimento para sua sobrevivência
Na prática, o produtor deve aplicar o inseticida antes que os percevejos cheguem ao valor do NDE. Esse número é conhecido como Nível de Controle (NC). Os danos que os percevejos causam em soja já foram estudados e uma estimativa de mais de 50 trabalhos mostra perda de aproximadamente 75kg de soja para a densidade de um percevejo/m², ou seja, de dez mil percevejos por hectare. Utilizando esse valor na fórmula do NDE, com custo de controle de R$ 50,00/ha e o valor da saca de soja de R$ 70,00, o NDE é de 0,71 percevejos/m². Obviamente, este
cálculo é uma estimativa e pode ter seus valores alterados, com o preço da soja ou com os maiores investimentos em controle da praga.
MOMENTOS DE MANEJO
Conhecer e entender os aspectos reprodutivos dos percevejos é o primeiro passo para um manejo no momento certo, com os inseticidas adequados para a idade e para a população presente na lavoura. Permite ser assertivo e eficaz, reduzindo as populações iniciais e perdas no final, por redução da produção de grãos e de sua qualidade.
Tabela 1 - Estimativas dos Níveis de Dano Econômico para percevejos em soja
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Os percevejos da soja, como o percevejo-marrom e o percevejo-barriga-verde, fazem um ciclo de desenvolvimento hemimetábolo, passando pelas fases de ovo, ninfa e adulta, que duram de 30 dias a 40 dias aproximadamente. As fêmeas colonizadoras já copuladas começam a formação das populações e podem ser o primeiro objetivo-alvo do controle para diminuir a infestação, que é inevitável na maioria das regiões do Brasil. Neste primeiro momento, o importante é o uso de inseticidas 10
com efeito de choque e contaminação direta, visto que muitas fêmeas vivem pouco e eventualmente se alimentam, pois suas funções são produzir a primeira geração de percevejos que vão colonizar e criar os primeiros focos populacionais dispersos, geralmente a partir das bordas das lavouras. O desenvolvimento particular dos percevejos tem a fase de ovo e as ninfas N1, N2 pouco móveis, e com pequena exposição ao controle químico, geralmente permitindo o
escape e o avanço do seu desenvolvimento. As ninfas de terceiro instar (N3) são mais móveis e começam a alimentação, tornando-se eventualmente mais expostas a inseticidas, como as ninfas N4 e N5. Entretanto, estas subfases somadas representam um período de 15 dias aproximadamente, que permite maior chance de controle, mas que depende de uma cobertura do tratamento inseticida com dose e eficácia para as diferentes idades presentes nas áreas. Essas
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à biologia e ao comportamento da praga, invariavelmente a soja é colhida ainda com percevejos, somando o gasto do controle à perda de produção, aumentando a C importância desta praga. Clérison R. Perini, Lucas Cavallin, Gabriel A. Guedes, Ricardo Froehlich, Lorenzo Aita, Letícia Puntel e Jerson C. Guedes, UFSM Encarte Técnico Circula encartado na revista Cultivar Grandes Culturas nº 244 • Setembro 2019 Capa - André Shimohiro Reimpressões podem ser solicitadas através do telefone: (53) 3028.2075
www.revistacultivar.com.br
Cultivar
idades e as dificuldades de controle inerentes ao desenvolvimento da soja, facilmente permitem as sobras de controle e o crescimento das densidades em níveis danosos à soja. Este é o momento-chave do controle e no qual deve-se investir os melhores recursos, pois se perdido o momento, as lavouras vão ter percevejos até a colheita, com seus efeitos e perdas. Entretanto, o que fica muito claro com os danos econômicos é que a soja é muito sensível a pequenas densidades de percevejos, que nas condições subtropicais ou tropicais do Brasil apresentam capacidade de crescimento rápido e de impactarem sobre a cultura. De outro lado, independentemente das duas ou três intervenções de controle aplicadas em cada cultivo, dado o atraso na entrada ou o desconhecimento com relação
populações são fruto das fêmeas colonizadoras que formam as primeiras gerações de percevejos e que coincidem geralmente com o início da fase reprodutiva da soja. Portanto, quando há uma tendência de uniformização da densidade populacional dos percevejos é desejável a utilização de inseticidas que atuam sobre ninfas grandes e sobre adultos, uma vez que essas populações maiores tendem a ser mais difíceis de controlar. Invariavelmente, a sobreposição de
Alterações e inovações no cultivo da soja no Brasil nos últimos anos tiveram reflexos na ocorrência de percevejos
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