S ATURNO
S ATURNO
Astrologia Psicológica como Caminho de Autoconhecimento e Desenvolvimento do Self
Prefácios de Robert Hand e Juliana McCarthy
Tradução
Maio Miranda
Título do original: Saturn – A New Look at an Old Devil
Copyright © 1976, 2011 Liz Greene.
Publicado mediante acordo com Red Wheel/Weiser, através da Yañez, parte da International Editor’s Co. S.L. Literary Agency.
Copyright da edição brasileira © 1986, 2023 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.
2a edição 2023.
Obs.: Publicado anteriormente como: Saturno – O Senhor do Karma.
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Editor: Adilson Silva Ramachandra
Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz
Preparação de originais: Verbenna Yin
Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo
Editoração eletrônica: Join Bureau
Revisão: Vivian Miwa Matsushita
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Greene, Liz
Saturno: astrologia psicológica como caminho de autoconhecimento e desenvolvimento do self / Liz Greene; prefácios de Robert Hand e Juliana McCarthy; tradução Maio Miranda. – 2. ed. – São Paulo: Editora Pensamento, 2023.
Título original: Saturn: a new look at an old devil
ISBN 978-85-315-2264-2
1.
22-139954
Índices para catálogo sistemático:
1. Autoconhecimento: Astrologia 133.5
CDD-133.5
Inajara
Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA., que se reserva a propriedade literária desta tradução.
Rua Dr. Mário Vicente, 368 – 04270-000 – São Paulo – SP – Fone: (11) 2066-9000 http://www.editorapensamento.com.br
E-mail: atendimento@editorapensamento.com.br
Foi feito o depósito legal.
Astrologia 2. Astrologia e psicologia 3. Autoconhecimento I. Hand, Robert. II. McCarthy, Juliana. III. Título. Pires de Souza – Bibliotecária – CRB PR-001652/OPrefácio 6
M uitos anos após sua publicação inicial, é difícil subestimar a importância de Saturno de Liz Greene e o que ele representa. Foi e é um passo importante no progresso da mais crucial contribuição do século XX à Astrologia – a saber, o uso da Astrologia como uma ferramenta para a autorrealização e atualização pessoal.
As abordagens da Astrologia tradicional derivadas das tradições do Oriente Médio – as quais incluem a Astrologia Helenística, Jyotish e Medieval (tanto em árabe como em latim) – parecem ter assumido que os eventos primordiais e as circunstâncias da vida de uma pessoa são predeterminados num nível significativo, se não completamente. Os astrólogos helenísticos, fortemente influenciados pelo estoicismo, demonstram essa tendência de maneira extrema. A seguinte passagem de Manilius demonstra isso:
Os destinos governam o mundo, tudo está estabelecido pela lei. Estações longas são definidas por causas fixas. Como nascemos, estamos morrendo, e o fim depende do início. A partir disso, fluem tanto a riqueza quanto a realeza, e mais fre quentemente daí emerge a pobreza. Habilidades e caráter são
concedidos àqueles assim criados, assim como o vício, o reconhecimento, as perdas e as aquisições das coisas.
(Manilius, Astronomica , Livro IV, linhas 14-15. Tradução própria)
Astrólogos islâmicos e cristãos da Idade Média deram ênfase ao livre-arbítrio na teoria, mas, na prática, isso não é óbvio. Além disso, todas as três abordagens da Astrologia tradicional atestam que há “bons” e “maus” planetas, os quais mais tarde foram chamados de benéficos e maléficos, um dos quais é Saturno. Benéficos “causam” os bons destinos; maléficos, os maus.
De toda maneira, mesmo no mundo antigo havia vozes que discordavam dessas duas ideias – que tudo estava determinado no momento do nascimento e que havia bons e maus planetas – um conceito do qual Saturno é derivado. O filósofo Plotino (204/5 a 270 d.C.) rejeitou ambas as ideias nas Enéadas . Sua descrição de como os planetas agem poderia ter sido escrita por um astrólogo moderno:
Podemos pensar que as estrelas são letras perpetuamente sendo inscritas nos céus ou inscritas definitivamente e ainda em movimento, pois elas perseguem as outras tarefas a elas aquinhoadas: sobre as tarefas mais importantes seguirá a qualidade do significado...
( Enéadas , 2.3.7, tradução McKenna)
Ele rejeita a ideia de bons e maus planetas nas duas passagens seguintes:
A crença é que os planetas em seus cursos de fato produzem não apenas condições como pobreza, riqueza, saúde e doença, mas até mesmo feiura e beleza e, o mais grave de tudo, vícios e virtudes e os próprios atos que nascem dessas qualidades, as ações definitivas de cada momento de virtude ou de vício. Nós supomos que as estrelas se aborrecem com os homens – e sobre assuntos nos quais os homens, moldados ao que são pelas próprias estrelas, certamente não podem agir de outra maneira.
( Enéadas , 2.3.1, tradução McKenna)
[Os planetas são]... continuamente serenos, felizes no bem que desfrutam e na visão à sua frente. Cada um vive sua própria vida livre; cada um encontra seu Bem em seu próprio Ato; e esse Ato não é direcionado a nós.
( Enéadas 2.3.3, tradução McKenna)
Outros Platonistas seguiram Plotino nesse tema, mas isso teve pequeno impacto na prática da Astrologia. Contudo, essas passagens servem para nos contar que mesmo nos tempos antigos a visão “tradicional” da Astrologia era rejeitada por alguns, firmemente, em níveis filosóficos.
Apesar das exceções anteriores entre os antigos e os poucos filósofos medievais que sustentavam objeções similares, visões deterministas e a ideia de planetas benéficos e maléficos dominaram a Astrologia até o início do século passado. Foi o século XX e a Astrologia ocidental moderna que enxergaram a ineficácia dessas duas posições.
Antes da obra de Liz Greene, outros deram passos – na verdade, passos firmes – nessa direção, notadamente o falecido Dane Rudhyar (1895-1985) e alguns de seus seguidores. Mesmo antes disso, nos antigos trabalhos de Alan Leo (1860-1917) na virada do século, se podem ver movimentos nessa direção. Mas, no caso de Leo, essa tendência foi encapsulada numa densa camada da Teosofia, e se poderia questionar se a atualização pessoal mencionada na obra de Leo não seria mais diretamente parte de sua Teosofia e apenas incidentalmente parte de sua astrologia. Teríamos que mais ou menos adotar suas crenças teosóficas e práticas a fim de usar a astrologia para a atualização própria. Sua obra Astrologia Esotérica , assim como os trabalhos posteriores de Alice Bailey com o mesmo nome, mudaram consideravelmente e até distorceram o antigo simbolismo da Astrologia, mais para atender seus resultados do que para consolidar aquele simbolismo e estendê-lo a um novo propósito.
Dane Rudhyar, que era um estudante da obra de Bailey, deu o passo seguinte e usou o verdadeiro e autêntico simbolismo antigo da Astrologia a fim de descrever a Astrologia como uma ferramenta para a atualização própria. Obras como Astrologia da Personalidade, combinadas com as percepções de
Bailey e outras advindas da psicologia de Freud e Jung, deixam claro que a Astrologia poderia sair de sua herança medieval de predição de eventos e das circunstâncias externas da vida para revelar um entendimento acerca dos processos internos da alma. Rudhyar explorou como isso influencia a vida do indivíduo e, o mais importante, como o entendimento disso poderia oferecer liberdade e autodeterminação; ele também combateu abertamente a ideia de planetas benéficos e maléficos.
Eu não pretendo retirar o valor de Rudhyar como autor nem a importância do seu trabalho com o que estou dizendo. Sua obra foi escrita numa linguagem muitas vezes obscura, abstrata e muito teórica. Seu material deu esperança de que fosse possível transcender qualquer manifestação astrológica particular, mas não ofereceu caminhos reais para fazê-lo. Ficou para a próxima geração de astrólogos começar a cumprir essa tarefa. Saturno, de Liz Greene, foi uma importante contribuição para esse trabalho.
O formato do livro é, na verdade, bem tradicional. Superficialmente, parece ser um livro convencional de apresentação de conceitos. Mostra a influência de Saturno nos signos e nas casas bem como em aspecto a outros planetas. Posso dizer, sem tirar o mérito de Liz Greene neste trabalho, que este não foi um arranjo original; muitos livros de delineação astrológica anteriores fizeram a mesma coisa. Mas esse jeito mais ou menos convencional de organizar o material era exatamente o que faltava para preencher a lacuna entre as descrições abstratas, mas poderosas, de Rudhyar, e as necessidades de um buscador tentando descobrir o que fazer com seu mapa de nascimento. No entanto, devo destacar um ponto a respeito da prática de equiparar o simbolismo dos planetas nas casas com o simbolismo dos planetas em seus signos correspondentes. Por exemplo, segundo essa crença, Saturno em Áries atua como Saturno na primeira casa, Saturno em Touro atua como Saturno na segunda casa, e assim por diante. A Astrologia mais antiga, pré-moderna, pode ser filosófica e espiritualmente limitada, mas seu vocabulário simbólico é rico e imenso. Equiparar posições por signo e casa não era uma prática, exceto na melothesia , a atribuição de signos e casas a partes do corpo (Áries e primeira casa relacionados à cabeça, Touro e
segunda casa relacionados à garganta etc.). Signos e casas são entidades simbólicas bastante diferentes, possuindo funções também diferentes. Equipará-los dessa maneira, eu acredito, é confundir dois sistemas simbólicos distintos.
Mas mesmo fazendo objeções, eu não creio que isso seja uma falha em Saturno porque aqui Liz Greene, claramente, dá maior ênfase ao posicionamento por casa do que ao posicionamento por signo, e neste propósito a conceituação é magistral. As referências ao posicionamento por signo, mesmo se os signos e casas pudessem ser equiparados, seria de menor valor pela simples razão de que Saturno passa dois anos e meio em cada signo, e cerca de duas horas por dia numa casa. Os posicionamentos por casa de um planeta são muito mais característicos de um indivíduo enquanto os posicionamentos por signo descrevem todas as pessoas nascidas num dado período de tempo.
A natureza das descrições deste livro e a combinação de Saturno com os signos, casas e outros planetas se afastam da abordagem de “livro de receitas” das obras anteriores. Não que as descrições que Liz Greene faz sejam mais acuradas (como se alguém pudesse fazer uma previsão precisa de como um planeta vai se manifestar exatamente em cada configuração). A questão é fornecer descrições que ampliem a capacidade do indivíduo de tomar o controle de sua vida. Em vez de previsões avançadas do que vai acontecer, o leitor é presenteado com um leque de argumentos derivados da combinação dos símbolos e então se demonstra como as mudanças na consciência e autopercepção podem transformar por completo as manifestações da vida ao seu redor, transformar aquelas que são potencialmente difíceis em manifestações mais criativas e satisfatórias. Suas descrições não são meramente possibilidades “otimistas” que ignoram o lado negativo, mas são na verdade descrições do trabalho que um indivíduo terá que realizar para produzir mudanças criativas. Liz Greene não deixa de apontar as realizações que devem ocorrer e as tarefas que devem ser assumidas. Tudo isso requer uma mudança na consciência e um aumento na autopercepção.
Segue um exemplo de sua descrição de Saturno na sexta casa:
Quando um indivíduo está relativamente inconsciente, Saturno (na sexta casa) pode simbolizar o descontentamento e o ressentimento porque ele pode estar atento apenas ao fato de se encontrar em uma rotina e de estar aprisionado pelas circunstâncias. [...] Porém, o significado da rotina lhe escapa porque ele não entende verdadeiramente o sentido do serviço. [...] É dito nos ensinamentos esotéricos que o serviço, mais do que “boas ações” é uma qualidade inata da pessoa interior. [...] Serviço dessa natureza é o resultado da integração interna, pois, uma vez que o corpo, os sentimentos e a mente de uma pessoa estão em equilíbrio, ele pode então começar a se tornar consciente, intuitivamente, do propósito de sua natureza e de sua psique interna. [...] Serviço que é o resultado do equilíbrio interno é o resultado potencial de Saturno na sexta casa quando ele está se expressando de uma forma consciente.
– (página 44 na edição de 1976)
Como mencionado anteriormente, mesmo na Astrologia medieval era reconhecido que o livre-arbítrio pode alterar as indicações astrológicas. Mas essa crença se devia muito a razões religiosas. Se alguém não tem uma vontade livre, então a liberdade para escolher a salvação não poderia existir. Seria responsabilidade de Deus, e não do indivíduo, o sucesso ou fracasso de uma pessoa adquirir a salvação por meio dos planetas. Mas enquanto os astrólogos medievais sustentavam essa ideia, isso não os levou a mostrar como as influências astrológicas poderiam ser modificadas por um ato da vontade. Não está claro até hoje que eles acreditassem que isso seria possível. Saturno abriu caminho para o trunfo da Astrologia moderna ao mostrar que a combinação da aceitação, do entendimento e da habilidade em perceber alternativas com o desenvolvimento da consciência é a variável que pode mudar a maneira como uma pessoa experimenta seu mapa e sua vida. E aqui há um ponto importante! Acredito firmemente, e creio que este livro mostre isso, que o nível de consciência com que alguém se aproxima da vida não está fixo nem determinado por qualquer coisa que o mapa de nascimento signifique. O nível de consciência possível a alguém não está
determinado! Pode ser muito difícil mudar a consciência de uma pessoa à medida que as circunstâncias – família, amigos, repertório cultural – podem parecer trabalhar contra isso às vezes, mas é sempre possível.
A escolha de Saturno como tema deste livro é soberba. Liz Greene escreveu, na sequência, diversos outros livros similares sobre outros planetas. Mas Saturno foi o melhor ponto para começar, precisamente porque Saturno é considerado o planeta que mais restringe a liberdade e fixa o destino para os astrólogos. Muitos astrólogos têm visto Saturno como o planeta do “Karma” no falso, mas comum, senso da palavra usada com frequência no Ocidente como o distribuidor de um destino inevitável, imposto como punição ou recompensa pelos feitos passados ou de outras vidas.
Que mesmo a energia de Saturno possa ser alterada pelo grau apropriado de sabedoria e compreensão, abre uma perspectiva que coloca toda a Astrologia numa única luz. Não é necessário para alguém percorrer um caminho espiritual extremo, abandonar sua vida no mundo e pedir por esmolas para alcançar isso. Liz Greene mostra em incontáveis exemplos como “iluminações” menores estão disponíveis a todos nós se nos aproximarmos das coisas com o entendimento correto. Na Astrologia tradicional, Saturno era chamado de “o maior maléfico” (Marte sendo o menor).
Considerado o pior dos dois tradicionais maléficos, Saturno deixa claro que isso pode ser feito com todos os símbolos do mapa.
Desse modo, Saturno de Liz Green se tornou uma obra-chave em sua mais importante contribuição para a Astrologia do século XX para o desenvolvimento da Astrologia e da ideia de que a Astrologia não é um mapa com o destino fixo de alguém, mas um mapa do potencial de desenvolvimento do Self, autêntico e mais elevado.
Prefácio 6
p a R a todo estudante sé R io de astrologia, Liz Greene é leitura essencial. Ela é uma eloquente pioneira da Astrologia Psicológica do século XX, e uma lenda que ajudou a dar forma ao que é hoje considerada a Astrologia Moderna. Ao longo de sua carreira, ela demonstrou primorosamente o poder da astrologia para entendermos a nós mesmos. Como ela deixou claro, não somos estáticos – mas seres em constante evolução. Sua obra nos ajudou a decifrar os símbolos da astrologia, descortinando-os para revelar suas dimensões mais sutis. Saturno é um forte exemplo de como Liz Greene fez isso. Com este livro, ela nos surpreendeu mudando a percepção de um planeta mal compreendido, expondo efetivamente a riqueza de Saturno, suas nuances e seu papel decisivo em nos moldar para que possamos nos tornar nossas melhores versões.
Até que os astrólogos como Liz Greene tomassem a dianteira no século XX, as influências islâmicas e cristãs dominaram a prática da astrologia. Essas molduras religiosas impuseram uma noção de bem e mal ao se referir aos planetas como benéficos ou maléficos. Saturno recaiu na última categoria, considerado o planeta mais maléfico de todos. Seus trânsitos eram temidos e ressoavam como uma condenação. Os atributos negativos eram exagerados e seu potencial curador não foi reconhecido, tendo ficado inacessível.
Liz Greene foi cirúrgica em mudar nosso entendimento acerca de Saturno. Como ela explica neste livro, Saturno não existe para nos punir. Em vez disso, ele cria obstáculos e disciplinas que nos ajudam a crescer e a amadurecer. Como Liz Greene escreve: “A Besta é sempre a face sombria do belo Príncipe”. Em outras palavras, nossos esforços para encontrar as chaves que destravam nossos potenciais mais elevados. Ela aponta que “Carl Jung escreveu que, antes do Cristianismo, o mal não era assim tão mal... Ao cristianizar a astrologia, perdemos muitos dos sutis paradoxos que esse rico sistema simbólico contém”. Liz Greene nos ajudou a recuperar o paradoxo e as sutilezas perdidos. Ela nos auxiliou para que nos tornássemos astrólogos mais sofisticados, mas também seres humanos psicologicamente mais sofisticados.
Saturno é o exemplo perfeito de como ela magistralmente nos desvenda. Ela nos ajuda a enxergar como um planeta que representa sofrimento é um inevitável degrau de crescimento. Como podemos abraçar a dor, a limitação e a disciplina de Saturno para evoluir e nos tornarmos mais integrados? De que maneira podemos alterar as condições de milhares de anos de doutrinamento religioso para nos abrirmos à noção de que dor não é castigo e que prazer não é recompensa?
Enquanto seu discurso e sua abordagem são psicológicos, o trabalho de Liz Greene tem um eco subjacente na filosofia ocidental. Ela não só nos encoraja a parar de oscilar entre bom e mau, como também explica de que maneira podemos especificamente transmutar nossos esforços em sabedoria. Como exemplo, ela aponta no capítulo “Saturno em Aspecto com o Sol” que, para nos tornarmos inteiros, devemos integrar ambos os lados de nós mesmos – o lado luminoso do nosso Sol e o lado obscurecido da dor e da depressão de Saturno. Na verdade, ela explica que esses dois lados não são opostos, absolutamente. Ambos somos nós – partes necessárias de nosso ser integral. Saturno, como o inverno, é frio e nos leva para o mundo interno. Mas ao experimentar a ausência da luz solar e seu calor, podemos apreciar melhor o retorno da primavera, quando o sol brilha, os dias duram mais tempo e as flores começam a desabrochar. Ao trabalhar com Saturno, o
disciplinador e limitador, da mesma maneira passamos a valorizar a expressão luminosa do nosso Ego, sua vitalidade, criatividade e entusiasmo pela vida. Disciplina traz alegria; sofrimento traz sabedoria; integridade, moral e autoconsciência trazem liberdade e competência. O motivo de sempre demonizarmos nossos obstáculos, dores e medos é um grande mistério, e isso causa um grande dano em nossa mente e sociedade. Reprimindo nossas sombras e projetando-as exteriormente, deflagramos guerras, dentro de nós e por todo o mundo ao nosso redor. Ao estudar Saturno – entendendo e experienciando suas importantes lições como colocadas neste livro –, podemos sair do atoleiro e reorganizar as partes de nós que estão bloqueando nosso ânimo e sanidade. Podemos desenvolver uma autoridade sobre nós mesmos, reconhecendo que onde nos esforçamos é também onde eventualmente brilhamos.
Particularmente, eu descobri Liz Greene quando tinha 18 anos de idade. Sua escrita logo mudou minha vida, à medida que ela serviu de inspiração para que eu me tornasse uma estudante séria de astrologia e mais tarde uma astróloga profissional. Naquela época, me senti confusa em como ser humana e fui impactada pela acurácia do seu olhar sobre a astrologia, o que me ofereceu uma visão muito mais clara de mim mesma e dos outros. A voz de Liz Greene me tocou de maneira intensa – sua perspectiva psicologicamente informada parecia conhecida, lógica e profunda ao mesmo tempo. Ela me ajudou a enxergar o valor do estudo dessa arte mística e cósmica. Ela demonstrou que a astrologia não é algo sem fundamento ou mero acaso. É algo concreto e estruturado em camadas, favorecendo uma compreensão dimensional de nós mesmos, nossos relacionamentos, caminho de vida e o que significa ser humano.
J uliana M c c a Rt H y Autora de The Stars Within You:A Modern Guide to Astrology
Fevereiro de 2021
Introdução 6
n o conto “a b ela e a F e R a ”, parece-nos de certo modo justo, familiar e apropriado que a Fera, a despeito de toda a sua fealdade, de sua aspereza e do seu poder de inspirar medo, transforme-se, no final, no Príncipe Formoso e case com a heroína. Esse sentimento de justiça é típico da reação provocada pelos contos de fadas, uma vez que o material que compõe o mito e o conto de fadas é um retrato simbólico dos valores da psique coletiva inconsciente da pessoa. Ao que tudo indica, eles são inocentes, contudo têm uma qualidade curiosamente irresistível e familiar. Sob as múltiplas diferenças culturais que fornecem os detalhes superficiais para esses contos, encontra-se uma despojada simplicidade de trama e caráter, pelo fato de serem descrições das experiências psíquicas interiores da pessoa, o esqueleto da sua vida subjetiva. Há sempre o mesmo herói, a mesma linda princesa, o mesmo gigante estúpido, o mesmo tesouro oculto enterrado em algum lugar. A Fera é sempre a face sombria do Belo Príncipe. Esse tipo de paradoxo parece ser uma faceta óbvia da vida e é aceitável quando encontrado no mito ou no conto de fadas, assim como em outros tipos de simbolismo, tais como muitos temas religiosos. Todavia, essa qualidade dual não parece haver impregnado nem um pouco o nosso ponto de vista astrológico moderno. Ainda há planetas maus que são inteiramente
maus e planetas bons que são inteiramente bons; e mesmo que possamos admitir a presença de um pequeno traço de ambiguidade, de um pouquinho de cor cinza entre o preto e o branco rígidos, essa presença é pouco significativa. Permanece ainda um certo simplismo, bidimensional, em muitas das nossas interpretações tradicionais do horóscopo de nascimento. Há, também, a tendência de interpretar o mapa natal de acordo com os dogmas morais da nossa sociedade, de modo que há mapas honestos e desonestos, aspectos morais e imorais e comportamentos positivos e negativos. Na astrologia, as coisas ainda tendem a ter a qualidade de “ou isto ou aquilo”. Carl Jung escreveu certa vez que, antes do cristianismo, o mal não era assim tão mau; poderíamos acrescentar que, ao cristianizarmos a astrologia, perdemos inúmeros paradoxos sutis que esse sistema ricamente simbólico contém. Entre todos os símbolos astrológicos, o mais difamado é Saturno, cuja face de Fera é muito conhecida, enquanto sua outra face, a de Príncipe Formoso, não é frequentemente levada em consideração; contudo, sem essas duas faces, o símbolo não pode comunicar seu significado, sendo interpretado somente a partir de um valor simplista e bidimensional para o indivíduo.
Saturno simboliza um processo psíquico, assim como uma qualidade ou tipo de experiência. Ele não é simplesmente um símbolo de dor, de restrição e de disciplina, mas também um símbolo do processo psíquico, comum a todos os seres humanos, por meio do qual um indivíduo poderá utilizar as experiências de dor, de restrição e de disciplina como um meio de ampliar sua consciência e seu desempenho. A psicologia demonstrou que no interior da psique individual há um motivo ou impulso em direção à unidade ou integralidade. O estado de unidade é simbolizado por aquilo que é chamado de arquétipo do Self. Esse símbolo não sugere perfeição, em que só estão incluídos os aspectos “bons” da natureza humana, mas sugere integralização, em que cada qualidade humana tem seu lugar e está harmonicamente contida no todo. Esse arquétipo está oculto por trás de grande parte do simbolismo das várias religiões do mundo e poderá também ser encontrado no folclore e nos contos de fadas de todas as civilizações e de todas as eras da história. Intrinsecamente, ele é sempre o mesmo, embora
sua ornamentação exterior mude à medida que a pessoa se desenvolve. O processo psíquico que Saturno simboliza parece ter algo a ver com a realização dessa experiência interior de integração psíquica dentro do indivíduo. Saturno está relacionado com o valor educativo da dor e com a diferença entre valores exteriores – aqueles que adquirimos de outros – e valores interiores – aqueles que trabalhamos para descobrir dentro de nós mesmos. O papel de Saturno enquanto Fera é um aspecto indispensável do seu significado, pois, conforme nos relata o conto, a Fera só pode se libertar do encantamento e se transformar em Príncipe quando for amada por aquilo que ela é.
Na astrologia tradicional, Saturno é conhecido como um planeta maléfico. Até mesmo suas virtudes são bastante enfadonhas – autocontrole, tato, parcimônia, cautela – e seus vícios são particularmente desagradáveis, porque operam por meio daquela emoção que chamamos de medo. Ele não tem nada do fascínio associado aos planetas exteriores e nada da qualidade humana dos planetas pessoais. Na concepção popular, ele é totalmente destituído de senso de humor. Em regra, ele é tido como aquele que traz limitação, frustração, trabalho penoso e renúncia, e até mesmo o seu lado mais brilhante está normalmente ligado à sabedoria e à autodisciplina da pessoa que não tira o nariz do seu trabalho e não comete a atrocidade de rir para a vida. Pelo signo e pela casa que ocupa, Saturno indica aquelas áreas da vida nas quais é provável que o indivíduo venha a sentir-se frustrado em sua autoexpressão, e onde é muito provável que ele sofra decepções e enfrente dificuldades. Em muitos casos, Saturno dá a impressão de estar relacionado com circunstâncias dolorosas, que não parecem ter ligação com qualquer fraqueza ou imperfeição da parte da própria pessoa, mas que simplesmente “acontecem”, acarretando ao planeta o título de “Senhor do Karma”. Essa avaliação bastante depressiva permanece associada a Saturno a despeito do mais antigo e repetido dos ensinamentos, aquele que nos diz que ele é o Habitante das Travessias, o guardião das chaves do portão, e que somente através dele é que poderemos eventualmente alcançar a libertação por meio da autocompreensão.