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Artigo Nouvelle Vague

Cena de O Demônio das Onze Horas

divulgação

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Cinco filmes franceses que revigoraram a arte com rebeldia e liberdade: Zero em Comportamento, Os Incompreendidos, O Boulevard do Crime, A Grande Ilusão e O Demônio das Onze Horas

O cinema francês na navalha da Nouvelle Vague A rebelião dos garotos no filme Zero em comportamento (Zéro de Conduite, 1933), de Jean Vigo, lembra algo da zoada dos críticos e diretores da Nouvelle Vague na revista Cahiers du Cinéma, nos anos 50. Registre-se no boletim de ocorrência: nenhuma pedrada dos agentes provocadores atingiu Vigo. Pintado de maldito pela censura francesa até 1946 e pouco a pouco levado ao altar dos filmes canônicos, Zero em Comportamento conquistou os realizadores-pensadores Jean-Luc Godard, François Truffaut, Eric Rohmer, Jacques Rivette e Claude Chabrol, e nem a delgada filmografia de Vigo, composta ainda por A Propósito de Nice (À Propos de Nice, 1930) e O Atalante (L’Atalante, 1934), abalou a segurança de Truffaut ao defini-lo como “o maior diretor da história do cinema francês”. Essa afeição se infiltra em Os Incompreendidos (Les Quatre por CLAUDIO LEAL Cents Coups, 1959), o início da saga do personagem Antoine Doinel, interpretado a partir dali, e muito antes de qualquer Boyhood, por Jean-Pierre Léaud. O primeiro longa de François Truffaut – eleito melhor diretor do Festival de Cannes de 1959, num triunfo estético e político da Nouvelle Vague – faz uma citação a Vigo na sequência em que os

ARTIGO ::: Cinco filmes franceses

pequerruchos se dispersam pela cidade, ao longo de um passeio com o professor. As diferenças entre as crianças de Vigo e de Truffaut se exprimem na essência das rebeldias. Vigo reflete a inversão do poder e o território livre da infância, em que a interferência dos adultos redunda em fracassos. O diretor do colégio possui a mesma baixa estatura dos pupilos endiabrados, e a câmera frequentemente observa os tumultos do alto, de onde o mundo adulto se cola ao chão e às sombras. O opressor-oprimido. Zero em sentimentalismo.

Truffaut se abre mais para as ternuras infantis, contendo-as em outro projeto estético, no qual reafirma o cinema como arte visual, despregado da “tradição de qualidade” combatida no artigo “Uma certa tendência do cinema francês” (Cahiers du Cinéma, janeiro de 1954), seu minucioso ataque à escola dos verbosos roteiristas do realismo poético surgido nos anos 30. Em Os Incompreendidos, a câmera mantém-se à altura dos ombros dos miúdos, e os olhos de Doinel são alheios e opacos, e suas ações, desorientadas, numa narrativa tão livre quanto os desejos e aberta às investigações da Nouvelle Vague. “O filme mais livre do mundo”, na hipérbole de Godard. Deve-se à intervenção agressiva dos críticos da Cahiers du Cinéma, na década de 50, o esmaecimento da influência das gerações precedentes à Nouvelle Vague. Se não foram suplantados, os diretores e roteiristas do realismo poético ao menos perderam espaço dentro do imaginário cinéfilo. O caso de O Boulevard do Crime (Les Enfants du Paradis, 1945), de Marcel Carné, é um pouco diferente. Rodado durante a ocupação nazista na França, o filme nunca deixou de ser vez ou outra apontado como obra-prima máxima do cinema francês, e nesse ponto cabem ponderações. Superprodução com roteiro do poeta Jacques Prévert, a partir de histórias do mundo teatral contadas a Carné pelo ator Jean-Louis Barrault, O Boulevard do Crime esbarra no próprio espírito excessivo dos espetáculos de variedades do século XIX. As emoções e as ênfases poéticas se realizam mais em palavras do que em imagens. “O amor é simples”, diz a atriz Garance (Arletty) ao mímico Baptiste (Barrault). E assim vamos à simplicidade do amor: com o verbo. Jean Renoir é um dos mestres do realismo poético acolhidos pela Nouvelle Vague. Godard encontra em Renoir “a beleza ao mesmo tempo que o segredo da beleza”. Uma frase precisa e lacônica, que talvez aponte para uma das razões da permanência de A Grande Ilusão (La Grande Illusion, 1937), longa-metragem sobre oficiais franceses capturados pelos alemães na Primeira Guerra, fundamentado em experiências de Renoir somadas às de um piloto de caça, Pinsard, que lhe salvara a vida. “Há uma história de amor, mas tão simples que não chega a ser uma história. Tudo isso sai um pouco dos cânones habituais do cinema e até mesmo do espetáculo dramático”, observou Renoir.

O que também vale para a estranha beleza de O Demônio das Onze Horas (Pierrot le Fou, 1965), de Godard, com Anna Karina e Jean-Paul Belmondo. Há uma história de amor, mas que não define o conjunto, pois está imersa num filme de aventuras ou de gângsters, vigoroso nas vivências fragmentadas e citações literárias e cinéfilas. Explodem as cores elementares. “Qual o objetivo em entender tudo? Somos feitos de sonhos, e os sonhos são feitos de nós”, declama um Pierrot Le Fou em fuga. A busca por uma linguagem moderna,

Cena de Os Incompreendidos

nada redutora, reforça a frase do diretor norte-americano Samuel Fuller, numa das cenas iniciais: “Um filme é como uma batalha.” Até ali, Godard e os expoentes da Nouvelle Vague empilhavam vitórias nas batalhas culturais, e o Pierrot-Belmondo enrolado em dinamites não chegava a configurar um mau presságio.

Claudio Leal é jornalista.

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