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Sala 2 Hipnotic Brass Ensemble

A história de um incrível octeto de metais de Chicago, formado por irmãos de sangue, que acaba de virar filme.

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Hypnotic Brass Ensemble por LUIZA GANNIBAL e ainda para o jazz britânico e internacional. Os oito rapazes do Hypnotic Brass Ensemble começaram a carreira como músicos de rua,

Era um dia ensolarado em um naipe da pesada tocando nas Manchester, Inglaterra, esquinas de sua cidade, Chicago, desses que acontecem uma ou e de Nova Iorque. E, apesar de teduas vezes por ano. Sorrisos nas rem colaborado com Prince, Goruas, mesas nas calçadas e, de rillaz, Mos Def ou De La Soul, fiquebra, um show antológico do caram mais conhecidos por suas Hypnotic Brass Ensemble no his- bombásticas performances ao tórico pub Band On The Wall, local vivo. Quando subiram ao palco que ainda no século XIX teria sido do Band On the Wall, naquele dia frequentado – reza a lenda! – por atípico, portanto, destilando uma Marx e Engels. Foi lá que, a par- mistura eletrizante de jazz, funk tir dos anos 70, abriu-se espaço e rap, as centenárias paredes da para a famigerada cena roqueira casa quase foram abaixo. local, representada por bandas O cineasta Reuben Atlas escomo Joy Division ou Buzzcocks, barrou pela primeira vez com o

octeto de metais do HBE em uma esquina do Brooklin. “Sempre passava por ali, e um dia resolvi conhecê-los melhor”, diz. O encontro foi providencial para que ele resolvesse se juntar à trupe com um propósito maior: fazer um filme sobre eles – o Brothers Hypnotic. Rodar um filme sobre músicos sempre em turnê poderia parecer clichê, não fosse por um detalhe: os oito integrantes do HBE são irmãos de sangue, e, como se não bastasse, filhos de uma das mais importantes figuras do jazz de Chicago de meados do século XX: Phil Cohran. “A influência do meu pai nos legou um elo eterno com a música. Além de ter nos ensinado a ser livres”, diz Gabriel, um dos irmãos. De fato, hoje com 87 anos, Phil Cohran é um herói. Em uma época em que as leis Jim Crow estavam em pleno vigor, estabelecendo limites explícitos para os negros dos EUA, ele era um estudioso da chamada world music e um ativista da emancipação de seu povo. Multi-instrumentista genial, sabia que a aquisição da consciência passava pelo conhecimento de suas origens e, no caso americano, pela música, pelo jazz. Só os músicos conseguiam burlar a lei infame e protagonizar a cena de espaços antes interditos. O jazz era o lamento dos africanos que, destituídos de seus instrumentos, haviam, em parte, se apropriado daqueles dos brancos para criar uma nova, e muito particular, forma de expressão.

Em 1959, Phil se juntou ao interplanetário Sonny Blount, a.k.a. Sun Ra, e colaborou com sua Arkestra por um ano. O suficiente para incorporar instrumentos nada usuais e novas texturas sonoras à banda. Depois, Phil se tornou um dos fundadores da Associação para o Avanço dos Músicos Criativos e influenciou outros nomes locais, como Maurice White, do Earth Wind & Fire, e o sensacional The Art Ensemble of Chicago. Conhecedor de ritmos africanos, em 1960 se apresentaria com seu The Artistic Heritage Ensemble, uma big band de 15 membros. Difícil mensurar o alcance da obra de Phil. Como disse o baterista Hamid Drake, “Ele ainda não teve o devido reconhecimento”. Afirmação que o filme de Atlas parece contestar, especialmente quando apresenta sua maior obra: seus filhos hipnóticos. Phil os ensinou a tocar seus instrumentos (trompete, trombone e barítono) e a compor desde pequenos, sujeitando-os a uma rígida disciplina que começava às seis da manhã, e que, quando se tornaram adolescentes, viria a ser questionada, mas jamais abandonada. Na mesma pegada, introduziu-os aos ideais da consciência negra. Difícil passar por essas cenas e não deslocá-las para o contexto brasileiro, onde tantos jovens, reféns de um estado hostil, tornam-se prisioneiros das tramas da miséria. Pensando a arte, e sobretudo a música, como veículo de libertação comunitária, Phil Cohran e os meninos do HBE são grandes exemplos. O documentário Brothers Hypnotic foi lançado em 2013 e desde então tem angariado uma série de prêmios nos festivais por onde passa. As exibições continuam, e o filme já tem agenda na Europa para 2015. Esperamos que, em breve, tanto o filme quanto a banda aterrissem no Brasil.

Luiza Gannibal, na verdade, é Luiza Almeida. Jornalista e doutoranda da USP, com extensão na University of Manchester, onde estuda as inter-relações entre a música e a literatura russa.

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