Marcos Cardoso

Page 1


O MINISTÉRIO DA CULTURA ADVERTE: APRECIAR ARTE AUMENTA SEU POTENCIAL CRIATIVO

( C a p a ) S é r i e Tra m a s detalhe 2000 · Cigar ro s e f i o s d e l ã 135 X 130 c m

Ve s t i d o I ô C o l e ç ã o E d u a rd o C a m a ra

AS

G

U

NTÉ

M

CO

2 0 0 0 · C i garros e fios 10 0 X Ø300 cm

IMB


G a l e r i a

A n n a

M a r i a

N i e m e y e r


Marcos Cardoso é o artista do acaso. Marcos Cardoso is the artist of chance. In the beginning moment, in the aimless stroll every morning, seeking that which is found on the ground: the leftovers’ leftover, cigarette butts. Then, the studio. Thought. Order. Bristling swarms define space in cigarette frames (the tobacco meal contained in these small cylinders), flowers of evil poke the eye. What strange magic directs his step? What hidden secret in his eye, which sees the world’s leftovers and invents a poem? Raymond Roussel put Marcel Duchamp forever under the spell of the delirious play "Impressions d’Afrique". Marcos Cardoso metamorphosed using the myth of Carnival and its machines; he has recycled dust and cloth into palaces and castles, endless make-believe, nowadays a pure noble language, steeped in the sensory, in the alchemist’s dream which concocts anguished gasping objects. Each swarm breathes its exhausted air and expands in sinuous serpents: in heavy-delicate mantles, in sea stars, in cigar mingled hearts, substances that are what they are not. Simulations which become truths, not allegories in the enchantment of "real" inventions. Glue patiently unites cigarette butt after cigarette butt, from mounds of accumulation, in waterfall sparks, lipstick mouths, red streaks, scarlet from discarded mouth-kisses. Perfumes exhale space. Nobody has dared this far. What lost sensations hide inside the little tubes trampled by the passerby’s foot? Nothing matters. From within them blows a light delirium of fragile organizations about to crumble, but which resist in the frames drawing shapes on the walls and/or tumbling down and bursting: like fans in afecctionate hugs from a thousand anonymous mouths having so lightly touched their rims, sucked in their smoky air, rings of wind rising up high. Nothing else exists. Only the half-filled little tube, half-addiction. Touch of love, memory, oblivion. And now, clear object, fair, voice and sound, whispers of open mouths, metaphors of life. New objects. Surprising. Art machines.

Isso no momento inicial, no passeio aleatório a cada manhã, em busca do achado no chão: resto do resto: guimbas. Depois o ateliê. O pensamento. A ordem. Os enxames arrepiados desenham o espaço em armações de cigarros (o farelo do fumo contido nos cilindros pequenos), flores-do-mal espetam o olho. Que magia estranha dirige seu passo? Que segredo oculto tem seu olho que olha as sobras do mundo e inventa o poema? Marcel Duchamp foi enfeitiçado para sempre por Raymond Roussel com a peça delirante “Impressions d’Afrique” . Marcos Cardoso metamorfozeou-se pelo mito do carnaval e suas máquinas: reciclou pó e pano em palácios e castelos, faz-de-conta sem fim, hoje pura linguagem nobre, mergulhada no sensível, no sonho do alquimista que engendra transtornados objetos arfantes. Cada enxame respira seu ar exaurido e expande-se em sinuosas serpentes: ou mantos pesados-delicados, ou estrelas-do-mar, ou corações entrelaçados de charutos, materiais que são o que não são. Simulacros que se tornam verdades, não alegorias no encanto das invenções “à vera”. A cola une pacientemente guimba após guimba, dos montes acumulados, em encaixoeiradas fagulhas, bocas de boton, lampejos vermelhos, rubros de bocas-beijos largados. Perfumes exalam o espaço. Ninguém ousou tão longe. Que perdidas sensações ocultam-se dentro dos tubinhos pisados pelo pé do passante? Nada importa. De dentro deles sopra leve delirio de organizações frágeis prestes a demolirem-se, mas que resistem nos suportes que os prendem em formas às paredes e / ou então caem e abrem: como leques em abraços afetuosos de mil bocas anônimas que tocaram levemente seus bordos, sugaram seu ar enfumaçado, argolas de vento subindo para o alto. Nada mais existe. Somente o tubinho semi-oco, semi-vicio. Toque de amor, memória, esquecimento. Agora, objeto claro, justo, voz e som, sussurro de bocas abertas, metáforas de vida. Objetos novos. Surpreendentes. Máquinas de arte.

Rio de Janeiro, January 20th, 1995 Lygia Pape

4

Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 1995 Lygia Pape.


As alegorias plásticas de Marcos Cardoso Mario Cardoso’s plastic allegories

A contaminação com a cultura popular é um dos principais desafios da arte contemporânea. Isto vem sendo esboçado nos últimos 40 anos. No Brasil, como sempre, a história é mais complexa: as distâncias, sociais e culturais, são mais agudas, tornando o elemento político mais explícito. Não se trata de uma questão temática que obrigue o artista a "falar dos excluídos", ou seja, de se mistificar a pobreza; o ponto relevante e que vem singularizando a cena carioca desde Oiticica, é a necessidade de se buscar canais de comunicação, pondo em tensão e contato a energia popular com o fazer artístico contemporâneo. Neste aspecto, os trabalhos de Marcos Cardoso têm a sua particularidade. Tendo tido parte de sua formação nos "barracões" das escolas de samba, seu processo criativo incorporou uma agilidade própria, uma artesania inventiva que transforma materiais desprezados e precários em curiosas "alegorias plásticas". Para ser mais preciso, devo dizer que não cabe no seu caso falarmos de materiais: desde o começo dos anos 90 ele só usa guimbas de cigarro para confeccionar suas peças. Inicialmente, seu interesse é estético, ele gosta das cores e texturas. Mas, em seguida, devemos adicionar um elemento político, trabalhar com as sobras, com o lixo, com o que há de mais precário e repugnante em nosso ambiente urbano. O primeiro choque diante dos trabalhos é olfativo: essas esculturas cheiram, e não é propriamente agradável. Pelo odor, concluímos, a certa distância, do que são feitas. A construção plástica meticulosa dá ao descartável uma forma austera e que seduz o olhar. Esta capacidade de recriação plástica a partir das guimbas largadas depois do uso é produto de uma inteligência popular tipicamente carioca. Afinal, já foi dito que da adversidade vivemos... Além do quê, há um humor que é muito próprio ao seu trabalho. O que move a sua obsessão com estas guimbas não é uma decisão impositiva – do tipo, sobrou-me esse lixo para trabalhar -, mas uma libido inventiva que é bem mais contundente e radical. A construção de sua obra é uma maneira de rir da adversidade e propor a reinvenção contínua do real. Entre Bispo do Rosário e Robert Rauschenberg, os trabalhos de Marcos Cardoso equacionam intuição e informação plástica de modo singular.

Luiz Camillo Osorio Abril/Maio 2001

Contamination from popular culture is one of the main challenges in contemporary art. This has been sketched throughout the last 40 years. In Brazil, as always, the picture is more complex; distances, both social and cultural, are more acute, making the political element all the more explicit. This is not about a theme which forces the artist to " think of the needy", that is, to a mystification of poverty; the relevant issue, and that which has set apart the Rio de Janeiro art scene since Oiticica, is the need to search for a means of communication, striking a balance as well as a point of tension between popular energy and contemporary artistic action. In this aspect, Marcos Cardoso’s works have their specificity. Because he has derived part of his background experience from the Escola de Samba "workshops", his creative process has incorporated a personal agility, an inventive workmanship which transforms refuge and precarious materials into curious "plastic allegories" . To be more specific, I must say that in his case, it is pointless to speak of materials: since the beginning of the 90’s he has used only cigarette butts in his work. His interest is, initially, aesthetic; he likes the colors and textures. But to this we must add a political element, working with leftovers, with waste, with what is most precarious and repugnant in our urban environment. The first shock in confronting these works is to the sense of smell: these sculptures smell, and it is not a exactly a pleasant one. From the odor, we can discern, from a certain distance, what they are made of. The meticulous plastic construction lends to this refuge an austere shape, one that seduces the eye. This capacity of plastic re-creation from leftover smoked cigarette butts is the product of a typically Carioca popular intelligence. After all, it has been said that on adversity we thrive ... There is also a sense of humor, very typical of his work. Isn’t that which fuels his obsession with cigarette butts an inflictive decision? Not of the – all I have to work with is this leftover waste – kind, but an inventive libido which is far more assertive and radical. The construction of his work is a way of laughing at adversity and of proposing a continual re-invention of reality. Halfway between Bispo do Rosário and Robert Rauschenberg, Marcos Cardoso’s works equate intuition and plastic knowledge in a singular manner. Luiz Camillo Osorio April/May 2001

5


B a n d e i ra Cole莽茫o Sattamini MAC Niter贸i 1995 路 Cigarros sobre red e d e p e s c a 400 X 10 0 cm

6


Amor Viciado C o l e ç ã o L . A . A b e l e i ra G ’ A r t Fa sh i o n & A r t 1 9 9 7 · C i g a r ro s s o b re i s o p o r e madeira 40 X 80 cm

Gato (detalhe) C o l e ç ã o Pa r t i c u l a r 1 9 9 6 · Cigarros sobre rede de p e s c a 1 8 0 X 300 cm

S a l va - v i d a s C o l e ç ã o Pa r t i c u l a r 1995 · Cigarros sobre b ó i a d e i s o p o r e n y l o n Ø 10 0 c m

7


8


I ns t a l a ç ã o “ O s 9 0 ” - Pa ç o I m p e r i a l , R J - C u ra d o r : A n n a M a r i a N i e m e ye r Tótem I e II · Coleção Gilberto Chateaubriand · MAM RJ 1996-19 9 9 · C i g a r ro s s o b re P V C 165/175 X Ø 3 0 / 4 0 c m [ 1 2 t o t e n s ]

9


S é r i e Tra m a s C o l e ç ã o Pa r t i c u l a r 2000 · Cigarro s e f i o s d e l ã 70 X 185 cm

10

S é r i e Tra m a s C o l e ç ã o Fo u n d a t i o n C a r t i e r p o u r l ’ a r t c o n t e m p o ra i n 2 0 0 0 · C i g a r ro s e f i o s 63 X 230 cm


S é r i e Tra m a s C o l e ç ã o A n n a M a r i a N i e m e ye r 1 9 9 9 · C i g a r ro s e f i o s d e l ã 53 X 220 cm

S é r i e Tra m a s C o l e ç ã o A n n a M a r i a N i e m e ye r 1 9 9 9 · C i g a r ro s e f i o s d e l ã 58 X 200 cm

11


S é r i e Tra m a s Coleção Gilberto Chateaubriand MAM·RJ 1 9 9 9 · C i g a r ro s e f i o s 10 0 X Ø 3 0 0 c m

12


Es t re l a s Cole莽茫o Gilberto Chateaubriand MAM路RJ 1 9 9 6 路 C i g a r ro s s o b re re d e de pesca 1 5 0 X 210 c m

13


M a rc o s C a rd o s o · Pa ra t y · m a r ç o d e 1 9 6 0 Formação 1992 Graduou-se em Educação Artística (Desenho Geométrico) na Faculdade de Educação da UFRJ. 1987·92 Freqüentou a Escola de Belas Artes da UFRJ · Rio de Janeiro · RJ. 1988·90 Freqüentou o Atelier de Gravura da Escola de Artes Visuais do Parque Lage · Rio de Janeiro · RJ. Exposições Coletivas 2001 “Artista Pesquisador” · MAC · Niterói · RJ. “7X1 -Sete Artistas e uma Poltrona” · Fernando Jaeger Design · Curadoria Regina Kato · Rio Design Barra · RJ “Un Art Populaire” · Fundação Cartier · Paris · França. 2000 “Lugar Comum” · Espaço Cultural Paschoal Cittadino · Niterói · RJ 1999 “Os 90” · Paço Imperial · Rio de Janeiro · RJ. 1998 “Instalação Burro do Artista” · Galeria do Poste Arte Contemporânea · Niterói · RJ. “Entre a escultura e o objeto” · MAC · Niterói · RJ. 1997 “Niterói é Assim” · Comemoração dos 427 anos de Niterói · Museu do Ingá · Niterói · RJ. 1996 “Mostra 48 Contemporâneos” · Galeria de Arte da UFF · Niterói · RJ. 1995 “Mostra Soutien” (Realizada pela Du Loren) · MNBA · Rio de Janeiro · RJ. “Artistas Cariocas” · MAC · PR “Projeto Quatro-Quadros” · Galeria do Centro Cultural Cândido Mendes · RJ 1994 “Imagens Indomáveis” · EAV Parque Lage · Rio de Janeiro · RJ. “Lúdicos, Lógicos, Líricos, Lúcidos” · Galeria de Arte da UFF · Niterói · RJ. 1992 “49º Salão Paranaense de Arte” · MAC · PR “Homenagem à Garrincha” · Pintura Mural no Estádio Mané Garrincha · Pau Grande · RJ. 1991 “I Bienal Internacional de Gravura da Espanha” · Museu da Gravura de Orense · Espanha · (2º prêmio) Apoio da UFRJ doando ao artista passagem Rio-Madri-Rio. “X Arte Pará” · Galeria Rômulo Maiorana · Belém do Pará · PA · (Prêmio Pró-Labore). “XVI Salão de Arte Contemporânea de Ribeirão Preto” · Ribeirão Preto · SP. 1990 “9º Salão Paulista de Arte Contemporânea” · Pavilhão da Bienal · Parque Ibirapuera · SP. “Coletiva de Gravura” · Museu do Ingá · Niterói · RJ. “IX Mostra de Gravura da Cidade de Curitiba” · Casa da Gravura de Curitiba · Curitiba · PR. “La Jovem Estampa” · Casa de Las Américas · Havana · Cuba · Prêmio 1990. 1989 “XIV Salão de Arte Contemporânea de Ribeirão Preto” · MAC Ribeirão Preto · SP. “Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco” · Olinda · PE. 1987 “First Art Exposition - Brazil” · Holland World Trade Center · Amsterdã · Holanda. 1986 “Salão Cândido Portinari” · Arquivo da Cidade · Rio de Janeiro · RJ · (Prêmio de Menção Honrosa). Exposições Individuais 2000 “Tramas” · Galeria Anna Maria Niemeyer · Rio de Janeiro · RJ. 1996 Museu Nacional de Belas Artes · Sala Carlos Osvald · RJ. 1995 “Galeria Anna Maria Niemeyer” · Rio de Janeiro · RJ. “Centro Cultural Paschoal Carlos Magno” · Niterói · RJ. 1992 “Galeria do IBEU·RJ”. Coleções Foundation Cartier · Paris · França Anna Maria Niemeyer · Rio de Janeiro · RJ Cândido Mendes · Rio de Janeiro · RJ João Sattamini · MAC · Niterói · RJ 14

Gilberto Chateaubriand · MAM · RJ Universidade Málaga · Espanha Museu Nacional de Belas Artes · RJ Museu da Gravura de Orense · Espanha


A g ra d e c i m e n t o s · acknowledgements Anna Maria Niemeyer · Centro de Pesquisas da Souza Cruz Cidade de Niterói · Esther Emilio Carlos · Jose Marcos R. Serrano Leonor Azevedo · Lygia Pape · Regina Kato · e a toda a minha família

Pa t ro c í n i o · sponsored by Souza Cruz S.A. R e a l i z a ç ã o · produced by Eduardo Camara A p o i o · support Galeria Anna Maria Niemeyer F o t o g ra f i a · photography Eduardo Camara P ro j e t o G r á f i c o · graphic design Guilherme Kato Te x t o · text Lygia Pape Luiz Camilo Osório Ve rs ã o e m i n g l ê s · english translation Aline Tollosa F o t o l i t o e color separations i m p re s s ã o · and printing Gráfica Minister capa em couché matte 170g miolo em couché matte 150g fontes · Rotis e Testerus



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.