O jornal da cultura de Maringá e região
www.oduque.com.br
Ano I - Nº 6 - Abril de 2014
e mais
NÓS, BOBO PLINS E MENELÕES ATua Companhia de Teatro nos convida para beber com Plínio Marcos
pág 07
UMA ESTANTE DE NOSTALGIA Elton Telles nos leva de volta às bibliotecas da nossa infância
pág 08
SAMBA DE AUSÊNCIAS
A poesia batucada do escritor maringaense Luigi Ricciardi para o #Sarau abril
pág 15
E U Q O Ã A PAIX M E M O H MOVE O 1
2
O jornal da cultura de Maringá e região 18.427.739/0001-40
CONSELHO EDITORIAL Abril / Edição nº 06 / Ano I
EDITOR-CHEFE Miguel Fernando
CO-EDITORA Luana Bernardes
JORN. RESPONSÁVEL Gustavo Hermsdorff Mtb 9966
REVISOR Zé Flauzino
COLABORADORES Paula Mariá - Vida (página 11) Donizeti Pugin - Filosofia (página 12) Rodrigo Corrêa - Psicologia (página 13) Gilmar Leal Santos - Poesia (página 14) Luigi Ricciardi - #Sarau (página 15)
DESIGN EDITORIAL E REPORTAGEM
Tadeu dos Santos
Exposição "Fugacidade"
As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.
Impressão: Jornal O Diário Tiragem: 3.000 exemplares 16 Páginas / Tablóide Americano
Críticas, dúvidas ou sugestões contato@oduque.com.br Departamento Comercial 44 9959-8472 Departamento de Marketing marketing@oduque.com.br Fale com O Duque contato@oduque.com.br
@jornaloduque
www.oduque.com.br
abril
MOVE A
TODOS NÓS M
IMAGENS
facebook.com/jornaloduque
A PAIXÃO QUE
ontar um espetáculo é muito mais que um exercício de organização, é uma via crucis disfarçada de trabalho. Só quem está lá, batendo de porta em porta atrás de patrocínio, cortando pano, pregando madeira e correndo de um lado para o outro sabe como é dolorosa e exaustiva a tarefa daqueles que trabalham pra tirar o espetáculo do papel e, enfim, alcançar a redenção na forma do aplauso. Essa paixão, expressa em todos os seus sentidos, é o tema da nossa matéria de capa dessa sexta edição, que fala sobre as pessoas que trabalham para a montagem da Encenação da Paixão de Cristo em Maringá. Na matéria, a repórter Cibele Chacon conheceu os responsáveis por cada etapa do processo de montagem, desde a composição do figurino até a preparação do elenco. Ao todo, são milhares de maringaenses reunindo esforços e talentos para realizar um dos maiores espetáculos apresentados na cidade. Confira a reportagem completa a partir da próxima página. Convidamos também os nossos colunistas Rodrigo Corrêa e Donizeti Pugin para discutir o tema de capa dessa edição. Assim, nas páginas 12 e 13 você pode conferir dois artigos muito interessantes e pertinentes que tratam o assunto através do olhar da Psicologia (A paixão: do homem e de Cristo) e da Filosofia (A síndrome do Messianismo) e você, claro, é o nosso convidado para conhecer os dois. A dura tarefa de quem se propõe a viver de arte também está retratada, ou melhor, encenada nos palcos do MPB Bar nesse mês de abril, na peça Balada de um Palhaço. A produção da ATua Companhia de Teatro, baseada no texto do dramaturgo Plínio Marcos, discute o papel do artista frente à dinâmica robotizadora do
mercado. Quem assna a matéria é Gustavo Hermsdorff, e você pode conferir na página 07. Pra quem é fã de literatura desde criança, Elton Telles traz um presente nessa edição. Em seu texto "Uma estante de nostalgia", que está na página 8, ele nos leva de volta às prateleiras para relembrar clássicos da literatura InfantoJuvenil, como a coleção Vaga-Lume. Logo na página ao lado, Rachel Coelho, direto de Curitiba, nos apresenta Thaís Pimpão, que vive um grande momento nos palcos nacionais e relembra o início no TUM e a importância de Maringá para sua carreira nas artes cênicas. Depois de um texto belíssimo sobre o tempo, a colunista Paula Mariá nos brinda com uma reflexão não menos delicada e atenta sobre as preocupações que ocupam nosso dia - ou com quantas angústias se montam nossa personalidade. Leia e se reconheça na página 11. Veterano nas páginas d'o Duque, o nosso colunista Gilmar Leal Santos coloca em discussão do trabalho do tradutor de poesias, uma tarefa de extrema sensibilidade e domínio na língua. Mais que comentar, Gilmar mostra como se faz, mas isso você só vai descobrir se correr lá na página 14 e ver a surpresa. Fechando a edição, temos o orgulho de contar com a participação de Luigi Ricciardi, escritor e professor de literatura, responsável pela revista Pluriversos, que empresta sua poesia para o #Sarau dessa sexta edição, no texto "Samba de ausências". Tudo isso acompanhado dos quadros do artista maringaense Tadeu dos Santos, retratados da exposição Fugacidade que esteve no Calil Haddad no último mês. Boa leitura! Os editores
3
Especial //
Especial
A PAIXÃO QUE MOVE O ESPETÁCULO Os preparativos para a montagem de A Paixão de Cristo em Maringá começam meses antes da encenação e contam com centenas de pessoas em diversas áreas
Inovar é o anseio legítimo de todo criador, principalmente em uma história contada há mais de dois mil anos, como é o caso de A Paixão de Cristo. Mas chove-se no molhado ao se lembrar aqui o quanto isso é difícil de ser alcançado. O erro mais corriqueiro e ingênuo é pôr todas as fichas na busca daquilo nunca antes feito e, ao julgar tê-lo enfim encontrado, acreditar piamente no santo milagreiro. Pensando em não correr esse risco, toda a equipe técnica por trás do espetáculo maringaense prova que alguns milagres podem
4
até estar escassos nos dias de hoje, mas com muito trabalho, dedicação e talento é possível fazer a encenação brilhar como se fosse novinha em folha. Há três meses, praticamente, as máquinas de costura trabalham incessantemente para caracterizar os mais de 230 personagens que passam pela peça com mais de 50 figurinos diferentes. É muito pano para manga, ou melhor, para a roupa toda. Apenas para a veste do Jesus Ressuscitado foram utilizados mais de 10 metros de tecido. Não é à toa
Cibele Chacon
Repórter cibelechacon@vilaopera.com.br
que o departamento de figurino, sob a responsabilidade de Renata Pazim Frugerio, conta com uma dezena de profissionais para cuidar de cada detalhe. Para não errar na caracterização, que precisa representar determinada época e lugar, a equipe precisou de bastante pesquisa, principalmente, para as simbologias que as roupas carregam. “Há 3 anos Jesus veste uma túnica vermelha e tem sobre os ombros um manto azul. O vermelho representa o divino e o azul a humanidade. Já com Maria
acontece o contrário. Ela veste uma túnica azul e tem sobre a cabeça um manto vermelho. Isso revela que ela é humana, mas revestida do divino, por isso, sem pecado original”, explica. Ainda caminhando na préprodução, nada mais belo para um cenógrafo do que um palco vazio e a liberdade de criação. Nada mais desafiador também. Sem que ele perceba com clareza esse dilema, duas forças antagônicas iniciam uma batalha em sua mente: de um lado, a tradição construída ao longo dos séculos que não pode e
Especial // Economia Criativa
A Encenação da Paixão de Cristo é o maior espetáculo de Maringá e região financiado pela Lei Rouanet - a captação contou com a Usina Santa Terezinha como apoiadora exclusiva do evento. Pra quem não conhece, a Lei de Incentivo Fiscal, conhecida como Lei Rouanet, permite que empresas destinem parte do imposto de renda para projetos culturais, como forma de apoio à produção de espetáculos e apresentações.
nem deve ser menosprezada; do outro, a capacidade da imaginação desconhecer regras ou limites. Sabese que não existe liberdade maior do que aquela que a arte proporciona. É em meio a esse desafio que se encontra o diretor de cenário, Rafael Cezar Frugerio e a equipe de aproximadamente 20 pessoas a postos, praticamente, 40 dias antes da primeira encenação. Mas não é apenas de imaginação e criatividade que os cenários são feitos. É preciso muita pesquisa histórica para transportar o público para aquela época. Além da Bíblia Sagrada, livros como A Paixão segundo o Cirurgião de Pierre Barbet e A dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo da beata Anna Catarina Emmerich, também são consultados. “Nos preocupamos sempre em não passar ao público algo fantasioso que possa ter sido criado ou mudado pela tradição popular”, garante o cenógrafo. Com um cenário principal em cada um dos três palcos montados, Rafael desenvolve os projetos e o desenho em 3D, além de colocar a mão na massa e ajudar na marcenaria com os outros voluntários. Segundo ele, são entre 5 e 6 caminhões contendo isopor bruto, madeira e materiais cenográficos como árvores, cruzes e bigas romanas. “Somente neste ano, serão utilizados mais de 50 metros cúbicos de isopor, além dos reutilizados das apresentações anteriores”, diz. Fundamental, também, para compor o retrato da época, está a maquiagem. Coordenando a equipe de 10 pessoas, Juliana Brazil Ramalho de Oliveira encara com disposição o desafio dos diversos testes realizados para os mais variados tons de pele e para os efeitos necessários ao longo da peça. As técnicas começam a ser estudadas cerca de um mês antes da encenação para que haja tempo de pesquisa e aquisição de novos produtos. Apenas 10 personagens são maquiados, mas
abril
alguns precisam de alterações ao longo da apresentação, o que obriga as maquiadoras a correrem contra o tempo. “No caso de Jesus, por exemplo, o personagem sai de cena em períodos rápidos e bem curtos, por isso contamos com uma equipe técnica atrás do palco que nos auxilia com pequenos detalhes, como sujálo com o sangue”, explica.
Testar e testar, essa é a nossa palavra chave. Talvez seja a parte mais deliciosa, onde damos risadas, aprendemos e ensinamos pra chegar no dia e olharmos com orgulho do resultado final. Juliana Brasil
Segundo Juliana, a maquiagem mais elaborada é a do Diabo pela complexidade de detalhes. Para ela, o grande trunfo da equipe é a presença de uma maquiadora profissional, formada em maquiagem artística e que trabalha durante 6h apenas neste personagem no dia da apresentação. Para não correrem o risco de atrasos adiantam, durante o dia, a preparação dos acessórios usados pelos personagens, como a coroa de espinhos e os chicotes usados pelos soldados. Um dos itens utilizados na peça que mais desperta curiosidade no público é o sangue que dá o tom real e causa ainda mais comoção e sensibilidade em quem assiste. Juliana garante que já utilizaram diversos tipos de materiais, de tinta guaxe ao mel com corante vermelho, mas hoje é utilizado o sangue artificial próprio para a maquiagem artística. Para ela, é importante esse aperfeiçoamento ao longo de cada edição. “Testar e testar, essa é a nossa palavra chave. Talvez seja a parte mais deliciosa, onde damos risadas, aprendemos e ensinamos pra chegar no dia e olharmos com orgulho do resultado final.”
5
6
Teatro //
Nós, Bobo Plins e Manelões
Gustavo Hermsdorff
Repórter gustavo@vilaopera.com.br
O vendedor de sapatos que chega à loja manchado de tinta óleo; a secretária que rabisca poesias na agenda que guarda quando o chefe chega; o técnico em TI que ensaia Villa-Lobos no teclado do cliente; eu, você e qualquer um que estiver passando na rua agora: todos estamos na peça de Plínio Marcos e vamos dançar a Balada de um Palhaço na companhia da ATua, às quintas-feiras a partir do dia 03 abril. Recém criada em Maringá, mas já senhora de uma experiência interessantíssima, a ATua Companhia de Teatro ouviu os conselhos que Plínio deixou na rubrica da peça Balada de um Palhaço sobre onde ela deveria ser encenada: “Um espaço imaginário, como um picadeiro de circo, um altar, a sala de um puteiro, o salão de um bar, uma praça. [...]”. Obedecendo ao mestre, escolheram o palco do MPB Bar para inaugurar um tipo de apresentação até então pouco explorado pelo maringaense. “Além da universalidade dos temas tratados, temos também a visão empreendedora do nosso produto
abril
cultural. Assim, levamos em conta vários fatores como a tradição da casa, a localização, a infraestrutura que faz do MPB Bar um teatro em potencial. É importante frisar que o espetáculo não se adapta a um ambiente de bar, apesar de utilizar-se dessa energia, mas é o bar que se torna uma casa de espetáculo não convencional”, complementa Lucas Fiorindo, ator e fundador da ATua. Essa visão empreendedora que é o ponto. Na peça, Plínio apresenta uma discussão sobre ética profissional e o papel do artista na sociedade a partir do conflito de dois palhaços em crise existencial. Bobo Plin, alter ego do dramaturgo, é um palhaço que se sente robotizado ao repetir sempre as mesmas piadas, mas como não tem outra alternativa se entrega ao hábito e se deixa explorar por Manelão, seu companheiro de picadeiro que só pensa no lucro. Encarar uma carreira artística como profissão é, aqui ou em qualquer lugar do mundo, uma parada dura. Estrutura e investimento básico para abrir um ateliê ou publicar um livro não são suficientes: é preciso segurança para continuar tocando
o projeto enquanto a vida se arrasta. É em nome dela que muitos recorremos ao emprego fixo que nos robotiza, enquanto trocamos o sono e o final de semana por um gostinho do que queremos para a vida inteira.
a impressão que temos é de que a cena teatral maringaense, por um motivo ou por outro, não pôde e ainda não pode estar imersa para que algo inovador possa surgir Lucas Fiorindo
Essas questões não estarão só no palco do MPB, mas também na mente dos atores por trás da bela maquiagem da companhia " As dificuldades, a falta de público entre outras coisas impedem que nos dediquemos integralmente à arte. E, na minha opinião, é aí que reside a questão. Tudo que vemos sobre o palco passou necessariamente por um processo, mas que processo foi esse? Quanto tempo ele pode durar? Que aprofundamento foi feito? [...] a impressão que temos é de que a cena teatral maringaense, por um motivo ou por outro, não pôde e ainda não pode estar imersa para que algo inovador possa surgir", finaliza Lucas, que faz o papel de Bobo Plin.
Quem prestigiar a peça, que terá sessões semanais toda quinta-feira, vai perceber que Plínio Marcos coloca em cena um pouco do que há em cada um de nós: a vontade e o medo personificado em maquiagem de sorriso e piadas decoradas. Não podemos generalizar, também, afinal muita gente consegue viver da própria arte depois de trilhar um longo caminho de incertezas. A grande diferença ensinada pelo dramaturgo é o equilíbrio. Plínio Marcos descreve a poesia ideológica de Bobo Plin, a realidade prática de Manelão e como elas se complementam para desenhar uma visão de mundo prudente, mas ciente das suas convicções. “Esse texto se encaixa perfeitamente na ânsia que a ATua têm de levantar a discussão, não só com o público, mas também com os artistas, sobre como a pressa econômica dos nossos dias nos afasta da natureza mística do ser; a Vocação e o que dela é feito; a Profissão e sua verdadeira missão”, finaliza Lucas. Para a ATua, começar com Plínio Marcos – e mais ainda, com Balada – é uma demonstração clara da proposta que a Companhia traz para a cidade. Para nós, que gostamos de sentar no bar para uma boa conversa, ter Plínio à mesa é um baita de um presente.
7
Literatura //
Uma estante de nostalgia O maringaense Danilo Furlan autografa seu primeiro livro “Histórias do mundo para todo mundo”
Elton Telles
Repórter eltontelles@vilaopera.com.br
Estamos no Ensino Fundamental e, com a avaliação de literatura recémagendada, a professora nos orienta ir até a biblioteca para retirar aquele exemplar com uma leve e inofensiva camada de poeira. Por vezes, a estatura não nos permitia alcançar o livro na última prateleira da estante. A “tia”, sempre caridosa, nem esperava o pedido de socorro, logo sacava o objeto e nos entregava em mãos. Antes disso, perguntava o nome, a série e anotava numa folhinha cheia de rasuras na contracapa e nos lembrava com suave tom de ameaça: “a devolução é daqui sete dias, e não é para atrasar porque tem fila de espera”. Que atire o primeira edição da Coleção Vaga-lume quem nunca passou por experiência semelhante. Idos da infância que, infelizmente, não voltam mais. No entanto, para de vez em quando recuperarmos essa doce lembrança, além de homenagear a contribuição de grandes autores brasileiros, foi instituída em 2002 a Lei 10.402/02 que registra o Dia Nacional da Literatura Infantojuvenil. A data escolhida não poderia ser mais simbólica: 18 de abril, nascimento de Monteiro Lobato,
8
um dos principais (o principal?) responsáveis por aguçar o imaginário infantil com obras inovadoras que se tornaram clássicas e atravessam gerações. É praticamente impossível não ser saudosista ao lembrar das histórias irresistíveis e recheadas de aventura da já mencionada série Vaga-lume. Num país carente de livros, ela foi a formação de jovens leitores, que não desgrudavam os olhos das páginas até saber o destino de dona Lola, única remanescente da família de “Éramos Seis”, ou para descobrir quem era o assassino diabólico que deixava um escaravelho junto às suas vítimas, ou ainda para se tornar cúmplice de Léo e seus amigos para desvendar o mistério do Cinco Estrelas. “Suspense” também era o principal elemento das publicações da coleção Um Susto Depois do Outro, onde o maior desafio era chegar até a última página sem estar com todas as unhas roídas. Havia também a coleção Aventuras Grandiosas, que eram basicamente adaptações infantis de grandes clássicos da literatura mundial, indo dos horrores de Bram
Stoker e Mary Shelley até os épicos de Oscar Wilde e Alexandre Dumas. Isso sem mencionar a classe de autores brasileiros renomados como Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Ziraldo, Chico Buarque, Sylvia Orthof, Pedro Bandeira, Mary França, dentre outros. Em Maringá, a literatura infantojuvenil também encontra representantes. O contador de histórias Danilo Furlan, 32, ja possui duas obras publicadas e pretende lançar o terceiro livro no segundo semestre deste ano, intitulado “Naitá: a lagarta medrosa”. Segundo ele, a habilidade de escrever veio de forma natural por estar imerso neste universo de livros e personagens fantásticos por conta de sua profissão. “Tenho muitas histórias escritas e em breve espero poder compartilhá-las com mais pessoas.” Engenheira de formação, Mariza Poltronieri atua hoje como chefe de cozinha. Como colunista compartilha suas receitas e crônicas em um blog. Porém, em 2003, não resistiu ao lúdico, às metáforas e à liberdade criativa dos contos infantis e publicou “Os pés de manga rosa e outras histórias”. Da área gastronômica para a editoração, segundo ela, a cultura não pode ser compreendida como um fenômeno fracionado, podendo-se usar diversos meios para se expresser artisticamente. “A literatura sempre esteve em mim,
Crédito: Fernando Bachega
antes da culinária, mas todas as artes me representam, seja fazendo ou apreciando”, diz. “Os pés de manga rosa e outras histórias” pode ser encontrado no Bistrô Buena Vista, onde Mariza diz conduzir as panelas com distinta poesia. Coordenadora do GT Leitura e Literatura Infantil e Juvenil da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística) e professora da UEM, Alice Penteado enumera alguns escritores como Adriana Falcão, Eva Furnari, Fernando Vilela, Paulo Venturelli, Laura Bergallo, Ivan Zigg, João Anzanello Carrascoza, Stela Maris Rezende e outros contemporâneos que representam a criança e o jovem de hoje sem perder o encanto e a paixão pela arte. Mas mesmo bem representados, Alice expressa fundamentada preocupação sobre o que os jovens leitores estão consumindo, sabendose que o mercado editorial está cada vez mais ágil para prover materiais de leitura com um único objetivo: o lucro. “Não basta ler, é preciso ler obras de qualidade e questionadoras que, além de provocarem o imaginário, possam contribuir para que os leitores, mesmo imersos na fantasia da criação literária, compreendam a realidade que os circunda, de modo a prepará-los para a vida na sua totalidade”, observa.
Personalidades //
Foi no palco do TUM que definitivamente me apaixonei pelo fazer teatral Thais Pimpão Repórter
Rachel Coelho
rachel_coelho04@hotmail.com
No dia 18 de março o grupo da atriz Thais Pimpão estava entre os contemplados pelo Prêmio Shell, a mais importante premiação do teatro brasileiro. “Cantata para um bastidor de utopias”, da Cia do Tijolo, concorreu em três categorias e foi considerado o grande vencedor desta edição, arrebatando os troféus de música e cenário. Isso só está sendo notícia nestas páginas pelo fato de Thais ser uma maringaense de coração. Embora não seja nascida em Maringá, aqui ela teve seu nascimento simbólico começando a carreira no teatro. Thais nasceu em Arapongas e mudouse para Maringá aos oito anos de idade. Aqui teve sua primeira noção de liberdade, estudando no CAP quando este ainda não tinha grades e permitia que seus alunos transitassem livremente pelo campus da UEM. Aqui se formou em Magistério no Instituto de Educação Estadual. E, mais do que isso, aqui descobriu o mundo do teatro pelas mãos de Pedro Ochôa. Aqui, portanto, nasceu Thais Pimpão, a atriz. “Foi no palco do TUM [Teatro Universitário de Maringá] que definitivamente me apaixonei pelo fazer teatral. Foi com o Pedro que eu aprendi a dar os primeiros passos, a respeitar o
abril
espaço cênico e a viver a serviço desta Arte”, conta. Hoje ela não só vive a serviço dessa arte como está vivendo um grande momento da carreira.
Recapitulando Essa história consagrada começou há vinte anos na Oficina de Teatro da UEM. A primeira atuação de Thais Pimpão foi no espetáculo “Relações”, em 1994, com o TUM. Depois vieram “A obra de arte”, “A farsa do mancebo que casou com a mulher geniosa” e “O colecionador de histórias”, este último um divisor de águas. “Eu era uma menina e aprendi muito com esse trabalho, por isso considero este um dos espetáculos mais importantes da minha vida. Viajamos por todo o interior do Paraná, participamos do Festival de Teatro de João Pessoa e do 1° Festival de Teatro Infantil de Blumenau. Foi aí que a minha vida mudou”, lembra. Vladimir Capella, diretor de teatro e dramaturgo de São Paulo, assistiu ao espetáculo e ficou encantado com o trabalho da atriz. Pediu o número de telefone dela, para o qual ligou algum tempo depois a convidando para integrar o elenco de “Clarão nas Estrelas”. Pronto: de
um dia para o outro, ela já estava morando em São Paulo. O espetáculo ficou em cartaz durante todo o ano de 1998. Ao final da temporada, Thais entrou na concorrida Escola de Arte Dramática – EAD da USP, onde se formou em 2002. Entre 2003 e 2006 fez parte do conhecido grupo Ventoforte, de Ilo Krugli, com quem sentiu pela primeira vez o gostinho de ganhar um Shell (em 2005 o espetáculo “Bodas de Sangue” levou os prêmios de música e cenário). Com esta montagem fez viagens internacionais e encontrou boa parte dos companheiros com quem trabalha atualmente. “Concerto de Ispinho e Fulô”, inspirado na obra do poeta cearense Patativa do Assaré, marca o surgimento da Cia do Tijolo, grupo do qual Thais faz parte. Com o primeiro espetáculo foram agraciados com o Shell de música em 2010 e com o Prêmio da Cooperativa Paulista de Teatro de Melhor Projeto Sonoro, além de terem rodado o país pelo Palco Giratório do Sesc. Foi o único trabalho que trouxe a atriz de volta aos palcos maringaenses, em uma apresentação emocionante no mesmo teatro em que ela começou. Com a segunda peça, a Cia do Tijolo voltou a ser destaque no Shell e em outros prêmios, porém, entre as duas indicações do grupo (2010 e 2013) Thais foi convidada a participar de outros trabalhos que também renderam bons frutos. Em 2010 montou o espetáculo “Quem
tem medo do curupira?”, com texto, músicas e direção musical de Zeca Baleiro. A peça foi um sucesso de público e recebeu o Prêmio FEMSA de música original; iluminação; ator coadjuvante e melhor espetáculo jovem. Thais foi indicada como atriz coadjuvante. “Trabalhar e conhecer o músico e artista Zeca Baleiro foi um enorme prazer e um privilégio”, diz. No ano passado, ela foi a atriz narradora do espetáculo “Uma trilha para sua história”, que também em março deste ano recebeu o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA como melhor montagem de dança para crianças. Está indicado a seis categorias do Prêmio FEMSA de Teatro Infantil e Jovem (entre eles o de melhor atriz para Thais), prêmio que deve ser entregue ainda no primeiro semestre.
Presente e Futuro Thais, que é professora de circo para crianças, revela que ainda este ano pretende começar um mestrado. Além disso, “Uma trilha para a sua história” voltará em cartaz no dia 6/4 no Sesc Santo André e fica em temporada até o dia 20/4. Um novo projeto com Zeca Baleiro também está nos planos. Sem falar que “Cantata para um bastidor de utopias” tem tudo para rodar o país. Quem sabe não aporta em Maringá?
9
10
Estrutural, Tadeu dos Santos
Vida //
Preocupação
Acordei preocupada. 6h da manhã e despertei, preocupada. Uma hora a menos de sono, uma hora a menos de despreocupação, porque acordei preocupada. Minha casa também acordou preocupada. A cama, os lençóis, o piso gelado, a louça na pia. Todos preocupados. Meu rosto, meus cabelos, minha boca, meu estômago e os pulmões. Minha mandíbula, minhas entranhas e cada uma das minhas unhas, tomadas pelo desespero. A angústia, a ansiedade, a pressa, o medo. Tudo estava fadigado, apressado, angustiado, exasperado. Preocupado. Pré-ocupação. Muita gente separa essa palavra. É uma boa estratégia para tentar acabar com as coisas. Decompondo-as. Transformando-as em pedaços desatados, desconectados, descontextualizados. Funciona. Para quem acredita que ser é ser percebido, então, funciona muito. Não há realmente espaço para preocupação na vida de quem enxerga a préocupação. Pré. Anterior. Desnecessária. abril
Descartável. Quisera eu ser uma dessas pessoas. Até busquei essa solução. Queria mesmo acalmar minha casa, meu corpo e o mar de aflição que o invadia de dentro para fora. Separei a palavra. Pré-ocupação. Tentei olhar para a palavra ceifada. Tentei aceitar o pré como anterior, desnecessário, descartável. Mas pré não me acalmou. Pré não me disse nada. Pré é só um prefixo. Aí está, mal comecei e já acabei de usar de novo. Pré-fixo. Pré se usa em tudo. Pré-aquecido, pré-missa, pré-natal, pré-visão. Pré me serviu apenas como um pequeno consolo. Algo que tentava me desviar o olhar daquilo que, verdadeiramente, eu via. Preocupação. Pré-ocupação. Pré. Ocupação. Toma conta. Acordei preocupada, porque é isso que a preocupação faz. Nos toma conta. Invadiu meu corpo, meu sistema digestivo, o pulsar do meu sangue e a acidez da minha saliva. Se apropriou dos meus lençóis, dos meus travesseiros,
Colunista
Paula Mariá
das palavras que saem da minha boca, dos meus dedos e da energia que perpassa a minha comida. Tentei limpar, mas nem a água do meu chuveiro escapou. O banho tinha gosto de angústia. E a pele, certamente ultra sensibilizada pelo nervosismo, sentia uma água áspera, com textura de desesperança. Da torneira do tanque escorria inquietude e nem os incensos espalhados pela casa conseguiam tirar o cheiro de tumulto. Então era isso. Uma enorme preocupação que não se decompunha e nem desencardia. Encontrei uma mala. Vai inteiro mesmo. Vai sujo mesmo. Mas vai. Guardei. Todos os problemas, os incômodos, os desgostos, os contratempos, os transtornos, os desafetos, as amarguras, as decepções, as oposições, as derrotas, as separações, as indecisões, as dores. Os dissabores. Guardei todos. Não deixei sequer um para traz. Levei-os para a praia.
11
Geminadas, Tadeu dos Santos
Filosofia //
Colunista
Donizeti Pugin
A síndrome do Messianismo “O justo será açoitado, torturado, acorrentado, terá os olhos queimados e, finalmente, tendo sofrido todos os males, será crucificado...”. De quem estamos falando? De Jesus, responderá o cristão devoto que logo vai procurar saber que profeta predissera isso a respeito de seu salvador. Procurará em vão, pois tal frase a nenhum profeta pertence. Ela se encontra no livro II da República de Platão escrito 400 anos antes de Cristo. Ela aparece na boca de Glauco em um diálogo com Sócrates, num debate sobre o destino do justo na sociedade. Mas, por que tanto o cristão devoto como muitos de nós atribuiría a Jesus tal referência? O cristianismo tomou para si o direito de posse do justo sofredor e, nesse espírito, condicionou-nos a reverenciar, uma vez ao ano, tão grande e injusto sofrimento. Temos também outros grandes inocentes condenados que, por uma morte injusta e violenta, personificaram o ideal do Justo. Sócrates, o pai da filosofia, é um deles. Acusado de perverter a juventude, foi condenado a tomar cicuta. E o fez com tamanha tranquilidade que em nada o diferencia do nazareno em suas últimas horas. O relato de seus últimos momentos, que encontramos no Fédon, de Platão, comove um filósofo tanto quanto as páginas da paixão de Cristo comovem o cristão. Uma pena que nossa cultura não honrou Sócrates
12
com feriados, teatros e grandes produções cinematográficas. A lista dos justos sofredores não termina aí. A História, a bem da verdade, se alimenta destes heróis, vítimas da maldade humana que, por isso, tornaram-se dignos de uma estátua e da menção honrosa nas páginas dos livros e na memória do povo. Não quero me delongar em exemplos, mas isso se aplica também aos valentes soldados gregos cujo pavor era o de cair no esquecimento; aos imperadores romanos, vítimas de algum Brutus traidor; aos gênios da ciência e das artes, condenados ao silêncio por instituições arcaicas e, em terras tupiniquins, ao Joaquim, dentista revolucionário que até recebeu barba e cabelos longos para parecer um pouco com o justo Jesus. O que torna um homem Justo? Não um justo qualquer, mas um Justo digno de honra e veneração. A primeira característica comum parece ser uma morte violenta. Mas isso não basta, pois se assim o fosse os campos de batalha, as masmorras, as senzalas e campos de concentração produziriam justos em massa. É preciso sofrer, mas o sofrimento só torna alguém justo se a vítima receber a punição por causa de um ideal. Entretanto, a História nos mostra que muitos movimentos revolucionários acabaram por exaltar apenas um ou
dois de seus líderes. Falta um terceiro e imprescindível fator: uma morte violenta por um ideal, seguida da aclamação popular. Sócrates, Jesus, Tiradentes e outros foram bons homens. Aceitaram o sofrimento com a coragem dos que lutam por seus valores, mas só tornaram-se heróis pelas mãos de seus discípulos e admiradores. Para ser um justo ninguém precisa do reconhecimento da história, mas precisará caso queira ser o Justo. A ânsia pelo reconhecimento popular ainda move a humanidade, embora estejamos mais covardes atualmente. Quem quer fama não vai para guerra (embora eu conheça vários ex-alunos que se sentem heróis por usarem uma farda do exército), mas candidata-se a um reality-show (e parece que Maringá tem vocação para produzir esse tipo de herói, não?). Talvez, não seja apenas egocentrismo e a própria sociedade precise de novos Messias, portadores da salvação, que dêem algum sentido ou um objetivo mais nobre à nossa existência. Padecemos da síndrome do messianismo: ansiamos por um líder, um referencial, um ídolo no qual vemos a perfeição que falta em nós. Nosso Messias é tão virtuoso quanto somos pecadores. Para cada Justo há uma multidão de frustrados. E você, já tem um Messias ou quer tornarse um?
Cobertura Tadeu dos Santos
Psicologia //
À paixão:
Colunista
Rodrigo Corrêa
do homem e de Cristo Sartre certa vez disse que “a paixão do homem é inversa à de Cristo”, apontando assim, para uma dupla condenação, a de Cristo pela necessidade e a do homem pela contingência. Cristo nasceu para a cruz, sua única conduta possível era atuar no papel que lhe fora escrito: nascer numa família pobre, aprender a carpintaria, realizar feitos extraordinários e necessariamente padecer, pelos pregos e pela lança. Seu destino se cumpriria a despeito de sua vontade, regido pelo mando de seu Pai. Convém lembrar que Deus não pode ser contrariado, agir contra sua vontade resultaria numa fenda em sua onipotência, obviamente uma impossibilidade teológica. Cristo nasceu condenado a trinta e três anos de cárcere. Imagine você, leitor, ter cada gesto seu determinado antes mesmo que o realize, viver toda uma vida incapaz de escolher; eis a prisão de Cristo, condenado a cumprir a vida, a ser o eterno efeito de uma causa inevitável. Porém, a despeito do fim trágico, Jesus desfrutou da mais plena segurança, tendo cada instante seu guardado por Deus num futuro certo abril
e conhecido. Sem dúvida, um alento à total ausência de liberdade. Por outro lado, o homem, enquanto gênero, nasce diante de um leque de possibilidades amplo e constante quanto seu horizonte, condenado a escolher em cada ato, o homem que será. Não há para o homem um roteiro prévio, que o anteceda e o guie. O roteiro é criado em ato. Escolher é inevitável. Mesmo sob coação o homem precisa escolher. Ainda que com um revólver apontado à cabeça será preciso decidir entre resistir ou resignar-se. A escolha nos prende ao devir. O futuro é vazio e aguarda ser criado. Numa tentativa de fugir a essa angústia o homem inveja ao Cristo e almeja escapar à escolha. Passa a acreditar em destino e “aceitar” que tudo está escrito, pois se assim for, a vida só poderia ser tal como foi e o futuro só poderá ser tal como será. Deus é o ser no qual mais comumente se busca esse conforto, pois se tudo que é, o é por Sua vontade, então toda responsabilidade está diluída em Deus e só resta ao homem desfrutar a leveza da inocência plena de ser fantoche.
Mas assim caímos em contradição, pois ao mesmo em tempo que “aceitamos” que há um projeto que nos antecede, e que nos basta cumpri-lo, nos deparamos com as escolhas mais banais exigindo nossa decisão. Veja: a liberdade é a prisão do homem. Isso porque cada escolha é a livre eleição de uma possibilidade e, ao mesmo tempo, a recusa de todas as outras. Só se pode viver uma vida e ao escolhê-la todas as outras vidas são relegadas ao nada. Esse é nosso eterno desconforto: uma angústia que a cada escolha nos faz lembrar que recusamos o infinito. Eis por que “a paixão do homem é inversa à de Cristo”: ao homem falta segurança diante do futuro incerto, ao Cristo falta liberdade diante do inevitável. Um em busca de amparo; o outro, libertação. Mas se Cristo conseguisse se libertar, perder-se-ia Deus enquanto pai e o próprio Cristo enquanto filho. E se fosse possível ao homem suspender sua própria responsabilidade sobre os ombros de Deus o homem se perderia enquanto homem. Se assim fosse, nos perderíamos em vão.
13
Poesia //
Gosto de traduzir poemas! Alguns do inglês, alguns do espanhol. Traduzir um poema tem o mesmo gosto de resolver o segredo de uma daquelas engenhocas vendidas por ambulantes nas praias do nordeste, aquelas do tipo caixinha mágica; a gente olha, coça a cabeça, tenta uma vez, tenta uma segunda vez, vira e revira a engenhoca, olha de novo e quebra a cabeça até achar a solução. Assim mesmo é traduzir. Evidentemente, sei dos riscos de traduzir um poema. Há tantos aspectos que temos que considerar no momento da tradução que, acredito, não há como vencer a batalha; ou seja, levar em conta o conteúdo; o contexto; a forma; a rima; as expressões idiomáticas; o duplo sentido das palavras; o ritmo; a contemporaneidade implícita e, principalmente, a mensagem que o autor quis transmitir, é fundamental. E todas essas qualidades devem ser pensadas e ponderadas durante a tradução. Por isso, afirmo: Traduzir poemas é perder alguma coisa. Sempre! Já que todas essas características, juntas, são impossíveis de se conseguir numa tradução. Se bem que, algumas vezes, o texto traduzido pode ficar melhor do que o original. Um exemplo bem bacana é o verso “Navigare necesse; vivere non est necesse.”, em latim, frase que Pompeu, general romano, disse aos seus marinheiros, amedrontados, que se recusavam a viajar durante a guerra (segundo Plutarco); acontece que um cara chamado Fernando Pessoa utilizou-a em um poema com a tradução, muito bem sacada, que todos conhecemos - senão pelo poema de Pessoa, pela música “Os Argonautas” de Caetano Veloso: “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Com o perdão dos puristas e amantes do latim, tenho como certo que em português a frase ficou muito melhor; a tradução de “necesse” para “preciso” deu um sentido extra à frase, assim ela pode ser entendida de duas maneiras: a palavra “preciso” no sentido de precisão (como em “um relógio bom deve ser preciso”) e no sentido de necessidade (como em “necessito de ar”). Daí vem outra compreensão da frase: navegar é uma atividade que tem precisão, afinal temos equipamentos, rotas,
14
mapas, planejamento; já a vida... a vida é como naquele samba: Deixa a vida me levar, vida leva eu.... Putz, viajei. De novo! Let me tell you something you already know (Rocky Balboa). Bom, para quem quer se iniciar na arte da tradução convém pesquisar um pouco e entender a teoria por trás da arte. Existem algumas maneiras de se enfrentar o processo de traduzir. Sugiro a pesquisa e leitura de alguns teóricos: Nabokov, que não acredita em tradução poética; Lefevere, da mesma maneira que Nabokov, entende que nenhuma tradução abrange todos os elementos do poema; Arrojo; Berman; Meschonnic e os brasileiros Haroldo de Campos e José Paulo Paes, o meu preferido. Sugiro a leitura de seu livro: Tradução A Ponte Necessária – Aspectos e Problemas da Arte de Traduzir. Desta vez ousei traduzir dois poemas de Dylan Thomas. Dylan Thomas morreu novo, bebeu até morrer, aos trinta e nove anos em 1953. Nasceu no Reino Unido e morreu em Nova York. Aluno medíocre, abandonou os estudos aos dezesseis e tornou-se jornalista. Como a vida de escritor era muito difícil e pouco lucrativa, iniciou, então, uma carreira de locutor na BBC. Curiosamente, daí veio a sua fama, sua voz grave a recitar os seus próprios poemas é de uma beleza incomparável. É imperdível ouvir Dylan recitando “Do Not Go Gentle Into That Good Night”, e para ouvir a minha tradução, recitada por mim mesmo, é só visitar o site do jornal e acessar a área dos colunistas, com o meu nome. Além da monumental diferença dos timbres de voz, você poderá notar as nuances dos ritmos dos poemas, do original e o do traduzido, visto que este fator não foi obedecido rigorosamente quando da tradução. O primeiro poema traduzido é “In My Craft or Sullen Art”, de 1946. Neste poema, Dylan nos mostra a sua percepção sobre a arte de escrever, suas motivações e seus anseios. É uma cuidadosa e bem elaborada visão de como o poeta queria ser lembrado no futuro. Contudo, sabemos que esta visão não era antagônica às suas convicções sobre a sua maneira de viver e entender o seu trabalho ou ofício. Um poema curto e cheio de imagens fortes.
Baldrame, Tadeu dos Santos
A CAIXINHA MÁGICA E A TRADUÇÃO DE POEMAS
Colunista
O segundo poema é “Do Not Go Gentle Into That Good Night”, de 1951. Aqui, Dylan escreve um poema num formato fixo chamado Villanelle. Basicamente são cinco tercetos e um quarteto com duas rimas que se repetem ao longo do poema. Um pesadelo para os escritores. Dylan usa e abusa de metáforas, difíceis, em todo o poema para construir a mensagem central que é a de incentivar o seu pai
In My Craft or Sullen Art
Gilmar Leal Santos
muito doente a lutar contra a morte e, pela maneira que o poema foi construído, também a de incentivar a todos nós a lutar contra o destino certo. Lírico, porém imperativo e denso, talvez seja a principal obra de sua vida breve. Por falar nisso, dizem, suas últimas palavras foram: "I've had 18 straight whiskies... I think that's the record.". Precisa tradução?
No Meu Ofício ou Arte Sombria
In my craft or sullen art Exercised in the still night When only the moon rages And the lovers lie abed With all their griefs in their arms, I labour by singing light Not for ambition or bread Or the strut and trade of charms On the ivory stages But for the common wages Of their most secret heart.
No meu ofício ou arte sombria Exercido na calada da noite Quando somente a lua se enfurece E os amantes estiram-se na cama Com todos os pesares em seus braços, Eu trabalho sob uma luz que canta Não por ambição ou pedaço de pão Ou a ostentação e encantamento Nos palcos de marfim Mas pelos simples salários Que vêm do coração mais secreto.
Not for the proud man apart From the raging moon I write On these spindrift pages Nor for the towering dead With their nightingales and psalms But for the lovers, their arms Round the griefs of the ages, Who pay no praise or wages Nor heed my craft or art.
Não é para o homem orgulhoso distante Da lua furiosa que eu escrevo Nestas páginas úmidas Nem pelo monumental cânon morto Com seus rouxinóis e salmos Mas para os amantes, seus braços Cercam os eternos pesares, Que pagam nenhum louvor ou salário Nem prestam atenção ao meu ofício ou arte.
Do Not Go Gentle Into That Good Night
Não Vá Manso Adentro Aquela Noite Boa Que Cai
Do not go gentle into that good night, Old age should burn and rave at close of day; Rage, rage against the dying of the light.
Não vá manso adentro aquela noite boa que cai, A velhice deve arder e festejar ao fim do dia; Rebele-se, rebele-se contra a luz que se esvai.
Though wise men at their end know dark is right, Because their words had forked no lightning they Do not go gentle into that good night.
Os sábios sabem que no fim a escuridão não trai, Eles, que suas palavras não laçaram nenhum raio que luzia, Não vão mansos adentro aquela noite boa que cai.
Good men, the last wave by, crying how bright Their frail deeds might have danced in a green bay, Rage, rage against the dying of the light.
Homens bons, da última leva, a chorar do quanto brilho vai Reluzir de suas parcas ações ao dançarem na verde baía, Rebelam-se, rebelam-se contra a luz que se esvai.
Wild men who caught and sang the sun in flight, And learn, too late, they grieved it on its way, Do not go gentle into that good night.
Os loucos que em voo pegaram e cantaram o sol por demais, E aprenderam, muito tarde, que sofriam nessa travessia, Não vão mansos adentro aquela noite boa que cai.
Grave men, near death, who see with blinding sight Blind eyes could blaze like meteors and be gay, Rage, rage against the dying of the light.
Homens sérios, à morte, veem com olhares cegos totais Olhos cegos podem brilhar como meteoros e ter euforia, Rebelam-se, rebelam-se contra a luz que se esvai.
And you, my father, there on the sad height, Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray. Do not go gentle into that good night. Rage, rage against the dying of the light.
E a você, desde lá da angustiante altura, meu pai, Amaldiçoe, bendiga, a mim com suas lágrimas, eu pediria. Não vá manso adentro aquela noite boa que cai. Rebele-se, rebele-se contra a luz que se esvai.
# SARAU
Samba de ausências
Luigi Ricciardi
“De cada amor tu herdarás só o cinismo” Cartola Só por hoje vou deixar você partir Sem escândalos Hoje deixo você levar todas as minhas coisas Aquela camiseta dos Beatles Um dos livros do Kerouac Meu caderno de poesias anotadas Só por hoje ou eternamente Sentarei sem peso naquela mesa Sorvendo meu café cheirando à insanidade A insanidade de partilhar a cama com você Não conversaremos como de costume E eu ficarei sereno ao ver você sair Deixando suas chaves sobre a mesa Hoje eu posso ficar inteiro Sem nenhuma peça faltando Leve aquele vestido vermelho com você Aquele que você deixa sempre no sofá Quando eu te chamo com os olhos Antes do samba que sempre nos entoa Só por hoje solto o vínculo de meu vício Vá, sim, e leve meus fios de cabelo Que se desprendem no teu pescoço Já roxo de minha demência Vá, pois o mundo é de mortes E a fatalidade é o que nos rege E o seu entendimento É a maior das maturidades Mas pretendi levar a vida a sorrir Emaranhando ficção e realidade Assim te envio sem selo Desprende-te do cais do teu vício Só por hoje, amanhã já não posso prever Mas, antes de ires, roube-me um beijo Como roubaste minha dignidade Vá ao samba no domingo e escute as línguas Perca um pouco da tua vida nas esquinas Suba no morro, no desterro pontiagudo E perguntes por mim Talvez esteja mais presente nos relatos Do que aqui, depois do gozo Finja que é alguém que vai feliz e não se importa Faça como eu nesse meu falso descaso Tentando se redimir por não sermos
abril
capazes De nos amarmos mais do que nossos egos Viva a falsidade de um amor Do qual todos temos direito Nessa falsa ordem de perfeição Volte se quiser algum dia Dê três batidas na porta e entre Sente no sofá e prepare uma bebida Contando-me sobre bocas que te sugaram E sobre as toras que te permearam E te contarei os púbicos que beijei E orelhas que abocanhei Traga-me uma rosa para companhia Assim terei com quem conversar na solidão Na tagarelice de sua mudez imutável Arraste alguns centímetros para o lado A alça do teu sutiã e verás minha loucura De te recusar poeticamente te aceitando Trago-te os pomos, engula-me os músculos Soletre-me sinestesicamente Tocando penugens, púbis, morandonos dentro E na vulvecência juvenil orgasma-me perene E não te vá embora antes de me deixar lembrança Pois algo se leva de cada encontro Deixa-me um pacote de cinismo Colocá-lo-ei na dispensa E dele me servirei cada vez que olhar tua foto Herdarei o teu olhar cínico Quando ler os versos que me escreveste E me lembrarei desse peito vazio Que se preenchia de minhas salivas Que se enchia da volúpia de meu cetro Antes da murchidão natural E da incompreensão eterna entre fumaças de cigarro E do olhar longínquo pelas janelas da mente E do fitar no teto vazio de nós mesmos Para hoje e sempre Dê-mo-nos essa insensata lascívia Dê-mo-nos a desfaçatez que nos une.
15
16