O jornal da cultura de Maringá e região
e mais
A LITERATURA QUE SE FAZ E A QUE SE PROMETE Ademir Demarchi nos dá uma aula de literatura maringaense e apresenta os nomes que já merecem destaque
pág 06
KURT COBAIN: 20 ANOS DE LUTO Miguel Fernando entrevista o autor da biografia mais famosa do músico pág 11
DESESTUDOS E DEPRECIAÇÕES André DX em uma investigação riquíssima sobre o valor da arte para o #Sarau
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Ano I - Nº 7 - Maio de 2014
O QUE ENSINA NOSSA HISTÓRIA? 1
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O jornal da cultura de Maringá e região 18.427.739/0001-40
CONSELHOEDITORIAL Maio / Edição nº 07 / Ano I
EDITOR-CHEFE Miguel Fernando
CO-EDITORA Luana Bernardes
JORN. RESPONSÁVEL Gustavo Hermsdorff Mtb 9966
REVISOR Zé Flauzino
COLABORADORES Gilson Aguiar - Especial (página 05) Ademir Demarchi - Especial (página 06) Paula Mariá - Vida (página 14) Donizeti Pugin - Filosofia (página 15) Rodrigo Corrêa - Psicologia (página 16) Gilmar Leal Santos - Poesia (página 17) André DX - #Sarau (página 19)
DESIGN EDITORIAL E REPORTAGEM
IMAGENS Dinor Chagas ilustrações
Exposição Maringá Viva
painél de cerâmica do Ateliê Ecostume
As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.
Impressão: Jornal O Diário Tiragem: 3.000 exemplares 20 Páginas / Tablóide Americano
Críticas, dúvidas ou sugestões contato@oduque.com.br Departamento Comercial 44 9959-8472 Departamento de Marketing marketing@oduque.com.br Fale com O Duque contato@oduque.com.br
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O QUE A NOSSA
HISTÓRIA
NOS ENSINA? M
uitas vezes é preciso olhar pra tudo que aprendemos pra encontrar uma forma de seguir em frente. Essa ideia não serve só pra nós, mas também pra todo coletivo social que é dirigido por escolhas em comum. Festejando os 67 anos de história, Maringá é um exemplo claro de cidade que tem tudo pra dar certo, mas insiste em tropeçar nos mesmos erros de sempre. Para uma cidade que nasceu cuidadosamente planejada, delicadamente decorada de verde e desenhada aos moldes das mais belas cidadesjardins européias, deveria ser mais fácil enfrentar problemas simples que vemo hoje, como o número de espaços disponíveis para cultura e lazer ou o trânsito cada vez mais desumano - isso pra ficar no básico. Pra fazer um paralelo entre a Maringá de ontem e a de hoje, dividimos o Especial em três momentos: passado, com uma entrevista com o pioneiro Antônio Manicardi; presente, que conta com análises o jornalista e sociólogo Gilson Aguiar e do escritor Ademir Demarchi que fala sobre a literatura maringaense; e futuro, que traz a contribuição de quatro maringaenses, de diferentes áreas, falando sobre a Maringá que esperam para o futuro. Tudo isso vocês vão conferir a partir da próxima página. As ilustrações são de Dinor Chagas. Abrindo as matérias dessa nossa edição, a primeira com 20 páginas, a jornalista Cibele Chacon nos conta uma experiência valoisíssima que teve quando entrou em contato com a obra da escritora maringaense Evely Libanori. Seu livro "Nós, animais", que foi lançado no começo do mês, traz crônicas que nos apresentam uma nova forma de entender a relação que temos com os animais, principalmente na questão da alimentação. Confira na página 9. Nas páginas seguintes o rock toma conta. Elton Telles sentou no bar com os integrantes
da banda Inner Giants pra conhecer melhor essa banda nova que tá surgindo no cenário maringaense. Na página ao lado, o nosso editorchefe, Miguel Fernando, entrevista Charles Cross, autor de "Mais pesado que o céu", a mais importante biografia do cantor e ícone do rock Kurt Cobain. A entrevista lembra os 20 anos da morte de Kurt e nos traz novidades sobre o novo livro que Cross está preparando sobre o cantor. Em O Som do Olhar, Gustavo Hermsdorff foi conhecer o projeto multiartístico criado por Paulinho Schoffen, Rafael Saes e Priscila Buiar para trabalhar a releitura de obras de arte através da música e da fotografia. Um projeto original que foi premiado com o Edital Copa das Artes 2014. Abrindo nossa seção de colunistas, na página 14, temos o sempre delicado olhar de Paula Mariá sobre o amor de mãe. Um misto de poesia e desabafo que vale ser lido e relido várias vezes. Ao lado, Donizeti Pugin, no texto Que Liberdade? nos incomoda com um comentário contundente e preciso sobre os recentes casos de violência coletiva em várias cidades do Brasil. Na coluna de psicologia desse mês, Rodrigo Corrêa investiga o gosto como desdobramento da personalidade de cada um de nós, enquanto na de Poesia, Gilmar Leal Santos faz uma releitura de um artigo publicado por um jornal da capital sobre o escritor paranaense Fernando Koproski. Fechando a edição, temos uma entrevista com o jornalista, poeta, documentarista e escritor Antonio Roberto de Paula sobre seus dois últimos livros, que serão lançados em maio. E no Sarau desse mês, o ator e músico André DX nos leva pra dentro da biblioteca do seu pai pra nos ensinar a valorizar a arte brasileira. Boa leitura! Os editores
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Especial //
MARINGÁ É O MEU MUNDO De uma carreira consolidada em SP para a incerteza do interior paranaense: esse foi o rumo que fez do pioneiro Antonio Manicardi o primeiro funcionário registrado da prefeitura Elton Telles
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“Eu acredito muito nas coisas como elas devem ser, e desviar do seu caminho, às vezes, faz bem. Deus mudou minha rota e hoje eu não poderia ser mais agradecido”, diz o pioneiro Antonio Mário Manicardi, 89 anos de idade e 62 de Maringá. Ainda quando solteiro, na casa dos 20, ele trabalhava como radialista na única rádio de sua cidade-natal no interior de São Paulo, Itápolis. Ita = pedra; pólis = cidade. Mas a verdadeira cidade de pedras, e terra, e mato que Manicardi se deparou foi somente em 1952, quando trocou a carreira em uma das principais radios da capital paulista para abraçar a luta pela emancipação de Maringá, ainda distrito de Mandaguari naquela época. A primeira eleição de Maringá foi composta por quatro candidatos que se duelavam – quase literalmente – para assumir o cargo no Executivo. Certo dia, um dos concorrentes comentou com um jovem que precisava de um locutor, alguém com a voz firme e que passasse credibilidade, para ficar a frente de sua campanha política. Esse jovem, o finado Emílio, também de Itápolis, lembrou de um amigo que não via há tempos e prometeu: “Eu vou à minha cidade buscar um rapaz para ganhar a eleição para o senhor”. Enquanto isso, Manicardi lia no jornal que a Rádio América de São Paulo, uma das mais importantes do Brasil, promoveria nos dias seguintes um concurso de atores vocais para ser protagonista de uma radionovela que estava sendo produzida pela emissora. Não pensou duas vezes em vestir seu único terno para tentar a sorte na cidade grande. Chegando lá, feito o teste com o script em mãos, ele foi selecionado entre 50 adversários e no ato assinou um contrato para ganhar 2.500 cruzeiros. “O gerente da Rádio América me deu 15 dias para eu me mudar. Quando cheguei em Itápolis, avisei a minha família que estava indo embora”, conta. Faltando cinco dias para partir, o sumido Emílio caiu do céu e disse a Manicardi que voltou para levá-lo a uma tal de Maringá. Hesitante a princípio, o
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radialista concordou em trabalhar nos dois meses que antecipavam o dia da eleição para fazer algum dinheiro, afinal, o custo de vida em São Paulo era (e ainda é) bem alto comparado ao interior. Manicardi trabalhou nesse período como diretor de propaganda na campanha de Inocente Villanova Junior (PTB), que viera a se tornar o primeiro prefeito de Maringá. Trabalho concluído, dinheiro extra no bolso, Manicardi lembra que foi agradecer o prefeito eleito pela confiança depositada e foi surpreendido com as palavras do politico: “Você ganhou a eleição pra mim, rapaz! Não tem como você ir embora, porque eu te quero aqui como o meu braço direito”. Foi desta forma que Antônio Mário Manicardi se tornou o funcionário n° 1 da Prefeitura de Maringá. A Rádio América de São Paulo, onde brilharam nomes como Paulo Gracindo, Gilmara Sanches, Edna Thereza e a dramaturga Janete Clair, era coisa do passado. Manicardi trocou o luxo pelos estúdios locais, sendo convidado no ano seguinte, em 1953, para comandar um programa sertanejo na extinta Rádio Cultura com o apelido de Nhô Juca, pelo qual é conhecido até hoje. Ao todo, foram 38 anos de rádio entre folhetins, programas musicais e outros de auditório, que arrastavam caravanas das cidades da região. Na Maringá ainda menina, recorda dos salões cheios onde o pai do pioneiro Antenor Sanches, o senhor Pedro, alegrava as festas com sua sanfona; das filas do cinema que dobravam a esquina para assistir aos bangue-bangues e às comédias do Mazzaropi; e das festas na Praça da Catedral em que toda a comunidade comparecia para prestigiar os artistas locais: violeiros, cantores populares, contadores de piada e declamadores. Sua grande homenagem à Cidade Canção foi o lançamento do livro “Maringá, Meu Bom Dia Para Você!”. Da publicação, surgiu os convites para ocupar uma cadeira da Academia de Letras de Maringá e na União Brasileira de Trovadores (UBT).
Especial //
UMA CIDADE DE MUDANÇAS Gilson Aguiar
Em minha vida de cientista social, historiador principalmente, e jornalista, o que mais ouvi sobre a explicação do sucesso de Maringá é que ela é uma cidade “diferente”. Mas onde está essa diferença? Estaria nas pessoas, o que já ouvi de pioneiros e perso-nalidades políticas ser o “segredo do sucesso”. Para outros foi o momento que a cidade nasceu. O contexto econômico, mundial ou regional que favoreceram determinados setores em detrimento de outros. A questão do café passa um pouco por esta discussão. Vou aqui dar a minha opinião, por isso, neta análise que vou fazer quero me dar o direito de ser o historiador, mas também o maringaense. Nasci nesta cidade e minha memória se confunde com o que aprendi na academia. Sempre tentei buscar na explicação científica muito do que os meus olhos assistiram na vida que se construiu em Ma-ringá. Porém, por ser um ser humano, o sentimento me toma na análise e pode perturbar o resultado final. Sai de cena a realidade que tento captar e fica a obra
MUDANÇAS RETRATADAS maio
gilsonaguiar@gilsonaguiar.com.br
rascunhada em forma de arte caricaturada dos meus sentidos pessoais. Sou filho da periferia de uma cidade que nasceu em 1947 e eu, dentro dela, nasci em 1965. Na Vila Morangueira, próxima a uma fazenda loteada que se transformou no maior bairro de Maringá, a cidade dentro da cidade, o Jardim Alvorada. Nasci, como se dizia para definir quem se é na curta história que deixa marcas, um cidadão do “outro lado da Avenida Colombo”. Aqui está o primeiro elemento que construiu o que somos, o mapeamento, a demarcação, o recorte planejado do espaço urbano, “cada coisa em seu lugar”. A cidade é fruto de uma organização que é sua tradição mais eficiente diante da necessidade de mudanças. Maringá leva o planejamento ao “pé da letra”. As avenidas sempre terminavam em uma área agrícola como uma promessa de que um dia cortaria a plantação, um futuro urbano anunciada sobre a vizinhança rural e das cidades vizinhas, conurbadas com dizem. Estamos quase lá, o desdobramento da cidade já está
quase no limite de suas fronteiras. Mas tudo isso poderia não ter acontecido. Porém, não existe a história do que não ocorreu. Se for ser contada, vira lamento, lenda, ilusão ou desculpa. A cidade foi ameaçada. Maringá mudou ao sabor das mudanças. Muito do que foi decidido em suas fronteiras foi vital para isso. Uma destas mudanças é a ruptura da economia cafeeira, o mercado atacadista e posteriormente o avanço do varejo, a prestação de serviço e o centro de decisão agroindustrial. Nos números do Produto Interno Bruto (PIB) há uma ironia que retrata o que a cidade é em sua atividade econômica. Ela é o centro de decisão do agronegócio, mas a produção agrícola e pecuária tem pouca participação na produção de sua riqueza de forma direta. Administramos o campo, não produzimos nele. Enquanto a maior parte das cidades brasileiras nasceu do campo, Maringá já nasceu junto com a ocupação agrária. A cidade era o amanhã planejado de uma produção agrícola com prazo de validade.
Quem for ao teatro Calil Haddad esse mês de maio, vai ter contato com duas belíssimas exposições que mostram, através da arte, as transformações na cultura do maringaense. Em posição de destaque no saguão de entrada está o painel Maringá Viva, produzido pelo atleiê maringaense Ecostume.
Uma composição de 204 placas cerâmicas esmaltadas, produzidas com cinzas de material vegetal queimadas em forno de alta temperatura. O projeto foi viabilizado pelo Prêmio Aniceto Matti de cultura, criado pela Prefeitura Municipal em 2012. As peças, que formam a capa dessa nossa edição e ilustram as colunas dentro do
Uma estratégia de um projeto inglês, incorporado por empresários brasileiros, que tinha na valorização do solo seu principal objetivo. Até hoje cumpre seu destino com perfeição. O planejamento já dava exemplo de sua eficiência antes de Maringá nasceu. Em meio aos planos e rupturas, a população mudou. Maringá é uma cidade de imigrantes. É encontro típico de Brasil feito por mãos nordestinas diante do projeto paulista de ocupação que foi o café. Não podemos esquecer nesta cidade a luta que se teve no Norte do Paraná para a criação de um Estado do Paranapanema ou a anexação da região pelo Estado de São Paulo. Os “pés verme-lhos” tentaram outros caminhos. Mas o Pa-raná é estado de encontro, não é por acaso que tem a maior diversidade étnica do país. Diante disso, deste pouco do muito que Maringá significa, que considero que o futuro será a mudança sempre planejada, mas que e como quase tudo em nossas vidas pode trazer surpresas. Parabéns Maringá!
jornal, estarão expostos até dia 30. No piso superior está a exposição “Flor de Laranjeira: as representações matrimoniais em Maringá das décadas de 1940 a 1980”. Artigos como vestuário, fotos e peças de enxoval representam como os casamentos aconteceram entre os anos 40 e 80 em nossa cidade.
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Especial //
A LITERATURA QUE SE FAZ E A QUE SE PROMETE Ademir Demarchi
A ideia de tentar definir a identidade de um local é, já de início, falível, uma falácia, não só porque, para cada pessoa e sua cultura própria, ou modo de ver peculiar, a ideia da cidade será uma e diferente de outra, quanto pelo fato de que a identidade, ainda que aceita por alguma unanimidade conseguida, é mutante e se altera o tempo todo, a cada novo acréscimo que se faz. No caso da literatura, que contribui para a formação dessa identidade mutante, que conteúdos uma cidade como Maringá poderia estimular? Come-cemos por definir algumas de suas características fundamentais. Maringá é uma cidade jovem, ainda com cheiro de barro vermelho e atolamentos que remeteriam a uma espécie de conquista do velho oeste, com direito a linha de trem e cavalos há apenas 50 anos, um conteúdo ainda inexplorado por ficcionistas, mas que já foi bem explorado por historiadores, graças ao trabalho das universidades. Maringá, passado tão pouco tempo, contemporaneamente, é ao mesmo tempo rural (no centro da produção agrícola e dos agronegócios) e globalizada (um aeroporto de grande porte, economia integrada, universidade de altíssima qualidade – além da produção intelectual e pesquisa de sempre crescente importância – basta dizer que, reforçando esse aspecto de pesquisa, economia e globalização, foi na
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UEM que se criou o adoçante stevia, que está nas mesas de todo o Planeta). A história da cidade e suas características se confundem com outras cidades da região, em cujos escritores podemos ler como se formou e o tipo de gente que veio explorar o norte do Estado. Menciono os casos mais emblemáticos de Domingos Pellegrini Jr (num romance como Terra Vermelha ou num conto como “Encalhe dos trezentos”, entre outros); Nilson Monteiro (no recente romance Mugido de Trem) e Miguel Sanches Neto (com o romance Chove sob o céu da minha infância). Quanto aos maringaenses, há quase nada de escritores e literatura, sendo muito recente o surgimento de livros de qualidade e importância. Entre esses, explorando a história regional na ficção, está o romance Santo Reis da Luz Divina (que retrata em verdadeiro bangue-bangue como era a vida da região, regida a bala) e o livro de poemas As coisas de João Flores (que registra a vida lírica da gente simples entre o campo e a cidade) ambos de Marco Aurélio Cremasco, nascido em Gua-raci, próximo de Maringá, formado na UEM, que ganhou a primeira edição nacional do Prêmio Sesc de Romance, há dez anos, e que tem outro romance inédito sobre as Missões, enfocando a presença de jesuítas e índios na região.
Oscar Fussato Nakasato, outro maringaense premiado nacionalmente com seu romance Nihonjin, registra a vida dos japoneses pisando a terra roxa, tentando se estabelecer e se relacionar com pessoas culturalmente tão diferentes deles, tal como Nilson Monteiro foca, numa parte do romance, os espanhóis. O romance de Oscar, assim como o de Nilson, demonstram a riqueza de assuntos que há por explorar sobre a formação do norte paranaense. Se esse registro mal começou por japoneses e espanhóis, há ainda pela frente portugueses, alemães, italianos, e tantos mais, assim como substratos culturais nacionais como nordestinos, gaúchos... todos mesclados na colonização dessa região por si tão distinta de outras, que Nilson Monteiro tematiza de modo geral e fragmentado em seu romancemosaico. Sob o aspecto da globalização, há o ótimo caso recente de literatura feita por escritor maringaense e gestado nos corredores e biblioteca da UEM, o romance O Evangelho segundo Hitler, de Marcos Peres. Segundo a ganhar o Prêmio nacional Sesc de Romance na cidade, nesse livro ele foca temas tão estranhos entre si como Borges e nazismo, quanto afinados com o tipo de literatura que inte-ressa a esse mercado globalizado. O sucesso desses escritores sinaliza uma mudança positiva na vida cultural da cidade, em que leitores refinados passam a ser escritores e fazem acréscimos nessa identidade a que me referi no início, e nem tenho espaço aqui para me referir a outros escritores de livros de não-ficção, cujo Laurentino Gomes, nascido em Maringá, um dos maiores vendedores de livros do país, é paradigmático. Ainda que todos esses aspectos mencionados sejam marcantes e sugestivos para estimular a criatividade literária, um que sempre me chamou a atenção foi a religiosidade como uma característica de Maringá. Ela está mais que expressa na contundência estética e religiosa que é a onipresença da Sputnika, a Catedral inspirada no foguete russo da conquista da Lua, que ocupa de tal modo a paisagem como se disputasse com a Torre Eiffel. Tornou-se talvez um cartão postal oco de espírito, uma vez que não há imagem mais paradigmática da cidade que qualquer uma que a tenha no enquadramento. Sendo ela um vício selfie dos globalizados que a fotografam continuamente como cartão postal em imagens aéreas ou sintoma de um credo ou medo da morte, presença onipotente nesse cenário, “fivela do cinturão da crendice religiosa e música caipira”, como um maledicente local me disse, por todas suas sugestões simbólicas sempre me pergunto que textos inspirados pelos escritores sairiam disso... Diante da juventude da cidade talvez seja cedo para responder... Porém meus primeiros escritos nasceram de um desconforto com o fato de ter nascido em tal lugar. Reunidos no
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livreto Maria, a cidade sem rosto, publicado em mimeógrafo pelo DCE da UEM em 1985 e republicado em Pirão de Sereia, livro em que reuni minha poética de 30 anos em 2012, esses textos de Maria foram salvos do naufrágio por sobretudo representarem a vida à época da ditadura e redemocratização nessa cidade do interior do país. A capa desse livreto, desenhada à mão, estampava a Sputnika com a cruz lá no alto brochada... Era o prenúncio dos textos de discrepância que viam nos reflexos das vitrines ostentatórias de riqueza a miséria do entorno... Havia, então, uma disposição de estar escrevendo contra um estado de coisas porque já entendia que uma das funções do escritor é de fazer pensar, lendo criticamente a cultura. E só não concluo que isso foi inútil e calado pela solidão da ausência de leitores neste país de 75% de analfabetos, situação que se repete em Maringá, porque já não posso me sentir o único. Isso porque um tal incômodo, de tal modo explícito na cidade, ultimamente tenho lido somente nos poemas e contos de Nelson Alexandre, que vem escrevendo sobre a vida das pessoas nos bairros periféricos dessa cidade imaginada que é Maringá, assim como em alguns contos de Alexandre Gaioto. Ainda com relação especificamente à questão religiosa, ou mais acertadamente contra ela, há O Livro dos Santos, um delicioso volume de relatos biográficos sobre a vida dos santos católicos pelo que elas apresentam de mais sórdido. Neste momento de fabricação de santos burocratas pela indústria do Vaticano, é um gozo ler esse livro de 360 páginas e constatar como sempre foi absurda a vida religiosa em seu modo esdrúxulo de ver “a perversidade natural das mulheres”, “Do por que só as virgens agradarem ao Senhor”, “Das delícias da dor” etc. Esse livro foi escrito por um paulistano que viveu muitos anos em Maringá, participou ativamente do movimento estudantil secundarista e da fundação do PT. Trata-se de Rogério de Campos, fundador da editora Conrad, que foi a maior disseminadora de mangás e Pokemons no país, mas também editora da Coleção Baderna, concebida por Rogério, que reuniu um pensamento altamente subversivo contra a ordem capitalista, que até hoje ecoa nos movimentos sociais. O Livro dos Santos, publicado pela editora Veneta em 2012, dá conta justamente desse imaginário que circunda a Sputnika e só poderia ser escrito, à altura dela, por alguém que habitou a sede da UMES, logo ali atrás dela... O fato é que, agora sexagenária, finalmente Maringá pode se orgulhar de ter escritores que, ainda que não se contem com todos os dedos das duas mãos, já fazem uma diferença nesse cenário antes ocupado por inocentes trovinhas de animação de roda de chá e, mais que isso, já pode começar a pensar em disputar umas partidas contra o Tubarão. Fato que nos põe curiosos sobre quais serão os próximos livros publicados...
Especial //
O QUE ESPERAR DA NOSSA CIDADE? Convidamos alguns maringaenses para dizer o que eles esperam da nossa cidade. As opiniões diferentes mostram como a nossa cidade, apesar de ser muito querida, ainda tem um longo caminho até se tornar aquela que faz jus à história que carrega.
Priscila Borba
Mestre em História
"Nasci em Curitiba e me mudei para Maringá aos 14 anos. Foi na Cidade Canção que vivi minhas melhores experiências como adolescente e jovem adulta. Tenho um grande carinho por ela. Para todos os fins, sou maringaense. Por isso, sinto-me no direito de querer mais e mais dela, sempre. Maringá que é, aparentemente, uma cidade dos sonhos, ainda tem muito a evoluir. Há grupos que persistem e lutam para que transpassemos a barreira interiorana e façamos jus à população que tem sede de cultura e conhecimento. Ainda assim, há fortes barreiras políticas que nos impedem de construir uma cidade mais atraente e rica (no melhor sentido da palavra). Minha esperança para Maringá é que tenhamos mais espaço e incentivos para que se possa de fato interferir e transformá-la em referência. Dentre os exemplos de sucesso, aplaudo iniciativas como O Duque, festivais de cinema e música independente e o revolucionário trabalho político do Observatório Social. Precisamos de mais criatividade – cultural e política – para uma nova Maringá.”
Espero que a sociedade reconheça e valorize as manifestações artísticas e culturais da região e que não fique refém da indústria do entretenimento que procura moldar e formar um gosto, muitas vezes, orientado apenas para o consumo e a moda. Paulo Eduardo Brito
Andressa Dias
Gerente de conteúdo
“Eu quero uma Maringá com mercados que abram 24h ou que, pelo menos, abram aos domingos para facilitar a vida do trabalhador que não tem tempo durante o horário comercial “normal”. Quero uma Maringá onde eu possa andar de bicicleta sem temer ser brutalmente atropelada e que os ciclistas também saibam respeitar os pedestres e os sinais de trânsito. Quero uma Maringá com gente que saiba ser responsável pelo que faz e que exige respostas e soluções das autoridades. Quero uma Maringá com opções de lazer gratuitas para os jovens, como clubes, praças de patinação e skate, mais e mais quadras de basquete, campos de futebol, clubes para jogar xadrez e por que não um local para se jogar video game?! Quero uma Maringá com opções de cultura que atendam às necessidades das classes menos favorecidas, com eventos gratuitos, interessantes e menos eventos bancados pela prefeitura para a elite maringaense. Quero que Maringá se torne referência no turismo também, valorizando e reestruturando pontos turísticos abandonados como, por exemplo, o Parque do Ingá. Quero menos roubalheira e mais recursos, realmente, úteis para o maringaense.”
Bárbara Vioto Publicitária
“Gosto muito de Maringá. É uma cidade que me abraçou há oito anos. Vejo com clareza os avanços da cidade, mas existe um ponto que me incomoda bastante: Maringá se entregou ao carro. Há mais ou menos dois anos troquei o carro pela bicicleta. Minha vida em todos os aspectos melhorou e, principalmente, passei a ter mais contato com a cidade. Vejo que Maringá tem muito potencial para ser uma cidade para pessoas. Espero que nos próximos anos as pessoas foquem mais em suas escolhas. Escolhas de meios de transporte para se locomover, caminhos para trabalhar e empreender, maneiras de ocupar espaços públicos e se relacionar com os outros. Maringá é uma cidade do futuro, se apostar na bicicleta e nos pedestres.”
Professor
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Literatura //
Eu, animal Cibele Chacon
Repórter cibelechacon@vilaopera.com.br
Era uma vez, um belo céu lá fora, flores coloridas no jardim e passarinhos cantando... na gaiola. Ao olhar pela janela, percebia-se os cachorros inquietos no quintal... presos a uma corrente com pouco mais de um metro. Na rua, a égua que corria, saltava e sentia o vento pela crina, trocou o campo pela cidade, onde passava a vida toda caminhando no asfalto quente puxando uma carroça. Até aí, tudo bem, nenhuma situação fora do comum ou socialmente inaceitável, não é mesmo? Mas o quê difere esses bichinhos de nós, seres humanos, se somos todos animais? Com essa reflexão, a escritora Evely Libanori lançou o livro “Nós, animais”. Reunindo 30 crônicas que apresentam os animais como semelhantes, Evely revela emoções de experiências cotidianas nas quais, muitas vezes, quem diz amá-los, os preferem mortos. Para ela, escrever é dividir com o outro. Garante que fica mais leve quando o faz. Alivia as suas dores. Escreve, porque escrever salva e os animais precisam da sua defesa. O estilo do texto pode parecer um tanto quanto agressivo para os que nunca pararam para pensar no assunto e estão acostumados à idéia de legitimidade da exploração dos animais e da natureza.
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De acordo com a escritora, porém, o texto não é mais agressivo ou violento do que as ações relatadas. A autora defende que os animais merecem, precisam ser vistos e entendidos como sujeitos de direitos éticos e morais. Para ela, não são menos do que os seres humanos por não raciocinarem. Pelo contrário. “Eles raciocinam de acordo com a espécie. Não fazem reflexões filosóficas ou resolvem equações matemáticas, mas isso não é motivo para usá-los, explorálos, comê-los, matá-los, testá-los”, afirma categoricamente. Não é com o novo que Evely trabalha. Ela não escreve sobre algo fora da realidade. Escreve sobre o que todos vivenciam, mas nem sempre querem enxergar. Coloca o dedo na ferida de quem prefere não pensar que o caminhão cheio de galinhas é diferente de um caminhão cheio de tomates. De quem acha que o cachorrinho ou o gatinho que deita ao lado na cama é diferente daquele boi confinado no matadouro, a espera do sacrifício. Mas não faz isso tentando levantar bandeiras ou mudar o mundo. “Quem quer continuar na zona de conforto, fechando os olhos para o que acontece aos animais, vai continuar assim. Lendo o meu livro ou
não”, enfatiza. De acordo com a escritora, o que define a quem tratar de forma ética ou não é a capacidade de sofrer e não de raciocinar. Não é a toa que Evely se tornou vegetariana há nove anos e vegana há três. “Carne é o corpo do outro. É sangue. É sofrimento”, diz. Ela relata que, juntamente, com a curiosidade de quem descobre sua postura de protetora dos animais, também vem a ridicularizarão.
Eles raciocinam de acordo com a espécie. Não fazem reflexões filosóficas ou resolvem equações matemáticas, mas isso não é motivo para usá-los, explorá-los, comê-los, matá-los, testá-los Evely Libanori
“As pessoas entendem o ato de não comer algo apenas se ele tiver relação com religião, saúde, ou dieta. Não entra em suas cabeças quando o motivo é pura e simplesmente a preocupação com os animais”. Acrescenta, ainda, que inúmeros argumentos são disparados contra o seu posicionamento: “Está na Bíblia. Estamos no topo da cadeia alimentar. A proteína da carne é necessária. Todo mundo come”. Há, também, os que a surpreende com questionamentos do tipo “você não gosta de carne? Mas peixe você come, né?”.
No livro, como porta-voz daqueles que não podem se representar, a autora apresenta várias facetas de uma mesma moeda, ora mais tênue, ora mais dura. Em cada crônica entrega-se por completo, sem fazer rodeios, mostrando como a ética pode estar presente em práticas da vida, fazendo justiça aos animais não humanos.
Eu, animal “Nós, animais” não é um produto do romantismo inconsequente na luta pelo respeito à vida e à liberdade dos animais. É uma obra que sensibiliza pela simplicidade e, mais do que tudo, pela verdade com que trata o tema. Cada crônica me levou a momentos pelos quais já passei várias vezes, talvez, apenas, não tenha percebido por conta de uma cegueira consciente e opcional. O livro me ajudou a compreender ainda mais que os direitos dos animais são a continuação lógica dos direitos humanos. Que eles vieram para somar e aprofundar, não para reduzir ou relativizar. E que a Olivia ou a Cecília, minhas companheiras tão amadas, não são diferentes dos animais sem nome que compro por quilo no açougue. Transformo essa matéria em relato pessoal, apenas para tornar público que a leitura de “Nós, animais” e a conversa com a autora, serviu como eventos catárticos em minha vida. Hoje, sou outra pessoa, apesar de continuar sendo um animal.
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Foto: Rafael Saes
Música //
O gigante acordou pra tocar rock Elton Telles
Repórter eltontelles@vilaopera.com.br
Foi em Cianorte, em meados de 2010, que o “gigante interior” começou a se manifestar. O local era o hoje extinto Café do Pátio e os sons que embalavam aquela noite eram o rock setentista do Eco Estático e o surf music instrumental dos Bandidos Molhados, ambas bandas de Maringá. Sem se conhecerem, a princípio, com uma ideia na cabeça e sem vergonha na cara, o vocalista dos Bandidos abordou o guitarrista da outra banda após o show e propôs “Cara, você tá a fim de formar uma banda?”. O convite foi bem recebido, mas ficou parado por conta de compromissos paralelos. Em 2013, no entanto, retomaram o contato e o gigante começou a ganhar forma, ou melhor, sonoridade. Completou-se o time com mais dois integrantes, deram início aos ensaios e já no primeiro dos
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muitos encontros, o Inner Giants saiu com música própria concluída. Para entrar no estúdio e gravar, foi um passo. Formada por Murilo Benites (vocal e guitarra), Thiago Guglielmi (backing vocal e guitarra), Caio Koslyk (baixo) e Guilherme “Nabo” Silva (bateria), a banda maringaense Inner Giants passou por um processo lento para se consolidar, isso porque todos foram se conhecendo como músicos nesse interim e as produções deviam ser todas aprovadas em conjunto. Mas quem ouve as quatro faixas do EP virtual da banda no site oficial (www.innergiants. com) conclui que o tempo fez bem ao resultado. No dia 3 deste mês, o Inner Giants estreou nos palcos do Tribo’s Bar, tocando para um público de aproximadamente 300 pessoas. A
maioria, certamente, já tinha ouvido (falar d)a banda, pois não é somente de rock que os caras entendem: marketing musical também faz parte desse repertório. De maneira criativa, os integrantes traçaram uma estratégia interessante para divulgar o seu debute no cenário independente. A esperteza da comunicação é esclarecida quando se descobre que o grupo é formado por um jornalista, dois publicitários e… um economista, pois afinal de contas “alguém tem que cuidar dos lucros”, comentou alguém aos risos durante a entrevista. Além do hotsite e mídias sociais gratuitas que a internet oferece (Facebook, Twitter e Instagram), a banda convidou quatro artistas gráficos para traduzirem suas músicas em ilustrações. O quarteto formado por Gabriela Paes, Guto Stresser, Isaac Kassiano e Rodrigo Alexandre Martins fez traços conceituais e, com concepção inteiramente subjetiva, transferiu as emoções de cada canção para o papel. Os desenhos foram transformados em
centenas de cartazes que ganharam as ruas de Maringá. Cada ilustração vinha acompanhada com um código QR que, quando acessado, levava a pessoa a ouvir a música referente àquela arte. No YouTube, há um video disponível da banda em atividade. “A nossa ideia era se sobressair [sic] de alguma forma desse monte de bandas que surgem na internet”, comenta Benites. A sacada de agregar diferentes manifestações artístícas (música, ilustrações e audiovisual) na divulgação é um diferencial do Inner Giants, cujo som aposta em uma mistura de stoner, grunge e rock clássico. Quanto ao cenário do rock underground em Maringá, o guitarrista Thiago Guglielmi aponta que a falta de estrutura apropriada não deve ser vista como um obstáculo e nem uma desculpa para os músicos ficarem parados. “Tem mais de 40 bandas autorais em Maringá e sinto que elas precisam decidir qual rumo seguir. Quem meter o pé na porta, vai entrar.” Pelo jeito, o Inner Giants já está lá dentro.
Entrevista // O livro Mais pesado que o céu mostra que Kurt foi uma criança amável, no início de sua vida. A situação muda de rumo quando a relação entre seus pais começa a ruir e ele não se enxerga mais como uma peça daquela família. Com isso, Kurt se muda para outras casas e passa a morar na rua por curtos períodos. Essa vida solitária do início de sua juventude foi uma escolha ou havia outras saídas menos dramáticas? CRC - Kurt também era uma criança difícil para seus pais. Entretanto, a maioria dos observadores dizia que eles poderiam ter feito mais. O divórcio foi internalizado por Kurt durante anos, transformando-se em um dos eventos mais importantes de sua vida. Para mim, morar na rua não foi uma escolha, pois ele acabou sendo expulso de casa. Esta publicação ainda traz um Kurt Cobain mais humano. No entanto, percebe-se um complexo paradoxo. Apesar de Kurt ter planejado chegar ao sucesso, ele entrou em colapso quando o atingiu . Em uma análise mais profunda, o que poderia tê-lo levado a esse conflito pessoal e profissional? CRC – Foi uma situação complicada. Kurt queria tanto o sucesso que depois não soube o que fazer quando o encontrou. Digo, ele não ficou desapontado com o sucesso. No começo, adorou. Então, tudo saiu de controle. Na mesma biografia, em linhas gerais, Kurt e Krist Novoselic, então baixista do Nirvana, parecem mais próximos que os demais membros que a banda teve. Você acredita que esse pacto foi quebrado com a entrada do novo baterista (Dave Grohl), em 1990?
Kurt Cobain, 20 anos de luto Miguel Fernando
Editor miguelfernando@oduque.com.br
O Nirvana (1987-1994) foi uma banda que forjou, e continua forjando, gerações de jovens ao redor do mundo. Com uma bagagem grunge/punk, como foi rotulado por alguns, os pequenos clubes de Seattle, Tacoma e Olympia ouviram os primeiros acordes e gritos de um mito que estava por ser descoberto, Kurt Cobain. Figura icônica por seu estilo retraído e elevado consumo de drogas, Kurt é retratado no livro "Mais pesado que o céu" (Heavier than heaven), de Charles R. Cross, como uma criança amável que viu seu mundo mudar drasticamente com a separação dos pais. Daí em diante, ele se mudou para as casas de outros familiares, morou na rua, iniciou pequenas atividades profissionais e, enfim, montou sua primeira banda. Um paradoxo interessante se estabelece neste contexto. Kurt sonhava em ser um rockstar: Desenhava os logos de suas bandas em camisetas nos seus diários. Quando enfim alcançou a notoriedade, se decepcionou. Situação que foi agravada por um casamento complexo com a vocalista do Hole, Courtney Love. Essa panela de pressão sentimental levaria Kurt a seu limite em abril de 1994. Nas próximas linhas, vasculharemos, sob a percepção de Cross, assuntos delicados e profundos. É uma conversa pragmática, mas que deixa lastros para buscar compreender por que Kurt Cobain se tornou um mito que continua a moldar gerações. Charles R. Cross reside e trabalha em Seattle, Washington-EUA. Escreveu nove livros, com os quais recebeu prêmios e aclamações dos jornais The New York Times, Los Angeles Times, entre outros.
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CRC - Krist não foi só seu companheiro de banda durante quase dez anos. Ele foi um de seus amigos mais próximos. Por certo tempo, Kurt viveu na casa de Krist ou nos fundos dela. Eles também estavam conectados musicalmente. Dave Grohl já veio tarde para o jogo e só passou três anos com a banda. Mas ele era um ingrediente essencial. Evidentemente, Kurt e Dave acabaram se aproximando. Eles também viveram juntos por um período em Olympia. Para mim, não é justo comparar os dois membros, afinal, ambos foram importantes no contexto geral. Durante anos, muitos imaginavam que a cidade de origem de Kurt fosse Seattle. Mas já se sabe que ele é proveniente de Aberdeen, mais a oeste do estado de Washington. O interessante é que sua vida foi permeada por essas duas cidades. Em sua pesquisa, você conseguiu identificar se Kurt guardava rancor de Aberdeen? CRC – Ele tinha muito orgulho de ter vindo de Aberdeen, mas também sentia como a cidade era repleta de camponeses e caipiras. Muito mais do que Seattle, Aberdeen, certamente, moldou para sempre quem Kurt foi. Ele era uma típica cria daquele local. Se fizermos uma avaliação mais densa do primeiro álbum até o último, notaremos um grande avanço musical na composição do Nirvana. Mas ao mesmo tempo se constata sentimentos mais dramáticos e depressivos em “In Utero”. Seriam indícios da insatisfação de Kurt com sua vida? CRC - Eu acho que a insatisfação e angústia de Kurt estiveram lá em toda a sua obra. Musicalmente sim, ele progrediu e assim o fez como letrista. Mas seus dilemas foram amplificados a partir dos impasses pessoais que estava enfrentando.
Em uma entrevista que Kurt concedeu à TV Francesa, em agosto de 1993, o vemos, aparentemente, satisfeito e sugerindo planos para sua vida. Ele ainda retratou seu vício com drogas e como estava buscando superá-lo. O que proporcionaria uma mudança de comportamento tão repentina que culminaria em seu suicídio? CRC – Não há como julgar uma pessoa pelo que ela diz em uma entrevista. A questão do vício que ele abordou é sobre se esconder, escapar ou se envergonhar pelo ato de se drogar. Em sua trajetória, Kurt disse que estava feliz em momentos que não era verdade e disse que estava triste, por vezes, quando ele não estava. Apesar de ele ter sido autêntico, eu não confiaria no que foi dito à televisão francesa. Para os fãs mais fissurados, o Nirvana entrou em declínio logo após Kurt ter se casado com Courtney, em fevereiro de 1992. Alguns veículos de comunicação e pessoas próximas à banda também alegaram que ela o teria influenciado negativamente. O que você avalia que tenha levado a concluir que Courtney teria sido a “Yoko Ono do Nirvana”? CRC – Na verdade, eu discordo. Eu acho que o poder do Nirvana deve ser avaliado inteiramente separado da Courtney. Propor essa junção é estupidez. Todo caso, as melhores músicas do Nirvana saíram entre 1992 e 1993, depois que Kurt estabeleceu matrimônio com a Courtney. Mas, certamente, o seu casamento era uma bagunça. Você não poderia ter escolhido dois atrapalhados como eles para se casar naquela época. Ainda, você não poderia culpar Courtney pelo vício de Kurt. Ele estava usando drogas antes dela; você não poderia culpá-la pelo comportamento dele. Ele também estava ameaçando suicídio antes de se conhecerem; mas, absolutamente, tê-la tido como parte da família e do Nirvana, colocou ainda mais pressão sobre a banda. Certamente, você é o jornalista que mais pesquisou sobre a vida e obra de Kurt Cobain. Como você resumiria este personagem icônico que mudou a história da música dos anos 1990 e que continua a moldar estilos até mesmo no interior do Brasil, onde esta entrevista será publicada? CRC - Eu não acho que posso resumir rapidamente, além de dizer que Kurt existiu em um período que agora se perdeu na história. Uma época quando um artista poderia ser jogado em todos os formatos de rádio, quando o rock era a forma musical dominante. Na era da Internet existem celebridades em grande quantidade, mas poucas são verdadeiras estrelas. Em minha opinião, Kurt foi a última e verdadeira grande estrela do rock devido ao seu nível de arte, carisma e habilidade de composição. Qualidades que ainda não foram superadas desde a sua morte. Como um fã de música, eu ainda espero que haja outra grande estrela do rock. Mas até que haja, a influência de Kurt permanece insuperável. O que seu novo livro "Kurt Cobain: a construção do mito" trará de novo ao assunto? CRC - Poucas figuras na história da música moderna tiveram um impacto tão grande como Kurt. Ainda hoje, eu posso ouvir a influência do Nirvana todo o tempo no rádio. Mas o que eu achei particularmente interessante foi tentar medir aspectos de seu impacto nos segmentos culturais que não eram mais evidentes, como o hip-hop e a moda, por exemplo.
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Fotografia //
Foto: Rafael Saes
O som do olhar
Gustavo Hermsdorff
gustavo@vilaopera.com.br
Qual é o papel da arte? Há em muita gente a ideia de que é função da arte ensinar algo, quase como se toda obra nascesse com o único objetivo de comunicar - ou pior, como se fosse simples decifrar o que o autor quis dizer com aquilo. Ora, ela comunica sim como todo sistema complexo de técnicas, símbolos e signos faz, mas a arte é uma investigação profunda da experiência do homem. E como experiência, entendemos também o papel do espectador, que dá um novo sentido à obra toda vez que se encontra com ela. É apoiado nesse conceito que o projeto O Som do Olhar, criado por Paulinho Schoffen, Rafael Saes e Priscila Buiar, vai te fazer conhecer melhor a si mesmo e a todas as formas de arte envolvidas. Só pelo nome podemos ter uma ideia do que nos espera. "O Som do Olhar" é um projeto multiartístico onde música e fotografia se fundem - e contrastam - para oferecer ao espectador/ouvinte uma experiência sensorial múltipla. Ficou difícil? Paulinho explica. "Quem estiver vendo a fotografia feita pelo Rafa
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e, ao mesmo tempo, ouvir a música que compus vai ter contato com o que cada um sentiu ao ver a criação do outro. Pode ser que uma música seja alegre e a fotografia triste. Pode ser que uma fale de amor e a outra de perda. A partir disso, o espectador tá livre pra criar ele também a sua própria experiência com aquilo, que pode ser diferente da nossa e isso que é o legal da arte. É você analisar e resignificar aquilo. A arte tem que te cutucar, te incomodar". completa. Influenciado pelas obras do pintor norte-americano Edward Hopper, o fotógrafo Rafael Saes conta que, pra ele, produzir cada uma das fotografias que compõem o projeto foi um trabalho único. Ao todo, serão feitas de dez a doze criações que serão expostas em Curitiba, junto com um show. Para cada uma delas foi necessário um estudo detalhado de locação, elementos, cores e principalmente, as luzes e sombras que Hopper trabalhava em seus quadros. "Hopper é um mestre quando analisamos a luz dos seus quadros. Muitas vezes é uma iluminação lateral, bem destacada, que invade o ambiente
através de uma janela grande. Sempre que saíamos para fazer as fotos eu já tinha em mente aquilo que queria e insistíamos até conseguir o ideal, afinal reproduzir todas essas condições em outro país, onde a luz e a arquitetura é diferente, é um desafio muito grande".
o espectador tá livre pra criar ele também a sua própria experiência com aquilo, que pode ser diferente da nossa e isso que é o legal da arte Paulinho Schoffen
A presença feminina, sempre muito marcante nas criações de Hopper, foi personificada pela modelo Priscila Buiar, que também se dedicou ao estudo e análise, não só de Hopper, mas também de outros pintores, para fazer essa releitura cênica que compõe as imagens. Em uma das produções, Rafael conta que ambos escolheram a locação, montaram a cena e ficaram horas a espera da luz que idealizaram. "Escolhemos trabalhar só com luz natural, então tínhamos que calcular exatamente o horário de fazer as fotografias. Teve um dia que estávamos arrumando o lugar e percebemos que a
luz já estava na altura certa e teríamos que fazer a foto. Quando é assim, ou aproveitamos esses poucos minutos ou abortamos todo um dia de trabalho", lembra. Apesar de ser um trabalho coletivo, os idealizadores do projeto deixam claro que a criação é totalmente independente e livre uma da outra. "Quando o Rafa me envia uma foto, eu olho ela com calma e a partir disso deixo fluir. Escrevo o que aquilo me passa de sentimento, afinal o insconsciente é muito importante nesse processo. Não há explicação, um não interfere na criação do outro porque queremos mesmo é destacar essa resignificação que um faz da obra do outro", completa Paulinho.
Edital Copa da Cultura 2014 Aprovado no Edital Copa da Cultura 2014, criado pelo governo federal, o projeto é composto por cinco shows/exposições a serem realizados em uma cidade sede, no caso Curitiba. E quem for visitar, ainda vai participar de uma fotografia especial do projeto que será feita durante a apresentação das músicas, enquanto espectadores/ ouvintes estiverem em contato com esse emaranhado de significações artísticas.
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Maringá Viva, Painel de cerâmica do ateliê Ecostume
Vida //
Secreção
Eu já devia ter uns 15 anos na primeira vez que amei de verdade. É claro que foi minha mãe quem me ensinou. Mães são especialistas em amor, tão especialistas que o ensinam sem nem perceber, devem achar que estão falando sobre alguma outra coisa, enquanto nos ensinam a amar. No meu caso, falávamos sobre uma cachorrinha, nossa companheira há muito tempo. Ela havia sido atacada por um cachorro bem maior que ela e estava com ferimentos enormes, abertos e que precisavam ser limpos diariamente. Eu não conseguia. - Não tenho estômago para isso. - Não se faz com o estômago, se faz com o coração. Foi assim que aprendi a amar. E amei. Mas amei de verbo, de ato, que amor pouco tem a ver com esse famoso sentimento abstrato . Sentimento branco, que voa, que limpa e purifica todos os corações pelos quais passa, as casas que habita, os alimentos que penetra. Esse amor de comercial de margarina, de livro de autoajuda, de receita para o sucesso. Não. Quando amei, amei de verdade. Amei com as mãos, com os olhos e com uma
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ternura tão crua que só o amor pode nos dar. Aos quinze anos, amei minha cachorrinha. Amei três vezes ao dia, com gaze, água e soro fisiológico. Amei com cheiro de sangue, com textura de pus, com plasma escorrendo. Amei a expulsão silenciosa de cada secreção daquele corpinho canino. Amei tanto que sarou. Alguns anos depois veio a minha filha. E aí, vendo assim de perto, percebi que o amor até nasce bonito, florido, no coração, que nem comercial de margarina mesmo. Mas ele é grande demais, não aguenta. O corpo não dá conta do amor. E aí ele transborda. O amor vira fluído corporal, que precisa ser excretado. O amor escorria pelo leite do meu peito, pelo suor do diaa-dia e pelas lágrimas da depressão pós-parto. O amor coloriu de roxo os meus olhos , pelas noites mal dormidas, inchou meus pés e desgrenhou o meu cabelo. O amor perfumou de leite azedo o meu pescoço e molhou meus dedos, ombros e queixo com saliva de criança, que suga como se quisesse nos puxar para dentro dela, suga para nos absorver, suga para engolir o amor, que nos vaza pelos poros. O amor é feito de músculos, vísceras,
Colunista
Paula Mariá
circulação sanguínea e uma obsessão tremenda pelos órgãos vitais. O amor precisa de força. Força bruta. Força de quebrar costela em massagem cardíaca, para o coração voltar a bater. De puxar braço deslocado para colocar de volta no lugar. De carregar no colo. O amor é verbo. Esse amor substantivo, que existe por si só, não existe. Só existe amor no verbo. O amor é o próprio ato de amar. É o que se faz com os olhos e as mãos, é o cheiro que se sente, as palavras que se pronunciam, o gosto. O amor é vermelho-sangue. Vermelho intenso. E céu azul, amarelo sol, verde água, marrom café, violeta. Tudo isso. Toda essa mistura surrealista de cores – e dos próprios amores – que compõe o nosso cotidiano. O que, no final das contas, até explica o mito do amor branco. O amor é mesmo esse prisma, que une do tom mais vibrante ao mais sombrio. O breu da claridade, o amargo do doce, a embriaguez da sobriedade, a insustentável leveza . O amor sapateia na dicotomia que criamos para facilitar a vida. E confunde tudo. E machuca. E odeia. E faz tudo isso de uma forma tão amorosa, que a gente se deita e se deleita nesse caos.
Maringá Viva, Painel de cerâmica do ateliê Ecostume
Filosofia //
que liberdade? No dia 13 de maio de 1888 a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, concedendo a liberdade total e definitiva aos negros brasileiros. Estava abolida, de uma vez, a escravidão no Brasil. Na noite de 31 de janeiro de 2014 um jovem negro foi encontrado com vários ferimentos, completamente nu e amarrado a um poste pelo pescoço num bairro nobre do Rio de Janeiro. Na tarde do dia 06 de abril de 2014 outro jovem negro com problemas mentais era torturado e apedrejado por populares em Vitória-ES, morrendo no hospital, dois dias depois. Sem entrar no mérito de outros casos semelhantes, seria muito bom comemorar a abolição da escravatura este ano, mas como fazê-lo, tendo conhecimento do ocorrido com estes dois jovens? Que liberdade é essa? O que houve nesses 126 anos para que voltássemos a amarrar negros em praça pública? Tenho uma ideia e gostaria de partilhar com você, caro leitor. Lembra-se do que eu dizia na última edição, sobre a íntima relação entre os frustrados e o messianismo? Aqui vale a mesma observação: esses justiceiros, que aparecem de todo lado, se reconhecem como autênticos Messias, salvadores da humanidade, ao atacarem ferozmente um suspeito. A missão de um Messias é salvar os eleitos ao mesmo tempo em que pune os que os oprimem (não basta abrir o mar ao meio
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e salvar um povo a pé enxuto, é preciso afogar seus perseguidores no mesmo mar logo em seguida). Um Messias assume um poder divino, pois concede a vida enquanto espalha a morte, deparando-se com um dilema: para que uns vivam, outros precisam morrer. É por isso que celebrar a libertação dos escravos é celebrar, de certo modo, sua escravidão perpétua. Foram os homens de bem – aqueles que detinham o poder político e econômico na época – que libertaram os escravos, mas, por que o fizeram? Não podemos ser inocentes e acreditarmos que foi somente em razão de um ideal humanista que os obrigara a reconhecer a dignidade daqueles que eram feitos escravos. Era mais rentável economicamente abrir as senzalas e esperar que estes mesmos escravos retornassem em busca de emprego, disputando com os imigrantes que vinham da Europa um salário relativamente inferior ao que o patrão gastava com cada escravo anteriormente. Em pouco tempo, os patrões passaram de vilões a heróis, reconhecidos como benfeitores da população. Ser herói no século XXI é combater a criminalidade, assim como abrir os portões das senzalas e libertar seus escravos foi uma atitude heróica no século XIX. Esta é a ironia: os mesmos homens que libertaram os escravos, agora os amarram em postes e/ou os apedrejam
Colunista
Donizeti Pugin
até a morte. A abolição da escravatura, do modo como se desenvolveu, foi pensada para produzir efeitos positivos em curto prazo, sem considerar o futuro dos libertos, uma vez que não possibilitou que os ex-escravos tivessem condições econômicas de se estabelecerem dignamente na sociedade. Também, as atitudes violentas dos ditos justiceiros podem apresentarse como positivas num primeiro momento, mas não resolvem por completo os problemas sociais que as provocaram. É preciso ter coragem e disposição para uma reorganização social e econômica, a única possibilidade para superar essa onda de violência que parece provocar tanta revolta popular. Enquanto não suprirmos essa carência histórica, os libertos continuarão escravos. Não acredito que os justiceiros estejam saturados de tanta corrupção, falta de segurança e que por isso lutam para combater um sentimento de impunidade. Estas não passam de justificativas fajutas para uma caçada àqueles que põem em risco a vida do homem de bem, seja lá o que isso signifique. A verdade é que criminosos e justiceiros são todos bandidos. Não há mocinhos nessa história. Espero o dia em que tais justiceiros não mais bancarão o Herói/ Messias e se reconhecerão como vilões tanto ou mais cruéis quanto os que eles perseguem.
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Maringá Viva, Painel de cerâmica do ateliê Ecostume
Psicologia //
Por que gostar daquilo que se gosta? Esse texto produzirá certo incômodo a princípio. Isso, porque a dúvida que o intitula tende a colocar o leitor como questão para si mesmo. Porém, pelo mesmo motivo, talvez traga também alguma satisfação, e essa é nossa meta mais ambiciosa, pois, posto diante de si, o leitor tem a oportunidade de seguir o conselho de Sócrates e exercitar o conhecer a si mesmo. Ao se defrontar com essa questão: por que gostar daquilo que se gosta? Alguns poderão dizer “Porque agrada” ou ainda “Porque faz bem”, entretanto, esse tipo de resposta a nada responde. Só faz multiplicar as faces da dúvida inicial: por que agrada aquilo que nos agrada? Ou por que faz bem aquilo que nos faz bem? O que antes parecia óbvio, agora se revela um mistério. Por que gostar dos livros, filmes, músicas ou heróis de que se gosta? Seria possível, de fato, saber do que se gosta mesmo desconhecendo o que é o gostar em si mesmo? Pensamos que não. Gostar é a ação de eleger um valor, ou melhor, gostar é exaltar os valores daquilo
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de que se gosta. Vejamos isso de forma mais concreta. Leitor, se alguém lhe perguntasse: você gostou da atitude dos justiceiros do Rio de Janeiro, que amarraram um jovem ao poste, acusando-o de roubo? Respondendo sim ou não, sua resposta circunscreverá um determinado campo de valores. Se você disser que gostou da atitude dos justiceiros, aprovará a ideia de que violência é a solução à violência e, assim, aumentará a massa e a força daqueles que pensam do mesmo modo. Isso se aplica, inclusive, à própria atitude dos justiceiros, suas ações ecoaram pelo país desencadeando atitudes semelhantes. Assim surgem os valores. Ao nascer no meio social, determinado comportamento estará condenado a despedir-se da esfera singular que o produziu para caminhar à universalidade. Eis a dimensão ética do gostar e a responsabilidade implicada no ato de eleger os objetos de apreço. Com esse exemplo, pretendemos mostrar que gostar é uma ação e que ao definir aquilo de que se gosta, define-se também certo caráter moral daquele que gosta.
Colunista
Rodrigo Corrêa
Chegamos a um ponto que parece crucial para dar sentido a todo esse falatório. É evidente que só podemos gostar de algo depois de tomarmos conhecimento desse algo. Mas, gostar também é identificar-se. Ou seja, gostar é apontar certa identidade entre o objeto de tal apreço e o sujeito desse apreço. Então, há um conhecer bem menos evidente no ato de gostar, um conhecer a si mesmo, pois gostar é reconhecer no mundo algo que é semelhante a nós mesmos. O gostar não é gratuito. Isso resume tudo que foi dito acima. Gostar é posicionar-se em relação ao que se gosta. Gostar das atitudes dos justiceiros do Rio de Janeiro, por exemplo, é reconhecer em si mesmo, os critérios da mesma barbárie que eles protagonizaram. Para responder à pergunta que intitula esse texto é preciso voltar-se para si e apreender-se em ato. Nisso consiste a reflexão: voltar a consciência à imagem de si mesma.
Poesia //
ars poética Na capa do Caderno G, do jornal Gazeta do Povo, um artigo sobre o lançamento de dois livros de poemas de um autor curitibano, Fernando Koproski, um jovem veterano poeta, tradutor e letrista. Até aí, tudo bem; é bacana ver um diário com tamanha relevância dar uma força para os autores regionais que estão buscando o seu espaço no mercado e na mente dos leitores. Antes de continuar, devo dizer que não li os livros citados na reportagem. Mais pela fila de livros que me esperam do que pela parca distribuição de títulos literários em nossa cidade. Porém, o que me chamou a atenção - na apresentação do autor pelo colunista, foi o seguinte trecho da reportagem: ‘... Koproski também procura confrontar academicismos e literatices que mutilam a poesia “(... seguindo o procedimento padrão eles tentaram retirar cada um dos seus órgãos, isolaram verso a verso as veias artérias aurículas e ventrículos enfim todo o sistema vascular e circulatório do poema ...).” ‘ sic. Como dizia o comandante da tropa: Alto lá! Eu li corretamente? “Confrontar academicismos e literatices!”... Pelo que eu entendi, por “academicismo”, o colunista alerta-nos que Koproski se posiciona de tal maneira a de deixar de lado, em sua práxis, o formalismo acadêmico que ele, Koproski, considera ultrapassado/acadêmico na Ars Poetica; já por “literatices”, acredito que se tenha cunhado um neologismo resultante de “literatura” + “chatice”. A paternidade desse neologismo, eu não sei se é do colunista ou do autor, tanto faz. Bom, como já disse anteriormente, não li os livros do Koproski, portanto, não tenho como emitir um juízo de valor, o qual, convenhamos, seria muito pessoal, já que não sou e nem estou
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crítico. A matéria informa que são dois livros editados pela 7 Letras: “Retrato do Amor Quando Verão, Outono e Inverno” e “Retrato do Artista Quando Primavera”, que completam a trilogia chamada “Um poeta deve morrer”, juntamente com o livro publicado em 2009, também, pela Editora 7 Letras, “Nunca Fomos Tão Felizes Quanto Agora”. O que me incomoda na reportagem é outra coisa e não tem nada a ver com o autor. O que me incomoda é este confronto ou batalha sem sentido que é travada ao se acusar de formal ou canônica qualquer outro tipo de poesia que não seja a sua própria; outras, muitas vezes, utilizada como desculpa para a poesia marginal (não me refiro àquela poesia mimeógrafo/marginal dos anos 70 e 80, de Chacal, Torquato Neto, Ana Cristina Cesar, Leminski, et al); como desculpa para a poesia sem compromisso, com a poesia sem trabalho nem retrabalho; com a poesia sem norte e sem sentido, ou cheia das famosas licenças poéticas quando utilizadas como eufemismo para erros crassos. Além de tudo, faz quase cem anos que Manuel Bandeira publicou “Libertinagem”. Ali estava “Poética”, a síntese do novo movimento que eclodira no começo do século passado e a ruptura da estética que vigia na época e que podemos, sim, vincular a um academicismo que não tinha mais sentido em limitar a poesia a vínculos pré-determinados. Apesar da ruptura, Bandeira ainda deixa espaço para o lirismo e, assim, para todo o tipo de poesia, desde que livre, inclusive para a formalidade. Assim não me parece “literatice”, nem foi isolado o “sistema vascular e circulatório...” do seguinte soneto em decassílabo heroico, com estrofes isométricas e isorrítmicas e rimado,
Colunista
enfim, mais acadêmico, impossível!
Fanatismo (Florbela Espanca, in Livro de Sóror e Saudade, 1930)
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer razão do meu viver, Pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida... Passo no mundo, meu Amor, a ler No misterioso livro do teu ser A mesma história tantas vezes lida! “Tudo no mundo é frágil, tudo passa...” Quando me dizem isto, toda a graça Duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: “Ah! Podem voar mundos, morrer astros, Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”
Penso que poemas devem ser escritos, evidentemente, com liberdade emocional. Ainda, poemas não são linguagem e SIM o conteúdo da linguagem. Como esse conteúdo pode ser separado da alma do poema? Um poema escrito sem a doçura e a correta formalidade da língua, o que, na verdade, é o que difere o poema da escrita diária comum ou prosa, está fadado ao fracasso. De qualquer maneira, como já mencionei aqui na coluna, o poema bem escrito não tem que seguir uma receita. O poema só será bom e resistirá ao tempo se, e somente se, vamos dizer assim: o fizer por merecer. Encerrando, todos sabemos que poetas, assim como os pintores, os escultores, os compositores, nascem e não são feitos nas escolas; alguma coisa que é essencial não pode ser ensinado: algo que é inato, um dom, se preferirem. Porém, há muito que pode ser ensinado e deve ser aprendido. Agora, você é poeta? Pensa que é poeta? Quer ser poeta? Então, não tem saída! Antes de escrever, leia muito.
Gilmar Leal Santos
As principais lições estão nos poemas. Também, não adianta ler sem analisar, sem entender a época e a alma do autor. Repito, não existe professor melhor do que um poema bem escrito. Se bem que poesia escrita é um desperdício, poesia tem de ser falada, para não escrever recitada. Mas isso é outro assunto para um artigo futuro.
Poética (Manoel Bandeira, in Libertinagem, 1930)
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbados O lirismo difícil e pungente dos bêbados O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
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Entrevista //
“Não vim só escrever textos, vim desenhar saudades” DE PAULA Gustavo Hermsdorff
Seja como jornalista, escritor, poeta ou documentarista, o fato é que Antonio Roberto de Paula tem muito pra contar. Em seus dois últimos livros, que serão lançados em maio, De Paula visita dois temas de profundo interesse: a história dos pioneiros em "Francisco Feio Ribeiro: jornada de um obstinado" e o futebol em "Futebol, recortes de uma paixão". Confira a entrevvista que ele deu para o Duque: Quem acompanha seu trabalho sabe da sua paixão pela história, esporte e literatura, então suponho que estes dois livros sejam projetos antigos, estou certo? Como eles nasceram? O livro sobre Francisco Feio Ribeiro foi um grande presente na minha vida. A ideia inicial era um videodocumentário, mas a família optou pelo livro. A gente vinha conversando desde 2011 e no ano passado definimos. Digo que foi um presente, porque aprendi muito escrevendo a história desse pioneiro. Além da verdadeira saga que foi a vida do fundador do Grupo Ribeiro, fui impelido a conhecer mais profundamente a história de Maringá. Minha matéria prima é Maringá e por isso tenho que me inteirar de fatos pouco conhecidos, mas relevantes, que ainda não foram registrados, que são de conhecimento de pouca gente. Pesquisando, entrevistando, saí muito mais confiante para escrever sobre Maringá depois deste livro. Quanto ao “Futebol – Recortes de uma paixão”, desde 2012, vinha escrevendo poesias, comentários, fragmentos, frases soltas, buscando narrações históricas de jogos, conhecendo melhor a história das Copas, os grandes jogadores brasileiros. Foi muito divertido fazer. Fiz descompromissado, quis homenagear a seleção brasileira, os grandes times, os craques, tudo sem deixar que a minha paixão pelo Corinthians interferisse. Na verdade, não sei se consegui. Pelo menos tentei. No fim das contas, o livro é uma homenagem ao futebol. É a materialização dessa paixão nacional e mundial numa visão muito própria de quem cresceu acompanhando tudo sobre a bola.
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Francisco Feio Ribeiro veio pra cá na década de 1940, assim como muitos outros que estavam em São Paulo e procuravam um lugar para fazer a vida. Qual característica ele tinha para ter se tornado um dos homens mais importantes na história da cidade? Era um homem obstinado, de espírito empreendedor e visão de futuro. Francisco Feio Ribeiro estava à frente do seu tempo. O livro tem quase 500 páginas. Eu poderia destacar as conquistas que ele teve na área empresarial a partir de sua chegada em 1947. Conquistas que não tiveram interrupção. Conforme a cidade crescia, as empresas de Francisco progrediam. Preferi, contudo, destacar o início da Casa Ribeiro, em Maringá, que foi o embrião do Grupo Ribeiro. Busquei detalhes, as dificuldades na nova cidade, a sua luta e a do seu irmão mais velho, o Manoel, o seu altruísmo e sua contribuição à cidade e sua gente por meio de um intenso e discreto apoio às entidades sociais. A vinda para o Brasil, o trabalho na fazenda de café no estado de São Paulo, a vinda ao Paraná, a família, tudo isso é detalhado.
Em "Futebol, Recortes de uma paixão" você reúne produção literária e documentos históricos sobre o esporte. Teve algum critério de recorte (regional, um período) ou foi mais instintivo? Não, não tem nada regional. Minha ideia para esse livro é que um torcedor daqui, do Acre ou de qualquer lugar do Brasil saiba de quem e do que estou falando. “Futebol
– Recortes de uma paixão” é realmente algo instintivo, uma pretensão poética, um passeio pela minha infância, uma homenagem aos meus ídolos: Rivelino, Gérson (o Canhotinha de Ouro), Pelé, Tostão, aquele time todo da Copa de 70, os mais recentes, Sócrates, Falcão, Ronaldo Fenômeno. Muita gente que fez história e entrou na minha história de eterno garoto apaixonado pela bola.
"Histórias que a bola pesada contou" exigiu um trabalho árduo de puro documentarismo sobre o futebol (no caso, o de salão). Você sentiu falta de falar sobre o esporte de uma maneira mais artística, mais leve talvez? Bota árduo nisto, Gustavo. Passei muitos sábados e domingos de 2011 envolvido no “Histórias que a bola pesada contou”. Uma loucura que não sei se faria novamente. Foi muito bom fazer um filme sobre esta turma querida do futsal de Maringá. Quase cinco horas de vídeo. E você acredita que muita gente assistiu na íntegra? É gratificante poder contribuir na preservação de uma história. Uma loucura que, quando você encontra alguém que comenta sobre o vídeo, vale a pena tentar contar outras histórias, seja no impresso, seja no filme. “Futebol – Recortes de uma paixão” foi mais leve, mais artístico, poético, sem aquele rigor histórico, sem aquela preocupação de deixar alguém de fora. Rigor foi só na estética. Só que quando estava concluindo com o Anderson Masson, que fez a diagramação e é outro doente por futebol, começamos a incluir mais textos, mais imagens. Era pra ser um livreto de, no máximo, 100 páginas, sem orelhas. Passou de 160 e as orelhas estão lá.
Para você, por que o futebol desperta tanta paixão? Como a poesia consegue dialogar com ele? Futebol é pura poesia. Entre os textos do livro, tem um lá que eu digo: “Todo o dia a bola
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escreve poesias.” Tem um outro: “Não vim só escrever textos. Vim desenhar saudades.” O gol no futebol é o momento supremo para quem marca e, na vibração do narrador, na emoção da torcida, há um envolvimento, uma descarga elétrica, uma catarse, uma irmandade de gente de vidas diversas, então você vê poesia ali. A poesia é mais latente quando determinado jogo ou lance se torna histórico. Você passa a brincar com aqueles momentos, fazendo com que eles venham à tona. Isto é poesia. A derrota gera tristeza, e a tristeza é uma porta ampla para escrever poesia. Se elas vão ser boas ou não, é outro caso. Importa que as poesias foram feitas.
Esse é o seu quarto livro? (me corrija se estiver errado). Mesmo como jornalista e assessor de imprensa, você nunca deixou de escrever e documentar. Há aquela vontade de se dedicar exclusivamente à carreira de escritor? É o sonho que persigo, mas tenho muito chão pela frente. Confio sempre nos propósitos de Deus. Tudo tem seu tempo certo. O que me conforta é saber que o tempo Dele é diferente do meu. Então, é aguardar e continuar escrevendo.
Mais sobre Antonio Roberto de Paula Livros - Jornal do Bispo (2001 – livro online) - Da minha janela (2003) - A história de um cabo de José, de Maria e de todos os Santos (2004) - Maringânias (2007) - O Diário do Norte do Paraná – Um jornal a serviço da cidadania (2009, em parceria com Rogério Recco) - Dispersos versos errantes (2009 - livro-blog) - Diário dos meus domingos (2011 – e-book) - Francisco Feio Ribeiro – A jornada de um obstinado (2014) - Futebol – Recortes de uma paixão (2014) - Gelo e Brasa (lançamento previsto para o segundo semestre de 2014) Videodocumentários - Crônica democrática de uma cidade brasileira (2005) - As lentes de Kenji (2008) - Histórias que a bola pesada contou (2012)
# SARAU
desestudos e depreciações Certa vez, fuçando naqueles sites de frases, li uma do Shakespeare ou Fernando Pessoa (eu sei lá, nunca dá pra confiar neste tipo de fonte mesmo) que dizia: “quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?”. Estas palavras só fizeram sentido pra mim hoje, no velório do meu avô, puta homem sabido! Meu pai sempre elogiava a enorme biblioteca do velho e se gabava por ler tudo o que meu vô adquiriu. Talvez, por isso, o cheiro de papel velho, essas capas duras ou até mesmo os livros da escola, nunca me atraíram. Mesmo na faculdade, onde nos cobram a leitura austera – esta palavra aprendi com meu pai – eu dou um jeito de engambelar. Só de ver essas letrinhas miúdas já me dói a vista. Mas ficar aqui xeretando a “memória” do meu avô é menos melancólico que ver aquela velharada velando o velho. Velharada velando o velho? Dá quase um trava-línguas. Velharada velando o velho! Velharada velando o velho! Veralada velando o velo! Num falei? Será que aqui tem algum livro de trava-línguas? Deixe-me ver, Noções da Vida Prática: Livro de Leitura para as Escolas e de Conhecimentos para o Povo, aqui deve ter. Opa! Que papel é esse que caiu do livro? Parece uma carta e é de um tal Félix Ferreira. Ué, mas é do próprio autor? Mil oitocentos e noventa e quatro? Puta merda! Meu avô num ‘tava’ nem no saco do meu bisavô ainda. Como isso veio parar aqui? Como é diferente a escrita desse tempo. Opa, menos os palavrões. Revista Ilustrada? Pelo jeito você odiava bastante o editor da revista, hein seu Félix? Será que ainda existe isso? Deixa-me ver no Google... Re-vis-ta-I-lus-tra-da! Humm, não. Desapareceu com o fim da escravidão. É, gostei dos seus desenhos, hein seu Angelo Agostini. Me lembrou aquela aula de história, como era o nome daquele artista que pintava os escravos brasileiros mesmo? Du...? Di...? É o mesmo nome do prédio que o Beto mora... Ah é! Debré, Debrê, se escreve Debret. Vai Google! Hotel Debret – Copacabana, não. Aqui, Jean-Baptiste Debret. Oh rapaz! Lecionou pintura na Academia Imperial de Belas Artes, que chique hein, seu Debret? Taí! Meu avô deve ter comprado este livro nas idas pro Rio de Janeiro. Aliás, Google, quem é Félix Ferreira? Primeira ocorrência, Itaú Cultural. Hum, “escritor, jornalista, livreiro e historiador da arte”, já tinha gente que fazia tudo isso no século dezenove, é? “Desde jovem, atua como jornalista e escritor” e eu, estudante de química... Tá louco! Esse livro aqui do meu avô teve a primeira edição publicada em mil oitocentos e setenta e nove, acho que nem meu bisavô ‘tava’ no saco do meu trisavô ainda. Mas por que esse povo tanto escreve sobre arte? Até parece que tem tanta coisa assim pra escrever sobre isso. Se eu conhecer duas obras de artistas brasileiros acho que é muito. Não, vamos lá, sem sacanagem. Deixe-me tentar contar quantos artistas brasileiros eu conheço. É... tem o... Portinari, um. Pera aí, Portinari era brasileiro? Wikipédia? “Foi um artista plástico brasileiro”, embora tenha nascido em Brodowski. Vixe! Nem sabia que existia essa cidade no Brasil. Vamos lá, Tarsila do Amaral, já são dois. Puta merda que difícil! Ah, tem aquela outra mulher lá, que tomou uma enrabada do Monteiro Lobato, é... Aline, Aninha Matti, Anita Malfatti! Três. Já superei meu recorde. Mais um tá bom! Como é aquela música do Criolo que o Beto sempre canta mesmo? “Di Cavalcanti, Oiticica e Frida Kahlo tem o mesmo valor que a benzedeira do bairro” Aí, mais dois, cinco. Tá ótimo! Onde eu estava mesmo? Félix Ferreira. Deixe-me voltar aqui na busca, notícia do site da Globo, fresquinha, março de dois mil e treze. Aí, ó! Vão reeditar seu livro. “Belas artes: estudos e apreciações”, gostei do título. Que beleza, “primeiro livro sobre história da arte no Brasil e primeiro a traçar um painel da nossa produção no século XIX”. Tinha artista brasileiro nessa época? “Publicada originalmente em 1885 e esgotada desde então, a obra permaneceu tão esquecida quanto seu misterioso autor”, mas também, tá pra nascer o dia que esse povo brasileiro vai se interessar por arte. “Revista Ilustrada”, aí. Mal descobri que existia essa publicação e a globo já tá fofocando a rixa dos dois. Pera aí, já foi o lançamento da
maio
André DX
reedição do livro, no dia que saiu a notícia mesmo. Agora é a hora de saberem se este livro é “isento de bom gosto e critério” como a revista publicou ou se este comentário foi somente intriga da oposição. E veja só, mais uma coincidência para o dia de hoje. A Revista Ilustrada encerrou suas atividades no mesmo ano que Félix foi pro beleléu, quatro anos depois que ele escreveu essa carta que descobri aqui na biblioteca do meu avô. Deve ter morrido amargurado o coitado. Quanta história para um dia só. Em uma pesquisa já descobri mais sobre a história da arte no Brasil do que os professores tentaram me ensinar em todo o ensino médio. Falando nisso, Aleijadinho, seis artistas! Tinha até esquecido do representante-mor do Barroco no país, este estilo foi tão desvalorizado por aqui que eu também já nem me lembrava dele, teve até uma época que os moderninhos, pra não dizer modernistas, começaram a valorizar o barroco mineiro. Só que Aleijadinho era artesão, não? Ninguém precisa saber quais artistas que eu conheço, só eu falar que são seis já vai ser até o triplo do conhecimento dos meus colegas. E os índios? Tem os índios também, né? Até hoje eles fazem artesanato e são desvalorizados. imagina na época do descobrimento? É muita picuinha pra pouco Brasil. Será que arte no Brasil é isso mesmo? Artesanato indígena, europeus embelezando a miséria brasileira, barroco aleijado, a Academia Imperial de Belas Artes que depois da proclamação da República se torna Escola Nacional de Belas Artes e o modernismo. Até me deu interesse em estudar arte. Será que encontro mais informações sobre o livro no Google? Aqui tem um artigo, deixa-me ler. Outro escritor publicou sobre arte brasileira nesse fim de século, Luiz Gonzaga-Duque Estrada, olha a concorrência marcando presença. Sacanearam o Félix, aí, só por que o cara num publicava muito sobre as artes deixaram ele de lado, logicamente somando o esculacho da Revista Ilustrada. Tá vendo? Aqui também já consideraram isso. Blá, blá, blá, “na segunda parte do livro, o autor faz o relato de seis exposições individuais ocorridas entre 1882 e 1885: a do Liceu de Artes e Ofícios em 1882; a exposição de Almeida Júnior em 1882; a de Arsênio da Silva em 1883, seguida pela de Aurélio de Figueiredo no mesmo ano; e por fim as mostras de Firmino Monteiro e Víctor Meirelles”. É só eu decorar o nome destes cidadãos que já terei o conhecimento de onze artistas, acho que nem meu pai conhece onze artistas brasileiros. Quer saber? Eu vou é atrás deste livro. Duvido que meu pai tenha o conhecimento sobre ele, talvez nem meu avô chegou a ouvir falar sobre essa relíquia. É a chance perfeita pra eu ler um livro e me gabar para o meu velho. É isso. História da arte é interessante sim, a galera tem mais é que saber sobre a produção artística brasileira do que ficar querendo “tchu” e “tcha” pela rua. O certo deveria ser aplicar este tipo de livro desde o ensino fundamental, sabendo que tem tanta coisa boa emoldurada por aí. O Brasil tem que produzir mais conhecimento, investir na educação e tirar a criança da rua pra fazer arte. Eu deveria estar fazendo arte! Cadê? Onde acho este livro pra comprar? Vai internet miserável, funciona! Odeio quando este smartphone fica com a conexão lerda desse jeito. Tá aqui! Editora Zouk. Dá pra comprar por aqui? Eita. É isso mesmo? Cinquenta contos num livro? Tá certo que é uma relíquia, mas cinquenta reais? Se ainda fosse dez. Podia ter ele pra xerocar na biblioteca, por sete centavos, vezes quantas páginas têm? Trezentas? Puta que me pariu! Desse jeito ninguém vai querer estudar arte mesmo. Ai meu pai. Quer saber, me deixa guardar esta cartinha aqui, fingir que nem a descobri, aproveitando que ela nem endereçada para mim está. Vou dar uma descida lá no velório pra ver se liberaram umas bolachinhas. Cinquenta reais. Tá louco. Como se não bastassem os Xerox do curso. Mesmo Química não tendo tanto conteúdo pra xerocar, tem que reservar os trocados pra cerveja no final de semana, né? Arte. Quem quer estudar arte? Se até a ditadura já censurava as manifestações artísticas, é porque aí tem coisa. É melhor deixar pra lá. Eu hein!
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DIABETES HIPERTENSÃO
ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
OBESIDADE
PALESTRAS PARA UMA VIDA MELHOR! A Cooper Card está implantando uma nova proposta de valor para tornar a sua vida pessoal e profissional ainda melhor!
EQUILÍBRIO PROFISSIONAL
TABAGISMO
São diversas palestras e ações ministradas dentro das empresas com o intuito de proporcionar qualidade de vida aos colaboradores.
DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
ECONOMIA DOMÉSTICA
GESTÃO DE CARREIRA EDUCAÇÃO FINANCEIRA
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