O jornal da cultura de Maringá e região
e mais
A CULTURA DOS COLETIVOS E A TERRA DE QUEM FAZ
Conheça mais sobre essa nova forma de unir os talentos em favor da arte
pág 08
#NASCENTE
Mariana Gil, Diogo Kuroda, Tiago Gomes, Samuel Marrafão, Mayara Bennati e outros futuros nomes da poesia maringaense em #Nascente
pág 12
A MADRUGADA DA VESPA
Nelson Alexandre em sua incursão pelo conto fantástico ás sombras de Kafka para o #Sarau #11
pág 22
Ano II - Nº 11 - Setembro de 2014 www.oduque.com.br
políticos: O QUE ELES PODEM FAZER
PELA CULTURA E POR QUE
FAZEM TÃO POUCO? 1
Nossa maior satisfação é ver pessoas felizes e realizadas.
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O jornal da cultura de Maringá e região 18.427.739/0001-40
CONSELHO EDITORIAL Edição nº 11 / Ano II DIRETOR Miguel Fernando
CHEFE DE REDAÇÃO Luana Bernardes
EDITOR Gustavo Hermsdorff Mtb 9966
REVISOR Zé Flauzino
COLABORADORES Elton Telles - #Confraria (páginas 11 e 12) Ademir Demarchi - Ensaio (páginas 14 e 15) Vinicius Huggy - Give-me a Huggy (página 17) Rachel Coelho - Teatro (página 18) Zé Flauzino - Resenha (página 19) Júlio Gonçales - Música (página 21) Nelson Alexandre - #Sarau (página 22)
DESIGN EDITORIAL E REPORTAGENS
IMAGENS Marckos Paulo Luiz Capa e especial
Roberta Stubs
Colunas e #Sarau
FILIADO
As colocações expostas por convidados ou entrevistados é de responsabilidade exclusiva dos mesmos.
Impressão: Grafinorte Tiragem: 3.000 exemplares 24 Páginas / Tablóide Americano
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#11
POLÍTICA TAMBÉM É CULTURA
A
nossa edição passada inauguruou uma postura já há muito arquitetada para o planejamento editorial: o posicionamento cada vez mais crítico e pertinente acerca de assuntos que precisam ser discutidos e não são. Sabemos, claro, que devido a complexidade desses temas as poucas páginas que dispomos não faz mais que levantar questões, mas isso já é muito para quem vive e enfrenta esses problemas todos os dias. Às vésperas do pleito que define os principais governantes do país, buscamos a visão de especialistas em diversas áreas para responder uma questão simples: O que os politicos podem fazer pela cultura e por que não fazem? A primeira participação vem da academia. Uma entrevista com a Doutora em Ciências Sociais e professora da UEM, Carla Almeida, aborda a democracia como um processo de construção contínua e aberta para todos os grupos. Na página 06, elencamos os cargos que estão em disputas nas eleições e o que faz exatamente cada um. Fomos conversar com artistas para que digam por que eles acreditam que a cultura não faz parte das principais propostas de governo dos candidatos. Encerramos a matéria com uma reflexão de Miguel Fernando, editor do Duque, sobre a mesma pergunta. Se a organização de artistas sempre foi um ponto muito discutido nas nossas páginas, a editoria Vida de Artista vai mostrar que tem muita gente encontrando uma forma de fazer e divulgar sua arte em conjunto: por meio dos coletivos. Nosso repórter Elton Telles foi conversar com alguns bons exemplos que estão conseguindo viabilizar seu trabalho por meio da coletividade. Na #Confrafia do mês, o repórter Elton Telles nos apresenta o reflexivo trabalho da fotógrafa Roberta Stubs. As fotos, que também ilustram a seção de opinativos dessa edição, estarão expostas no Calil Haddad, a partir do dia 14 de outubro. Quem aparece por lá também são os escritores da Pluriversos, que lançaram a segunda edição em setembro. Mais de 100 páginas de literatura maringaense transbordando talento. E por falar em literatura, uma iniciativa muito importante está arrecadando livros para crianças carentes, é a ação
"Doe um final feliz", e no texto você pode saber como ajudar. Na página seguinte, nosso repórter - que também é um cinéfilo irremediável - nos apresenta seis filmes nacionais que mostram o bom momento que o cinema brasileiro está passando. Vale a leitura! A novidade do mês fica por conta dos futuros poetas maringaneses que ganham um espaço próprio com a coluna #Nascente, organizada por Luana Bernardes. Mariana Gil, Diogo Kuroda, Sophie Freitag e Tiago Gomes são alguns dos nomes aos quais você será apresentado. Já na página 14, Ademir Demarchi ensaia uma investigação sobre a poética de um artista maringaense que conquistou seu espaço e hoje se destaca no cenário nacional: o pintor e performer Sérgio Augusto. Abrindo as colunas do mês, Vinicius Huggy aproveita a pauta da capa para destacar a chegada do arco-íris às urnas, uma alusão muito precisa e pertinente sobre a importância do voto LGBT nas eleições de 2014. Vale a reflexão. Na página seguinte, Rachel Coelho enumera uma sorte de questões que sustentam e fortalecem o grito "Por uma nova política cultural". A coluna de Rachel ainda traz uma carta aberta à Funarte que corresponde ao que pensa muitos dos que hoje vivem ou sonham em viver de arte. Em "Vinicius veio de vestido", o escritor e revisor Zé Flauzino nos apresenta uma reflexão muito sensível e sincera sobre a quebra de conceitos e costumes e como isso nos ajuda a evoluir enquanto pessoas. Vale pelo assunto e pela prosa sempre muito bem amarrada do nosso velho Zé. Enquanto isso, na página ao lado temos a estreia de Júlio Gonçales como colunista do Jornal O Duque, "apresentando" uma banda maringaense que hoje faz sucesso lá na gringa: The Soundscapes. No #Sarau temos o orgulho de contar com a participação do escritor maringaense Nelson Alexandre com um texto que marca o estilo de sua escrita. "A madrugada da Vespa" é um conto em realismo fantástico que nos faz lembrar as vertigens metafóricas dos escritos kafkianos. Aproveite a Leitura! os editores
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Especial
Democracia,
"consciência política"
e o brasileiro
O quê esperar quando a experiência política não é incentivada, as tentativas são abafadas e os poucos contatos que temos são pautados por denúncias ou pelo pedido do voto? Gustavo Hermsdorff
Repórter gustavo@vilaopera.com.br
Quando aprendi sobre política, me disseram que democracia é o sistema de governo em que todos têm direito ao voto - e isso me bastou durante muito tempo. Ora, se vivemos em um Estado democrático com eleições diretas a cada dois anos, então somos nós, os eleitores, responsáveis pelo rumo disso tudo, para o bem ou para o mal. Tinha em mim essa ideia, bem comum, de que tudo se trata de escolher bem ou mal os representantes, porque afinal esse era o conceito de democracia que tinha, indiscutivelmente, enraizado. Conversando com a professora do Departameto de Ciências Sociais da UEM, Carla Almeida, percebi que o voto não é mais que uma alegoria do sistema político e que para falar de democracia é preciso rever tudo que pensamos sobre representatividade e estímulo, sobretudo das classes ou grupos4 mais distantes.
Carla, que é mestre em ciência política e doutora em ciências sociais responde em uma das perguntas que "Não se trata apenas de 'levar informações' para a população [...] A falta de conhecimento sobre o modo como a política está organizada resulta também do fato de que as pessoas estão muito longe desse mundo, principalmente os grupos que não têm recursos para se mobilizar, construir associações que defendam seus interesses e financiar campanhas". É a partir dessa perspectiva que transcrevo a seguir a entrevista na íntegra. Se não temos abertura para ver e viver a política como experiência diária, nem nos vemos representados por aqueles que lá estão, como acreditar que o voto seja, de fato, o exercício da democracia? É preciso voltar um pouco, perceber que essa cultura política do brasileiro precisa ir muito além do período de eleições e que a própria democracia deve ser vista como um caminho em que só estamos no começo.
Entrevista com
Carla Almeida mestre em Ciência Política, doutora em Ciências Sociais e e professora do Departamento de Ciências Sociais da UEM
É claro que, por ser o Brasil um país de proporções continentais e multifacetado, tentar definir qualquer identidade para o "brasileiro" é sempre uma tarefa muito arriscada e complexa. Mas num âmbito geral e introdutório, como você vê a consciência política do brasileiro? Há uma? De fato, uma democracia forte, de qualidade, não se sustenta sem uma cultura política que a favoreça, que a sustente, a alimente. Ou seja, a qualidade da democracia e o quanto seus princípios sustentam as instituições e estão enraizadas nas práticas das pessoas depende do grau em que encontramos numa determinada população a vigência e a defesa de valores associados a uma cultura democrática, como a tolerância, o pluralismo, a igualdade, a noção de que os políticos não são donos do poder, mas devem prestar contas, devem ser responsivos a seus eleitores etc.
Nos termos em que a pergunta foi formulada, uma “consciência política” formada por valores democráticos é, então, essencial para o funcionamento da democracia e para o grau em que ela se aprofunda como prática na sociedade. E encontramos em alguns clássicos do pensamento social brasileiro a ideia de que os brasileiros, como povo, não estaria apto a encarnar os valores democráticos, não combinaria com uma cultura democrática. Essa ideia espraiou-se pela sociedade e informa fortemente a percepção que temos de nós mesmos. Nessa perspectiva, a solução para os problemas que o país enfrenta sempre estaria em uma força autoritária capaz de instaurar a ordem e corrigir os “desvios”. É preciso considerar que essa percepção colaborou para o fato de que temos em nossa história política a marca dos golpes. Entretanto, não existem povos essencialmente destinados a encarnar uma
Especial cultura política democrática e aqueles que, inversamente, estariam destinados a não combinarem com seus princípios (aliás, essa ideia é que autoriza determinados países agirem no mundo como se fossem os guardiões, por essência, da democracia, fazendo, em seu nome, horrores contra outros povos!). Uma cultura democrática, uma “consciência política” constituída por valores democráticos, se desenvolve na medida em que temos a possibilidade de experimentar a vida num contexto de vigência de instituições democráticas. Ou seja, nenhum povo nasce pronto para a democracia e nem os fatores que estiveram na sua origem histórica legalhes uma essência autoritária, de não aptidão para a democracia. A própria democracia, portanto, deve ser vista numa perspectiva processual, histórica. Ou seja, ela também não nasce pronta. Na medida em que vivemos em contexto de vigência de instituições democráticas, que temos a possibilidade dessa experiência histórica, podemos desenvolver os valores que não apenas sustentarão aquelas instituições, mas criarão as bases para novas exigências no sentido de seu aprimoramento e aprofundamento democrático. É importante salientar que esse tipo de entendimento não implica em desconsiderar os graves limites e as fraquezas que encontramos no funcionamento concreto da democracia representativa hoje no Brasil e no mundo. A democracia deve ser vista como um processo, mas esse processo não é necessariamente linear, ele comporta descontinuidades, retrocessos.
O brasileiro é ensinado a gostar de política? Se não, onde está a principal falha no processo? Nossa história de golpes certamente deve ser considerada para o diagnóstico das dificuldades que limitam a vigência dos valores democráticos entre nós. A distribuição desigual de recursos na sociedade também distancia determinados grupos da política. Então, eu penso que se trata menos de “gostar ou não” da política, como se fosse uma questão de “preferências”. Eu penso que se trata mais de nos perguntar sobre a nossa experiência histórica com a política e o quanto a própria política foi ou é um espaço aberto a todas e todos. Esse tipo de reflexão poderia nos ajudar a construir respostas mais adequadas para os limites que hoje estão postos para a democracia brasileira.
O sistema eleitoral - e a própria organização da esfera política - facilita ou atrapalha esse aprendizado? Há uma grande insatisfação com a forma como vem funcionando a #11 democracia representativa e isso não é um fenômeno restrito ao Brasil. Trata-
se de uma percepção generalizada de que os partidos não são capazes de estruturar alternativas reais de escolhas para os eleitores; que várias demandas não conseguem ser processadas pela democracia representativa; que a política está muito longe do cidadão comum e esse não consegue controlar seus representantes; e finalmente, que determinados grupos são sobrerepresentados no sistema político, enquanto outros, não têm nele presença ou essa é muito restrita, como mulheres, negros e representantes das classes populares, por exemplo. O caminho para reverter esse estado de insatisfação é promover um amplo debate sobre as mudanças que precisam ser feitas no sistema político e na própria distribuição dos recursos que possibilitam com que as pessoas participem da vida política, se organizem. Mas tem que ser um debate que alcance os grupos da sociedade, desde as associações locais, movimentos sociais até organizações que se estruturam nacionalmente. Ou seja, tem que ser um debate que não fique restrito aos políticos.
Uma coisa muito comum ainda é o desconhecimento total ou parcial sobre a atribuição de cada cargo que é eleito. O brasileiro não sabe distinguir o papel de um deputado federal do papel de um senador, por exemplo. E quando você não conhece você não tem propriedade para cobrar o resultado daqueles que elege - e os politicos se aproveitam disso. Nos últimos anos, você acredita que há uma progresso ou regresso nessa consciência sobre a coisa política? Eu penso que esse desconhecimento resulta do fato de que, na maioria das vezes, limitamos nosso contato com os representantes ao momento da eleição. Esse é um problema enfrentado hoje na maior parte das democracias contemporâneas: como promover uma conexão maior entre representados e representantes, de modo que os segundos sejam passíveis de controle pelos primeiros. Eu considero que temos que conferir maior valor aos atores, aos movimentos sociais, as associações que promovem, na maior parte das vezes, a conexão entre representantes e representados. Onde existe uma vida associativa vibrante, forte, os políticos são mais cobrados e o conhecimento sobre a política é maior. Tanto é que não encontramos esse desconhecimento naqueles grupos que estão mais conectados com o sistema político e tem maiores recursos de mobilização, como as organizações de defesa dos interesses empresariais, por exemplo. Agora, os grupos que ocupam posições desvantajosas na sociedade têm menos recursos para se organizar, criar associações etc. O que eu estou querendo dizer é que não se trata apenas de “levar informações” para a população sobre como funciona a política e quais são as atribuições de cada cargo. A falta de conhecimento sobre o modo como a política está organizada resulta também do fato de que as pessoas estão muito longe desse mundo, principalmente os grupos que não têm
recursos para se mobilizar, construir associações que defendam seus interesses e financiar campanhas. Esses grupos não têm recursos para ficar mais próximos da política e uma democracia vigorosa teria que enfrentar necessariamente o problema das desigualdades nesse sentido. Enfrentar o problema da desigualdade de recursos que determinados grupos enfrentam para se mobilizar e defender seus interesses, o que é pressuposto para uma aproximação maior com o mundo da política e, consequentemente, para um conhecimento mais aprimorado sobre seu funcionamento. Portanto, uma democracia vigorosa, do mesmo modo, deveria enfrentar o problema do controle do sistema político pelos grupos mais poderosos.
Vemos muitos candidatos - e políticos eleitos - falando e fazendo besteiras que são quase inacreditáveis. É inacreditável que eles pensem de tal forma e também é inacreditável que eles tenham sidos levados ao cargo público através do voto. A pergunta é: no cenário de hoje, dá pra acreditar que os políticos também tenham essa consciência? Os políticos prestam contas do que falam e defendem quando são cobrados. Quanto mais desobrigados diante dos eleitores eles se sentem, menos preocupação terão com a qualidade das propostas que apresentam e com a viabilidade do que defendem. Penso que de alguma forma eu já disse o que penso sobre as mudanças que precisam ser feitas para reverter essa situação. Mas, por outro lado, quando avaliamos a qualidade dos representantes, eu considero que tendemos a privilegiar suas credenciais e habilidades pessoais, sua capacidade de ser articulado, de ser um bom orador. Mas é preciso conferir importância a informações sobre as redes de apoio dos políticos que determinam, afinal de contas, os interesses que eles defenderão na política.
Muito se fala sobre o cenário direita X esquerda, mas a política feita no Brasil hoje já ilustra outros inúmeros posicionamentos possíveis (centroesquerda, centro-direita, centrocentro, etc.), a ponto de não sabermos definir mais qual é, realmente, o posicionamento de cada partido ou candidato. Isso é um tipo de oportunismo de discurso ou é o caminho correto da discussão sobre política? As denominações “centro-esquerda, centro-direita” não são novas e nem são utilizadas apenas no Brasil. Elas servem para dar conta das gradações de posições que existem entre os pólos direita e esquerda. Eu não vejo muito problema
nessas denominações. De certo modo elas ajudam a mapear a política. E isso não implica em aceitar que não exista mais diferença entre esquerda e direita, pelo contrário, significa reconhecer que essas polaridades servem como referencias para identificar a posição dos diferentes atores diante delas. Observando os discursos e as propostas dos candidatos e partidos nas eleições de 2014, eu vejo todo o sentido em ter a polaridade esquerda/direita como bússola para o meu mapeamento. O que é importante notar, entretanto, é que há novas bandeiras e demandas para as quais essa polaridade as vezes não funciona muito bem. Por exemplo, por motivos diferentes, temos representantes da direita e da esquerda que se posicionam contra as políticas afirmativas, como as cotas para negros na universidade e para o ingresso de mulheres na política.
Escândalos e denúncias explodem na mídia em todos os cantos do país, sob o governo de todos os partidos, o que acaba tornando impossível dizer que esse ou aquele é isento. Muito disso pode ser boato, muito pode ser verdade e muito também pode ser manipulação da mídia massiva que pretende atender a algum interesse. E isso tudo enfraquece muito a imagem da coisa política. Quem você acha que é o maior culpado nisso: a mídia, a classe política ou nós, que assistimos calados? Eu diria que o maior problema envolvido nessa situação é as pessoas imaginarem, equivocadamente, que a democracia propicia corrupção. Ou seja, o problema é as pessoas fazerem a associação de que quanto mais democracia, mais escândalos e mais corrupção. Isso não é verdade! Eu considero que os órgãos de imprensa que divulgam as noticiais relacionadas à corrupção deveriam ter o cuidado e a responsabilidade para evitar aquela associação, o que muitas vezes não ocorre. Muitos políticos também não tem esse cuidado, pelo contrário, promovem aquela associação. E ai a corremos o risco de reproduzir aquela ideia falsa de que entre nós, brasileiros, apenas uma força autoritária seria capaz de impor ordem e respeito à “coisa pública”. Essa ideia é falsa porque, como eu disse antes, ela supõe que existam povos essencialmente democráticos e povos para os quais apenas regimes autoritários seriam convenientes. Ela encara a democracia como algo que nasce pronto, não como construção histórica. Nós todos temos que nos imbuir da responsabilidade de combater esse tipo de ideia falsa de que estaríamos condenados a viver sob ditaturas por nossas supostas características identitárias. Para tanto, é fundamental que valorizemos os direitos que as instituições democráticas têm garantido entre nós desde a década de 1980, quando saímos novamente de um regime ditatorial, mas, ao mesmo tempo, nos mobilizemos contra as fraquezas e limites daquelas mesmas instituições no sentido da ampliação dos direitos e do 5 aprofundamento democrático.
Especial
Qual o papel de cada um? Presidente
Governador
O presidente exerce a função de chefe do poder Executivo e também de chefe de Estado (autoridade máxima). No Brasil, ele é eleito pelo voto direto, sendo o representante do povo no âmbito federal. O mandato tem duração de 4 anos, podendo se estender por mais 4 anos, através de novas eleições. Entre outras atribuições do presidente, estão:
Governador é o cargo político que representa o poder executivo na esfera dos Estados e do Distrito Federal. Em termos práticos, a ação governamental tenta estabelecer um processo de descentralização do poder capaz de acelerar várias questões políticas, econômicas e sociais de âmbito regional e local. Apesar de sua utilidade, o exercício do cargo de governador pode estabelecer situações de conflito político, quando o mesmo não segue ou concorda com as diretrizes do governo central.
- Nomear e exonerar os Ministros de Estado; - Conduzir a política econômica; - Editar medidas provisórias com força de lei em caráter de urgência; - Aplicar as leis aprovadas; - Vetar projetos de lei, total ou parcialmente; Para a cultura: - Trazer a cultura como primeiro plano do seu governo desenvolvendo ações de decentralização do fomento e incentivo à produção cultural.
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Para a cultura: - Compor uma equipe técnica para a gestão da cultura do estado do Paraná; - Incentivar e fomento às produções culturais de todos os municípios do estado; - Democratizar o acesso aos recursos públicos por meio de editais e que esses sejam mais transparentes e desburocratizados.
Senador
Deputados
Único agente público eleito para um mandato de 8 anos, o senador é o representante de seu estado (ou do Distrito Federal) no Legislativo, onde tem como principais atribuições: propor, discutir e aprovar leis; fiscalizar o governo; aprovar autoridades; processar e julgar essas autoridades, incusive o presidente e aprovar o orçamento da União. São também atribuições do Senador:
A principal competência dos deputados é a função de legislar, isto é, propor, modificar e aprovar leis que correspondam às necessidades da população na esfera federal e estadual e não firam a Constituição.
- Propor emendas parlamentares e aprovar o Orçamento da União; - Autorizar estados e municípios a contrair empréstimos;
Na cultura, esperamos de um Deputado Federal: - Tornar prioridade a discussão do Prócultura, projeto que revogará a Lei Rouanet atualizando o sistema de financiamento e incentivo cultural com as necessidades mais emergentes do mercado; - Aprovação da PEC 150: que estabelece os percentuais mínimos para a cultura a nível federal, estadual e municipal;
Para a cultura: - Garantir a aprovação e trâmite do Procultura junto ao Senador Federal após encaminhamento da Câmara dos Deputados; - Aprovação da PEC 150: que estabelece os percentuais mínimos para a cultura a nível federal, estadual e municipal;
Na culturra, esperamos de um Deputado Estadual: - Cobrar efetiva operacionalização do Profice, que é o programa de incentivo e fomento à cultura do Estado do Paraná por meio de destinação de percentuais do ICMS; - Propor a decentralização dos recursos da Lei Rouanet proveniente das estatais;
Especial
Por que a cultura não faz parte das principais propostas? Amauri Martineli Tornou-se um clichê, de tanto que se repete isso. A realidade nua e crua é a total falta de cultura dos candidatos, bem como seus assessores e partidários. Quando descobrirem que cultura e arte salvam vidas, quem sabe esse tema se torne alvo de atenções. E se salva vidas, "Oba!!! Ali tem um voto..." No entanto, preferem falar de investimento em saúde e segurança, como se construir presídios resolvesse o problema. Ou se construir um posto de saúde em frente à casa de cada morador fosse resolver a situação crônica em que vivemos. A arte transforma vidas, deixa-a sem violência e mais ativa. Muitas vezes a pessoa paga R$ 200 em consulta a um psicanalista e não percebe que se pagasse R$ 10 para ver um espetáculo, provavelmente sairia de lá curada. Enfim, são pontos de vista que divergem de pessoa para pessoa. Depende unicamente da própria cultura do ser, não da cultura de raízes. Falo daquela que forma os caracteres. Já disse alguém: "Investir na cultura é promover o ser humano." Isaac Kassiano "É mais fácil vender o remédio para pessoas doentes. Quando a discussão é sobre cultura, o medicamento disponível é placebo."
Alexandre Muniz É que a classe teatral tem pessoas inteligentes que sempre estão sintonizadas, atualizadas com o que e está acontecendo com a politica, religião e atualidades, pois a arte seja ela da maneira que for é feita para criticar preconceitos e principalmente a politica. Belmiro Pato Na verdade, o problema da Cultura no Brasil nunca foi considerado relevante como política de Estado. Afora a questão sempre tormentosa da distinção entre cultura e entretenimento e suas relações com a chamada indústria cultural, o fato é que nunca houve uma gestão governamental que olhasse para a Cultura como uma prioridade inclusive como fator de identidade de um povo, e de consequência, de um país. Paradoxalmente, o Brasil é um grande produtor cultural, não obstante este descaso. Assim que, não fazer parte dos debates eleitorais é a normalidade das campanhas, uma vez que para aquele que vai governar a prevalência dos interesses é o econômico-imediato, sem qualquer atenção a problemas tão abstratos e mesmo que demandam políticas de longo prazo, como é o caso da Cultura. Este fato, no entanto, deixa entrever o quão medíocre ainda são as perspectivas dos candidatos que se supõem aptos a resolverem os problemas da sociedade brasileira.
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É somente o sintoma de que continua se fazendo não Política, mas o jogo imediato da apropriação do poder, neste patrimonialismo rasteiro de última hora, que, paradoxalmente, acaba por se tornar um dos nossos traços culturais.
Às margens dos planos de governo?, Miguel Fernando Para que discutir produção teatral ou a construção de um equipamento cultural quando pessoas morrem em filas de hospitais? Apesar de parecer simples a definição de prioridades sob este aspecto, precisamos compreender as consequências estruturantes de se investir em cultura de maneira planejada, atendendo necessidades de diferentes segmentos. O período eleitoral é o momento em que, certamente, encontraremos com maior frequência os representantes políticos em contato com a grande população. São dezenas de propostas que passam a integrar seus planos de governo que, em sua maioria, optam em destacar reformas emergenciais na Saúde, Educação e Segurança. Uma necessidade legítima, mas que precisa ser avaliada num contexto expandido. Onde está a Cultura nesse processo? Certamente, aqueles mais interessados garimparão alguns parágrafos sendo defendidos pelos candidatos aos cargos executivos dessas eleições. É evidente que algumas dessas ideias são condizentes. Outras, no entanto, contradizem as necessidades do setor. A questão que vem à luz é por quê essas propostas aparecem em menor escala nas propagandas eleitorais gratuitas do rádio, TV e mesmo nos debates? Não há conclusões formadas e definitivas para tal disparate, mas façamos uma avaliação de alguns dos cenários de prioridades e dificuldades. Em 2014, o Ministério da Cultura (MinC) está desenvolvendo suas políticas públicas e ações com um orçamento de R$ 3,26 bilhões - R$ 240 milhões a menos que 2013. Pode parecer um valor expressivo, mas vale ressaltar que este recurso é partilhado entre diversas outras instituições vinculadas: Fundação Casa Rui Barbosa, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Cultural Palmares, Fundação Nacional das Artes, IPHAN, Agência Nacional de Cinema, IBRAM, Fundo Nacional de Cultura. Somados a este montante, um recurso exponencial também deve ser levado em conta. A Lei Rouanet trabalha atualmente com o teto de R$ 1,9 bilhão. Apesar de relevante, o proponente - que tem seu projeto aprovado - precisa captar o recurso desejado no mercado privado. Um instrumento interessante, mas que ainda carece de revisões estratégicas. Inclusive, uma nova proposta de Lei passou a ser discutida. Se aprovada, vai criar o Procultura e revogar a Lei Rouanet. Este processo parou durante essas eleições, infelizmente. Somados, o MinC atinge o orçamento de R$ 5,16 bilhões. Algo próximo a 0,20% do orçamento geral anual previsto para 2014. Desde 2003, a Proposta de Emenda Constitucional nº 150 (PEC 150) tenta reverter este quadro. A PEC 150 defende que sejam estabelecidos percentuais mínimos de investimento na Cultura em todas as esferas, tal como previsto para Educação e Saúde: 2% do orçamento Federal; 1,5% dos orçamentos dos Estados e Distrito Federal; e 1% do orçamento dos Municípios. Outro debate em voga está estabelecido na conquista de políticas públicas mais claras e objetivas. Um exemplo que pode ser constatado dessa reivindicação está no Sistema Nacional de Cultura (SNC), organizado pelo MinC e que articula ações conjuntas entre os entes federados para democratizar o acesso e a promoção a bens culturais. Para um Estado ou Município integrar o SNC, e poder receber repasses via Fundo a Fundo, é necessário que sejam cumpridas algumas metas: terem constituídos seus Conselhos, Fundos e Planos de Cultura. Entretanto, hoje, 650 municípios apresentam pendências com o SNC. Na esfera dos estados, apesar de todos terem aderido ou demonstrado intensão, somente seis concluíram o processo para receber o primeiro repasse que totalizará R$ 19,5 milhões por meio do primeiro edital do SNC. São exemplos que provam que apesar de as políticas públicas estabelecerem caminhos para o desenvolvimento, estes precisam ser percorridos pelos gestores públicos culturais (secretários municipais e estaduais, por meio de uma equipe capacitada e técnica). É a velha máxima: sem recursos não há projetos e sem projetos não há recursos. Outros exemplos chegam às mesmas conclusões: editais complexos que inviabilizam a participação dos agentes culturais; concentração de recursos no território sudeste do Brasil; cortes orçamentários na pasta da Cultura; não cumprimento de leis e planos estabelecidos; falta de capacitações técnicas, tanto do mercado cultural quanto do gestor público; entre tantas outras. Apesar de ter havido um avanço exponencial por meio do Governo Federal nos últimos doze anos, com a implantação de políticas públicas estruturantes, ainda existem outras fissuras além das já citadas. Uma grande parcela dos 5.570 municípios brasileiros não possui uma Secretaria exclusiva de Cultura. Como priorizar, com orçamentos reduzidos, a elaboração de Planos Municipais de Cultura, conduzir a gestão de um Conselho e um Fundo nessas regiões? Essas são questões que precisariam ser respondidas por um projeto mais arrojado vendo a Cultura como política de Estado de primeira ordem, justificando-se que ela auxiliará diretamente nas ações vinculadas às prioridades dos candidatos que defendem repetidamente questões da Saúde, Educação e Segurança. Só para ter como base a importância da priorização da Cultura nessa agenda, tomemos como referência que praticamente todos os programas de prevenção e redução de índices de criminalidade está arraigado em algum projeto cultural (aulas de músicas no contra turno escolar, desenhos, etc). O mesmo se aplica na educação quando se busca maior engajamento dos alunos e professores com a implantação de projetos complementares, como o cinema e a dança; ou ainda quando o teatro é inserido em programas de prevenção de doenças ou mesmo em campanhas de trânsito. Invertendo a pergunta que abriu este texto, poderia se afirmar que um equipamento cultural tem papel fundamental para a redução das filas dos hospitais. E essa deveria ser a atitude de um bom gestor público. Prevenir e estruturar uma população mais engajada com a comunidade e a Cultura tem papel primordial nessa premissa de formar cidadãos mais críticos.
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Créditos: Alvaro Sasaki
Vida de artista //
A cultura dos coletivos e a terra de quem faz Elton Telles
Repórter eltontelles@vilaopera.com.br
Historiadores relatam que desde os primórdios, ainda na Era Paleolítica, os homens se juntavam em clãs com o objetivo de superarem os obstáculos impostos pela natureza e, desta forma, alcançaram gradualmente o desenvolvimento da humanidade. Com a divisão de tarefas entre eles, pouco a pouco foi-se moldando o conceito que temos hoje de comunidade, alimentada por um modo de produção primitivo, em que os esforços da caça, pesca e de manter o fogo aceso zelavam pela sobrevivência não apenas individual, mas de todo o grupo. Da necessidade básica de se manter vivo, o senso de coletividade atravessou gerações, séculos, milênios, e foi adotado como prática para a união de forças entre indivíduos com os mesmos estilos de vida, crenças, ideologias, interesses ou seja qual motivo fosse. No cenário artístico, como bem se sabe, a formação de alianças foi inevitável em todos os cantos do mundo e qualquer
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período, desde as pinturas rupestres na pré-história como base mínima para a comunicação até as mais diversas correntes e escolas artísticas que surgiram posteriormente, abarcando uma diversidade de segmentos e manifestações da arte. No Brasil, uma intervenção referencial marcada como o início do Modernismo, definindo, por fim, novos rumos para a produção artística no país, foi a Semana de Arte Moderna de 1922. Na ocasião, diversos artistas de vanguarda se reuniram para clamar a independência cultural do Brasil, rompendo com o padrão acadêmico da burguesia e propondo novos conceitos de estética e linguagem transgressora. Incompreendida, a manifestação foi encarada pelos conservadores da época como uma ação ingênua e fanfarrona, considerando a natureza libertária e desprovida de regras do movimento. A regra era não ter regra. No entanto, de um coletivo
formado por amadores e alvo de críticas negativas, os manifestos defendidos durante a Semana de Arte Moderna reverberaram na escrita e linguagem de autores consagrados das gerações seguintes. A mestre em Estudos Literários Cláudia Bellanda enumera o verso livre e o vocabulário cotidiano
Quando você se engaja com um ideal, faz com que se sinta grupo, e enquanto grupo, promova ideias. E a expressão não pode ser de forma silenciosa, pois tem de se fazer visível Cláudia Bellanda
Mestre em Estudos Literários
de Carlos Drummond de Andrade, o aspecto intimista de Clarice Lispector e antilirismo de João Cabral de Melo Neto como influências diretas dos modernistas. “E o que é curioso é que
a sociedade abraçou essas formas de expressão literária com naturalidade e até entusiasmo, mas isso tudo foi resultado de uma intervenção”, analisa. A professora também cita o CPC (Centro Popular de Cultura) como exemplo de coletivo que também lutava por uma arte revolucionária. Criado em 1961, na véspera da ditadura, o grupo era associado à União Nacional de Estudantes (UNE) e formado por jovens de esquerda do Rio de Janeiro que tinham como objetivo democratizar a produção e o acesso à cultura para as classes de menor poder aquisitivo. Três anos depois, após o golpe militar, a organização foi extinta pelas autoridades políticas. “Demonstrando essa preocupação com o povo, o CPC foi outra aliança de extrema relevância para o Brasil. A questão é que não importa se vai transformar de imediato, o que importa é que as intervenções sejam realizadas, pois vai lembrando o mundo que sempre há outro jeito de olhar para os fatos”, comenta Cláudia. Não é de hoje que em Maringá também existem coletivos que promovem eventos e ações para se fazer
# Vida de Artista visível a (rica) cena artística da cidade. Há 10 anos, o Arte e Rua Coletivo busca expandir a arte produzida na rua, desde música, audiovisual, artes plásticas, dança e teatro. Qualquer pessoa que tiver interesse em ajudar pode fazer parte do coletivo, que assume um posicionamento de autogestão e colaboração entre os integrantes. “É a cara de quem faz. Quem tiver uma ideia bacana ou se mostrar disposto a fazer a
Onde é o lugar da arte? É em todo lugar! O coletivo devolve para as ruas a arte que tiram dela Raoni Wohnrath,
da Arte e Rua Coletivo e vocal da Ataque de Tubarão
correria, é sempre bem-vindo”, diz Digu Hang, baterista da banda Montanas Trio, que já tocou em vários “rolês” do grupo. Entre as atividades do Arte e Rua estão shows de bandas locais,
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exposições, saraus, exibição de filmes, dentre outras. De contribuição espontânea e sem hierarquia, os eventos podem ser organizados por qualquer um e são abertos para todos os públicos. No entanto, os integrantes atentam que Maringá não está muito preparada para receber esse tipo de organização, visto que a lei do “vai e faz” não é tão comum na cidade. “Muitas pessoas acham que é complicado fazer o corre, mas não é. Basta ter vontade de ajudar, porque uma pessoa pode somar de várias formas”, afirma o vocal e guitarra da Montanas, Thiago Guglielmi. Atuante na área da literatura – como o próprio nome indica –, o coletivo Eu, Lírico foi idealizado em 2011 por Samuel Marrafão Jr., Bruna Siena e Frederico Slonski, todos com menos de 20 anos na época. Com o objetivo de ceder espaço aos novos escritores de Maringá e região, a ideia, que surgiu originalmente como um grupo tímido de 20 membros no Facebook, hoje tem cerca de 500 pessoas e já saiu da tela do computador para ganhar espaço em eventos culturais e independentes da cidade. Em breve, o coletivo pretende
Varal de poesias, realizado pelo Eu Lírico em agosto, também foi notícia no Jornal O Diário
lançar uma coletânea com os melhores poemas, contos e crônicas publicados na rede social. Na opinião dos organizadores, em Maringá, o universo literário é muito restringente e o coletivo vem para tornar esse cenário mais acessível, principalmente para os autores novatos. “Ser escritor não é reconhecido
como uma profissão desde que você tenha uma publicação impressa. Nossa intenção não é banalizar a figura do escritor, mas é preciso tirá-la do pedestal”, argumenta Siena. O varal de textos do Eu, Lírico pode ser conferido na próxima Reunião Alternativa Cultural Ampla (Raca), que acontece no final do mês de outubro.
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# Confraria
O corpo e a experiência Após rápida passagem por Florianópolis em evento que reunia produções artísticas relacionadas ao Feminismo, a artista visual Roberta Stubs amplia as obras de sua nova série, “Um Mesmo Outro Corpo”, e realiza exposição no Teatro Calil Haddad a partir do dia 14 de outubro. Serão colocadas para apreciação do público 20 fotografias que promovem a fusão do corpo com o espaço, permitindo que ambos se interajam e se unifiquem em uma mesma paisagem. “Quando me apago na imagem, eu apago esse sujeito individualista e unidimensional para dar passagem a um sujeito plural,
aberto e ético”, reflete. Sendo o corpo um dos temas mais explorados da arte contemporânea, Stubs expande as possibilidades de interpretação, adicionando conceitos intimistas e filosóficos ao material, ainda que de forma involuntária. A ressignificação do ser e do corpo no mundo, a passagem e permanência das forças pela nossa pele e memória, a negação da soberania do homem/mulher e a reconexão consigo e com a natureza são alguns dos pilares do trabalho. A artista revela que as fotografias não são montagens, mas sim o resultado de uma técnica que
precisa de uma série de fatores e condições para que o efeito de fusão com a paisagem seja alcançado. O trabalho teve cenários de Maringá, Rio de Janeiro e cidades da Europa, mas como bem salienta Stubs, “o local não tem importância, pois a ideia é que seja qualquer corpo e em qualquer lugar”. Viabilizado pela Prefeitura de Maringá, a série “Um Mesmo Outro Corpo” fica em cartaz pelo Convite às Artes Visuais até o dia 7 de novembro. Dado o caráter reflexivo e instigante, a direção d’O Duque selecionou algumas fotografias para ilustrar a seção dos colunistas nas páginas seguintes.
Comunicação em pauta Importantes nomes da área da comunicação marcam presença em Maringá. Realizado pelos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda do Unicesumar, aconteceu na última semana de setembro o ExpressoCom Ideias, com palestras de temas variados, abrangendo segmentos do jornalismo, marketing e planejamento estratégico. A programação ainda contou com workshops com o designer Alexandre Nami e o fotógrafo maringaense Guilherme Menezes. Já na UEM, os acadêmicos de Comunicação e Multimeios organizam entre os dias 7 e 10 de outubro a IV Multicom,
Pluriversos #2 A revista literária Pluriversos, criada e produzida em Maringá pelos escritores Márcio Domenes e Luigi Ricciardi, ganhou neste mês uma segunda edição. Em 107 páginas, o leitor se depara com uma variedade de contos, poemas, crônicas e resenhas assinadas por escritores locais, além de uma entrevista imperdível com o maranhense Ferreira Gullar. Uma das intenções da publicação é dar espaço e divulgar os talentosos literatos da cidade. “A Pluriversos prioriza a independência da palavra e a livre expressão de cada autor, pois cada texto tem o seu próprio brilho”, comenta
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Domenes, que colabora com duas produções para o veículo independente. Além dele, participaram Jary Mércio, Ariana Zahdi, Gabriel Dominato, Estela Santos e um grêmio de iniciantes e escritores com anos de estrada. Visando a facilidade do acesso e distribuição, a direção optou pelo ambiente online para lançar a nova edição. No entanto, Domenes diz não descartar em breve uma versão impressa da revista, mesmo que a tiragem seja limitada. Enquanto a Pluriversos não ganhar o papel, os leitores podem ler o seu conteúdo pelo site www.revistapluriversos. blogspot.com.br.
com uma série de palestras, debates, oficinas, mesasredondas e apresentações de trabalhos acadêmicos. A lista de convidados incluem o social media da Prefeitura de Curitiba, Marcel Bely, que ganhou projeção pela linguagem popular no Facebook; o publicitário JC Rodrigues, que atua como diretor da Disney Interactive e a escritora e jornalista londrinense Karen Debértolis, que vai debater sobre as linguagens possíveis e experiências no campo cultural. Para os interessados, as inscrições podem ser realizadas no site www.dfe. uem.br/multicom
Doe um final feliz Os acadêmicos do 2º ano do curso Secretariado Executivo Trilíngue, da UEM, estão escrevendo uma bela história junto com os alunos do Lar Escola da Criança, de Maringá. O que era para ser um simples trabalho de turma tomou proporções maiores e virou uma bela ação solidária de doação de livros infantis em comemoração ao Dia das Crianças. “Queríamos levar a ideia pra fora e quando postamos no Facebook, muitos colégios demostraram interesse em apoiar e os estudantes de outros cursos também começaram a doar”, conta a representante de sala, Fernanda Leonel. Ao todo, são 25 pessoas envolvidas na organização da campanha, incluindo alunos, docentes e apoiadores. Quem quiser fazer parte dessa corrente do bem, doe um livro em boas condições até o dia 6 de outubro nos pontos de coleta: Colégios Adventista, Evangélico, Marista, Nobel, Platão, Sesi e Escola de Natação MG.
#Confraria
MADE IN BRAZIL
Para a turma que insiste em dizer que o cinema brasileiro só tem palavrão e putaria, a rede Cineflix, do Maringá Park Shopping, exibiu durante a Semana Tupiniquim uma programação com oito títulos nacionais de cunho autoral que refletem a pluralidade artística e o multiculturalismo da nossa cinematografia. Abaixo, alguns dos filmes devidamente resenhados.
A OESTE DO FIM DO MUNDO
DE MENOR
DOMINGUINHOS
Diretor: Paulo Nascimento
Diretora: Caru Alves de Souza
Diretores: Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Castro
Perdidos na imensidão da rota transcontinental entre o Chile e a Argentina, convivem duas pessoas esquecidas ou que querem se fazer esquecidas. Leon é um homem divorciado que toca um velho posto de gasolina e Ana é uma brasileira em fuga com destino a Santiago para tentar a sorte outra vez. Desistência e recomeço se chocam em um cenário pouco hospitaleiro, mas, aos poucos, o casal de forasteiros vão se ajustando e encontrando unidade em suas diferenças. Premiado no Festival de Gramado, “A Oeste do Fim do Mundo” abarca questões pontuais e íntimas, como família, motivações e arrependimentos, chegando a pecar em determinadas cenas pela demasiada exposição emocional dos personagens. No entanto, beneficiado pela fotografia matadora do gaúcho Alexandre Berra, é um filme sobre o lugar, o espaço e a sensação de pertencimento.
Talvez o mais fraco da programação, “De Menor” centraliza sua história na jovem Helena, uma advogada recém-formada que trabalha como defensora pública na Vara da Infância e Juventude de Santos. A vida segue na normalidade até o dia em que o seu irmão caçula é acusado de cometer um crime e ela tenta provar a sua inocência. Quando não é ambientado no fórum judicial, a trama exagera na cumplicidade entre os irmãos, que, órfãos, não escondem suas intimidades a ponto de o filme indicar uma possível relação incestuosa. Há bons argumentos em “De Menor” que acabam sendo inexplorados justamente pela natureza incompleta de seu enredo, sem falar na atuação sofrível de todo o elenco. Qualquer boa intenção do filme é boicotada pela sua proposta de economia narrativa. O resultado é um drama pálido e pouco relevante.
HOJE EU QUERO VOLTAR SOZINHO
O HOMEM DAS MULTIDÕES
O LOBO ATRÁS DA PORTA
Diretores: Marcelo Gomes e Cao Guimarães
Diretor: Fernando Coimbra
Diretor: Daniel Ribeiro
A primeira estranheza em relação ao ótimo “O Homem das Multidões” é a razão de aspecto, ou seja, o formato de tela quadrado em que o filme se passa, tão comum na cultura contemporânea. Essa opção é usada pelos diretores para reforçar a vida solitária de Juvenal, condutor do principal metrô da capital mineira. Na mesma companhia de trem trabalha Margô, uma mulher que não consegue se desprender das redes sociais e troca o mundo real pelo virtual. Discreto e econômico, o filme reflete de forma contemplativa sobre a incomunicabilidade que cerca as nossas relações, não somente pela ausência de diálogos no roteiro, mas pelo caráter introspectivo da obra. Os atores Paulo André e Silvia Lourenço entregam performances arrebatadoras e compartilham boa dinâmica em cena.
Com uma trama efervescente que parece ter saído das páginas de “A Vida Como Ela É”, de Nelson Rodrigues, “O Lobo Atrás da Porta” é um conto cativante que mescla malícia e criminalidade para desvendar o desaparecimento de uma inocente garotinha. Esse é apenas o pontapé inicial do impressionante exercício narrativo concebido pelo estreante Fernando Coimbra, cineasta paulista que, além da destreza técnica de elaborar planos longos hipnotizantes, merece todos os créditos pela robustez de seu roteiro, extremamente atraente e bem articulado. Quanto ao elenco, todos estão excelentes, mas ninguém supere a entrega visceral de Leandra Leal, em um papel que é o sonho de qualquer atriz.
Candidato brasileiro ao Oscar 2015, o sensível “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” alcança a proeza de poucos títulos de ser intenso, mesmo amparado em uma narrativa leve e cotidiana. A história acompanha Leonardo, um adolescente com deficiência visual que busca a própria liberdade ao mesmo tempo que lida com a mãe superprotetora e com o bullying no colégio. Antes de ser um filme de temática LGBT, como vem sido taxado sorrateiramente pela mídia, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” costura uma delicada trama de rito de passagem, e imbuído de sutileza, retrata as descobertas de seu protagonista – incluindo as sexuais – com imenso respeito e generosidade.
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Para além de uma biografia convencional do sanfoneiro pernambucano Dominguinhos, os músicos e cineastas de primeira viagem Mariana Aydar, Eduardo Nazarian e Joaquim Castro atravessam o padrão tradicional do documentário e criam uma bela homenagem em forma de carta a um dos nomes mais importantes do cancioneiro brasileiro. De quebra, movido pelo gosto apurado e ousadia cinematográfica, o trio se mostra hábil em escrever várias histórias dentro de uma só. Aliada à sensibilidade da abordagem, está a da persona documentada, com suas feições solares e sorriso de menino. Até para quem não conhece a obra do compositor, “Dominguinhos” é uma bela e comovente experiência.
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# Nascente
Nascente Luana Bernardes
Aqui estarão os poemas daqueles que sempre quiseram se expressar de forma poética mas nunca tiveram seu devido espaço. Especialmente aos novatos nessa arte, que ainda receiam colocar os pés no rio desses versos e estrofes, talvez por serem águas profundas demais. Convido-os para que venham para a sua nascente, e que assim o lirismo flua de forma tão natural que o mergulho nessas águas se torne doce e constante.
Lamento à Irene Mariana Gil “...teu rosto nunca me deu trégua” Deixastes a casa vazia Vazia como a dor que em meu peito se manifesta Mulher Irene, quanta saudade traz tua ausência. Em minha pele ainda guardo Marcas de tua boca cor de sangue E de tua selvageria que me atacava os sentidos. És a agonia que sinto em meu corpo O sopro distante do vento que corre... A gaveta da direita abriga versos inacabados Rimas incompletas que levam o cheiro de teu suor O suor de tua pele macia e quente como o fogo. Mulher Irene O telefone silenciado já não chama por teu nome E o rádio incomodado já não canta nossas canções Tudo é cinza em tua ausência Desde a brasa da lareira até os raios de sol Tudo é ontem ou amanhã, nunca hoje Nunca brilha, tudo é depois, Tudo jamais chega. Quero matar a saudade de fome e solidão Me alimentar dos raios da lua que choram na noite Adentrar a madruga com pensamentos de relógio E buscar a manhã esquecendo que chegamos a existir Não existíamos. Mulher Irene, quanto desejo traz tua lembrança Quanta sede deixastes nesse solo que não pode vestir chuva Meus amores inquietantes em teu coração pulsante Nossas almas frente à frente O teu beijo! Tua mão em minha nuca... Nossas cores entre lençóis, suspiros e gemidos Nossas notas melodiando até a lua e as estrelas Tu e eu, Irene Pronomes aquarelados em cinza e abandono A vida era viva por viver em teus feitiços O amor transbordava e invadia os teus planos Eu podia ver através dos teus olhos Penetrar tua alma com segredos e venturas Segurar tuas mãos frias enquanto caminhava a esmo... Mulher Irene, hoje não me resta muito Alguns cigarros baratos, um violão desafinado Roupas de cama sujas, sua marca de batom Flores por regar em vasos tortos na janela... Irene, Irene Quero novamente ouvir a tua risada Irene, ri Quero morrer tarde e te enterrar com a mágoa
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A dança dos poetas
Loucura
Diogo Kuroda
Sophie Freitag
(Parágrafo, travessão) Num manto de frutas vivas e coloridas flutuo. A loucura é abrangente Acenda o cigarro! Afeta involuntariamente Minha boca a exalar Com uma lucidez criativa o sentimento de paz, contrapondo batimentos taquicárdico, (Pausa, exclamação) que nascem, vagarosamente, dentro de um corpo Impossível de ser medida que jamais será o mesmo. Descompassa o coração Sem ordem nem solução Toques leves, suaves, desabrocham botões de lótus (Vírgula) recheados de mel. Esses poetas, aqui, agora, Um desespero contente libertam-se e dão início a Há intuito complacente um cântico viciante, Sem explicação de ser que finda numa única nota, só percebida pelos que amam. (Reticências) Sorri o vinil, sorri o piano, o violino, enovelando batidas psicodélicas. Quem quiser que venha! Que dance! Dance! Dance! Dance! Tiago Gomes Esse sentimento que irradia, que me faz pensar no amor, Quem sente uma mera invenção de um a poesia latente poeta decadente? que vem dessa gente Talvez uma coleção de especulações, a encher que mata, que mente que é pobre, doente as folhas com rabiscos de Lúcifer. que é indigente que nunca é contente A festa continua... que sempre é presente Não paro, nem penso. na vida da gente Poesia é (in) fluxo! ou mesmo ausente que não é parente Amor é o que sobeja da lágrima que seca, que não é crente que esgota minhas fontes, que não é semente e o que antes pulsava, que não é "vivente" agora se contenta em existir. é só imprudente? Neste momento, tudo é salgado. As doces madames conversam. Ambiente hostil a qualquer pensamento Bruna Fiorini comum. Imaginam, sentadas, o amor pósOntem, ao anoitecer moderno. Juntei as mãos Músculos relaxados, Ajoelhei personagens inventados E me pus na tentativa -vã- de rezar. Aí que me dei conta Pobre de mim, tão tonta Pra quem rezava eu? Quem era, meu deus? As preces empacavam Germano Scheller Inertes na garganta E meus olhos mal fechavam Ainda existe tormento Querendo lembrar qual era a santa Da esperança que perdi Que atendia tão bem Sol do meu pensamento Os pedidos de minha avó. Túmulo do que morri. Mas a cabeça simplesmente Dava um imenso nó Ainda existe verso Em meio à tanta dúvida No caderno em que escrevi Se era Davi ou Josué Vazio do universo E onde diabos é que estava Razão da qual vivi. Toda aquela minha fé.
Gente
Últimos suspiros
# Nascente
Cão Negro Samuel Marrafão temos todos um cão negro acorrentado atrás das costelas, enjaulado, esfomeado e enfurecido. trancafiado o abandonam com medo q'esse tal cão negro maldito os devore por inteiro e negam até q'ele exista na esperança de o matar esfomeado. meu cão negro
eu afago atrás das orelhas e o ouço rosnar faminto e em horas oportunas solto sua coleira e ele balança devorando tudo e todos feito alguma aparição e, de barriga cheia ele me lambe os dedos abana o rabo e busca meus chinelos. o cão negro é o melhor amigo dos escritores.
Let’s let it all wash out in the rain Mayara Bennati Algumas manhãs são tão lindas Que tanto me dói Ter tanto compromisso Um dia tão corrido Tanta falta de tempo Pra parar e observar Todo esse céu em alento
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Ou a chuva fina no telhado Que até a alma gela. O vidro do carro embaçado Aquela pequena eternidade Dos seus olhos sorrindo pra mim Como a delicadeza dos pingos Caindo e escorregando na cama. Mas a correria não dá trégua E o banho de chuva, que pena Sempre fica na espera.
Talvez Frederico Slonki tTalvez fossem os três dias Sem tomar um banho Talvez os dois sem escovar os dentes Talvez as trezentas horas Sem ver ninguém Talvez fossem todas as roupas Formando um monte na poltrona A preguiça de fazer a barba O isolamento A falta de vontade De ler, trepar, amar Comer, sentir, fumar Sinto sessenta facadas no peito por segundo E os vinte e oito músculos Que se esforçam no meu rosto Prum sorriso forçado Se dobram ao contrário Talvez o brilho nebuloso Da Lua atrás de nuvens finas que passeiam Sejam a causa dessa profunda tristeza Que me sinistra a noite Que me invita a uma quase certa Melancolia agitada Que pode durar toda uma
Madrugada sem sono Até que o amanhecer se prossiga Até que eu siga O meu rastro cotidiano Me sentindo Ainda pior Talvez seja a comida podre na geladeira A minha impotência quanto A resolver tudo Os meus olhos quando Se sujam salgados olhando O ir embora de muita gente Que já gostei tanto As formigas passeando desesperadas Aonde leio meus livros As eternas facadas Sessenta por segundo Talvez seja só o me sentir imundo Até por dentro Talvez por quando Sozinho me sento Sem tesão por sentar A falta dum tesão A falta que faz Um coração Que o meu queira amar
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Ensaio //
Cartas de Amor, Sergio Augusto Colunista
Ademir Demarchi
Só posso falar de mim A hiperindividualidade e o narcisismo encenados na obra do artista Sergio Augusto Chegamos a um estado do capitalismo globalizado em que a vida contemporânea produz indivíduos livres das imposições coletivas e comunitárias, bem como de gênero, combinando hedonismo e consumo e estimulando a exposição intensa de si. Pipocam rostos ou corpos de pessoas que se fotografam intensamente para se mostrar nas redes sociais como uma multiplicação em série desordenada de narcisos de vaidade cega em busca de se afogarem nas telas do falacioso estrelato de celebridades. Sob esse aspecto tenho acompanhado com curiosidade a obra do artista plástico Sergio Augusto em Maringá, atraído a ela pela peculiaridade e eficiência com que ele registra sintomas dessa vida pintando “retratos” e “auto retratos”, muitos dos quais reinterpretados das redes sociais. Nos “retratos” prima um certo tom de felicidade, porém no geral sua pintura chama a atenção pelo aspecto trágico-irônico que combina o patético e o bizarro em cores intensas e em que muitas vezes se exercita o kitsch devido à sua associação exacerbada com o sentimentalismo. Essa obra, que sugere estar amadurecendo temas e experimentações, já apresenta
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um conjunto visual e expressivo impactante pelo que se expôs e com a qual Sergio cria personagens que são representações fantasiosas de si mesmo, daí a denominação, aqui, entre aspas, de “auto retratos”, uma vez que o artista se usa como modelo, porém o degenera em outros entes que vão de estátuas santificadas a animais e travestis. O narcisismo, notável na obra “O ato dos beijos” em que “auto retratos” se beijam, repete-se em várias das pinturas. O tema se recombina também com outros, como a religião e a santidade, presentes em “Imaculado”, em que “auto retratos” aparecem em azul, envoltos em um lençol, transparecendo santidade. Como esses, “Arcanjo” é um anjo nu de asas e “Barroco”, um santo nu dentro de um oratório, que tem uma variação em “Autoconsagração”, que é um “auto retrato” na forma de Nossa Senhora Aparecida..., assim como a série “Iara” é uma impagável personificação do artista na forma de uma sereia ameaçadora armada com um revólver. Iara, contra todos esses, os supera pelo senso de humor irônico incorporado à série, bem como pela diminuição dos ornamentos associados ao sentimentalismo que empurram o trabalho de Sergio para o kitsch, muitas vezes enfraquecendo sua potencialidade plástica porque se chumbam de metafísica
e de elementos ornamentais, quando, por sua vocação colórica intensa, sua obra se resolve melhor em composições minimalistas.
A sexualidade encenada Como substrato dessas imagens há uma onipresente sexualidade em geral esvaziada do erótico, dada a contundência expressa nos registros. É o caso de “Sem título”, um “auto retrato” com a cabeça erguida em tom orgulhoso, cujo personagem segura uma gaiola de porta aberta à frente com um pênis ereto dentro e ao centro dela, concedendo a liberdade a esse falo. É sugestivo que essa ereção exista porque a porta da gaiola está aberta... Esse pênis, porém, transformado em sinonímia de objeto, coisa, logo de consumo, por destacável do corpo como um vibrador, é um similar comprável e substituível quando a liberdade possível para o humano é regulada pela sociedade de consumo e diminuída com as regras impostas nas relações massacradas pela ideologia capitalista do amor. Sexualidade e liberdade, assim, oscilam entre a prisão regulada das relações e a liberdade promíscua das prateleiras. Em “Árvore da vida” o “auto retrato” aparece nu, em estado dormente, de bunda para cima, com o ânus no formato de uma vagina; dela nasce, projetando-
se para o ar, uma árvore de galhos exuberantes ao centro da qual se destaca uma enorme trompa de falópio, aberta como se fosse uma bocarra, tal como uma encarnada planta carnívora... É sugestiva aí a fantasia homoerótica do feminino que, impossibilitada de gerar, se metamorfoseia em monstro num sonho latente... Em “Grá-vida” os “auto retratos” estão nus e com barrigas de grávida, o que denota ironia, ainda que se trate o tempo todo de uma tragicidade encenada como dor e metafísica. Em “Visgozo”, a sexualidade se transfigura num “auto retrato” dormente de joelhos e com o corpo deitado, tendo sobre as costas um enorme caracol, que é parte do corpo, do qual sai, como cabeça do molusco, um pênis que respinga sêmen. A sexualidade se desvirtua em travestimento irônico e kitsch em “Feminino”/série “Lady Augusta”, que é um conjunto de 17 imagens em que predominam os “auto retratos” que exercitam um personagem vestido de mulher, ora só com a cabeça e torso nu com pérolas, ora com vestido cor de rosa, brincos e colar de pérolas; um deles aparece espelhado, se beijando. Uma dessas imagens é um irônico esquife cor de rosa sobre o qual está escrito “lady” e inscrita uma cruz de pérolas, sinalizando o fim ao mesmo tempo glamoroso e
Ensaio // ridículo desse personagem.
Amor e dor O existencialismo contemporâneo, sob outro aspecto, se expressa mais eficientemente através da “cultura do amor”, que é todo um discurso e uma gama de objetos e imagens de consumo sob jugo do capitalismo, já esvaziado do sentido erótico grego ou do amor cortês. Esse amor que predomina em nossa sociedade é, assim, além de fátuo, encenado como uma tragédia recorrente e fulminante, regulada pela sociedade de consumo. Em “Cartas de amor” Sergio expressa o “ciúme” escrito na lâmina de uma faca; o corpo do “auto retrato” aparece decapitado, segurando com as mãos à sua frente a cabeça à frente do sexo; no peito, um buraco circular atravessa de um lado a outro o lugar do coração ausente. Em “Sangue amor suga” o “auto retrato” aparece de costas/perfil com 9 enormes incisões de cortes nas costas. Em “Mão do amor borda a dor” ele está sentado, de costas, sobre uma poça de lágrimas que se derramam sobre o coração arrancado, abaixo; o personagem chora, com o mesmo buraco circular no peito, duas flechas passam cruzadas por esse buraco vindas da frente do corpo para as costas. A recorrência disso, como uma doença, ou como “nova coleção”, volta em “Dor” – série que anuncia, numa imagem, “amor de novo”, ou, noutra, o personagem aparecendo “flechado”, série e “vivência” agora inspiradas na ritualização fake da cerimônia oriental do chá e da gueixa, cuja delicadeza encenada é rompida bruscamente com uma imagem bordada com a inscrição “Não sou teus machos”. Somam-se a essas marcas imagens de facas (numa das quais inscrita a palavra “amor”), romã, xícaras de chá, um homem estilizado como um Dartagnan galante, mosqueteiro de longos cabelos e bigode de rabo de lagartixa. Na origem desse sintoma parece estar a série “Eduardo”, de “retratos”
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como se fossem 3x4, de um homem de bigode e óculos cercado ou recoberto de flores estampadas em forte acento kitsch. “Eduardo” reaparece na série “Elo”/”Ludibriado”, que forma um conjunto de desenhos fantasiosos do amor a dois, com ambos sempre unidos por corações sangrentos, corpo-árvore desfolhada, mandala ou barquinhos de papel que voam no ar em torno de ambos unidos num mesmo corpo...
Mimetização do outro como si mesmo “Seres escorridos” é uma rara série em que o personagem do artista não aparece, composta de borboletas cuja cor, como se fosse tinta, escorre delas sugerindo a chegada da morte com o esvaziamento total dos pigmentos, substituídos pelo cinza e o negro. A ludicidade com a cor está também na série de desenhos “No lugar sobre a carne”, os quais, feitos em preto e branco, simulam uma estática que é quebrada pela invasão de elementos coloridos como uma onda mágica vitalizante. Aquela ausência do personagem na série de borboletas se reconfigura em outras obras em que a mimetização é a marca: em “Bicho que logo sou”, impactante “auto retrato” na forma de pavão, o personagem está sentado sobre a própria cauda que se esparrama no campo visual, num centro visto pelo espectador de cima para baixo; noutro, sobre fundo negro, o rosto que olha é volteado no pescoço por um polvo em forma de gola, parecendo um personagem fantasioso das ficções fantásticas do século XIX. As mimetizações seguem em variações improváveis: “Crisálida” é um “auto retrato” de ponta cabeça, chorando, na forma de uma crisálida pendurada em um galho, prestes a voar. “Quando canta é só tristeza” são “auto retratos” com corpo de pássaro, um pousando do voo, o outro morto, de pernas para o ar, a cabeça do personagem-artista numa poça
de lágrimas.
Mimetização da arte A experiência estética de Sergio Augusto expressa um diálogo mimético com a obra de Leonilson (José Leonilson Bezerra Dias, 1957-1993), que compôs obras marcadas pelo precário, caracterizadas por bordados em tecidos e telas e com desenhos minimais. Sergio repete vários de seus recursos em muitas das obras, como “Mar nos olhos”, em que lágrimas, sempre expostas como representação teatralizada, caem sobre um mar em que navegam barquinhos de papel e um guardanapo sobre o qual está escrita a palavra “mar”. “Amor-Água” é um “auto retrato” que chora enchendo um garrafão de água mineral, com um senso irônico que se afasta da metafísica condoída de Leonilson, mas que, no entanto, incorpora deste a escrita minimal em palavras como “cheio”, “vazio”, “amor filtrado”. Essa mimetização tão explícita, nessas
obras, transparece uma sensação de já visto, ainda que a obra de Sergio tenha fôlego para encontrar uma forma de expressão que se afaste das referências explícitas e do kitsch e encontre sua forte vocação expressionista e gozosa no uso exacerbado das cores. Ela já está bem manifesta, sobretudo na série mais recente dos “Retratos de tinta”, em que os faces “felizes” são representados de forma original, ou seja, já não como as faces gozosas de um Arthur Omar (do qual não há referência na obra de Sergio), onde a experiência de entrega no Carnaval gerava as faces gloriosas de suas obras. As faces dos “retratos” de Sergio, desconectadas da experiência, da festa, que agora é encenada, já estão em outra conjunção de espaço-tempo e hábitus: a contemporânea, em que os rostos encenam, pois estão armados para poses para os i-phones e as redes. Todas as imagens podem ser vistas no site do artista: www.augustosergio.com
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16 ANUNCIO JORNAL O DUQUE - 25,5x34cm - FINAL quarta-feira, 24 de setembro de 2014 10:57:28
Roberta Stubs
Give-me a Huggy //
Colunista
Vinicius Huggy
CINQUENTA TONS DE DEMOCRACIA:
o arco-íris chegou às urnas!
Neste ano, mais uma vez a democracia representativa nos chama às urnas para elegermos nossos representantes nas instâncias Estadual e Federal. E mais uma vez as mulheres e os LGBTs são desafiados a viver na sociedade patriarcal e heteronormativa. Escolher representantes para os sub-representados é missão difícil. Não foram raras as vezes que vimos nos últimos anos – mesmo que parcialmente – os escândalos políticos que mostraram quão grandes são as lutas pelas afirmações dos direitos LGBTs. Os dados confirmam o quão baixa é a representatividade das mulheres na política. A sub-representação feminina na estrutura governamental brasileira é gritante e digna de atenção. Hoje, apenas 9% das cadeiras da Câmara dos Deputados Federais são ocupadas por mulheres, no Senado Federal 12% da representação é feminina. Na Assembleia Legislativa do Paraná a representatividade é ínfima, pois apenas 4 deputadas foram eleitas em 2010. Quando o assunto é representatividade LGBT, nota-se um quadro ainda mais pedante. O primeiro LGBT eleito deputado federal foi Clodovil Hernandes (gay), Porém em seu mandato nunca se dedicou às lutas da comunidade. Clodovil foi um deputado excêntrico e polêmico, mas nunca defensor das causas LGBT. O segundo eleito foi – e o único atualmente – Jean Wyllys (gay) que faz um mandato fabuloso na luta dos direitos humanos LGBT e defende pautas não discutidas como a regulamentação da prostituição (Lei Gabriela Leite) e a instituição da lei de identidade de gênero (Lei João Nery). E a lista acaba por aí. São
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apenas dois deputados federais gays eleitos em toda a história da democracia no Brasil. No Paraná não tivemos deputado abertamente homossexual. Em Maringá nunca tivemos um representante LGBT. Todo este patamar de não-representatividade coloca em xeque a autenticidade da democracia representativa, uma vez que a questão de gênero, hoje, não está contemplada nas discussões nos espaços de poder. O que resulta em uma política de homens, heterossexuais, tornando deficitárias políticas públicas para mulheres e LGBTs. Em contrapartida para este trágico patamar político, a comunidade LGBT ganha visibilidade e força em relação às exigência dos direitos . Somos mais de 60 mil famílias necessitadas e exigentes de políticas públicas para a devida inserção nos aparelhos públicos (como escolas, hospitais, programas sociais, etc.). O número de jovens que se identificam e assumem uma das siglas LGBT também vem crescendo e todo esse colorido também respinga, hoje, no cenário político. Mesmo com toda esta ascensão, infelizmente, vislumbramos à distância as candidaturas a cargos executivos (Presidente da República, Governador e Prefeito ) de candidatos LGBTs. Ainda é inconcebível para a “opinião popular”, ou seja, para a parcela majoritária da sociedade (heterossexuais, cristãos) poder ser representado por um gay, ou lésbica, quem dirá por uma ou um travesti. Considerando a plena capacidade das pessoas LGBTs em representar quem quer que seja, constata-se aí um preconceito enraizado. Ainda no âmbito de candidatos ao poder executivo, na disputa presidencial pudemos
acompanhar no início do mês, as polêmicas envolvendo diretrizes de governo da campanha da presidenciável Marina Silva. Ela havia colocado em seu plano vários itens da luta LGBT, mas recuou após comentários fundamentalistas do Pastor Silas Malafaia. Em seguida, em um debate, Luciana Genro atacou o Pastor Everaldo e Marina Silva, tomando as dores do público LGBT a respeito das posições fundamentalistas dos candidatos que estão na contramão dos direitos humanos universais. Parafraseando o ex-presidente Lula, “nunca na história deste país” os LGBTs tiveram tamanho espaço na discussão política. Ainda é pouco, pois os direitos humanos ainda são itens de negociação entre os candidatos. Mas, com certeza, vejo como mais um sinal do aumento da visibilidade da comunidade LGBT. Para a sociedade, fica claro reconhecer um novo momento político uma vez que as duas candidatas a presidência da república com maior intenção de voto são mulheres. Nós LGBTs, junto com as mulheres, devemos ocupar todos os espaços de poder para uma plena democracia. Ter mulheres e LGBTs na política é uma questão de igualdade social, de representatividade democrática. A mensagem é repetitiva, mas importante: vote conscientemente! Além de se inteirar do programa político dos candidatos, convido a todos e todas a refletirem o quanto estamos sendo representados pelos velhos homens brancos e heterossexuais que ocupam a política atual. Mudar a identidade dos representantes políticos pode resultar na mudança da política.
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Roberta Stubs
Teatro //
Por uma nova política cultural Entre os dias 29 e 31 de agosto, trabalhadores do setor teatral de 12 Estados se reuniram em Florianópolis para o II Congresso Brasileiro de Teatro. Em pauta a retomada das discussões iniciadas há três anos, quando da realização da primeira edição do evento, em Osasco-SP, e propor soluções para as políticas públicas que dizem respeito ao segmento. O tema “Diretrizes para uma Organização e Sustentabilidade do Teatro Brasileiro” norteou os debates e foi elaborada a chamada Carta de Florianópolis, contendo as deliberações da plenária. Ao divulgá-la no site oficial, os organizadores convocaram todos os interessados a se corresponsabilizarem pelas lutas políticas do movimento. O documento critica a morosidade na tramitação do projeto de lei nº 6722/2010 (Procultura) e aponta uma distorção em relação ao projeto inicial ocorrida durante o trâmite legislativo: o retorno dos 100% de renúncia fiscal do valor investido pelas empresas patrocinadoras que elimina a contrapartida financeira advinda do lucro das empresas, o que não configura uma verdadeira parceria público-privada no financiamento à cultura. Entre as reivindicações estão, por exemplo, a imediata aprovação do Prêmio Teatro Brasileiro, considerado uma política de Estado estruturante para os elos da cadeia produtiva do teatro nacional, incluído em 2010 no corpo da Lei do Procultura (Artigo 59); criar espaços de formação e fruição
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teatral nas escolas (ensino infantil, fundamental e médio), com grupos, coletivos e artistas ocupando estes locais e criando ambientes qualificados de vivência/aprendizado; a criação de espaços de formação técnica de profissionais em espetáculos, em modalidades diversas (iluminação, cenotécnica, som, contrarregragem, gestão e produção cultural, entre outras); a criação ou reformulação de linhas de financiamento sem juros para aquisição de equipamentos e construção ou reforma de espaços; editais para a ocupação de espaços públicos para o trabalho dos grupos; a profissionalização e qualificação dos servidores das secretarias estaduais e municipais de cultura e a desoneração tributária das diversas formas de organização coletiva dos trabalhadores de teatro, tais como cooperativas, federações, associações culturais e afins.
Carta aberta à Funarte No início de agosto a Rede Potiguar de Teatro lançou uma Carta Aberta à Funarte para questionar e propor correções em alguns pontos do Prêmio Myriam Muniz, que viabiliza a criação e circulação de espetáculos de teatro em todo o País. O prêmio é dividido por categoria e região, mas na categoria de montagem a região Sudeste tem um valor maior que as demais regiões brasileiras. A Rede questiona: “o que faz do Sudeste a única região capaz de produzir espetáculos com orçamento de R$ 150 mil reais? O que justifica para a Funarte o fato de apenas grupos e produtoras de
Colunista
Rachel Coelho
quatro estados brasileiros serem reconhecidos como capazes de executar projetos com tal orçamento, em detrimento de grupos e produtoras das demais vinte e três unidades federativas da nação?” Citando a planilha de indicadores de preços recomendada pelo próprio Ministério da Cultura, os autores da carta demonstram que produzir um espetáculo no Nordeste pode ficar mais caro do que em São Paulo ou Rio de Janeiro. Por estes motivos, pedem esclarecimentos e a reparação desta diferenciação. O manifesto vem ao encontro do que diversos artistas de todo o país já andavam discutindo nas redes sociais. Enquanto isso, em Maringá, organizou a II Audiência Pública no dia 24 de setembro na Câmara Municipal, para discutir os rumos locais para a cultura. Vale lembrar que há um ano a I Audiência Pública rendeu bons frutos, como a criação de um grupo de trabalho que conseguiu a emenda orçamentária que incrementou o prêmio Aniceto Matti. Não sabemos se tais movimentos surtirão efeito, pois a cultura não é vista como prioridade de governo algum. Seus trabalhadores parecem nem ser considerados nas eleições, a julgar pela ausência do tema nas campanhas eleitorais em todas as esferas. Entretanto, silenciar-se também não vai resolver. Melhor expressar as convicções, lutar por melhores condições de trabalho e crer na possibilidade de vencer. Enquanto isso, a gente segue trabalhando como dá e acreditando no poder da arte.
Roberta Stubs
Resenha //
Colunista
Zé Flauzino
Vinicius veio de vestido Se tal fato não houvesse ocorrido, o título acima seria apenas um exemplo curioso de figura de linguagem, a aliteração. Para quem não sabe ou esqueceu, a aliteração é a repetição das mesmas letras, sílabas ou sons numa frase. Se a tradicional e boa linguística, na sua vez, disse algo sobre a frase; a não menos tradicional, porém, má língua, além de dizer, não deixou o fato passar impune. Dada a situação e o inusitado do lugar, era fácil deduzir o que muitos pensaram sobre Vinicius ao verem-no passar. Excluindo o escárnio, seria sensacional apostar – e ganhar – que ele de vestido não quis, simplesmente, ser motivo de espanto e foco das atenções, mas um questionador das proibições absurdas, causador de reflexão sobre pecados sociais que interferem até no que se pode ou não vestir. Mais que sensacional, Vinicius passando com seu vestido causou uma fratura no senso comum. Querendo ou não ele mostrava que certas coisas que parecem tão óbvias nada têm de naturais. Elas fazem parte de uma cultura, dependente de tendências sociais, que, de tempos em tempos, muda. Em contrapartida, não se pode condenar quem, numa atitude rasa e preconceituosa, acredita que, devido a uma peça de vestuário, Vinicius, Laerte (o cartunista), ou qualquer outra pessoa seja gay. Para muitos é difícil desfazer a relação que há entre roupa e orientação sexual. Na sociedade é tão normal desenvolver uma visão sem realidade que gênero e sexualidade são ensinados como sendo uma coisa só. Não é! Gênero, segundo o dicionário da língua portuguesa mais em mão na internet, o Priberan, é um conjunto de propriedades atribuídas social e culturalmente em relação ao sexo dos indivíduos, em outras palavras, é uma construção social e cultural que classifica os seres humanos em homens e
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mulheres, em masculino e feminino. Em suas marcas incidem aspectos físicos e comportamentais, mas não se limitam a eles. Nem sempre se define o gênero de uma pessoa pelo seu sexo biológico, ou seja, pela genitália. Assim como também – pela genitália ou pelas construções culturais – não se define o que é ser homossexual ou heterossexual. Estas duas condições têm a ver com a orientação dos relacionamentos afetivos-sexuais. Sim, orientação. Não “opção” como muitos preferem dizer. Não se escolhe em determinado momento da vida ser heterossexual ou homossexual. É algo inerente. Diz respeito à natureza do ser. O museu do Unicesumar fez uma exposição sobre a mulher pioneira de Maringá e região. Havia lá objetos, fotos, roupas e documentos que diziam um pouco de como era a vida de mulheres que muito contribuíram para o desbravamento do sertão norteparanaense entre as décadas de 1930 e 1960. Tudo merecia atenção, mas em particular, numa caixa de vidro, um documento do ano de 1952 provocava risos pelo absurdo que tratava. Era uma autorização concedida a uma jornalista, assinada por um delegado, autorizando-a a viajar de calças. O documento ainda frisava: calças-compridas. Certamente, ela, a jornalista, teria que portar a tal autorização e mostrála a quem fosse, uma vez questionada por estar metida numa calça. É engraçado, mas nem tanto quando a discriminação de gênero continua a ocorrer no Brasil. Diante de algo que soa tão antiquado, alguém lembrou que não faz tempo, coisa de anos atrás, no código penal da França – que gritou primeiro e continua gritando: liberdade, igualdade e fraternidade – havia uma lei que proibia as mulheres de usarem calças. A lei se justificava que assim se identificava mais claramente os gêneros. Ora, as leis são baseadas em costumes,
que por sua vez refletem a cultura de um povo que, por nada terem de naturais, mudam como dito lá no começo. Há uma conclusão feliz e outra inversamente proporcional quando se compara costumes brasileiros e franceses: lá uma lei precisou ser alterada, pois os gêneros são tratados com igualdade, um não tem mais privilégio que outro. A França é exemplo, mas não quer dizer que lá o preconceito foi totalmente erradicado. Ele sempre existirá de uma forma ou de outra em qualquer lugar do mundo. O que pode estar ocorrendo, por ser uma sociedade que grita, é que estão compreendendo melhor como o preconceito se organiza e, ao mesmo tempo, guardando-o para si. As manifestações das ideias individuais a respeito de algo ou alguém são permitidas, mas fazer juízos e atacar violentamente o outro considerando a roupa que veste passou a ser inaceitável. Um aforismo antigo brinca que para se usar vestido ou saia um homem tem quer ser muito macho. Parece um contrassenso à primeira interpretação, mas troque muito macho por corajoso, que é exatamente a tradução. Ser corajoso é assumir riscos e arcar consequências. Vê-se logo que coragem não é um atributo, exclusivamente, dos que se dizem homem-homem. Este raciocínio não quer desafiar ou muito menos dizer que todos devem sair por aí de vestido ou saia, mas mostrar aos muito macho, principalmente aos que fazem associação de roupa com homossexualidade do quão frágil é a masculinidade, pois que é colocada em xeque pelo simples uso de uma peça de roupa. Vinicius é muito macho. *Vinicius é colunista aqui d’O Duque e participa desta edição com o texto “Cinquenta tons de Democracia”.
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Roberta Stubs
Música //
Colunista
Julio Gonçales
Maringaenses que voam! the soundscapes
Década de 1990, os irmãos Rodrigo e Raphael caminhavam pela cidade canção, querendo fazer canção. Discos de vinil e fitas cassetes na mão. Era um encontro de amigos, todos querendo gravar. Bandas como Sonic Youth, Dinosaur Jr., Pixies e Stone Roses influenciavam aqueles jovens da época. Não me esqueço do dia que Rodrigo e Raphael chegaram ao ponto de encontro da rapaziada com o disco de vinil do Nirvana. Amor à primeira escuta! Montaram uma banda de nome Manta Ray e começaram a tocar os sons alternativos, nos bares e festas da cidade. Aliás bares de outros amigos, como Alcatraz, Rasta Rock, Ópera, Caixa D’água, entre outros da cena noventista maringaense. Estávamos lá. Foram para universidade estudar inglês em São Paulo, e por lá nasceu a Hellen Bisker com outros dois maringaenses, Bulla Jr. e Henrique que logo foi para a The Tamborines. Convém salientar que já naqueles anos dourados do indie rock os sujeitos aí abriram shows para bandas como Yo La Tengo, Superchunck entre outras. Os shows na cidade eram aguardados ansiosamente pela juventude. Em época de férias da faculdade ou em algum feriado lá estavam eles fazendo a cidade endoidar. No entanto, a boa #11
Hellen Bisker teve seu fim para que pudesse nascer a excelente The Soundscapes. The Soundscapes, indie rock na veia banda profissional que voou para a gringa e em Nova York foram se “catequizar”, precisamente na região do Brooklin, local da cena hipster do fim dos anos 90 e início dos anos 2000. The Soundscapes buscou seu espaço e lançou seu primeiro álbum, o Freestyle Family! Neste disco, o qual recomendo de olhos fechados e ouvidos bem abertos, você encontrará as influências indie e britpop que uma banda precisa ter. Uma nova brisa de rock de qualidade soprou para nós maringaenses, que tanto apreciamos um barulho na cabeça. É motivo de orgulho em uma terra dominada por um único estilo musical. Voltando ao Brasil, em São Paulo, os irmãos Carvalho se uniram aos competentes Guilherme Braga e Marco Viana e deram a sintonia fina para banda. Fizeram shows em Sorocaba, São Paulo, Maringá, entre outras cidades. Com a The Soundscapes, Maringá encontra seu espaço na rota dos shows indie rock do país. Em 2012 a banda dos irmãos Carvalho foi a atração principal na cidade, um reencontro com suas raízes. Os amigos maringaenses dos anos ‘90 vieram de todas as partes do Brasil.
No ano de 2013 houve a inesquecível apresentação do líder da extinta banda indie Pavement, Stephen Malkmus e os The Jicks. Foi um dia memorável para os roqueiros da cidade, pois conseguiu-se reunir Kicking Bullets, The Soundscapes e Sthepen Malkmus. O que mais precisávamos? Precisávamos de mais. Em 2014 houve mais uma noite memorável com nada menos que The Sebadoh, uma das bandas que instituíram o sistema de música Lo-fi em sua nova turnê do recém lançado álbum Defense Yourself. Esteve presente também Low Barlow, integrante e um dos fundadores da Dinosaur Jr. E assim estavam reunidos: The Soundscapes, Ricardo Michels e os Bullets, a paulista Single Parents e os astros indie The Sebadoh. A força do maringaense e de suas bandas fizeram este renascer musical na cidade. Não se pode deixar de mencionar como elo a influência no cenário dos irmãos Carvalho e sua The Soundscapes, portanto aqui vai minha homenagem. Como texto de estreia da coluna, pensei ser interessante homenagear as bandas maringaenses. Comecei com uma banda de ligações nacionais e internacionais que acaba de lançar seu novo single e que nunca se esqueceu da cidade canção: The Soundscapes, maringaenses que voam!
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#Sarau //
A madrugada da vespa
Nelson Alexandre
Também enviarei vespas diante de ti, que lancem fora os heveus, os cananeus e os heteus (Êx 23:28)
Roberta Stubs
Mais de meia noite. O frio era de cortar a pele e chovia, agora, apenas um véu de água diante dos meus olhos. Eu sabia que depois que cruzasse a porta daquele bar, no começo da Estrada Guaiapó, com a cara de um louco que acabou de fugir do sanatório estourando o telhado e depois pulando o muro e correndo mais de cinco quilômetros para chegar até ali, a recepção não seria calorosa. A dona do bar ficou incrédula ao ver a minha figura toda molhada e tremendo mais do que uma Toyota tentando sair do atoleiro. Ficou parada alguns segundos antes de me servir a cerveja que eu havia pedido. Será que ela podia ver em meus olhos o horror que presenciei? Eu acho que se ela pudesse ver aquela coisa horrível da qual eu acabara de escapar, ela também seria capaz de fugir pelo telhado como se fosse o Homem Aranha. Eu não parava de tremer, por isso derramei boa parte do primeiro copo de cerveja no balcão, e senti que tanto ela, como os outros dois senhores (eram realmente senhores de cabelos brancos) que estavam no bar ficaram pensando que eu estava drogado. Mas eles não sabiam. Não sabiam o que acontecera com Helen e o pobre infeliz que apareceu do nada. Meu Deus, deveria ter abastecido antes de sair. E aquele infeliz também tinha de chegar bem naquela hora? Meu olhar era de um moribundo alucinado. Estava tão absorto em meus pensamentos, que quando um dos senhores tocou em meu ombro tive um surto nervoso e derrubei a garrafa no chão. A senhora veio rápido retirar os cacos e limpar o chão, enquanto que o senhor, assustado, deu três passos para trás e não me tocou mais. Saí do balcão e sentei numa mesa perto dos engradados de cerveja, observado por três pares de olhos assustados... A gasolina acabou lá perto da curva da Estrada do Cunha com a Estrada Guaiapó. Helen quis bater umas fotos da lua se escondendo entre uma colossal nuvem carregada de chuva que estava prestes a cair, depois de ter me detonado por estarmos no meio do escuro e eu ter quebrado o encaixe do seu sutiã. Foi quando aquele infeliz apareceu. Eu estava pegando o galão de gasolina no portamalas quando vi o clarão e o infeliz do sujeito correndo feito um desesperado em nossa direção. Pensei em muitas coisas que havia dito. Na existência de “X” e de “Y”, nas histórias de fantasmas da região... Até mesmo na existência de Deus. Helen segurava seu smartphone, incrédula. Nunca tinha visto seu rosto ficar mumificado, como quem tomou uma injeção letal e agonizava em stop motion. Do clarão saiu outro clarão, só que na forma de um raio. Um raio iluminado que acertou o sujeito bem no meio do dorso e o atravessou. Uma gigantesca vespa negra puxava o sujeito pelo raio luminoso como se fosse uma mangueira ligada à criatura e ele. Na ponta da cabeça da vespa terminava a mangueira e começava um ensurdecedor barulho, o barulho de um liquidificador, só que mil vezes mais barulhento. O sujeito começou a ser literalmente sugado pela mangueira que alimentava a vespa gigante. Eu acho que era uma vespa, pois parecia muito com esse bicho, só que de tamanho colossal, como nunca alguém pudesse imaginar um bicho daqueles. Era do tamanho de um homem adulto. Nunca vou esquecer a imagem daquele sujeito sendo “bebido”, seu rosto murchando, sugado de dentro para fora. Gritei para Helen correr mais do que pudesse, mas parecia que ela estava encantada pela criatura. Encantada com seu processo de alimentação voraz e ensurdecedor. Ela filmava pelo smartphone. CORRE! Aí parece que ela se ligou que aquilo estava mesmo acontecendo, mas aí a criatura já tinha sugado todo o sujeito e começou a bater suas asas e seguir em direção de Helen, mas parecia mais lento, mais pesado, devido ao conteúdo orgânico do sujeito que havia literalmente bebido. Eu sei que não devia ter corrido tanto, oh, meu Deus! Mas eu gritei, gritei, CORRE! Mas parecia que a lentidão da vespa corroborava para uma espécie de lentidão, também, de Helen. A chuva desceu como a carga da mão pesada de Deus sobre os pecadores. Eu não podia ver, mas podia sentir, sabia que Helen, agora, também corria como uma desesperada para salvar a sua vida, enquanto a água pesada esbofeteava meu rosto desesperado. Escutei o barulho do corpo de Helen cair na estrada, mas não olhei, oh, meu Deus! Não olhei. Eu só ouvia, cada vez mais distantes, os gritos de Helen e o zumbido das asas da criatura batendo e batendo e batendo... Eu estava em estado de choque ao lado daqueles engradados de cerveja quando percebi o cano de um revólver bem no meio da minha cara. Era um sujeito alto, branco, bem branco, que o empunhava. Parecia que era descendente de poloneses, eu acho. Ele apontava para mim e tremia um pouco. Começou a gritar para senhora, como também, para os dois senhores ao lado do balcão, que estava dirigindo o seu trator pela Estrada Guaiapó e tinha visto um carro abandonado e seu empregado, morto, ao lado da estrada, murcho feito um bagaço de laranja. E que mais uns cem metros à frente, também tinha encontrado o corpo de uma moça na mesma situação. Um dos velhos se armou com um taco de sinuca e o outro pegou uma faca na pia do bar. A senhora colocou uma das mãos sobre os olhos e apertou um rosário contra o peito. Era o meu fim. Então fechei meus olhos. Só não sabia o que era pior, ser morto por três sitiantes ou pela criatura, quando avançou porta adentro, ao abri-los novamente.
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Nelson Alexandre nasceu em Maringá – Paraná. É autor de PARIDOS E REJEITADOS (Contos, 2012) e POEMAS PARA QUEM NÃO ME QUER (Poesia, 2013) ambos publicados pela editora Multifoco – RJ. Em 2005 recebeu menção honrosa no prestigiado Concurso de Contos Newton Sampaio, onde viu seu trabalho ser publicado pela primeira vez em uma coletânea. Fará parte da coletânea de Poetas que será publicada pela Biblioteca Pública do Paraná em 2014 (org. Ademir Demarchi). Teve textos publicados pelas revistas: Literacia, Outras Palavras, Flores do Mal e Diversos Afins. É graduado em Letras pela Universidade Estadual de Maringá.
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