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Álbum sonoro Renata
by L. Hansen
Lucas Vidal, lucasalgga@gmail.com www.lattes.cnpq.br/6740813230711140
RESUMO O álbum sonoro Renata foi apresentado pelo artista Lucas Vidal como uma experiência auditiva que transita entre os conceitos de arte sonora e música utilizando elementos metalinguísticos, redimensionados por certa ironia. A experiência é apresentada em formato de vídeo visualizer contextualizado pela imagem do artista tomando banho em seu banheiro enquanto o áudio é apresentado integralmente. E dessa forma, traduzindo o lado banal dos ambientes do dia-a-dia em uma MPB experimental. O objeto principal do projeto é explorar o campo musical buscando a inserção de composições de arte sonora no mercado fonográfico. Assim, o texto apresenta as estratégias de composição utilizadas, as referências artísticas e musicais e as táticas de inserção no circuito musical como forma de registro do processo desenvolvido.
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PALAVRAS-CHAVE Sonoridade; Música; Musicalização; Composição.
ABSTRACT The album Renata was presented by the artist Lucas Vidal as a sound experience that transits between the concepts of sound art and music using metalinguistic elements, added by a certain irony. The experience is presented in a visualizer video contextualized by the image of the artist taking a shower in his bathroom while the audio is fully played. And thus, translating the commom side of everyday activities into an experimental MPB. The goal of the project is to explore the musical industry inserting sound art compositions in the phonographic market. In this way, the text presents the composition strategies used, the artistic and musical references and the tactics of insertion in the musical circuit as a way to register the process developed.
KEY WORDS Sound; Music; Musicalization; Composition.
entre os conceitos de arte sonora e música utilizando elementos metalinguísticos, redimensionados por certa ironia. A experiência é apresentada em formato de vídeo, conhecido como visualizer, contextualizado pela imagem do artista tomando banho em seu banheiro enquanto o áudio é apresentado integralmente. O espectador é convidado a observar a intimidade pessoal, enquanto absorve a experiência sonora, traduzindo o lado banal dos ambientes do dia-a-dia em uma MPB experimental. O trabalho foi lançado oficialmente em Setembro de 2021, sendo disponibilizado nas plataformas de streaming de música (Spotify, Deezer, Apple Music etc.) O objeto principal do projeto é explorar o campo musical, vindo de uma formação em artes visuais, buscando a inserção de composições de arte sonora no mercado fonográfico e propondo um desafio aos ouvidos de um público popular. O visualizer apresentado nas plataformas de vídeo e no encontro foi utilizado como ferramenta para manter o público atento, simultaneamente causando uma ruptura entre imagem e som. O processo de pesquisa sonora durou cerca um ano entre coletas virtuais, estudos musicais e de referências, composições, gravações, mixagem e masterização e preparação de material de lançamento. As 12 músicas trabalham texturas variadas, influenciadas desde os trabalhos sonoros de artistas como Paulo Bruscky, a músicos minimalistas como Steve Reich, passando pela música concreta de Michel Dion, assim como músicos vanguardistas de suas gerações como Frank Zappa, Walter Franco, Tom Zé e Negro Leo. No início das pesquisas, o trabalho sonoro do artista Paulo Bruscky nomeado “Poema de Repetição” foi fundamental para o desenvolvimento do projeto como um todo. Nele, o artista repete a expressão “Poema de Repetição” por cerca de 3 minutos mantendo os erros de dicção pelo cansaço da repetição. Essa faixa compôs o CD “Audio Art” lançado por Paulo com mais duas faixas. Bruscky é conhecido por inserções de trabalhos artísticos em mídias alternativas como anúncios de jornais, outdoors, correios etc. Além do recurso metalinguístico utilizado no poema, a estratégia de inserção foi incorporada ao projeto como forma divulgação do material. Com a referência de Paulo, chegou-se à faixa “Conversa”. Nela foi gravada uma suposta conversa monossilábica, em que são repetidas as expressões “hum”, “tá”, “aham”, “iiih”, “Sim”, “Ééh!” como respostas a perguntas feitas em momentos de pouca paciência. Essas expressões foram separadas individualmente e transformadas em instrumentos, substituindo elementos musicais de percussão como caixas, bumbos, chimbal em ritmo funkeado. 37
Com essa vertente fortemente vocal, a composição foi comparada a anti-canção “Cabeça” de Walter Franco. Walter foi um compositor paulistano com influências dos poetas concretos, concorreu ao VII Festival Internacional da Canção sediado na rede Globo em 1972 com tal composição, porém foi desclassificado após destituição do júri. De acordo com Diniz (2021), o júri demitido redigiu um manifesto no qual criticava a Globo e a censura, indicando ainda a sua decisão a favor de Walter Franco. A canção é puramente vocal, complementada por sintetizadores que a distorcem, repetindo frases como “Que é que tem nessa cabeça”. O compositor é um ponto essencial entre a transição da arte sonora para a música. Seu segundo álbum intitulado Revolver é repleto de repetições e jogos linguísticos utilizando bases de um rock progressivo. As faixas “Eternamente” e “Mamãe d’água” foram as principais referência para as faixas “Começo” e “Final”. Inicialmente pensadas para serem uma única faixa, a letra é uma repetição gradativamente modificada entre as expressões “Tô começando com você” e “Tô terminando com você”, alternando suas sílabas formando três composições adicionais: “Tô comenando com você”, “Tô cominando com você” e “Tô termiçando com você” acompanhadas de instrumentos como guitarra, bateria e baixo. A divisão da música em duas faixas, sendo “Começo” a segunda faixa do álbum e “Final” a penúltima possibilitou a construção do conceito de álbum, tornando possível passar por diferentes texturas e retornar a um ponto inicial. As canções mencionadas também tem influência do músico Steve Reich, considerado um dos maiores compositores da música minimalista. A obra It’s Gonna Rain de 1965 foi composta a partir de um discurso gravado. Reich utiliza a frase do título através de repetições, criando um movimento ritmado. A voz é utilizada como instrumento e se dissolve em outros significados com a recorrência. Assim como a música de Reich, a faixa “Visita” utiliza trechos de coral da Missa Papa Marceli recortados e reorganizados formando uma nova composição que se mescla aos sons e falas ambientes. Outras referências também foram importantes nesse processo. O músico francês Chassol utiliza entrevistas, sons de pássaros e outras sonoridades captadas nas ruas e as transforma em música, compondo sua melodia a partir das variações de notas observadas em tais gravações. Com esse repertório, a faixa Receita foi composta ao fundo musical de um funk soul ala James Brown, incorporando um áudio de whatsapp onde uma voz feminina explica o modo de preparo de uma receita. Os substantivos de tal prato são substituídos por sons 38
de trompete vocal, recodificando os ingredientes a serem utilizados por notas musicais. Em complemento, elementos metalinguísticos foram utilizados para trazer um papel ativo e hipoteticamente participativo ao ouvinte. A faixa “Segredo”, que abre o álbum, assim como em algumas canções de Frank Zappa é uma provocação direta ao espectador convidando-o a colocar seu fone de ouvido, como um puxão de orelha metafórico para que se preste atenção no que será transmitido. A canção Passa também utiliza o mesmo recurso de interlocução direta com o ouvinte. Com uma batida dançante e envolvente, seu refrão repete insistentemente a frase: “Passa essa música” novamente com a intenção de gerar uma contradição e trazer esse papel participativo ao ouvinte. O músico Tom Zé, por sua vez, compôs a faixa Jingle do Disco que conforme descrito na letra abaixo, incentiva a compra do disco e enumera as vantagens de tal aquisição.
Comprem este disco É uma pesquisa paciente. Cada volta da agulha Pelo sulco docemente Fará você ficar Mais feliz e inteligente (Tom Zé, 1992)
O projeto foi pensado com o compromisso de manter a experimentação, trazendo uma unidade conceitual, porém dispensando uma coerência musical de gênero, ritmo, instrumentos e timbres. Conforme exemplificado, foram utilizados diversos métodos de composição gerando uma variedade de gêneros. A ordenação das faixas foi pensada aplicando os conceitos de aproximação e afastamento para manter a atenção e a curiosidade da próxima proposição. Faixas com vertentes minimalista e elementos incomuns na música podem gerar o distanciamento desejado e canções com estrutura popular com estrofe e refrão supostamente recapturaram os ouvidos mais acostumados aos gêneros populares, evidenciando a alternância dos conceitos citados. Negro Leo é um músico que consegue ilustrar com habilidade essa contradição musical. Conforme descrito por Oliveira (2021), Negro Leo: “é músico artesão da canção, instrumentista intuitivo e homem público de ideias e atitudes. [...] É improviso e experimentação, porém, meticulosamente projetados como artefatos pop, visando o circular popular”. É nesse contexto que Leo vem agregar ao projeto, seu 39
cunho experimental e suas letras cifradas, formam um conjunto de referências essenciais, assim como suas estratégias de circulação. Oliveira (2021) afirma que sua música trabalha com o humor, mas não engraçadinha nem humorística. É nesse sentido que a ironia presente no álbum Renata se aproxima das composições de Leo. É possível enxergar o humor ou talvez sentir-se perturbado, porém com intenção velada. A música ZapZap é uma resposta direta a esses estudos. Como música de trabalho do álbum, é a composição mais tradicional com estrutura de estrofe, ponte e refrão, buscando uma proximidade à música popular. Seu refrão: “Visualizou, mas não respondeu”, é intencionalmente “viralizável” e procura se relacionar com as mídias e meios de comunicação atuais, ao mesmo tempo que as estrofes trazem metáforas com sentido distorcido de relações pessoas passadas. O trabalho de Negro Leo, além do aspecto musical, traz uma camada relacional. Em seus lançamentos, o compositor realiza intervenções em suas redes sociais, pensando estratégias de inserção similares às Paulo Bruscky. No lançamento do álbum “Desejo de Lacrar”, Leo criou um substituto de identidade que supostamente viveria sua vida em seu lugar. Com isso em perspectiva, Lucas Vidal se apropriou estética da música brega como ferramenta do lançamento do álbum. Foi elaborado um ensaio fotográfico, onde o artista é apresentado em poses românticas e de possíveis arrependimentos. A utilização do nome feminino Renata como título da obra, é explorado para criar a ilusão de lançamento de um álbum romântico. A proposta inicial do álbum é ser uma experiência sonora única, e não necessariamente tornar-se um conteúdo a ser escuta frequentemente no dia-a-dia. Apesar ou justamente por isso, foram utilizadas as múltiplas táticas de inserção do mercado fonográfico citados anteriormente. A obra foi divulgada amplamente nos streamings de música, com vinculação em playlists e artigos de mídias de música independente e foi divulgada em formato visualizer somando características da indústria musical atual.
DINIZ, Sheyla Carnaval. Ou não (1973), de Walter Franco: contracultura, experimentalismo e vanguarda na MPB. ARJ – Art Research Journal: Revista de Pesquisa em Artes, v. 8, n. 2, 22 nov. 2021. TOM ZÉ. Jingle do disco. In: Brazil Classics, Vol. 5: The Hips of Tradition. Selo Luaka Bop, 1992. OLIVEIRA, Bernardo. Deixa Queimar. Rio de Janeiro: Numa Editora, 2021.