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Espaço, público e projetar consequências de um design de informação pouco transparente
by L. Hansen
Valentina Kurkdjian Teixeira, valentinakt2000@gmail.com www.lattes.cnpq.br/5931937940417017 Marina Araujo Scalabrin, marina.scalabrin@gmail.com
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RESUMO O presente artigo tem como objetivo apresentar as consequências de um design de informação pouco transparente a partir da análise de uma imagem específica, compartilhada por um usuário do Facebook, que retratava cartazes aplicados no metrô de Nova York com uma ilustração de Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, como Pinóquio. Porém, por mais que a postagem da peça se tratasse de um claro posicionamento contra o vigente presidente por sua gestão no cargo, o massivo número de compartilhamentos da imagem a destacou como falsa pela agência de checagens Aos Fatos. Assim, a partir deste caso, iremos ampliar a possibilidade de compreender com mais clareza a discussão sobre espaço, público e projetar, com o intuito de discutir a importância de um Design honesto e transparente, através do alerta sobre os perigos e danos à credibilidade de um projeto que possa trazer informações manipuladas erroneamente. E, por fim, ressaltando a importância da checagem de informações ao se tratar da demonstração da aplicação de projetos em locais públicos, principalmente quando enraizados em ângulos sociais e políticos.
PALAVRAS-CHAVE Design de informação; Design de comunicação; Política; Projetar; Aplicação de materiais.
ABSTRACT This article aims to present the consequences of a non-transparent information design based on the analysis of a specific image shared by a Facebook user, portraying posters inside a New York subway station with an illustration of Jair Bolsonaro, the current Brazilian president, depicted as Pinocchio. However, as much as the post of the image was treated as a clear position against the president for his management in office, the massive number of shares of the image highlighted it as false by the check-in agency Aos Fatos. Therefore, inspired by this case, we will expand the possibility 389
of understanding more clearly the discussion about space, public and design, in order to discuss the importance of an honest and transparent Design, through the alert about the dangers and damages bringing manipulated information to a project can do to the credibility of a project. And, finally, emphasizing the importance of checking information when dealing with the demonstration of the application of projects in public places, specially when they are rooted in social and political angles.
KEY WORDS Information design; Communication design; Politics; Design; Application of materials.
Introdução
Este artigo tem como intuito inicial trazer as implicações e consequências de um design de informação pouco transparente, focando na discussão sobre espaço, público e projetar; e utilizando como condutor a análise de um caso específico. O evento a ser analisado se dá por uma imagem compartilhada por um usuário do Facebook na própria rede social, que consistia do metrô de Nova York ilustrando cartazes do atual presidente Jair Messias Bolsonaro com os dizeres ”liar, lousy e loser” (mentiroso, nojento e perdedor, em inglês), caracterizando-o como o personagem infantil Pinóquio, do livro ”As aventuras de Pinóquio”, cujo nariz cresce a cada mentira que conta. Além disso, como legenda, o usuário escreveu “metrô de New York. Só pra termos a real dimensão da coisa”. Porém, por mais que se tratasse de algo com um claro objetivo de se posicionar contra o vigente presidente e seu completo descaso na administração do país, principalmente ao decorrer da pandemia de Covid-19, por conta do seu forte posicionamento negacionista, a peça acabou tomando rumos inesperados escapando então do seu objetivo principal. Esses rumos foram alterados em consequência ao massivo número de compartilhamentos que a imagem teve, o que ocasionou em um alerta pela agência de checagens Aos Fatos, que verificou a mesma como falsa. Deste modo, a falta de atenção na imagem – que inclusive foi descoberta como sendo um uso indevido de mockup –, resultou em caminhos que acabaram desviando-se do objetivo principal da peça. O que permite, portanto, o questionamento quanto ao dever do designer de refletir sobre o impacto e a consequência da aplicação de suas criações. 390

Figura 1
Metrô de Nova York ilustrando cartazes com Bolsonaro caracterizado como Pinóquio. Fonte: Poder 360.
Figura 2
Postagem feita no Facebook por um usuário mostrando cartazes de Bolsonaro como Pinóquio dentro do metrô de Nova York, checada como informação falsa. Fonte: Poder 360.
Análise
Principalmente quando se trata de projetos com objetivo informativo e de viés político, já que a aplicação indevida de materiais desses eixos pode acarretar caminhos nocivos. Norteando então por esse eixo informativo e viés político a reflexão e discussão em relação ao papel do designer dentro da guerra cultural bolsonarista, a qual se alinha não só pela retórica do ódio, mas principalmente pela negação de dados objetivos (ROCHA, 2020).
A fim de contexto, vale ressaltar o fator que gerou a repercussão dessa imagem, já que o mesmo influencia o porquê desta reverberação. O caso em questão ocorreu durante a visita do presidente Jair Bolsonaro a Nova York, para a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Setembro de 2021. Mesmo com diversas atitudes que pouco contribuíram para sua imagem e posicionamento desde o começo do seu mandato em 2020, Jair Bolsonaro, em seu discurso durante esta ocasião, distorceu dados sobre meio ambiente e economia, e além disso manteve sua defesa sobre tratamentos já comprovadamente ineficazes de acordo com a Organização Mundial da Saúde contra a Covid. E claramente a postura do político durante a Assembleia Geral da ONU, somada ao completo descaso na administração do país, principalmente ao decorrer da pandemia de Covid-19, repercutiu negativamente. Assim, durante a sua visita, como já mencionado anteriormente, houve uma grande circulação de uma imagem compartilhada (Figura 1) por uma página do Facebook, mostrando cartazes dentro do metrô de Nova York que ilustravam Bolsonaro como Pinóquio, fazendo uma alusão crítica às suas diversas mentiras e falas precipitadas. Com a repercussão, a peça chegou a acumular mais de 40 mil compartilhamentos, marcados até às 20h12 do dia 22 de setembro de 2021, se tornando um viral de imediato. Porém, apesar do objetivo de criticar o vigente presidente em volta de suas recorrentes declarações e ações transpassados por negacionismo, a peça foi verificada como falsa (Figura 2) pela agência de checagens Aos Fatos, que integra o Third-Party Fact-Checking Partners, programa de verificação de fatos do Facebook. A consequência se deu pela análise de três fatores: (1) do desenho aplicado no mockup que caracteriza o presidente Jair Bolsonaro como Pinóquio, (2) da aplicação “irreal”, ou seja, de um mockup da área interna do metrô de Nova York e (3) da permissão 392
de anúncios de cunho político no sistema de transportes da cidade de Nova York. Primeiro, quanto à questão em torno do desenho aplicado, descobriu-se pela agência de checagem Aos Fatos, através de uma busca reversa pela foto em análise (Figura 1), que o desenho foi publicado inicialmente no Twitter pelo artista brasileiro conhecido como Butcher Billy, em 23 de agosto de 2020. Porém o que impulsionou a confusão foi o fato de que o próprio artista compartilhou a imagem do metrô (Figura 1) em suas redes (Figura 4). Isso causou a impressão de que ele estava ciente da produção dos cartazes, o que fez com que a própria AFP Checamos (núcleo de verificação da informação da Agence France-Presse no Rio Janeiro), confirmasse com o artista se a versão da imagem com os posters no metrô de Nova York (Figura 1) era sua, porém ele disse que não sabia quem tinha feito, explicando que a arte original (Figura 3) que foi usada era sua, mas que a referente ao metrô de Nova York não era, já que se tratava de uma aplicação em mockup. Trazendo então, a necessidade de levantar a segunda questão desta situação: a aplicação “irreal”, ou seja, de um mockup da área interna do metrô de Nova York. Vale ressaltar aqui que um mockup ou mock-up é um modelo usado para oferecer uma apresentação mais palpável de qualquer peça de design, já que ela mostra uma grande aproximação à realidade, que foi a principal causa de controvérsia nessa situação. Através de checagem da agência Aos Fatos descobriu-se que a ilustração do artista Butcher Billy, aplicada neste cenário do metrô de Nova York, se tratava de uma montagem elaborada a partir de uma foto disponível para acesso na plataforma Behance desde julho de 2018 (Figura 5). Esta foto em questão que exibe um painel publicitário possui a autoria da designer gráfica Laura Panzo, que a transformou em um mockup (Figura 5), para demais designers usarem. Já que verificou-se que a mesma imagem é frequentemente utilizada por mais profissionais como uma prévia de propaganda (Figura 6) a clientes no metrô de Nova York. Esta comparação e verificação precisa foi possível de ser alcançada através da agência Aos Fatos, que identificou elementos idênticos entre a imagem que circulou pelas mídias sociais (Figura 1) e o mockup criado pela designer Laura Panzo (Figura 5), sendo entre eles o ângulo, iluminação, rachaduras, manchas nas paredes e no piso, artefatos, além de sequências numéricas que identificam os espaços 393


Figura 3
Postagem feita pelo artista Butcher Billy onde mostra que ele já havia compartilhado apenas a ilustração – sem o fundo do metrô. Fonte: Twitter.
Figura 4
Postagem feita pelo artista Butcher Billy, que mostra seu compartilhamento da imagem com o uso de mockup. Fonte: Twitter.

Figura 5
Mockup disponível no Behance feito pela designer Laura Panzo disponível por download. Fonte: Behance.
Figura 6
Comparativo mostra detalhes idênticos entre a montagem que circula nas redes e o mockup criado pela designer Laura Panzo. Fonte: Google.

publicitários, nas quais podem ser identificadas na imagem a seguir (Figura 7) com a representação dos quadrados em bordas vermelhas. O que nos leva à terceira e última questão em torno da permissão de anúncios de cunho político no sistema de transportes da cidade de Nova York, o fator crucial para a confirmação da imagem como falsa. Durante a verificação da agência, foi verificada a regulamentação em relação a anúncios políticos em locais públicos de Nova York, já que é uma norma que pode variar de local para local. Com isso, foi colocada uma resposta definitiva para esta questão, visto que a MTA (Autoridade Metropolitana de Transporte) da cidade de Nova York afirma em seus regulamentos a proibição de anúncios de viés político no sistema de transportes da cidade (Figura 8). Este fator, como os vistos anteriormente ao decorrer do texto, contribuiu para verificar a imagem compartilhada pela internet como falsa. Percebe-se a partir desta análise, que fatores como a veracidade da imagem que representa um espaço físico e o código de conduta em torno a exibição de anúncios naquele espaço são decisivos quando se leva em conta a transparência de um projeto.
“[é proibido…] b. Defender ou expressar proeminentemente ou predominantemente uma mensagem política, incluindo, mas não se limitando a uma opinião, posição ou ponto de vista sobre disputadas questões econômicas, políticas, morais, religiosas ou sociais ou relacionadas às questões, ou apoio ou oposição a questões ou causas disputadas.” (Reprodução/MTA)
Encadeamentos do caso
Visto isso, este estudo teve como intuito educar e convidar designers a refletirem sobre o impacto e consequência de suas apresentações, principalmente quando o intuito é criar um design informacional e que gere a reflexão sobre temas ou dados relevantes. Aprofundando-se em um viés filosófico de que o mundo real não cabe num mockup, ou seja, é preciso ser levado em consideração a checagem de informações quando se trata do ato de projetar. Principalmente quando se trata de projetos de viés social e político, devido aos maiores perigos e danos à credibilidade de um projeto ao manipular erroneamente informações. Isto reforça uma melhor compreensão sobre a necessidade de discussão quanto ao espaço, público e projetar.
Assim, a partir deste caso entende-se que se o objetivo de sua peça for informativo e principalmente político, há de se considerar que a mensagem perderá força e credibilidade se estiver inserida em um contexto que não representa a realidade. Mesmo com a melhor das intenções, ainda é necessário atentar-se a certas burocracias e paradigmas político-sociais, afinal, quando se projeta para o público, é necessário ter cautela com as informações apresentadas, seja uma imagem, um mockup, ou até mesmo a própria legenda. Além de entender que nosso papel como designers nesta guerra cultural é informar, e não o contrário. Já que esta se beneficia pela negação de dados objetivos e pela imensidão de notícias falsas, que contribuem para um programa de governo pouco eficaz. Levanta-se também um questionamento se a desinformação é combatida com mais desinformação, e se é possível projetar de forma benéfica mesmo respondendo a cultura bolsonarista de ignorância e negacionismo na mesma moeda. Por fim, conclui-se que o designer tem seu papel no processo de disruptura dessa guerra cultural, podendo contribuir de forma benéfica para a sociedade, e colaborando para a resistência da desinformação e da negação dos fatos. Contanto que isso seja feito, claro, de forma honesta e transparente.


Figura 7
Comparativo que mostra detalhes idênticos entre o mockup criado pela designer Laura Panzo e a montagem em análise que circulou nas redes que foi identificada como falsa logo após. Fonte: Aos Fatos.
Figura 8
Lista de condições para a disponibilização de espaços para propagandas nas dependências do metrô de Nova York onde mostra que as diretrizes do Metropolitan Transportation Authority, proíbem expressamente qualquer menção política. Fonte: E-farsas.
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