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Recompondo a terra: arte contemporânea e as paisagens arruinadas da mineração
by L. Hansen
André Leal, coxaleal@gmail.com www.lattes.cnpq.br/90967269172533901
RESUMO O artista estadunidense Robert Smithson elaborou em sua produção artística e teórica a ideia de uma paisagem entrópica que marca a sociedade contemporânea. Em suas propostas para a reclamação de áreas de mineração por meio da construção de earthworks podemos ver uma maneira de lidar com essas paisagens arruinadas. Partindo dessa investigação apresentamos artistas contemporâneos que de diferentes maneiras abordam a paisagem entrópica em suas produções. Nessas atuações vislumbramos uma ética da terra proposta por Smithson, atualizada para os tempos atuais de emergência climática. Essas obras indicam ainda modos de navegarmos por essas paisagens antropocênicas marcadas pelo extrativismo que busca lucros a todo custo e de reagirmos a seus impactos.
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PALAVRAS-CHAVE Extrativismo; Robert Smithson; Arte contemporânea; Paisagem; Entropia.
ABRSTRACT North American artist Robert Smithson developed in his artistic and theoretical production the idea of an entropic landscape that marks contemporary society. In his proposals for the reclamation of mining areas through the construction of earthworks we can see a way to deal with these ruined landscapes. From this investigation we present contemporary artists who in different ways approach the entropic landscape in their productions. In these performances we glimpse the earth ethics proposed by Smithson, updated for the current times of climatic emergency. These works also indicate ways of navigating through these anthropocenic landscapes marked by extractivism that seeks profits at all costs and how to react to its impacts.
Introdução: Robert Smithson e as paisagens entrópicas da mineração
A obra mais famosa do artista estadunidense Robert Smithson é Spiral Jetty (1970), um píer em espiral construído na margem do Salt Lake City. A obra se insere em sua ideia de uma paisagem entrópica que caracterizaria a sociedade ocidental sobretudo na segunda metade do século 20, em sua fase ‘pós-industrial’. Uma paisagem cada vez mais homogênea, marcada pelo avanço da urbanização, gerando um espaço de uma ‘toda-englobante mesmice’, como diria o artista (SMITHSON, 1996, p. 11). Nesse sentido, é interessante compreendermos o sítio para o qual ele escolheu realizar sua Spiral Jetty: um lago salgado formado há milhões de anos e repleto de resquícios de atividades extrativistas como a exploração de petróleo. Uma paisagem ‘arruinada’ pelo extrativismo capitalista que o artista vinha explorando havia alguns anos, sobretudo nas pedreiras de Nova Jérsei [fig. 1]. Ao partir em busca da localidade na qual construir sua earthwork, sem um projeto pré-concebido, Smithson dá a ver sua compreensão da paisagem entrópica, que em nossa definição (o artista nunca chegou a elaborar o conceito de maneira mais sistemática) é aquela na qual podemos ver o encontro entre o tempo profundo da geologia – sua conformação pelas forças geológicas ao longo de milhões de anos – com o tempo intensivo ou superficial da cultura humana, principalmente por meio de suas atividades extrativistas com vistas à produção industrial sob o capitalismo. As pedreiras e minas a céu aberto são exemplos notáveis dessas paisagens entrópicas, mas também o são as cidades contemporâneas e o Salt Lake. Ao explorar a costa do lago, Smithson (1996, p. 146) encontra a localidade entrópica da qual emerge a forma espiral de seu píer:
cerca de uma milha ao norte dos poços de petróleo eu escolhi o meu lugar. [...] Sob a rasa água rosada há uma rede de rachaduras na lama conformando o quebra-cabeças que compõe o salar. Enquanto eu olhava para o local, ele reverberava em direção aos horizontes apenas para sugerir um ciclone imóvel enquanto luzes piscantes faziam com que toda a paisagem parecesse tremer. Um terremoto dormente se espalhou 118
Figura 1
Robert Smithson coletando fragmentos de ardósia para um nonsite em pedreira de Nova Jérsei (c. 1969). Fonte: Archives of American Art/Smithsonian Institution.

Figura 2
Vista de Broken Circle/ Spiral Hill (1971). Fonte: Holt/Smithson Foundation.
para a quietude esvoaçante, em uma sensação cambaleante imóvel. Esse lugar era uma rotatória que se fechava em uma imensa circularidade. Desse espaço giratório emergia a possibilidade do Spiral Jetty.
O artista propõe então intervir nessa paisagem entrópica, criando uma escultura de terra não para recompor aquela paisagem, senão afirmar sua entropia, redobrando a presença humana naquela localidade. Em outro momento ele afirmaria que “o Spiral Jetty [...] é físico o suficiente para conseguir aguentar todas essas mudanças climáticas e ao mesmo tempo está intimamente envolvida com essas mudanças climáticas e perturbações naturais” (SMITHSON, 1996, p. 298). Aqui temos a união entre as forças das intempéries e do regime pluvial do Salt Lake com a intervenção do artista na paisagem – é importante lembrar que a obra ficou submersa por décadas após sua construção, condição não completamente prevista e impossível de ser controlada pelo artista. Em 1971, Smithson foi convidado para participar de um festival de esculturas em um parque na Holanda, mas logo buscou outro local para construir sua obra, pois para ele a paisagem holandesa já seria demasiadamente ‘cultivada’ culturalmente, algo que os diques e a conquista de terras do mar deixam claro: uma paisagem extremamente conformada pelas ações humanas. O artista foi então atrás de uma “área que fosse de algum modo bruta”, já que a paisagem holandesa, segundo ele, “é tão completamente cultivada e uma earthwork em si mesma que eu queria encontrar uma área que eu pudesse moldar, como uma pedreira ou uma mina abandonada” (SMITHSON, 1996, p. 253). Assim, com o auxílio de um geólogo, ele acabou por encontrar uma mina de areia que estava para ser desativada. Foi em contato com o sítio que Smithson desenvolveu a forma de sua earthwork: uma junção de um ‘píer’ com um canal circulares, os quais poderiam ser vistos desde as margens de um lago. Ao encontrar o sítio, essa ideia até então abstrata pareceu se encaixar à localidade, e a margem do lago da mina ganhou outro elemento: um monte de terra com um caminho espiral que leva até seu topo, de onde o ‘círculo quebrado’ pode ser visto pelo público [fig. 2]. Em entrevista para Allison Sky, Smithson (1996, p. 253) dá a ver as relações da obra com a região circundante, em termos da ‘moldagem’ da terra que realizou, afirmando que ‘reorganizou’, com sua earthwork, “uma situação perturbada”. Foi com essa obra que Smithson descobriu um potencial ‘prático’ para suas earthworks: a possibilidade de funcionarem 120
como parte de projetos de ‘reclamação de áreas de mineração’, em conjunção com novas leis e regulamentações ambientais que estavam sendo implementadas nos EUA à época. Desse modo, suas esculturas de terra poderiam ser construídas em minas que estivessem para ser desativadas e demandassem a recomposição do sítio, algo que pelos métodos tradicionais de preenchimento dos buracos exigiria muito tempo e dinheiro. Suas earthworks, no entanto, não iriam propriamente recompor as minas, senão reforçar o caráter entrópico daquelas localidades, pois, como afirma Hobbs (1981, p. 219), “a reclamação por meio da arte não encobre completamente o problema das minas a céu aberto” e o trabalho de Smithson “enfatiza as mudanças, estabelecendo e mantendo uma dialética entre a devastação industrial e a reclamação bucólica, agindo [...] para manter em suspensão os dois lados opostos” [fig. 3]. Smithson via a reclamação de áreas de mineração por meio da arte justamente como uma possibilidade de ‘mediar’ entre a devastação provocada pela mineração e a exigência dos ambientalistas pela volta a um estado primevo impossível. Segundo o artista, seria impraticável preencher o buraco da mina de Bingham, por exemplo, que tinha “uma milha de profundidade por três milhas de comprimento”. Assim, para cobri-la “levaria uns 30 anos e teriam que pegar a terra em outra montanha”, demonstrando como as “leis de reclamação [...] não lidam com sítios específicos, lidam com um sonho geral ou um mundo ideal que há muito não existe”; seria necessário, portanto, “aceitar a situação entrópica” (SMITHSON, 1996, p. 307). Em texto não-publicado de 1971, o artista expressa o que via como uma ‘reciclagem’ da terra por meio de earthworks, além de temas como a relação entre mineradores e ambientalistas, e o papel da arte na mediação entre ambos. O artista reconhece a necessidade dos processos extrativistas para a produção de bens de consumo, criticando a busca por lucro pelos mineradores. Segundo Smithson (1996, p. 376), “a economia, quando abstraída do mundo, é cega aos processos naturais” e a arte poderia “se tornar um recurso na mediação entre o ecologista e o industrialista”. O artista segue afirmando que
a ecologia e a indústria não são ruas de mão única, [...] elas devem ser cruzamentos. A arte pode ajudar a providenciar a necessária dialética entre eles. Uma lição pode ser extraída das moradas indígenas nos penhascos e dos montes de esculturas de terra. Aqui nós vemos a natureza e a necessidade se conjugarem.
Outro ponto que chama atenção nesse texto é a relação dos povos tradicionais com a terra e suas próprias earthworks, uma conjunção da ‘natureza com a necessidade’, ou seja, um modo de lidar com a terra pautado pela necessidade e não pela busca de lucro desenfreado como nas sociedades capitalistas. É preciso, porém, enquadrar as ideias de Smithson em seu contexto sócio-histórico, já que os debates ambientais e a consciência ecológica ainda eram temas incipientes em princípios da década de 1970. Hoje em dia, em tempos nos quais a Terra cobra a fatura dos desmandos levados à cabo pela busca incessante por lucro dos processos extrativistas, tal posição é difícil de ser mantida, ou então pode cair no campo dos negacionismos climáticos. Smithson faleceu em um acidente aéreo em 1973, após passar os dois anos anteriores buscando, sem sucesso, colocar em prática suas propostas de reclamação de áreas de mineração. Alguns anos depois, Robert Morris expressaria a noção de reclamação de áreas de mineração por meio de earthworks em termos muito mais radicais que aqueles do começo da década. Em 1979, o condado de King, em Washington, realizou um grande evento de arte pública dedicado à recuperação de áreas de mineração, para o qual Morris foi convidado a realizar uma earthwork em uma mina abandonada e proferiu uma palestra na qual realiza um amplo apanhado das relações entre arte e mineração, além de questões ecológicas em termos muito mais próximos dos que vigoram hoje em dia. O artista chega inclusive a falar da necessidade de se pensar na reversão do efeito estufa, “uma consequência prevista de uma política de choque de combustíveis sintéticos” (MORRIS, 1980, p. 88), questão ainda distante do horizonte daquele momento mas que havia sido trazida à tona pelas crises do petróleo ao longo da década de 1970. Após uma ampla exposição da problemática da mineração a céu aberto nos Estados Unidos, bem como das leis de reclamação de minas que já citamos, Morris (1980, p. 102) se dirige à atuação de Smithson em relação ao tema, afirmando que a possibilidade de uma ‘mediação’ entre os interesses industriais e ecológicos não seria possível, apesar do papel positivo que as artes poderiam ter nesse sentido. Isso porque, “dadas as consequências das atuais políticas de recursos energéticos [...], pareceria que a cooperação artística somente poderia funcionar para disfarçar ou estimular políticas desastrosas e mal direcionadas”. Vemos então que no final da década de 1970 o debate ambiental já havia mudado de tom e a postura de mediação de Smithson passava a ser vista como demasiadamente conciliadora. No fim das contas, porém, a earthwork realizada por Morris era esteticamente 122
muito próxima às propostas de Smithson [figs. 4 e 5]. Trata-se, portanto, de um debate mais no nível discursivo que estético propriamente, mas que dá a ver as transformações da consciência ambiental ao longo da década. De todo modo, a consciência de Smithson da paisagem entrópica seria uma “análise realista da vida na metade do século 20” (HOBBS, 1981, pp. 15-16), reposicionando os sujeitos em meio a essa paisagem arruinada. Nesse sentido, as obras do artista iriam contra o “desenraizamento” que marca o final do século 20, algo que se aprofundou nas últimas décadas como as crises migratórias demonstram – muitas delas causadas justamente pelas mudanças climáticas e pelo aumento de seus efeitos. Se no estado de espírito dos tempos atuais há uma fuga para outros mundos, uma “projeção para algum outro lugar pela rejeição do lugar no qual as pessoas estão” (HOBBS, 1981, pp. 15-16), então Smithson enfatiza os modos pelos quais as pessoas não são capazes de ver e compreender esse local e esse solo, devolvendo-lhes as balizas para se situarem nele novamente, indicando os entrelaçamentos entre os diversos processos que ali incidem.
Desdobramentos contemporâneos
Nessas primeiras décadas do século 21, quando um consenso se forma nos meios científicos de que adentramos em uma época geológica provocada pela parcela da humanidade que impulsiona os processos extrativistas, não é mais possível se buscar uma postura conciliadora entre os interesses da mineração e da ecologia. Urge uma recomposição das relações entre as distintas humanidades e os actantes outros que humanos que compartilham a biosfera terrestre. Uma colaboração que permita que a vida siga existindo na Terra. Relendo Smithson atualmente, é possível ver como sua ‘ética da terra’ vislumbrava essa recomposição, tratando de nos situar em meio a essa paisagem arruinada. Atualmente muitos artistas se voltam para esse solo no qual habitamos, buscando recompô-lo, assim como buscando outros modos de convivência entre os diferentes actantes que o compartilham. Iremos aqui apresentar brevemente alguns artistas que se voltam para questões ligadas à mineração e à recomposição de solos arrasados por ela ou por processos especulativos no ambiente urbano. Agnes Denes vem realizando uma série de obras que lidam com essas paisagens arruinadas, propondo cooperações entre a cultura humana e plantas que utiliza na recuperação de áreas 123



Figura 3
Buraco de mineração – Bingham Copper, Utah. Projeto de reclamação (1972). Fonte: HOBBS, 1981, p. 223.
Figuras 4-5
Vistas de Untitled Earthwork (Johnson Pit #30), de Robert Morris, logo após sua construção em 1979, e durante manutenção em 2003. Fonte: King County Archives.
arruinadas, levando adiante o que chama de uma arte ‘eco-lógica’. A ideia por trás do conceito é a de uma aliança da racionalidade humana com o meio ambiente, como fica claro em sua obra Tree Mountain – A Living Time Capsule (1992-1996), realizada na Finlândia [fig. 6], na qual 11 mil pessoas de diferentes nacionalidades plantaram, em uma antiga área de mineração, 11 mil árvores que crescerão em 400 anos. A disposição das árvores foi determinada de acordo com um modelo matemático, dando a ver o engenho humano na criação dessa floresta. Uma verdadeira cooperação interespécies que anuncia uma nova consciência ambiental. Outra obra da artista que apresenta uma ideia entrópica de paisagem – urbana neste caso – é Wheatfield: a confrontation (1982) [fig. 7], realizado num antigo aterro sanitário na orla do rio Hudson em Nova Iorque. Ao plantar trigo em um terreno estimado em cerca de US$ 4,5 bilhões, Denes buscava chamar atenção para as ‘prioridades mal colocadas’ em nossa relação com o meio ambiente. Segundo a artista, o paradoxo criado pelo campo de trigo era o de confrontar o valor de troca da terra com seu valor de uso, atuando em meio à malha urbana de Manhattan. Assim, nas palavras de Denes (s./d., s./p.), a obra “chamou atenção das pessoas para repensarem suas prioridades e perceberem que se os valores humanos não forem reavaliados, a qualidade de vida, ou mesmo a vida em si estará em perigo”. Estamos nos aproximando, portanto, da consciência ambiental que iria emergir com força total nesse começo de século 21. A artista mineira Júlia Pontés, por sua vez, explora as paisagens arruinadas da mineração e os processos geopolíticos que impulsionam o extrativismo em seu estado natal. Sua família era proprietária de uma fábrica de processamento de minério e mesmo tendo lucrado com os processos extrativistas sofreram e sofrem com os impactos da mineração. Como afirma Pontés (s./d., s./p.), “a mineração está tão profundamente enraizada no estado de Minas Gerais que ela corre no sangue de quase todos os cidadãos – inclusive no meu. [...] Apesar da mineração ser responsável por 15% do PIB brasileiro, ela o faz às custas da devastação ambiental e desigualdades sociais”. Em suas fotografias aéreas de áreas de mineração, a artista dá a ver os impactos dessa atividade na paisagem mineira [figs.]. Impactos esses que muitas vezes são invisíveis desde o nível do chão, já que a maioria das minas ficam escondidas por árvores, muros, montanhas. Nas imagens aéreas das barragens de rejeitos de Itabira, vemos o rio do Peixe, antes importante fonte de abastecimento de água da cidade, soterrado pelos dejetos tóxicos do processo de mineração de ferro. 125


Figura 6
Vistas e projeto de Tree Mountain – A Living Time Capsule-11,000 Trees, 11,000 People, 400 Years (1992-1996), Agnes Denes. Fonte: DENES, s./d.
Figura 7
Agnes Denes caminhando em meio a Wheatfield: a confrontation (1982). Fonte: DENES, s./d., s./p.


Figuras 8-9
Imagens da série Ó Minas Gerais | My Land Our Landscape, Júlia Pontés. Fonte: PONTÉS, s./d., s./p.
Outra artista mineira, Mabe Bethônico, expõe as tramas geopolíticas que envolvem a extração de minérios no Brasil, buscando dar visibilidade a essas atividades escondidas da vista do grande público. A série de trabalhos Invisibilidade Mineral apresenta diversas relações de poder que incidem em paisagens locais, afetando as populações que nelas habitam. Como afirma Moacir dos Anjos (2019, s./p.), na imagem da sede da Vale [figs. 10 e 11] em meio ao florido campo aos pés dos Alpes suíços, a artista evidencia “o contraste entre os altos riscos associados à atividade de mineração e a segura placidez do local onde eles são ‘gerenciados’ pela Vale”, deixando o rastro de destruição das paisagens às populações locais que sofrem o desamparo pela busca incessante de lucros da empresa. O artista paulistano Daniel Caballero, por sua vez, vem reconstituindo há alguns anos um pedaço do cerrado que existia na região onde é a atual cidade de São Paulo. Conhecida por seus já desaparecidos ‘campos de Piratininga’, a cidade era coberta por plantas nativas desse bioma que ainda resistem em terrenos baldios onde Caballero coleta suas plantas. Aos poucos ele começou a transplanta-las para uma praça na zona oeste da cidade, recriando esse bioma esquecido da historiografia oficial [figs. 12 e13]. ‘Ervas daninhas’ para a maioria das pessoas, o artista as cataloga e as devolve à natureza localizada daquele espaço da metrópole. Desse modo, sua ação também passa pelo reconhecimento do valor dessas plantas esquecidas em terrenos baldios nos quais mais um arranha-céu será construído. Como afirma Caballero (2016, p. 20), seria um modo de impor uma coexistência inter-espécies, ganhando consciência “de onde se está e quem ou que seres compartilham o lugar, para criar uma condição de sobrevivência mútua partilhando o espaço físico”. Desse modo, se “é importante conservar a arquitetura e os museus, a paisagem natural participa também como um agente da história, nos dando uma noção do lugar que ocupamos”. A ‘utopia’ do artista é que esse cerrado se espalhe pela cidade, conquistando áreas que lhe foram roubadas pela especulação imobiliária e pela introdução de espécies exóticas. Segundo Caballero, trata-se de um processo de ‘descolonização’ da paisagem que ganhará corpo quando o cerrado se fortalecer diante das outras espécies arbóreas da cidade (CABALLERO, 2016, p. 172). Contra a mesmice toda-englobante, o cerrado de Caballero, dissemina variedade de espécies e sua utopia descolonizadora, se espraiando pelo território da metrópole paulistana e lembrando a seus habitantes que por ali tudo era mata habitada por populações 128


Figuras 10-11
Imagens de Sede da Vale na Suíça onde ela negocia com a Europa, Oriente Médio e Estados Unidos. Um dos departamentos aqui operacionais é o de Gerenciamento de Riscos, tendo como vizinhos um pomar com venda de frutas, e à frente, um campo de legumes dá vista aos Alpes (2019) – série Invisibilidade Mineral, Mabe Bethônico. Fonte: ANJOS, 2019, s./p.
nativas. Um tardio reconhecimento da integração entre humanos e agentes biológicos que possibilitaram a ocupação daquela localidade. Uma outra abordagem da paisagem entrópica, uma mais afim com as baixas latitudes nas quais habitamos.


Figuras 12-13
Imagens do Guia de Campo dos Campos de Piratininga (2016), Daniel Caballero.
Fonte: CABALLERO, 2016.
ANJOS, Moacir dos. Impasse mineral. Revista Zum, 17 abril 2019. Disponível em: https://bit.ly/ANJOS_Zum; consultado em dez. 2021. BETHÔNICO, Mabe. Mineral invisibility. Em: World of matter [página de internet], 2008. Disponível em: https://bit.ly/Mineral_invisibilty; consultado em dez. 2021. CABALLERO, Daniel. Guia de campo dos Campos de Piratininga, ou, O que sobrou do cerrado paulistano, ou, Como fazer seu próprio Cerrado Infinito, vol. 1. São Paulo: Ed. do Autor, 2016. DENES, Agnes. Agnes Denes [página de internet]. Disponível em: https://bit.ly/DENES_writings, consultado em dez. 2021. HOBBS, Robert [org.]. Robert Smithson: sculpture. Ithaca: Cornell University Press, 1981. MORRIS, Robert. Notes on Art as/and Land Reclamation. October, primavera 1980, v. 12, pp. 87-102. PONTÉS, Júlia. Júlia Pontés [página de internet]. Disponível em: https://bit.ly/JúliaPontés; consultado em: dez. 2021. SMITHSON, Robert. Robert Smithson – the collected writings. Los Angeles: University of California Press, 1996.