Revista Keyboard Brasil número 19

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Revista

Keyboard ANO 3 :: 2015 :: nº 19 ::

:: Seu canal de comunicação com a boa música!

Brasil www.keyboard.art.br

ESPECIAL: O melhor da NAMM Show

Tradição: As mais famosas marchinhas de carnaval! Por dentro: A técnica do maestro, por Angelino Bozzini

Ponto de vista: Samplear ou não samplear? Daniel Baaran responde! Memória: O piano no carnaval de Recife!

Em debate: Perfeição técnica. Frieza musical, por Osvaldo Colarusso




Índice

06 SUAS COMPRAS: Cds, DVDs e Livros

08 MATÉRIA DE CAPA: O melhor da Namm Show 2015!

26 COMEMORAÇÃO: Aniversário de São Paulo

28 PONTO DE VISTA: Samplear ou não samplear, por Daniel Baaran

42 MEMÓRIA: O piano no carnaval de Recife

Expediente

48 FALANDO SOBRE NOSSA MÚSICA: Parte 18, por Heloísa Fagundes

14 PERFIL: Felipe Leme

20 TRADIÇÃO: As mais famosas marchinhas de carnaval

34 PONTO DE ENCONTRO: por Luiz Bersou

40 TOQUE E APRENDA: Parte 13, por maestro Marcelo Fagundes

54 EM DEBATE: Perfeição técnica... Frieza musical, por maestro Osvaldo Colarusso

60 POR DENTRO: A técnica do maestro, parte 1, por maestro Angelino Bozzini

Revista

Fevereiro/2015

Keyboard www.keyboard.art.br

Brasil

Editora Musical

Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical. Diretor e Editor executivo: maestro Marcelo D. Fagundes / Chefe de Redação e Design: Heloísa C. G. Fagundes Caricaturas: André Luíz Silva Santos / Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências / Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 / Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical. 04 / Revista Keyboard Brasil


Espaço do Leitor Ficou muito linda a revista! Parabéns Editora Keyboard! Marina Ribeiro – via facebook Elvis para sempre!!! Márcia Rattmann de Godoy – via facebook Nunca ninguém se contenta com o instrumento que tem! Bela matéria Daniel Baaran! Allex Bessa – via facebook Acabei de ler a matéria sobre o rei do rock... Está simplesmente um arraso... Adorei! Sonia Maria Rossini – via facebook Não tem como não se emocionar com a vida de Elvis Presley! Excelente matéria! Antônio Alcântara dos Santos - via e-mail Uma volta aos anos 80! Amei a matéria falando sobre nossa música brasileira. Beatriz Penteado Guia - via e-mail Já havia lido a matéria do maestro Colarusso em seu blog. Mas não resisti. Li novamente porque foi uma experiência engraçadíssima. Parabéns pela parceria com esse grande maestro e por deixarem a matéria totalmente diferente visualmente falando! Eduardo Navarro da Costa - via e-mail Parabéns pela iniciativa de dar espaço aos novos músicos que estão aparecendo! Pedro Jorge H. de Godoy - via facebook Parabéns pela matéria sobre plágio ou coinscidência! Gostei dos links! Show de bola! Vera Santamaria - via e-mail

Editorial Heloísa Fagundes - Publisher

Neste mês de fevereiro comemoramos aquela que é considerada a maior festa popular brasileira – o CARNAVAL! Por isso, trouxemos duas matérias especiais: uma sobre as marchinhas e a outra sobre o piano no carnaval de Recife. Cada uma delas possui links muito interessantes! Também neste mês, trouxemos algumas novidades do mercado apresentadas na NAMM SHOW, a maior feira de música do mundo. Esta edição traz o retorno da coluna sobre as Técnicas do Jazz-Blues com o maestro Marcelo Fagundes e uma entrevista com o músico Felipe Leme, requisitado por diversos artistas, tanto nos palcos, quanto nos estúdios. O especialista de produtos da Roland, Daniel Baaran, fala em sua coluna sobre a história, importância e para que serve o recurso samplear de seu teclado. E, em meio à crise atual nacional, Luiz Bersou traz para sua coluna, estratégias para inovar e agir em seus negócios. Finalizando, o maestro Angelino Bozzini enriquece nosso conteúdo trazendo uma matéria sobre a arte dos gestos do regente. Nada mal para um mês curto como fevereiro! E não se esqueça: queremos divulgar seu trabalho! Continue enviando seu material e seja visto por mais de 250 mil leitores! Acessem os vídeos, comentem e curtam as matérias. Isso é muito importante! Obrigada a todos e uma excelente leitura!

Revista Keyboard Brasil / 05


Suas Compras

Magic Gravadora: Okey/Sony Music

A ‘magia do encontro’ é celebrada por Sérgio Mendes em seu novo trabalho Estrela da música brasileira no cenário internacional, Sérgio Mendes aborda, em seu novo trabalho intitulado “Magic”, diferentes estilos musicais como ritmos baianos, de Minas Gerais, funk carioca, bossa nova, samba canção, marcha rancho e samba de roda, combinando-os com outros idiomas. Participam do CD, grandes nomes da música brasileira como Milton Nascimento, Carlinhos Brown, Maria Gadú e Ana Carolina. Há, ainda, a presença de intérpretes americanos do hip hop, como will.i.am. e John Legend. “Este disco é a magia do encontro entre músicos do Brasil e de outros países”, finaliza Sérgio Mendes. Magic foi gravado entre Salvador, Rio de Janeiro e Los Angeles, onde vive o músico brasileiro.

wallflower Gravadora: Universal Music [versão deluxe]

Diana Krall e sua coleção de clássicos Uma das maiores intérpretes da atualidade, a cantora e pianista Diana Krall lança Wallflower, seu aguardado álbum com versões jazzísticas de grandes clássicos da música pop internacional. Produzido pelo renomado David Foster (Bee Gees, Christina Aguillera, Whitney Houston, Andrea Bocelli, Céline Dion, etc), vencedor de 16 Grammy, 3 dos quais como melhor produtor do ano e com fotografia da capa assinada pelo músico e amigo da cantora Bryan Adams, Diana Krall apresenta grandes performances como California Dreamin (The Mamas and the Papas), Sorry Seems to be the Hardest Word (Elton John), Desperado (Eagles), Don´t Dream it´s Over (Crowded House) e muitas outras. No Brasil, a Universal Music lança a versão deluxe do CD que inclui quatro faixas adicionais, duas das quais gravadas ao vivo, em Paris. 06 / Revista Keyboard Brasil



Fotos: Divulgação

Matéria de Capa

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O melhor da

NAMM SHOW 2015! FORTALECER RELAÇÕES, CONQUISTAR NOVAS ESTRATÉGIAS DE VENDAS E SERVIR DE INSPIRAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS PRODUTOS. SÃO ESSES OS OBJETIVOS DA MAIOR FEIRA DE MÚSICA DO MUNDO. Por José Cunha Realizada entre os dias 22 e 25 de janeiro, na cidade de Anaheim, na Califórnia (EUA) e, com o mote “Believe in music”, a associação norteamericana que realiza a feira todos os anos com o intuito de fortalecer a indústria global de produtos musicais, setor que movimenta 17 bilhões de dólares, segundo dados da própria entidade, promoveu o ponto de encontro daqueles que buscam as mais recentes inovações em produtos musicais, tecnologia de gravação, som e iluminação. Para corroborar relações, conquistar novas estratégias de vendas e servir de inspiração para a criação de novos produtos, a NAMM Show –

maior feira de Música do mundo – contou com a participação de 500 expositores e um público de cerca de 100 mil visitantes

No destaque: Juliano Hayashida, diretor da Tokai com Fábio Fonseca na NAMM SHOW 2015 (Anaheim Convention Center).

(oriundos de mais de 90 países) formados por proprietários de estabelecimentos comerciais, fornecedores, colaboradores, artistas, estudantes, educadores e convidados de empresas filiadas à Associação Nacional de Música Merchants (NAMM). Este ano, além das marcas de renome mundial como Yamaha, Roland, Korg Casio, Akai e Nord, estiveram no evento nove empresas brasileiras, entre elas a Izzo Musical e a Tokai apresentando seus lançamentos para o mundo. Revista Keyboard Brasil / 09


C o n f i r a

Sintetizador Interativo Roland JD-Xi Pequeno no tamanho e grande em versatilidade.

a s n o v i d a d e s

Novo teclado compacto, analógico/digital. Minúsculo, poderoso e acessível, o JD-Xi oferece aos músicos o melhor de ambos os mundos: uma resposta suave do analógico clássico, juntamente com a clareza e versatilidade do digital moderno. Equipado com 37 mini-chaves, o JD-Xi possibilita aos músicos poderem usá-lo com seus aplicativos favoritos. Ainda não comercializado no Brasil.

Piano digital Yamaha P-45 Compartilhando paixão & performance A Yamaha anunciou o novo piano digital P45 de 88 teclas. Ele substitui o atual modelo P35 e agora apresenta 64 notas de polifonia. Design contemporâneo e compacto que permite fácil portabilidade e armazenamento. Possui Stereo AWM (Advanced Wave Memory) de amostragem da Yamaha, que utiliza a tecnologia digital para gravar o som de um instrumento. AWM Stereo Sampling cria um som mais profundo e mais rico. Disponíveis em acabamento opcional cromado.

Série Electro 5 da Nord

A Nord apresentou a série Electro 5 – a mais nova encarnação de seus famosos teclados de performance. Desde seu lançamento ao mercado, em 2001, o Nord Electro é um instrumento extremamente popular para músicos que buscam emulações autênticas de instrumentos mecânicos e acústicos em um pacote compacto. Com melhorias em cada sessão de geração de som, 1 Gigabyte de biblioteca de piano e 256 Megabyte de bibliotecas de amostras. O Electro 5 é focado nas performances ao vivo. Em dois modelos diferentes: Electro 5D 61 e o Electro 5D 73 tendo como principal diferença, a quantidade de teclas (61 Dó-a-dó e 73 Mi-a-Mi, respectivamente). Ambos os modelos devem começar a ser comercializados em abril. 10 / Revista Keyboard Brasil


Moog e seus sintetizadores modulares Os lendários de grande formato em 2015: recriações meticulosamente artesanais dos originais! A Moog recomeça a fabricação dos grandes sintetizadores modulares com a produção limitada de três dos mais procurados: O sistema de 55, o sistema de 35 e o modelo 15. Estes três sistemas de sintetizador modular foram originalmente criados e fabricados por Moog, em 1973. Ao lado, o sintetizador Moog modular do sistema de 35: um instrumento bem refinado e composto por 22 módulos analógicos artesanais. Uma peça vintage de inspiração para composições em estúdio que oferece toda uma profundidade sonora.

Sintetizador analógico ARP Odyssey Korg Nova re-edição em 2015 Em conjunto com ARP Instruments Inc, .a Korg reavivou o sintetizador analógico lendário ODYSSEY ARP, preservando o projeto básico do original, produzido em 1972. O ARP Odyssey ficou rapidamente famoso por causa de seu característico som melodioso e inovadores controles de performance. Algumas pessoas até o consideram como um concorrente do Minimoog em termos de qualidade sonora. O ODYSSEY ARP havia passado por diversas melhorias durante a sua história até sua fabricação ser interrompida em 1981. Amado por muitos músicos como um clássico histórico, seu som pode ser ouvido em diversas canções clássicas. O novo ODYSSEY tem um corpo compacto, sliders altamente operáveis e 37 botões slim. Além disso, possui um interruptor de acionamento (nova função) e conectores que incluem MIDI e saída de fone de ouvido, bem como cabos de Patch.

Akai Pro advance MIDI 49 Nova série de teclados controladores A Akai Professional apresentou três modelos da nova série Advance MIDI trazendo uma tela colorida de 4.3 polegadas, teclas semi-pesadas com aftertouch, PADs RGB com controle de pressão e velocidade. A nova série inclui mais de 16GB para download com 10 mil sons criados por líderes em instrumentos virtuais como AIR Music Technology, SONiVOX e Prime Loops. Os sistemas estarão disponíveis nos tamanhos de 25, 49 e 61 teclas e vão custar, fora do brasil, US$ 399,99, US$ 499,99 e US$ 599,99.

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Linha PRO-PIANOS DIGITAIS da Tokai TP-88M Móvel

A Linha PRO-PIANOS DIGITAIS TP-88M Móvel da brasileira Tokai, possui os mesmos recursos que a versão cauda 120. Perfeito em lugares onde há limitações de espaço. Peso de 80,5 kg.

Órgãos da linha Plus T1 da Tokai Órgão litúrgico com todos os recursos que o músico espera de um instrumento TOP de linha por um valor muito acessível.

O Tokai T1 foi concebido com o mesmo conceito do já consagrado modelo T4, porém visando oferecer melhor custo benefício. A mais moderna tecnologia está presente em cada detalhe do T1. Pesando 89 kg, o modelo apresenta 61 notas no teclado superior e inferior; pedaleira com 20 notas; 24 memórias programáveis + 8 presets hinos; sistema acústico com 2 woofers e 2 twi ers; simulador de rotary speaker; Mp3 player e muito mais.

Até a próxima Namm Show!!! 12 / Revista Keyboard Brasil



Perfil

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Foto: Maurício Santana

Felipe Leme

FAZENDO A MÚSICA ACONTECER POR TRÁS DOS GRANDES ARTISTAS! FORÇA DE VONTADE E PERSEVERANÇA FIZERAM FELIPE LEME CONQUISTAR UM LUGAR DE DESTAQUE NO CENÁRIO MUSICAL BRASILEIRO E, COM ISSO, SER REQUISITADO POR DIVERSOS ARTISTAS, TANTO NOS PALCOS, QUANTO NOS ESTÚDIOS. A REVISTA KEYBOARD BRASIL DESTE MÊS TRAZ, COM EXCLUSIVIDADE, UMA ENTREVISTA COM MÚSICO QUE, ALÉM DE TECLADISTA, É PIANISTA, SAXOFONISTA E PRODUTOR MUSICAL. Heloísa C. G. Fagundes Felipe Leme, 28 anos, nasceu na cidade de Itatiba, interior de São Paulo. Vindo de uma família de instrumentistas, não demorou a demonstrar seu talento, vocação e facilidade para a música. Aos 9 anos começou seus estudos de teclado e saxofone em sua cidade natal, onde desenvolveu técnicas e conceitos básicos. Com 14 anos ingressou no Conservatório Modelo de Jundiaí, onde formouse Técnico em Música/Pianista. Com 18 anos ingressou no curso de Música Popular da UNICAMP e formou-se bacharel em música popular no ano de 2009, passando a lecionar teclado na conceituada EM&T (Escola de Música & Tecnologia), situada na cidade de São Paulo, até 2014. Ao longo de seus 16 anos de carreira, Felipe Leme tocou ao vivo, em

DVDs e gravou em estúdio com diversos nomes conhecidos do cenário musical brasileiro como Rick & Renner, Eduardo Costa, Rionegro & Solimões, Calcinha Preta, Pablo do Arrocha, Léo Maia, Rodrigo Rios, Eliane Camargo, Tenor Rinaldo Viana, Joe Hirata, Thaeme (Thaeme & Thiago), Gilmelândia, Tatau (Araketu), atuando como tecladista e saxofonista. Atualmente, além dos shows realizados por todo o Brasil, Felipe Leme ministra aulas particulares em seu home studio. Músico competente, tornou-se parceiro dos órgãos Hammond, Teclados Casio, Estantes Stay Music e In-Ear Earsound. Leia, a seguir, a entrevista exclusiva para a Revista Keyboard Brasil:

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Entrevista

Revista Keyboard Brasil: Há algumas edições, falamos do poder que o ambiente familiar musical tem sobre as pessoas. Você começou seus estudos musicais aos 9 anos. Como foi sua infância, vindo de uma família de instrumentistas? O ambiente em que você vivia foi decisivo na escolha de sua carreira profissional? Felipe Leme: Meu ambiente familiar sempre foi muito musical, mas nunca fui forçado a nada. Com 6 anos já tinha feito umas aulas de teclado, mas que não deram muito resultado. Naturalmente, com 9 anos, veio a vontade de aprender a tocar algum instrumento, e comecei logo com dois: teclado e saxofone. Sou o primeiro músico da família que vive profissional e integralmente disso e, posso dizer que o ambiente em que cresci 16 / Revista Keyboard Brasil

não foi decisivo na minha escolha. Estudei em excelentes escolas, sempre fui bom aluno, e poderia ter optado por qualquer outra área, mas costumo dizer que o “bichinho do palco” me picou e, a partir daí, não tinha mais volta. Desde então, minha família sempre fez o possível e o impossível para que tudo desse certo. Sem o apoio principalmente dos meus pais, talvez hoje eu fosse mais um advogado frustrado ou um desses engenheiros que contam os minutos para ir embora do trabalho. Sou um cara de muita sorte! Revista Keyboard Brasil: Qual sua influência musical? Felipe Leme: Tenho um gosto eclético justamente por ter recebido influências de todos os gêneros musicais. Lembro que


minha mãe ouvia Chitãozinho & Xororó no rádio, e meus amigos da escola ouviam Pink Floyd e Dream Theater... RKB: Você se lembra qual foi a primeira música que te deu muita vontade de reproduzir no teclado, assim que aprendeu a tocá-lo? FL: Um Dia, Um Adeus, de Guilherme Arantes. RKB: A maioria dos músicos inicia sua vida profissional tocando em bares e ministrando aulas. Com você foi diferente? Teve dificuldades? Conte-nos sobre sua trajetória artística. FL: Sou nascido e criado em Itatiba, uma cidade pequena no interior de SP e, por aqui os movimentos artísticos, de uma forma geral, são muito fracos. Quando eu comecei, só existiam duas ou três bandas na cidade que se apresentavam em bares e festas. Uma delas foi a que me convidou pela primeira vez para tocar na noite. Entrei com 12 anos de idade e aprendi muito com eles. Depois disso, a dúvida que eu tinha sobre “o que eu queria ser da vida” não existia mais. E foi uma questão de tempo! Muito estudo, principalmente no Conservatório de Jundiaí e depois na Faculdade de Música da Unicamp e força de vontade e perseverança para que as coisas começassem a acontecer e eu estar aqui contando um pouco dessa história para vocês... RKB: Ao longo de sua carreira, você tocou com diversos artistas de diversos estilos: pop, forró, sertanejo, axé, entre outros. Com qual estilo você mais se

identifica e por quê? FL: Eu transito bem e me identifico com todos os estilos, desde que a música que está sendo feita tenha verdade na sua essência. Mas sou obrigado a confessar que meus compositores preferidos, aquele repertório que eu toco em casa, não fazem parte desses estilos aí de cima... (risos) RKBrasil: Sendo um tecladista e saxofonista bastante requisitado, como consegue conciliar os shows com as aulas particulares em seu home Studio? FL: Eu procuro organizar os estudos com os meus alunos, com os quais aprendo muito também, nos dias de meio de semana, como terças e quartas-feiras. Geralmente, as viagens acontecem entre quinta e segunda-feira. Mas quando as datas coincidem, conto com a ajuda e compreensão dos alunos, para remarcar e repor as aulas que ficaram pendentes. RKB: Soube que além de músico você também é produtor musical. Conte-nos sobre essa sua atuação e quais trabalhos podem ser executados em seu home Studio. FL: Essa é uma área deliciosa de se atuar. Você recebe o trabalho bruto do compositor, muitas vezes uma gravação de voz e violão feita no telefone, e transforma no produto final que todos conhecem e ouvem nas rádios. No meu home Studio faço as pré-produções, arranjos e partituras para, então, depois entrar com os músicos e artistas em um estúdio profissional, gravar e cuidar da finalização, mixagem, masterização, etc... Revista Keyboard Brasil / 17


Foto: Vitor Salerno

RKB: A profissão de músico não é fácil. É preciso dedicação e estudo constante. Ministrando aulas, realizando shows, consegue tempo para descansar e rever a família com calma? FL: Quando não estou na estrada aproveito o máximo do tempo com a minha família em casa. Costumo dizer que músico só tem amigo músico, já que nossa vida social é bem “diferente”. (Risos). Tento sempre tirar um tempo para praticar atividades físicas. Um bom treino de musculação e uma boa noite de sono na sua própria cama formam a combinação perfeita para tirar de letra o cansaço da estrada. Vale lembrar que passamos várias noites dormindo em bancos de ônibus ou em poltronas de avião... RKB: Conte-nos sobre suas parcerias (Órgãos Hammond, Teclados Casio, Estantes StayMusic e In-EarEarsound). Quais modelos dessas parcerias você utiliza nos shows? Dê sua opinião sobre eles. FL: Entre os equipamentos da estrada 18 / Revista Keyboard Brasil

para os shows e os de estúdio para as gravações uso hoje em meu set, dois órgãos Hammond: O SK1 que é fantástico, som poderoso e engana muito por ser pequeno e l e ve . Q u e m j u l g a p e l a aparência não faz ideia do “estrago” que esse órgão é capaz de fazer. O outro modelo que uso é o XK-3c, que dispensa qualquer tipo de apresentação. É hoje o carro chefe dos órgãos portáteis Hammond e o instrumento que mais se aproxima de um verdadeiro Hammond B3. Com muito orgulho fechei a parceria com a Casio, e estou utilizando em meu set dois teclados da linha que foi lançada recentemente: O Privia PX-5S, um teclado com 88 teclas HA excelentes e uma gama de timbres bem variados, que atendem a qualquer estilo musical, merecendo destaque os Pianos Acústicos e EP's maravilhosos. Somado a ele tenho um Sintetizador XW-P1, também com timbres muito fortes e marcantes, possibilidades de edições quase infinitas e um custobenefício para virar a cabeça de qualquer tecladista. Meu namoro com a StayMusic já tinha um tempo, mas a partir do momento que eu conheci a linha de estantes duplas, a “Stay Piano”, fiquei absolutamente impressionado com a qualidade, resistência, beleza e praticidade do equipamento. Era isso que eu buscava e nunca tinha encontrado, até a Stay aparecer com essas estantes e me deixar maluco! (Risos...) Não troco as minhas por nenhuma outra do mercado!


Agora vamos tocar em um assunto delicado: Monitoração! Não faz sentido o músico gastar fortunas com teclados e acessórios, e desprezar a forma de ouvir tudo isso. Um fone de qualidade aliado ao sistema de monitoração e um bom técnico de monitor são fundamentais para que o nosso trabalho seja o mais prazeroso e confortável possível. Sou um dos primeiros parceiros da Earsound, uso o meu in-ear moldado com muito orgulho e reafirmo, minha vida musical pode ser resumida em duas partes: antes do meu in-ear e depois do meu in-ear! RKB: Quais conselhos você daria aos tecladistas que estão começando? FL: Estudem, dediquem-se, e toquem com prazer! Seja você profissional, hobbista ou apenas um iniciante que tem vontade de levar a música como profissão, mantenha o foco e batalhe com todas as suas forças. Você terá que matar um leão por dia! Viver de música no Brasil não é nada fácil, por isso esteja preparado para o dia que a oportunidade bater à sua porta!

RKB: O foco da Revista Keyboard Brasil – pioneira no mercado digital – é o mundo das teclas. Poderia nos dar sua opinião a respeito de nosso trabalho? FL: Além de admirar o brilhante trabalho que a RKB faz na Internet, acho fundamental a difusão desse tipo de canal para a expansão de informações referentes ao mundo das teclas. Espero que a cada dia, mais e mais músicos conheçam a Revista, e que possamos com isso nos ajudar sempre mais. Vida longa à Keyboard Brasil! RKB: Obrigada pela entrevista e sucesso sempre! FL: Foi um prazer, agradeço muito o convite e sucesso para todos nós! Quem quiser conhecer mais sobre o meu trabalho, entre em contato por email, facebook, instagram... As redes sociais estão aí para isso! Vamos trocar conhecimentos... Até a próxima! CONTATOS: E-mail: felipe_leme@yahoo.com.br Facebook: www.facebook.com/felipeleme1986 Instagram: www.instagram.com/felipe_leme

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Fotos: Divulgação

Tradição

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As mais famosas

Marchinhas

do carnaval brasileiro!

PREPAREM O CONFETE, A SERPENTINA E A FANTASIA: ESTÁ CHEGANDO MAIS UM CARNAVAL. MAS A FOLIA SÓ ESTÁ COMPLETA COM UMA BOA TRILHA SONORA. OU SEJA, AS MARCHINHAS DE CARNAVAL! Carol Dantas Muito antes de os sambasenredo e os trios elétricos se tornarem as estrelas dessa festa, eram as

marchinhas – sinônimo de bloco de rua – que alegravam os foliões. Com o compasso binário da marcha militar, andamento acelerado (mais ainda a partir da metade do século XX, por causa da influência das big bands de jazz), melodias simples, curtas e alegres (para grudar nos ouvidos com facilidade) e letras refletindo o bom humor da época, algumas com mensagens inocentes, manifestações de descontentamento político e social, e outras com letras maliciosas (não raro valendo-se do

duplo sentido), as marchinhas – surgidas no final do século XIX – guardam um espírito tipicamente carioca, tendo funcionado muitas vezes como uma crônica musical da cidade. A primeira música reconhecida como marcha de carnaval brasileira foi Ó Abre Alas, composta pela pianista e regente Chiquinha Gonzaga, em 1889, para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro. Porém, até 1920, quando Sinhô chegou com O Pé de Anjo, boa parte das marchinhas era importada. Entre as mais notórias, as portuguesas Vassourinha, muito cantada no carnaval de 1912, e A Baratinha, de Mário São João Rebelo, sucesso em 1917.

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Inicialmente calmas e bucólicas, a partir da segunda década do século XX, as marchinhas passaram a ter seu andamento acelerado, devido a influência da música comercial norte-americana da era jazz-bands, tendo como exemplo as marchinhas Eu vi e Zizinha, de 1926, ambas do pianista e compositor José Francisco de Freitas, o Freitinhas e atingiu o apogeu com intérpretes como Carmen Miranda, Emilinha Borba, Almirante, Mário Reis, Dalva de O l i ve i r a , S í l v i o C a l d a s , J o r g e Ve i g a e B l e c a u t e , que interpretavam as composições de João de Barro, o Braguinha e Alberto Ribeiro, Noel Rosa, Ary Barroso, Pixinguinha e Lamartine Babo.

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Época de Ouro A marchinha reinou na música brasileira a partir da década de 1920, nas vozes de Carmen Miranda, Almirante, Mário Reis, Dalva de Oliveira, Silvio Caldas, Jorge Veiga e Black-Out. Entre confete, lança-perfume e serpentina, eram eles quem entoavam as composições de João de Barro, o Braguinha (autor, junto com Alberto Ribeiro, de algumas das mais célebres marchinhas, como Chiquita Bacana, Yes! Nós Temos Bananas e Touradas em Madri), Noel Rosa (o poeta da Vila é co-autor de Pierrô Apaixonado), Ary Barroso (Eu Dei) e Lamartine Babo (Linda Morena). Na entrada dos anos 60, a popularização dos desfiles de carnaval marcou o início da ascensão do samba-enredo e o declínio da marchinha e dos blocos. José Roberto Kelly foi um dos últimos compositores que brilharam no gênero, com Cabeleira do Zezé e Mulata Iê-Iê-Iê.

Após o AI-5, quando a censura se instalou de vez (nada contente com a malícia das letras), a marchinha passou a ser objeto de iniciativas isoladas, como as de Caetano Veloso (Samba, Suor e Cerveja) e Chico Buarque (O Boi Voador). Composição da dupla João de Barro-Alberto Ribeiro, lançada sem sucesso em 1937, Balancê tornou-se, em 1980, uma das músicas mais tocadas do ano, na voz de Gal Costa – e foi este o último suspiro da marchinha. Atualmente, muitas delas conti-

nuam na memória dos foliões e são revisitadas nos eventos carnavalescos , animando blocos de rua e fazendo a alegria dos raros bailes de salão que ainda ocorrem no país. A seguir, a Revista Keyboard Brasil preparou uma pequena seleção para você cair na folia e relembrar algumas das mais famosas marchinhas de Carnaval.

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Deixamos de fora uma de suas marchinhas favoritas? Escreva para a Revista Keyboard Brasil contato@keyboard.art.br 24 / Revista Keyboard Brasil


O Abre Alas Música e letra: Francisca Gonzaga Transcrição: Maestro Marcelo Fagundes

Marcha-Rancho

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Comemoração

Aniversário de São Paulo A COMEMORAÇÃO EM GRANDE ESTILO ATRAVÉS DA JAZZ, BANDA SINFÔNICA E ORQUESTRA DO THEATRO SÃO PEDRO!

Foto: Gerardo Lazzarini

Júnior Rodrigues

Banda Sinfônica do Estado de São Paulo 26 / Revista Keyboard Brasil


Celebrando os 461 anos de São Paulo, a Banda Sinfônica, a Jazz Sinfônica e a Orthesp subiram ao palco do Theatro São Pedro no dia 25 de janeiro para um evento que se estendeu ao longo do dia, onde todos os concertos tiveram entrada franca. O concerto iniciado pela Banda Sinfônica do Estado de São Paulo e sob a regência de Marcos Sadao Shirakawa prestou bela homenagem à origem do Rock nos anos 50, com direito a Twist and Shout, Help, Yellow Submarine, entre

outros. Todos com arranjos de Alexandre Dalóia. A Jazz Sinfônica, regida por João Maurício Galindo interpretou temas de Arismar do Espírito Santo, além de composições de George H. Green, Egberto Gismonti e Cyro Pereira. A Orquestra do Theatro São Pedro encerrou as atrações do dia com um especial em comemoração ao aniversário de Mozart (27/01), sob a regência de André Dos Santos, com interpretações de As Bodas de Fígaro, Don Giovanni e A Flauta Mágica.

Assista trecho do projeto Rock Sinfônico com a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo regida pelo maestro Sadao Shirakawa, interpretando músicas dos Beatles e apresentado por Kid Vinil. (Projeto que reuniu, no mesmo palco, a mistura da música clássica com o rock n' roll da banda Dr. Sin). ..

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Ponto de Vista

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Samplear ou não

Samplear

A BUSCA POR SONS DIFERENTES MARCARAM A HISTÓRIA COMO UM TODO. COM OS TECLADOS SINTETIZADORES NÃO FOI DIFERENTE. UM POUCO DE SEU SURGIMENTO, SUA IMPORTÂNCIA E PARA QUE SERVE O RECURSO DE SAMPLEAR SÃO TEMAS DE NOSSA COLUNA ESSE MÊS. * Daniel Baaran Para começar a falar sobre “samplear”, é necessário explicar o que é, quando começamos esse processo e quando o usuário comum teve acesso a ele. A palavra “Sampler” significa “amostra” , que no caso dos

teclados é uma amostra de som de um instrumento acústico ou até de outros teclados clássicos, gravada em grandes estúdios e direcionada para uma tecla. Ou seja, quando você tocar aquela tecla, o som da respectiva amostra será gerado. Mas nem sempre foi assim.

Vemos aqui um desses teclados clássicos de uma das maiores empresas no seguimento dos sintetizadores e seu idealizador Dr. Robert Moog (1932-2005).

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Voltando um pouco no tempo, os

primeiros teclados da década de 50 eram criados para gerar sons que não existiam através de circuitos eletrônicos. Esses teclados eram chamados de sintetizadores, pois não era literalmente o som mas, sim, uma síntese dele. Muitas músicas foram produzidas usando esses “ruídos” gerados por esses teclados. A música eletrônica, por exemplo, só existe porque alguém teve a ideia de manipular os sons gerados por

esses teclados. Um dos teclados clássicos é o Moog, de uma das maiores empresas no seguimento dos sintetizadores. Algumas empresas como Roland, Yamaha e Korg, também começaram a se sobressair no seguimento de sintetizadores. Vários sintetizadores se destacaram nessa época como, por exemplo, a linha JUPITER-8, homenageada pelo impressionante JUPITER-80 da Roland nos dias de hoje (foto abaixo).

O Roland JUPITER-8, um dos prefixos mais reverenciados na história dos sintetizadores, foi homenageado com a criação do JUPITER-80. Criado em 1981, o Roland Jupiter-8 era um sintetizador com 8 vozes polifônico controlado por um teclado de 61 teclas.

O som inconfundível do Yahama DX-7 (ao lado) marcou uma geração e, até hoje, alguns teclados tentam imitá-lo. Há, também, o Korg MS-20 que foi relançado em 2013 em uma versão menor, o MS20 MINI (a seguir). 30 / Revista Keyboard Brasil


Lançado pela Korg em 1978 e produzido até 1983, o Korg MS-20 é um sintetizador monofônico semi-modular. Em Janeiro de 2013, a Korg anunciou na NAMM o lançamento do Korg MS-20 Mini, com tamanho de 86% do MS-20 original.

Toda essa busca por sons diferentes marcaram a história como um todo. Com o passar do tempo, a tecnologia avançou e os teclados conseguiram ter mais funções, mais armazenamentos e maior qualidade. Então, nos anos 70 começou uma nova era no seguimento dos teclados: agora, os teclados além de criarem sons únicos, também imitavam os instrumentos acústicos, como um piano, um violão ou até um trio de metais. Mesmo os sons sendo muito parecidos, os teclados ainda trabalhavam com sínteses de som. O processo agora era

estudar como o som se comportava, através de instrumentos de medição, e assim imitar o som para ficar o mais parecido possível com o original. Apesar disso, esses sons ainda não satisfaziam os tecladistas mais exigentes. Para tanto, o mercado teve de se adaptar e criar um novo jeito de fazer sons. Assim

nasceu o “sampler” que, na verda-

de, é um sistema muito simples de programação. Quando você aperta uma tecla, ela gera uma informação e dependendo da intensidade e duração com que essa tecla é pressionada, efeitos diferentes serão formados. Por exemplo, a tecla “Dó” se pressionada bem de leve gera o som "Dó" fraco, se pressionada com força gera o som “Dó” forte. Essas amostras de sons são gravadas em instrumentos acústicos perfeitos gerando, assim, sons perfeitos. Nos anos 2000 foi aberta ao público uma nova possibilidade de samplear qualquer coisa ou pegar algumas amostras de áudio de outros teclados ou software e organizar essas amostras em cada tecla do teclado. Teclados como Roland Fantom G, Yamaha Motif, Korg OASIS e Korg KRONOS possuem essa maravilhosa função. Em 2014, a Roland lançou o primeiro teclado com baixo custo que possui essa função: o Roland XPS-10. Revista Keyboard Brasil / 31


Fotos: Divulgação

O Roland XPS-10 é compacto, tem ótimos sons e é o primeiro teclado que faz sampler com um baixo custo.

Agora você já sabe o que é “sampler”, de onde veio essa necessidade e até alguns teclados que possuem essa função. Mas, eu quero te perguntar: – Devo “Samplear” ou não? Sou super a favor de usar sons sampleados nos teclados. Tenho dois teclados que têm essa função e amo colocar mais sons usando sampler. Porém, às vezes os tecladistas deixam de aproveitar os recursos e timbres de seus teclados e ficam sempre correndo atrás de samplers. Vez por outra, recebo em meu facebook pedidos de samplers como acordeons, metais, pianos, entre outros e pergunto para a pessoa se ela já tocou, ouviu ou editou todos os sons do seu teclado e, quase sempre a resposta é não. A importância de você explo-

para as músicas de seu repertório. É muito comum a pessoa ligar o teclado, ouvir o primeiro piano, órgão e string e depois sair correndo atrás de alguma programação sampleada na internet. O recurso “sampler” é uma ferramenta importante que o tecladista pode usar. Contudo, ela deve ser utilizada junto com todos os demais recursos que seu teclado já oferece. Busque editores ou dicas para você deixar seu teclado cada dia mais do jeito que você gosta. Quanto mais tempo você passa com uma pessoa, mais intimidade você tem com ela. Com os teclados não é diferente: quanto mais tempo você passa com ele, mais você vai conhecê-lo e saber utilizá-lo melhor. Tamu junto! Daniel Baaran

rar seu teclado, de ler o manual e SEMPRE ouvir todos os sons é muito grande. Nele, haverá sons ideais

Contatos: Facebook: www.facebook.com/DanielBaaran Twi er: @DanielBaaran Email: danielbaaran@keyboardcenter.com.br Site: www.keyboardcenter.com.br

* Daniel Baaran é especialista de produtos da Roland e colaborador da Revista Keyboard Brasil. 32 / Revista Keyboard Brasil



Ponto de Encontro

(da Música, Arte, Beleza, Educação, Cultura, Rigor, Prazer e Negócios)

DIANTE DE ANOS DIFÍCEIS, COMO AGIR EM 2015? Pensar diferente, pensar de forma estratégica, inovar e agir é a proposta do presente texto para os empresários. * Luiz Bersou 34 / Revista Keyboard Brasil


Crise no Brasil Muitos países preparam seus caminhos para voltar a crescer. No Brasil, mercado parado, convivemos com dificuldades econômicas graves e falta de confiança em tudo e em todos. Crises de confiança fazem mercados e cadeias produtivas perderem ritmo espalhando a crise econômica de forma contagiosa e perigosa. Nesse cenário, onde ninguém nos socorre, temos que

lutar como nunca por nós mesmos. O problema é nosso, de cada empresário. Enfrentar desafios com

coragem e construir a volta da confiança são elementos da grande tarefa. É de todos, não apenas de governantes. Pensar diferente, pensar de forma estratégica, inovar e agir. Essa é a proposta para os empresários.

O Check List da construção do resultado Depois de tantos anos reestruturando empresas, podemos dizer que existe a lógica do sucesso. Tanto para

1. Sabemos lidar com recursos escassos? Convivendo com restrições de recursos, característica brasileira, sabemos que caminho tomar em termos de lucrar para crescer ou crescer para lucrar? Aqui não há margem para erros!

indústria, como para serviços e educação, alguns cuidados se fazem necessários. Veja:

2.

Os nossos posicionamentos perante o mercado estão corretos? Os nossos produtos e serviços estão bem posicionados no mercado? Os fundamentos da estratégica competitiva a adotar estão claros? Buscamos participação de mercado ou buscamos lucro? Preço ou diferenciação? A estratégia competitiva é aplicada a rigor? Aqui também não há margem para erros.

3.

Foto: Divulgação

Medimos o que precisa ser medido? Sabemos o lucro nos clientes? Na medida em que as empresas entram progressivamente nos regimes de funcionamento complexos, a gestão do FrontOffice fica cada vez mais importante do que a gestão tradicional do BackOffice. Temos que trabalhar na construção do lucro na linha de frente e não mais na verificação “a posteriori” do lucro.

4. A cadeia de suprimentos em que estamos inseridos constrói ou destrói valor? É por aqui que boa parte de empresas brasileiras está se perdendo. Nossos governos se especializaram em destruir valor. Aqui também não se pode errar!

Revista Keyboard Brasil / 35


5. Como vamos nos inserir na cadeia de valor que nos interessa? Esse é o tema de grandes soluções no viés mercado. Que arranjo mercadológico desenvolver para sair do Mar Vermelho e ir para o Mar Azul?

6. Pode ir para o mercado de exportação? Então vá, por mais complicado que seja no Brasil. Os outros países estão crescendo bem mais do que nós. Isso vai nos ensinar a sermos competitivos.

Vamos comentar mais 6 temas apresentados acima:

1.

Escassez e restrição de recursos:

Se observarmos nosso progresso econômico desde o Governo Vargas, nos damos conta da nossa dependência de projetos nacionais decorrentes de pactos nacionais para sustentar o nosso crescimento. Isso acontece por falta de recursos estruturados para servir o mercado e, como decorrência, a existência de empresários capitalizados e competentes. Foi assim que construímos diversos setores industriais. Saudades do Barão de

Mauá... Em particular intervalo desses momentos, o empresariado nacional sempre padeceu com a agonia da falta de recursos financeiros. Com restrição de recursos, restrição de capital de giro, caímos nos fundamentos da Teoria das Restrições, o capital é o gargalo. Nunca enfrentamos, de forma metodológica e sistêmica, a questão de que o grande gargalo no Brasil é o capital e, portanto, como decorrência os modelos clássicos de administração, que pressupõem disponi36 / Revista Keyboard Brasil

bilidade de recursos, não são suficientes. Em vez de aprender a trabalhar com poucos recursos, preferimos sempre o endividamento como solução para as nossas empresas. Quantas vezes vimos empresários empenhados em crescer para lucrar, fundamentos de economia de escala, mas o que mais ganharam foi uma bela dívida para pagar com muito sofrimento? Podemos, então, dizer que carregamos uma sina do passado. Visão de volume a qualquer custo, sem a correspondente geração de margens para sustentar esse mesmo crescimento. Custos financeiros muito complicados como algo natural. Empresas morrendo sempre foi uma tônica nacional! Natural! Como resposta a essa sina, já tivemos excelentes resultados sabendo aplicar a Teoria das Restrições à necessidade de capital de giro. Lucrar para

crescer, capitalizar e, então, crescer para lucrar. Esse fundamento precisa ser cumprido. Quem agiu dessa forma conseguiu bons resultados.


2.

Nossos posicionamentos perante o mercado estão corretos?

Questão clássica onde ainda não agimos com a profundidade necessária.

Estratégias competitivas representam um jogo de vida ou morte! Isso mesmo, vida ou morte lenta. Muitas vezes não temos a devida consciência desse risco. A grande contribuição de Michael Porter¹ foi despertar a consciência dos empresários para esse jogo e a necessidade de optar. Vamos de estratégia de preço ou vamos de estratégia de diferenciação. O grande ensinamento: não se pode misturar as duas estratégias. A empresa sempre perde quando isso acontece.

3.

Medimos o que precisa ser medido? Sabemos o lucro nos clientes?

Por conta de padrões culturais, somente agora as empresas estão se dando conta de que, em atividades complexas, a verdadeira gestão se dá na linha de frente, no mercado, onde se produz e constrói resultados. Isso se dá no FrontOffice e não no BackOffice, onde a reação é sempre retardada. No FrontOffice a reação é sempre imediata. Nos momentos atuais de crise, dominar exatamente a margem auferida em cada cliente e o capital de giro que está sendo utilizado,

nos diz claramente se participação de mercado é importante ou não. Muitas vezes, o que encontramos são empresas que perdem dinheiro com

muitos clientes, sem se darem conta disso. Às vezes, perdem na margem. Na maior parte, perdem na margem e no uso excessivo de capital de giro, maior do que a margem gerada naquele cliente. Podem até ter percepção do problema, mas nada que substitua a gestão eficaz. Gestão muito mais eficaz! Menos custos fixos também como decorrência!

4.

A cadeia de suprimentos em que estamos inseridos constrói ou destrói valor?

Sempre associamos às cadeias de suprimentos, cadeias de valor. Visão do que cada um ganha por participar da cadeia de suprimentos. Tivemos recentemente o surgimento do conceito dos campos de valor, envolvendo empresas, sindicatos, exigências das relações de trabalho, normas e regulamentos que a burocracia de Governo começou a impor cada vez mais, na sua busca de querer controlar tudo e todos. Questão muito importante. Com essa evolução, todas as entidades envolvidas no campo de valor ganharam alguma coisa, menos os empresários, a origem de tudo. Esses, perderam muito. O que tivemos, então, do ponto de vista do empresário foi a transformação de cadeias de valor em campos de destruição de valor, pois tudo ficou mais caro, mais burocrático, mais lento e de maior risco. Atender ao governo e não ao mercado tem sido um grande ônus imposto a muitos empresários.

¹ Michael Eugene Porter (Ann Arbor, Michigan, 1947) é professor de Administração e Economia na Harvard Business School, além de ser autor de diversos livros sobre estratégias de competitividade. Revista Keyboard Brasil / 37


5.

Como vamos nos inserir na cadeia de valor que nos interessa? Valor na cadeia de suprimentos X Valor na cadeia de relacionamentos:

É histórico. De Roma herdamos a organização militar, a engenharia e o Direito Romano. Da Grécia herdamos a democracia, a separação entre deuses e Estado e a sociedade centrada na educação. Do oriente (aqui se destaca Samarkand², da qual falo há mais de 20 anos), herdamos os fundamentos que geraram o comércio produtivo e organizado e, a partir desse cuidado, a construção da riqueza. Os povos do Crescente Fértil nos ensinaram que a construção da riqueza se faz de forma mais eficaz, a partir do comércio, do que a partir da produção. Aprendemos que no comércio, o Comércio de Relacionamentos é o mais importante de todos, o mais eficaz e o de melhores resultados em longo prazo. Olhando os caminhos que o comércio de relacionamentos percorreu na história, vemos a riqueza que floresceu. Esse fenômeno aconteceu porque desde aquela época, a cadeia de valor estava mais na cadeia de relacionamentos do que na cadeia de suprimentos decorrente. Muita sabedoria! Com a revolução industrial, perdeu-se esse fundamento.

Visão de valor na cadeia de relacionamentos é uma das respostas à crise: Dependemos do sucesso dos clientes para que também tenhamos sucesso. É o princípio de funcionamento das cadeias de fornecimento. Os mapeamentos que

estudamos nos mostram que, nesse momento, os empresários, clientes e fornecedores estão muito sozinhos, desorientados e mais do que nunca

precisam de troca de ideias, troca de análises, visão de conjunto, conteúdos, gestão de conhecimento, soluções conjuntas, visão de parcerias e disponibilidade para estar juntos. Essa condição de troca entre empresários é hoje muito mais fácil por conta de redes de relacionamento proprietárias cada vez mais disponíveis. Formação de grupos de apoio mútuo é algo cada vez mais bem-vindo. Cada vez mais eficaz. Podemos perceber, desse modo, que o mercado começa a considerar que queremos de nossos fornecedores mais do que produtos. As empresas precisam de comércio de relacionamento, onde se constrói o valor pelo relacionamento. A matéria prima mais importante, hoje em dia, é a orientação para a construção de resultados a ser obtida nos relacionamentos.

Empresários, as novas propostas de relacionamento e formação de grupos de apoio mútuo: Histórias interessantes. Melhor alinhamento comercial da empresa com seus fornecedores e clientes é o que logo se destaca. Melhoria de relacionamentos completa o fenômeno. Mais discussões de como se posicionar no mercado tem, como resultado, ganhos de participação e também de rentabilidade. Nisso tudo,

² Samankand é a segunda maior cidade do Uzbequistão, situada num fértil vale irrigado. 38 / Revista Keyboard Brasil


entretanto, o que mais vemos atualmente é o potencial ganho de confiança entre os diferentes parceiros. Ajuda? O que sabemos hoje em dia é que ajuda, e muito.

Acorda muita gente!

O fator chave de êxito no estabelecimento do comércio de relacionamentos: Visitando países em que o comércio de relacionamento está estabelecido há séculos, conheci empresas com mais de 700 anos de vida. Outras 200, 150 anos e, assim por diante. No Brasil, quando uma empresa dura 10 anos, festejamos. A história mostra que o comércio de relacionamento formou grandes grupos de negócios. O segredo dessa continuidade no tempo sempre esteve em cuidados ao se estabelecer a comunicação e o relacionamento entre as partes. Das partes, com a sociedade em seguida. Há toda uma inteligência a ser trabalhada em processos de comunicação, onde o objetivo é sempre o mesmo, que é o de construir o significado de honra para cada empresário que participa dos grupos de apoio mútuo. Nos difíceis momentos atuais, essa é uma iniciativa inteligente, de pouco investimento e muito retorno. Nossos clientes e fornecedores sentem-se honrados por conta do relacionamento que estabelecemos?

Podemos ir para o mercado de exportação? Há 30 anos defendemos que a realidade do enfrentamento dos mercados de exportação é o que vai nos trazer a nossa verdade competitiva e a força para

desmontar as armadilhas que foram montadas nas cadeias produtivas brasileiras pelos diferentes governos que estão aí.

O composto de iniciativas para o enfrentamento da crise: Para os que não tem possibilidades no mercado de exportação, há que se trabalhar e fazer evoluir a gestão das empresas, a partir das 5 primeiras referências que estão no início do texto. O debate dessas referências é um importante fator de consolidação de orientação para muitos empresários. Já ajudamos muitos empresários com essa pequena cartilha. Mas o momento brasileiro é, sem dúvida, o momento de buscar a construção da cadeia de valor, não somente nos produtos, mas mais nos relacionamentos. Modernas tecnologias permitem um avanço rápido nessa direção. Trata-se de algo que todos empresários precisam considerar. Temos tido proveitosos debates nessa questão e excelentes resultados. Pense nisso! * Atualmente dirigindo a BCA Consultoria, Luiz Bersou possui formação em engenharia naval, marketing e finanças. É escritor, palestrante, autor de teses, além de ser pianista e esportista. Participa ativamente em inúmeros projetos de engenharia, finanças, recuperação de empresas, lançamento de produtos no mercado, implantação de tecnologias e marcas no Brasil e no exterior.

Revista Keyboard Brasil / 39


13

Toque e Aprenda

- continuação...

APRENDA OU MELHORE SEU DESEMPENHO NAS TÉCNICAS DO

JAZZ-BLUES

* Maestro Marcelo Fagundes

TRÍADES ou ACORDES As Tríades, também chamadas de Acordes, são formadas pela sobreposição (tocam-se juntas) de 3 notas musicais diferentes sons, existem quatro tipos principais de Tríades de uso comum: As Maiores, Menores, Aumentas e Diminutas. O exemplo a seguir mostra todas essas Tríades, construídas a partir da raiz de DÓ. Observe:

Observe que as Tríades são a sobreposição de TERÇAS, Intervalo de 3ª, utilizamos as Terças Maiores e Menores nesta sobreposição.

Temos então: 1.) Todo acorde básico estudado até aqui é formado pelo I, III e V graus da sua escala Maior. Dependendo das alterações ocorridas nos III e V graus, teremos formações diferentes de acordes. 2.) Dentre os acordes básicos, estudamos 4 formações diferentes: Acorde Maior = Fundamental - 3º M - 5ª J; Acorde menor = Fundamental - 3º m - 5ª J; Acorde diminuto = Fundamental - 3ª m - 5ª dim; Acorde aumentado = Fundamental - 3ª M - 5ª aumentada 3.) A origem de todos os acordes está na escala MAIOR e nas variações entre seus intervalos. Portanto, conhecendo a escala, automaticamente saberemos quais notas formam os acordes. 40 / Revista Keyboard Brasil


4.) É preciso uma familiarização com as diferentes escalas, seus respectivos acidentes e notas. por isso, exercite-se constantemente tocando todas as escalas MAIORES a partir das notas mais comuns em música popular: Dó, Dó#, Réb, Ré, Mi, Mib, Fá, Fá#, Sol, Láb, Lá, Sib e Si. 5.) A cifragem dos acordes mostra ao executante 2 informações básicas (além de outras abordadas futuramente): 1ª.) Nota fundamental do acorde, através das letras: A = Lá, B = Si, C = Dó, D = Ré, E = Mi, F = Fá, G = Sol 2ª.) Categoria (ou sufixo) do acorde: MAIOR = quando só temos a letra-A = Lá Maior, C# = Dó# Maior, etc. menor = quando seguido de “m” - Bm = Si menor, Fá#m = Fá# menor, etc. diminuto = quando seguido de “dim” ou º - A#dim = Lá diminuto, Gdim = Sol diminuto, A°= Lá diminuto, etc. aumentado = quando seguido de “aum” ou + - Baum = Si aumentado, G#aum = Sol aumentado, A+ = Lá Aumetado, etc.

Exercício: A partir de qualquer nota musical monte os 4 tipos de acordes.

TRÍADE ou TRÍADA As duas palavras estão corretas e existem na língua portuguesa. Sempre que quisermos referir um conjunto de três elementos, podemos utilizar os substantivos comuns femininos tríade ou tríada. A palavra tríade é tida como a mais correta e socialmente aceite, sendo a mais utilizada. A palavra tríada, embora com menor uso, aparece em dicionários como sendo o mesmo que tríade. A palavra tríade ou tríada tem sua origem na palavra grega triádos e na palavra em latim triadis. Exemplos: Dediquemo-nos à tríade: reciclar, reduzir e reutilizar. Dediquemo-nos à tríada: reciclar, reduzir e reutilizar. Aquela equipe tem uma tríade de jogadoras invencíveis. Aquela equipe tem uma tríada de jogadoras invencíveis. Existem, na língua portuguesa, palavras que apresentam mais do que uma grafia correta. A estas palavras chamamos formas gráficas variantes. Embora haja sempre uma forma preferida e mais utilizada pelos falantes, todas as formas são corretas. Bons estudos e até a próxima. * Marcelo Dantas Fagundes é músico, maestro, arranjador, compositor, pesquisador musical, escritor, professor, editor e membro da ABEMÚSICA (associação Brasileira de Música). Revista Keyboard Brasil / 41


Memรณria

*

O PIANO no carnaval de Recife ATUALMENTE, QUEM PODERIA IMAGINAR QUE UM INSTRUMENTO CLร SSICO COMO O PIANO PODERIA FAZER PARTE DO CARNAVAL, A FESTA POPULAR MAIS CELEBRADA NO BRASIL? Carol Dantas 42 / Revista Keyboard Brasil


Fotos: Divulgação

Quem vê um baile de carnaval dos nossos dias, mal pode imaginar o que seria esta mesma festa na primeira metade do século XIX.

Tudo começou com o advento do piano, que aportou no Recife na primeira década daquele século e foi responsável pela abertura das portas de nossa sociedade patriarcal: franquearamse os salões dos sobrados e casas senhoriais ao novo instrumento, que trouxe consigo o professor e, logo em seguida, as famílias amigas para apreciar os dotes artísticos das sinhazinhas nos famosos saraus¹. Foi este instrumento, depois móvel obrigatório em todas as residências, o grande responsável pelo acesso ao recolhimento dos sobrados, palacetes e até casas-grandes da zona rural pernambucana de então.

O piano proporcionou aos recifenses o gosto pelos saraus e reuniões familiares e, logo depois, segundo testemunho de viajantes, como Henry Koster (1810), pelas danças de pares a rodopiar ao som de valsas, polcas, scho isch, pas-de-quatre, mazurcas, quadrilhas, além do infernal galope, objeto das críticas do Padre Carapuceiro, na edição do seu jornal de 13 de maio de 1837:

“O que está dentro e bem dentro do grande tom é o turbulento galope. Esta dança é a favorita, é a dança que hoje mais prezam os mestres do grande tom. Ora uma senhora galopar, isto é, arremedando cavalos! Mas o que se lhe há de fazer, se é de grande tom dar coices em uma sala? […] Dizem-me já ter acontecido (valha a verdade) que um desses galopadores começando na sala, foi calcurriando, espinoteando e d'ali eclipsaram-se ambos (ele e ela) pelas escadas abaixo e ninguém mais lhes pôs o olho. Ainda agora a rabequinha está chamando, qual? Lá se foram por esse mundo, havendo dispensado o compasso da música, porque certamente não sei, que esta seja de absoluta necessidade para se escoicear. Que novo método de furtar Moças!” O galope, que tantos apreciadores conquistou ao longo dos anos, foi a primeira grande música do nosso carnaval de salão. Seria ele o responsável pela forma de “dançar aos saltos, aos pinotes”, na imagem de Theotônio Freire no seu romance Passionário (Recife, 1897), tão ao gosto dos nossos foliões, verdadeiro antecessor do “passo” em nossos clubes sociais.

¹Saraus: Os saraus chegaram ao Brasil juntamente com a família real movidos a erudição, requinte e soberba. Literatura, música, champanhe e vinho eram alguns dos ingredientes dos saraus do Brasil no século XIX. Revista Keyboard Brasil / 43


O Diário de Pernambuco, em sua edição de 23 de fevereiro de 1873, em pleno calor da Questão Religiosa, registra para o carnaval daquele ano, o grande galope para piano, de autoria do renomado musicista Francisco Libânio Colás (Maranhão 1832 – Recife 1885), sob o título Jesuítas a trote. No mesmo ano, a loja de Antônio José de Azevedo, da Rua Barão da Victória nº 11 (Rua Nova), anuncia a venda de composições do muito simpático maestro F. Santini: Você não me quer, valsa; Olga, mazurca; La separacioni, para canto; A luz elétrica, valsa; Franco-brasileiro, polca; Tomada de Valeta, galope; Joaninha, valsa; A libertinada, polca; A primeira espada, valsa; A natalícia, polca e a Studienta, polca (Diário de Pernambuco, 3.1.1873). Outra editora de músicas, a Casa Préalle, do Recife fez organizar, para o carnaval de 1886, um suplemento com redução para piano das composições: Dorme que eu velo; O sertanejo; Ó vinde, vinde, luz do céu; Tu és a pastora mais formosa; Tremei, Gabriela, tremei; Maria Pão; Buvons; Levate la camisela; Ó maná sum-sum; Caranguejo não é peixe; Adeus ao carnaval. Seriam esses os sucessos carnavalescos dos nossos salões na segunda metade do século XIX.

O piano veio a ser o instrumento por excelência, havendo ruas com dezenas deles e famosas por sua animação durante os dias do carnaval. Ruas dos bairros de Santo

Durante muitos anos, as famílias recifenses brincavam o carnaval utilizando o piano até o aparecimento da vitrola. Nessa época, também existiam os famosos carregadores de piano que entoavam cantigas nas ruas daquela cidade. 44 / Revista Keyboard Brasil

Antônio, São José e Boa Vista, até mesmo em arrabaldes distantes, eram alegradas, na falta do concurso de uma banda de música, por pianeiros a entoar os sucessos de então. Para isso, eram formadas as comissões, responsáveis pela arrecadação do dinheiro destinado a iluminação (algumas anunciando a utilização da luz elétrica), limpeza, decoração com arcos e bandeirolas, alegorias, instalação do coreto para banda de música, convite às entidades carnavalescas que


deveriam se apresentar nos três dias do carnaval e gestões junto aos proprietários visando à pintura das fachadas das residências. Mas, quando o dinheiro não era suficiente, os responsáveis pelas comissões organizadoras recorriam aos pianeiros, a fim de manter a animação nos dias dedicados à folia, como assinala o Diário de Pernambuco, em sua edição de 15 de fevereiro de 1885: “Carnaval da Rua da Imperatriz – A Comissão Carnavalesca da Rua da Imperatriz, encarregada de orná-la nestes três dias de carnaval, pede desculpas pelo trabalho imperfeito que apresenta, declarando que não haverá música por falta de verba, pois só conseguiu este ano angariar a insignificante quantia de 230$000 [duzentos e trinta mil réis], quando nos anos anteriores a subscrição promovida entre os moradores elevava-se a setecentos e tantos mil réis. A comissão desejosa de ser agradável aos high life da formosa rua da Veneza Americana, não poupou esforços para, com aquela diminuta quantia, cumprir o seu dever, decorando a mesma rua com elegância e modéstia exigíveis em casos tais. A comissão, porém espera, entretanto, que o sexo gentil da mesma rua preencherá o enorme claro por ela deixado, não só quanto a ornamentação como relativamente à música, pois que não lhes faltam graça, flores, pianos e afinadíssimas gargantas. A Comissão.” Como se percebe, nos diversos anúncios desse tipo, foram essas comissões as primeiras responsáveis pela organização do carnaval de rua do Recife. Ruas que ficaram famosas, graças a

dedicação e desvelo de suas comissões, segundo registro da crônica carnavalesca e de depoimentos de velhos foliões. Qual deles não se recordará, com doces lembranças, dos carnavais da Rua da Concórdia (famosa pelos seus pianos e pelas suas moças nas janelas), da Rua da Imperatriz (famílias fazendo roda e dançando de mãos dadas), do Pátio da Santa Cruz (que reunia as mais belas moças da Boa Vista), da Rua de São João, do Pátio do Terço, havendo ainda os carnavais dos subúrbios, como Encruzilhada, Praça do Trabalho, do Zumbi, de Santo Amaro, da Praça da Convenção, do Largo de Água Fria, que, por certo, ainda despertam as saudades dos mais velhos.

Ao som do piano, muitas famílias também brincaram o Carnaval de 1920, que aconteceu na primeira semana do mês de março. Naquele ano, eram cantados sucessos de carnavais passados: Meu boi morreu (1913), Pierrô e Colombina (1913), A Vassourinha (1911), Cabocla de Caxangá (1914), Ó Filomena (1915), A baratinha (1918) e o grande sucesso do primeiro samba gravado, como uma variante do lundu, polca, habanera, maxixe e tango brasileiro: Pelo Telefone (1917).

Por muitos anos, as ruas bucólicas do Recife presenciaram o passar dos famosos carregadores de piano. Oito a dez homens de mesma altura, práticos no serviço, fortes e musculosos, divididos em alas de quatro, ou cinco, que, com o piano nas cabeças, marchavam entoando cantigas . Há, até mesmo, uma citação inteRevista Keyboard Brasil / 45


Há, até mesmo, uma citação interessante de Vincenzo Cernicchiaro, em sua Storia Della Musica Nel Brasile, em que fala de uma oficina de pianos em Recife. Tal oficina deve ter surgido da curiosidade de algum amador ou afinador, que usou peças de pianos europeus para recuperar outros. Esta, talvez, tenha sido uma

das primeiras oficinas de piano do Brasil. Porém, nos anos que se seguiram, o piano foi cedendo lugar à vitrola, que veio a ser a grande divulgadora da música gravada nos salões do Recife e, consequentemente, adquirida pelos mais abastados moradores da cidade, até tornar um bem comum, sendo ouvida noite e dia, por toda parte. O piano, enfim, calou-se.

Revelando-se como importantes intérpretes e compositores do gênero definido como Frevo,

Nelson

Heráclito Alves Ferreira (1902 - 1976), multiinstrumentista, maestro e compositor, tocou em pensões, cafés, cinemas e saraus e foi considerado o pianista mais ouvido na época do cinema mudo e Lourenço da Fonseca Barbosa, mais conhecido como Capiba (1904 - 1997) músico e compositor. Músicos de formação mista, entre o autodidatismo empírico, através das orelhadas (prática de tocar de ouvido, sem leitura musical), comum aos que não têm fluência na leitura musical), da cópia por repetição, das escolas do baile, assim como, a dos conhecimentos adquiridos por meio de formação musical tradicional, com o estudo de regras e técnicas repassadas por seus mestres. Pianistas ou pianeiros (como eram pejorativamente chamados os pianistas de prática popular, sem formação acadêmica), compuseram ao piano a maioria de suas músicas.

FONTES: SILVA, Leonardo Dantas. O piano em Pernambuco. Recife: Editora Fundarpe, Diretoria de Assuntos Culturais, 1986. (Coleção pernambucana). SALDANHA, Leonardo Vilaça. Frevendo no Recife – A Música Popular Urbana do Recife e sua consolidação através do Rádio. In: Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP (Instituto de Artes – Doutorado em Música). Campinas, 2008. JACKSON, Mauro. História do piano no Brasil.

46 / Revista Keyboard Brasil


Vassourinhas Música e letra: Matias da Rocha e Joana Batista Ramos Transcrição: Maestro Marcelo Fagundes

Frevo

Revista Keyboard Brasil / 47


Falando sobre nossa Música

Na década de 1990, surgem renovadas categorias musicais de forte apelo popular que predominam por toda a década no Brasil, tais como o samba-pagode, a carnavalesca axé music (que este ano completa 30 anos de existência) e a nova música sertaneja de sotaque country americano. 48 / Revista Keyboard Brasil


Foto: Vincent Rosenblatt

Música Brasileira Dos primórdios até os dias atuais - Parte 18 Heloísa C. G. Fagundes

ANOS 90 O samba, o sertanejo, o forró, o funk, o hip hop, os sons baianos e a música eletrônica fazem parte dos ritmos produzidos a partir da década de 90 até hoje no Brasil. É a partir dessa

criativa fusão de diversas influências e a riqueza de gêneros musicais brasileiros que torna o país rico musicalmente. Com o enfraquecimento e a desarticulação do movimento pop-rock brasileiro e internacional do fim dos anos 80, surgem renovadas categorias musicais de forte apelo popular que predominam por toda a década no Brasil – como o dolente samba-pagode, a carnavalesca axé music e a nova música sertaneja de sotaque country americano – nessa ordem. Do pagode destacam-se os grupos Fundo de Quintal (tido como o criador do novo gênero), Raça Negra, Só Pra Contrariar, Art Popular, Katinguelê, Negritude Jr. Exaltasamba, Molejo, Soweto e centenas de outros. Considerado o mais baiano dos ritmos musicais contemporâneos, a axé music, que explodiu em 1985 através das músicas Fricote e Nega do Cabelo Duro, de Luiz Caldas, ressurge no início Revista Keyboard Brasil / 49


dos anos 90 através de nomes como Daniela Mercury, Durval Lélis, Margarete Menezes, Cid Guerreiro e Chiclete com Banana consolidando o gênero no Brasil e no exterior. Mais tarde, outros nomes surgiram com Ivete Sangalo, Netinho, Cláudia Lei e, Ricardo Chaves, Saulo Fernandes entre outros, além das bandas É o Tchan e Banda Eva. Da nova música sertaneja, Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, João Paulo & Daniel, Sandy & Junior, Gian & Giovanni, Christian & Ralf, entre outros. Surge uma nova geração de bandas de rock nos anos 90 como o Pato Fu, Skank, Raimundos, O Rappa, Jota Quest, Charlie Brown Jr, o polêmico Planet Hemp e o grupo soul Fat Family. Há espaço para ritmos africanos, latinos e jamaicanos – como o reggae e o ska, que dão a base para grupos como Cidade Negra, Tribo de Jah, ex-Nativus e outros. O Funk Melody despontou principalmente com a dupla Claudinho & Buchecha mas, também, tiveram destaque Mc Marcinho e Cidinho & Doca. A mídia nacional se 50 / Revista Keyboard Brasil

rende ao fenômeno do movimento mangue beat através de Chico Science & Nação Zumbi. A partir de então, de olho na novidade, praticamente boa parte da produção pop da música brasileira começa a introduzir e a se apropriar dos tradicionais tambores de maracatu e do jeito peculiar hip-hop abrasileirado de Chico Science cantar. A música brasileira recupera a sua energia criativa. Isso refortalece os grandes nomes da MPB e do samba que se preservaram durante os anos 80 e viram ídolos de uma nova geração como Gilberto Gil (em 94), Paulinho da Viola (em 95), Zeca Pagodinho (em 97), Caetano Veloso e Djavan (em 99). Grande parte do repertório tradicional esquecido da música popular brasileira se torna clássico, possibilitando inúmeros trabalhos de releituras – os chamados songbooks, principalmente através do trabalho pioneiro do músico e produtor carioca Almir Chediak com o seu selo Lumiar. Afirma-se mais uma brilhante geração intermediária de novos nomes na música popular brasileira, de


diferentes regiões e com algumas novas propostas de fusões da música nordestina e folclórica, com a do Sul-Sudeste e a do mundo pop internacional. Nomes como Carlinhos Brown (BA), Arnaldo Antunes (SP), Chico César (PB), Zeca Baleiro (MA), Lenine (PE), Rita Ribeiro (MA), Paulinho Moska (RJ), Pedro Luís e A Parede (RJ), e outros. O Brasil redescobre os diversos sotaques da chamada música regional de seus Estados, principalmente os do NorteNordeste (redescobrindo a Banda de Pífanos de Caruaru). Há de se mencionar, também, a predominância das mulheres no campo da interpretação de canções da MPB, onde vivem o seu momento máximo de afirmação: Marisa Monte, Zizi Possi, Cássia Eller, Fernanda Abreu, Marina Lima, Leila Pinheiro, Paula Toller, Zélia Duncan, Ná Ozze i, Vânia Bastos, Mônica Salmaso e outras. Depois de mais de 10 anos de um movimento praticamente marginalizado pela mídia, o rap atinge firmemente setores da classe média. Nesse movimento hip-hop (com o grafite e a breakdance), destacam-se tanto artistas de classe média alta como Gabriel, O Pensador, quanto grupos vindos das violentas periferias das grandes cidades como Racionais MCs (SP), Pavilhão 9 (SP), Faces do Subúrbio (PE), Planet Hemp (Rio), Nocaute (RJ), Detentos do Rap (da penitenciária do Carandiru, em São Paulo), Câmbio Negro (DF), Da Guedes (RS), Xis & Dentinho (SP), Marcelo D2 (Planet Hemp) – com contundentes críticas sociais. Boa parte da MPB e da música pop brasileira incorpora Revista Keyboard Brasil / 51


traços do rap em seus repertórios. Quase no final da segunda metade dos anos 90, presencia-se uma certa corrida à chamada música pop eletrônica em alguns setores da música pop nacional, mas novamente mais como efeito de arranjos musicais, uma vez que o gênero tecno não admite vocal. Destacamos alguns nomes da chamada nova geração de produtores e performers de música eletrônica brasileira como os Friendtronics, Xerxes, Mau Mau, Malboro, M4J, Marky, Tetine, X-Action, Lourenço Loop B, Ramilson Maia, Gismonti André, Fábio Almeida, Camilo Rocha e outros. À exemplo do que ocorre nas grande capitais do mundo há dez anos, o Brasil começa a viver o auge do culto aos DJs, que produzem as grandes festas ao ar livre chamadas de 'raves', ou em casas noturnas, e lançam CDs com remixagens e temas de suas preferências. A remixagem (o remix) é uma das manifestações mais modernas do momento.

52 / Revista Keyboard Brasil

Inovando com o besteirol musical, surge o conjunto Mamonas Assassinas, destaque nacional, vendendo em seu único disco mais de Um milhão e 800 mil cópias. Porém, um ano após estourarem, o conjunto inteiro faleceu num acidente aéreo em São Paulo. Finalizando a década de 90 com o inesperado e estranho fenômeno dos padres carismáticos cantores. Iniciado por Padre Marcelo Rossi, o CD de canções e coreografias religiosas, atinge a impressionante marca dos 3 milhões de exemplares vendidos. Aproveitando a oportunidade de mercado, outros padres viriam à reboque explorar o novo filão populista. É o caso de nomes como padre Fábio de Melo, padre Reginaldo Manzo i, padre Juarez de Castro, padre Zezinho, padre Antônio Maria e vários outros. Continua na próxima Revista Keyboard Brasil. Até lá!



Em debate

TÉCNICA.

Fotos: Divulgação

* PERFEIÇÃO

Frieza musical COM TAMANHA PERFEIÇÃO TÉCNICA EXISTENTE NAS GRANDES ORQUESTRAS, POR QUE É RARO UMA PERSONALIDADE MUSICAL FLORESCER NOS DIAS DE HOJE? ** Maestro Osvaldo Colarusso

Nunca, em tempo algum, houve tanta perfeição técnica na execução da música clássica. A perfeição da afinação e do domínio instrumental das grandes orquestras faz com que qualquer concerto delas possa se 54 / Revista Keyboard Brasil

tornar, com pouquíssimos retoques (edições), um CD prontinho. Quando ouvimos, por exemplo, uma gravação feita há 70 anos, vemos que este padrão de perfeição técnica é algo bem mais recente. É o caso de uma execução da Nona


Os pianistas Nelson Freire e Martha Argerich, a violinista Patricia Kopatchinskaja e os maestros Daniel Barenboim e Gustavo Dudamel, respectivamente.

Sinfonia, de Mahler gravada, ao vivo, em 1938 com a Orquestra Filarmônica de Viena regida por Bruno Walter. Esta mesma orquestra e este mesmo regente foram os responsáveis, 26 anos antes, em 1912, pela estreia da obra. Ao ouvirmos este precioso documento (alguns meses depois esta música foi proibida de ser executada pelos nazistas) percebemos eventuais desafinações, desencontros, ataques dúbios, coisas absolutamente impensáveis nos dias de hoje. Mas sentimos, ao ouvir esta gravação, algo que vai muito além da perfeição técnica. Sentimos uma entrega e uma honestidade que fazem deste um momento histórico. Existem inúmeros outros exemplos, como a imperfeição técnica de um

pianista como Alfred Cortot ou mesmo de Guiomar Novaes. Mas o que um pequeno esbarrão da pianista brasileira pode atrapalhar a sua marcante interpretação do Carnaval, de Schumann? O que estragaria a visão de Cortot da obra de Chopin, mesmo o próprio não tocando, às vezes, todas as notas? Arrisco dizer que certos artistas excepcionais não fariam sucesso nos dias de hoje caso se apresentassem como faziam em seu tempo. Muito provavelmente um maestro genial como o alemão Wilhelm Furtwängler, falecido em 1954, perderia uma boa parte de sua espiritualidade ao se sentir obrigado a ter uma técnica impecável de regência. Em resumo, não seria um Wilhelm Furtwängler. Revista Keyboard Brasil / 55


Guiomar Novaes: seu forte era sua personalidade artística, não sua técnica. Ouça sua marcante interpretação de Carnaval, Op. 9 (1/3), de Schumann.

Os altos padrões técnicos seriam os responsáveis pela estandardização das leituras musicais atuais? Não há dúvida que as personalidades artísticas únicas parecem algo do passado. Quando ouvimos uma mesma Sinfonia de Brahms regida por Toscanini, Klemperer, Bruno Walter ou

Mravinsky, percebemos uma gritante diferença. Hoje, quando ouvimos as rotineiras leituras de uma mesma Sinfonia de Brahms regida por Lorin Maazel, Zubin Mehta, Andris Nelsons ou Paavo Järvi, não sentimos grande diferença. Soa tudo igual.

Maria Callas e Martha Mödl fariam carreira hoje? As cantoras líricas Maria Callas e Martha Mödl tiveram o auge de suas carreiras na década de 1950. Ambas, Callas no repertório italiano e Mödl no repertório alemão, estavam longe de serem perfeitas no aspecto técnico. Callas, mesmo no auge, tinha um vibrato enorme e, pelos padrões dos tempos atuais, não tinha uma voz que chamaríamos de “bonita”. Mesmo assim, alguém foi capaz de expressar os sentimentos de Violeta Valery em La traviata, de Verdi como ela? Alguma cantora, mesmo que tecnica56 / Revista Keyboard Brasil

mente perfeita, conseguiu personificar a grandiosidade de Norma, de Bellini? Comparem a gravação recente de Cecília Bartolli, da obra prima de Bellini, com os registros de Callas. Dá até pena. Muito menos conhecida do que Maria Callas, Martha Mödl foi uma grande cantora wagneriana. Quando o maestro Wilhelm Furtwängler a conheceu, em 1949, ficou tão maravilhado com seu talento dramático que imediatamente planejou aproveitá-la em diversas ocasiões. São históricas suas gravações regidas pelo maestro


Imperfeita, mas genial. Assista Maria Callas em Tu che le vanita conoscesti del mondo, da Ópera Don Carlo, de Verdi, ao vivo em Hamburg, no ano de 1959.

alemão do Fidelio, de Beethoven e de A Valquíria, de Wagner. Seus registros feitos nos festivais wagnerianos de Bayreuth são maravilhosos, sobretudo o Parsifal, de 1951, e o Tristão e Isolda, de 1952. No caso desta última, a regência do jovem Herbert von Karajan, nos mostra o quanto ele era capaz em termos de expressão artística,

antes de se afundar numa incessante e vazia busca de perfeição técnica. Voltando a Martha Mödl, ela correria o risco de ser vaiada nos dias de hoje por sua voz “entubada” e por seu curto fôlego. Mas sua Kundry, no Parsifal permanece, na minha opinião, uma marcante referência.

Os resistentes: grandes personalidades nos dias de hoje Apesar da já dita estandardização nos dias atuais é evidente que existem marcantes exceções. Em termos daqueles mais maduros, em termos pianísticos, não podemos deixar de citar a argentina Martha Argerich e o brasileiro Nelson Freire. Um exemplo que me impressiona muito é da violinista nascida na Moldávia Patricia Kopatchinskaja. Dediquei todo u m t e x t o n o m e u b l o g http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/faland o-de-musica/ sobre suas estonteantes

gravações dos concertos de Bartók (o número 2), Ligeti e Péter Eötvös. Em termos de maestros, Gustavo Dudamel impressiona por sua fantástica energia.

Mas já que falamos de maestros há uma coisa que me perturba. Foi anunciado que o excelente maestro Maris Jansons abandonará a direção artística da Orquestra do Concertgebow, de Amsterdã esse ano. Eu me pergunto: para esta fantástica orquestra fará grande diferença? Um exemplo bem conhecido que resultou num enorme avanço é o do maestro húngaro Georg Szell, que atuou como diretor musical da Orquestra de Cleveland de 1946 até 1970, fazendo da mesma uma das melhores orquestras do mundo. O que seus sucessores fizeram? No máximo, se aproveitaram do altíssimo Revista Keyboard Brasil / 57


Sim, é possível ter uma personalidade musical. Assista Patricia Kopatchinskaja tocando Tzigane, de Ravel.

Foto: Arquivo pessoal

* Texto retirado do Blog Falando de Música, do Jornal paranaense Gazeta do Povo. Conheça o blog clicando em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/fa lando-de-musica/ **Premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) o maestro Osvaldo Colarusso é paulistano. Foi aluno de Enzo Pedini, Eleazar de Carvalho, Michel Philippo e de Genady Roshdestvensky. No passado, esteve à frente de grandes orquestras, como a do Coral Lírico do Teatro Municipal de São Paulo e a Orquestra Sinfônica do Paraná, além de ter atuado como solista. Como maestro convidado, tem atuado frente às principais orquestras do país, como a Petrobrás Sinfônica e a Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Além de participar dos principais Festivais de Música do país. Desenvolve, paralelamente, atividades como professor, produtor e apresentador de programas de Música Clássica na Emissora Estadual do Pa r a n á . D e sde 2 0 1 1 , C ol a r u sso é responsável por um dos blogs mais importantes de música clássica no Brasil, Falando de Música, d o j o r n a l paranaense Gazeta do P o v o . Atualmente, o maestro também é colaborador da Revista Keyboard Brasil.

58 / Revista Keyboard Brasil

nível da orquestra, mas nem Lorin Maazel, que foi diretor musical desta orquestra, de 1972 até 1982, e o atual diretor musical, Franz Welser-Möst, contribuíram em absolutamente nada para a evolução do conjunto. Pode-se dizer que a mesmice ronda a principal cidade do Estado de Ohio, que está perdendo público a cada ano para sua orquestra. O maestro argentino Daniel Barenboim, que realizou um trabalho um tanto quanto impessoal com a Sinfônica de Chicago (foi diretor musical dela de 1991 até 2006) provou que é capaz de realizar um trabalho de grande vulto: transformou a Staatskapelle Berlin em uma das melhores orquestras da Europa desde que começou seu trabalho de diretor musical da mesma em 1992, permanecendo à sua frente até hoje.

Sim, há espaço para que uma personalidade musical floresça nos dias de hoje. Mas está desproporcional o número de cantores perfeitos, virtuoses da batuta ou grandes instrumentistas com o número de verdadeiros artistas. Estes realmente se tornaram raros.



Por dentro

*

A TÉCNICA DO

MAESTRO

Foto: Divulgação

A arte dos gestos do regente - Parte 1

60 / Revista Keyboard Brasil


SER MAESTRO REQUER ANOS DE ESTUDO, DEDICAÇÃO, BOM PREPARO FÍSICO E MENTAL, AUDIÇÃO ACURADA E PERSONALIDADE CARISMÁTICA, O QUE NÃO É EXATAMENTE MUITO COMUM. AFINAL, O GRUPO NÃO SÓ RESPONDE DE ACORDO COM SUA CAPACIDADE TÉCNICA, MAS TAMBÉM, CONFORME O RESPEITO COM QUE ACOLHE A AUTORIDADE DO REGENTE. A SEGUIR, VAMOS ANALISAR OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA TÉCNICA EMPREGADA PELO MAESTRO NA ARTE DE TRADUZIR PENSAMENTOS MUSICAIS ATRAVÉS DE GESTOS E EXPRESSÕES. ** Maestro Angelino Bozzini Para que um grande contingente instrumental siga rigorosamente o tempo rítmico, a dinâmica e o andamento indicado na partitura pelo compositor, é necessário um líder que mantenha a ordem da orquestra, pois do contrário, seria fácil cada músico perder a marcação do tempo em relação aos outros. O maestro, como gerenciador do sistema musical, tal como conhecemos hoje, nasceu da necessidade de especializar um músico para providenciar o equilíbrio da massa orquestral desencadeada pelo Romantismo na segunda metade do século XIX. Contudo, a figura do maestro ou regente ainda é envolta numa atmosfera de magia e mistério. E, se é verdade que para a realização de um concerto seja necessário um toque mágico, 99% do

trabalho depende de muito conhecimento, uma boa técnica e um profundo estudo prévio das partituras.

É importante salientar que, embora a técnica da regência tenha evoluído, fundamentando-se hoje em critérios objetivos, o ponto decisivo é que

haja uma comunicação efetiva entre maestro e músicos. Isso quer dizer que é possível para um maestro, mesmo sem um bom preparo técnico de regência, conseguir bons resultados graças a uma intimidade com os músicos, com a qual cria-se um “código” de comunicação entre eles. Esse código, porém, só tem eficácia local. Quando o regente possui uma técnica clara e refinada, pode trabalhar à frente de qualquer grupo, conseguindo transmitir suas ideias musicais a todos os músicos – conhecidos ou não – através de seus gestos. Vamos analisar os princípios básicos da técnica empregada pelo maestro na arte de traduzir pensamentos musicais através de gestos e expressões.

Revista Keyboard Brasil / 61


As instâncias da Regência Podemos dizer que o ato de reger acontece em várias instâncias distintas: 1. Na mais imediata, os gestos do maestro devem indicar ao músico quando e como tocar. 2. Numa segunda instância, ele deve frasear o discurso musical conseguindo dar, a cada frase, sua inflexão adequada, destacando-a dos acompanhamentos. 3. Do ponto de vista mais elevado, ele deve ser capaz de articular a forma da música, conseguindo estruturar o jogo formado entre a apresentação, desenvolvimento e conclusão dos temas musicais presentes em cada obra.

Infelizmente, a grande maioria dos regentes não ultrapassa o primeiro nível, muitos sendo capazes apenas de indicar o quando , sem mais nenhuma indicação expressiva; são os chamados “batedores de compasso”. Esses poderiam ser facilmente substituídos por um metrônomo, como no filme Ensaio de Orquestra, do diretor italiano Federico Fellini. Vamos analisar, em detalhes, cada um dessas instâncias.

A marcação do Pulso Musical Os gestos do regente devem indicar primeiramente a pulsação do ritmo. O tempo musical não transcorre imutável e constante (pelo menos até Einstein surgir) como o cronológico. Ele pulsa e varia como o do nosso coração. 62 / Revista Keyboard Brasil

Assim, bater os compassos é um gesto pulsante. Por mais lento e legato que um trecho possa ser, os braços do maestro nunca traçam um desenho frio no espaço, mas pulsam com vida de um tempo a outro. Embora até uma criança possa imitar a aparência dos gestos do regente, conseguir um gesto que seja, ao mesmo tempo, vivo e preciso não é uma tarefa tão simples. Seu domínio exige um trabalho consciente e dedicado, similar ao do bailarino para andar com leveza e graciosidade.

A Intensidade Uma das características do som – que é fundamental para a expressão musical – é a intensidade, ou seja, os contrastes entre forte e piano. O maestro deve, com seus gestos, conseguir indicar claramente para cada naipe ou músico individual a intensidade com que eles irão tocar. Seus gestos devem ser capazes de destacar as ideias, que são os personagens do discurso musical, dos seus acompanhamentos - que são os cenários. Alguns compositores como Mozart, por exemplo, orquestram suas obras com uma técnica semelhante à dos pintores. Assim, uma única frase pode começar num oboé, passar para um clarinete e terminar num fagote. Cabe ao maestro sincronizar e equilibrar essas passagens, de forma que, para o ouvinte, a ideia musical da frase não se perca em meio ao colorido dos timbres dos diversos instrumentos.


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Foto: Arquivo pessoal

Quando o regente possui uma técnica clara e refinada, pode trabalhar à frente de qualquer grupo! – maestro angelino bozzini

As Articulações

As diferentes articulações musicais: staccato, legato, detaché e marcato, por exemplo, são uma forma de se obter diferentes texturas sonoras. Os gestos do maestro devem ser capazes de indicar claramente essas diferentes articulações, recriando um tecido sonoro vivo para a expressão musical.

As Entradas e os Cortes Embora todo músico de conjunto (seja ele qual for) deva, como parte de sua formação, saber contar e reproduzir corretamente o ritmo da partitura, na prática, o relógio interno de cada um nem sempre está perfeitamente sincronizado com o de seus colegas. Um solo executado conjuntamente por dois instrumentistas localizados em lados opostos do palco, possivelmente não começará ao mesmo tempo se não houver uma indicação clara e explícita por parte do regente. Da mesma forma, o final de uma frase pode ficar fragmentado se não for dirigido pelo regente.

Gestos para entradas e cortes fazem parte dos movimentos básicos da técnica de regência. Quanto mais claros eles forem para os músicos, mais clara será a expressão musical.

O Fraseado Você já foi a alguma conferência onde o palestrante lê seu discurso do começo ao fim num mesmo tom sem inflexões? Assim são muitos concertos musicais. E, mesmo que cada instrumentista individualmente se esforce para frasear sua parte, se não houver o fraseado do maestro para o conjunto, tudo soará monótono. Com exceção de alguns estilos musicais do século XX, quase toda música existente tem seu fraseado fundado sobre o fraseado da fala. E, como na fala,

cada frase tem um começo, um meio e um fim. É só quando quem fala consegue articular nitidamente cada frase, deixando claro para o ouvinte o começo e o fim de cada ideia que o discurso pode ser compreendido como um todo.

A Concepção da Forma É neste nível em que se distinguem os “maestros normais” dos “grandes maestros”. Reger uma obra é uma

coisa; construir uma concepção própria e conseguir expressá-la é outra muito distinta. A música é uma Revista Keyboard Brasil / 63


arte na qual os criadores têm, à sua disposição, um sistema de notação muito claro e preciso, com o qual podem ser grafadas as ideias musicais mais sutis. Por isso, pode parecer para muitos, que bastaria respeitar exatamente as indicações dos compositores nas partituras que as obras estariam fielmente interpretadas. A verdade, no entanto, está muito longe disso. Imagine que no futuro inventem uma máquina que possa analisar a estrutura de um ser humano nos mínimos detalhes, até um nível subatômico. Uma outra máquina poderia, a partir dos dados dessa análise, recriar uma cópia perfeita do ser original. Mas, e a alma? Pode ser descrita? Analisada? Copiada? Mesmos nas melhores orquestras do mundo, aquelas que poderiam tocar sozinhas de tão precisas que são, é necessário a batuta de um maestro para dar o “sopro divino” que cria a alma e origina a vida da música. Para conquistar esse poder, o maestro precisa evoluir interiormente como ser humano e, a partir dessa dimensão humana, mergulhar na obra, fazendo reacender dentro de si, a mesma centelha que, dentro do compositor, deu origem à criação. Para chegar a tanto, o caminho é mergulhar dentro de si próprio, tentando compreender sua condição de indivíduo e ser humano e, a partir daí, construir uma ponte entre essa experiência profunda e a prática musical.

Como funciona o Código Gestual do Regente Vamos analisar, neste artigo, alguns elementos básicos da técnica da regência. É importante frisar, desde o princípio, que existem diferentes “escolas” de regência que chegam a postular diretrizes opostas. A única regra

fundamental válida para todas é a de que o gesto, por si só, deve transmitir com clareza a ideia musical do regente. Muitos acreditam que basta ao maestro ser um bom músico para poder reger um grupo instrumental. Essa é uma ideia totalmente equivocada. Seria como achar que um excelente violinista poderia tocar um oboé sem um trabalho técnico específico, só por ser um grande músico. Cada instrumento, seja ele um simples triângulo ou uma orquestra sinfônica, têm sua técnica específica. Ela deve ser aprendida para que o instrumento seja executado corretamente. Vejamos agora as etapas do aprendizado dessa técnica. Continua na próxima Revista Keyboard Brasil.

* Textos publicados originalmente na extinta Revista Weril n.º 120 e 121. ** Angelino Bozzini é psicanalista, maestro e trompista. 64 / Revista Keyboard Brasil




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