Revista Keyboard Brasil 2018 número 55

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PARA QUEM VOCÊ ESTÁ TOCANDO?

TECLADISTA PRODUTOR:

Por que o público da mediocridade só aumenta?

A desmistificação do processo de criação

O SAMBA DE RAIZ:

EGBERTO GISMONTI:

Tradição do nosso povo!

A música que vem das florestas do Brasil

ESPAÇO GOSPEL:

ESPECIAL DOMINGUINHOS:

Primeiros passos para usar suas MULTITRACKS

Morria há 5 anos o poeta que transformava ideias e conceitos em obras de arte

Jether garotti jr. uma vida de entrega total à

música

Revista

Keyboard ANO 5 :: 2018 :: nº 55 ::

:: Seu canal de comunicação com a boa música!

Brasil




Editorial “Música de qualidade X medíocre” Salve músicos e apreciadores da música de qualidade! Um assunto de bastante discussão e que gera muita polêmica nos dias de hoje é a questão da música de qualidade versus a música medíocre. O que vemos no Brasil e no mundo fala por si: quanto mais rica é a sua música, mais você é punido. Se sua música é pobre, você é agraciado. Os valores se inverteram! A canção de um pouco mais de qualidade, de engenho melódico e harmônico, e de bom gosto poético, com um universo simbólico mais aprofundado, essa música perdeu muito espaço. Por que essa cultura de idiotização? A resposta é simples: porque, para o governo e os poderosos, quanto mais burra a música melhor para controlar um público anestesiado, que ouve porcaria e enche a cara. Há cinco anos lutamos contra essa banalização trazendo um conteúdo que possibilita o conhecimento e a troca de informações com um único objetivo: disseminar qualidade. É um desafio a cada mês mas feito com muita sensibilidade por nossos colaboradores através da experiência acumulada de cada um deles. Para um mês de muitas festividades carnavalescas em meio a tanta

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Heloísa Godoy - Publisher

mediocricidade, apresentamos nossa 55ª edição, com uma matéria que aborda exatamente o assunto de nosso editorial, escrita por nosso colaborador Luiz Carlos Rigo Uhlik; Entrevistas com grandes músicos como o multiinstrumentista premiado e nossa capa do mês, Jether Garotti Jr.; além do pianista Albano Sales; Também fazem parte dessa edição, Egberto Gismonti, Dominguinhos, Stéfano de Moraes, Kate Bush e J. S. Bach; Grandes marcas como a Shure, sempre trazendo novidades para o mercado; E sobre a tecnologia a serviço do Reino, Quintanilha apresenta os primeiros passos para usar as tão comentadas Multitracks. Ainda sobre o mundo Gospel, Jeff discorre sobre suas cadências. Enfim, uma Revista que apresenta diversos estilos, porém com a qualidade que o leitor merece! Excelente leitura e fiquem com Deus!


Espaço do Leitor Minha colaboração com a Revista KEYBOARD deste mês: Paganini & Jimi Hendrix, Lizst & Keith Emerson: paralelos na música. Nos comentários, as 4 páginas do artigo. José Eduardo D'Elboux — Facebook Olha, um HELP teria sido algo assombroso! Dois loucos juntos (no bom sentido...)! Nem consigo imaginar o que poderia sair disso! Amei a matéria, amigo! Simplesmente deliciosa em seu conteúdo! Ficou um gosto de “mais!” quando acabou. Paganini & Jimi Hendrix, Lizst & Keith Emerson: paralelos na música. Guida Branco Marcantonatos — Facebook Mais um excelente artigo! Ficou boa a abordagem que permitiu falar do rock e da musica clássica ao mesmo tempo. A segunda parte poderia ser Mozart & Michael Jackson... Paganini & Jimi Hendrix, Lizst & Keith Emerson: paralelos na música. Mario Capecchi — Facebook Trabalho Belíssimo! Parabéns Heloísa Godoy a você e toda a equipe aí! Daltro Vieira — Facebook Heloísa Godoy essa revista é muito importante para nós! Parabéns Diogo Monzo — Facebook

Saiu meu artigo desse mês para EDITORA Keyboard. Uma matéria falando sobre Phill Collins e seu show no Brasil. Acessem, curtam, compartilhem!!! Hamilton de Oliveira — Facebook Vamos tocar Black Sabbath? (DICA TÉCNICA: Chances, de Black Sabbath, na edição número 54 escrita por Amyr Cantusio Jr.) Mateus Schanoski — Facebook Como é bom compartilhar da música; de uma conversa com os queridos companheiros de jornada, a nível nacional. Assim iniciamos 2018, com a primeira coluna do ano, com muita alegria e honra. Obrigado Editora Keyboard / Revista Keyboard Brasil e Heloísa Godoy pelo impecável trabalho! Bruno Freitas — Facebook Uma honra escrever junto com a Heloísa Godoy a matéria de capa da nova Keyboard Brasil sobre o meu sogro Hugo Fattoruso, que em 2017 foi tema de dois documentários e um livro. Joca Vidal — Facebook Que demais!!! LANÇAMENTO: Caravela Escarlate. Por Amyr Cantusio Jr. Ronaldo Rodrigues — Facebook Ô sorte nossa. Revista linda e só sucesso. É o Brasil que dá certo! Luciel Rodrigues — Facebook

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Mais uma edição incrível!!! A gratidão, sempre presente... Obrigado Revista Keyboard Brasil e Heloísa Godoy. É absolutamente incrível fazer parte disso tudo! Bruno Freitas — Facebook Para variar estou sempre entre os "em extinção" Eu afino pianos !!! (risos) faz uns 20 anos!!!! Pianistas também estão em extinção!!! Amyr Cantusio Jr. — Facebook Muito bonito trabalho Helô! Parabéns mais uma vez! Samuel Quinto Feitosa — Facebook Top! (Referente artigo sobre afinadores de piano - uma profissão em extinção, escrito por Heloisa Godoy na edição número 54). contrata_show — Instagram

Fevereiro / 2018

Expediente

rotti Jr. Jether Ga

Revista Keyboard Brasil nas redes sociais!!

Capa: Site

Vou reforçar, Helô, Linda, do Coração (Heloísa)! Nenhuma oração é mais potente que a gratidão! Muito Obrigado, sempre, pela oportunidade de dividir textos e análises sobre música, Instrumentos Musicas e Arte! Mas, vou reforçar: Precisamos criar um movimento para difundir melhor o nosso trabalho. Estamos na UTI. Leio todas as matérias da nossa Revista e percebo que a grande maioria dos amigos está vivendo num mundo de ilusão com relação à propagação da Música. Ou nos unimos, observando a realidade, analisando o caos em que nos encontramos, ou vamos nos "divertir" escrevendo sobre Música! Avante! Luiz Carlos Rigo Uhlik — Facebook

Revista Keyboard Brasil é uma publicação mensal digital gratuita da Keyboard Editora Musical. Diretor: maestro Marcelo D. Fagundes Publisher: Heloísa C. Godoy Capa: Site Jether Garotti Junior Caricaturas: André Luiz Marketing e Publicidade: Keyboard Editora Musical Correspondências /Envio de material: Rua Rangel Pestana, 1044 - centro - Jundiaí / S.P. CEP: 13.201-000 Central de Atendimento da Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br Anuncie na Revista Keyboard Brasil: contato@keyboard.art.br Colaboradores da Revista Keyboard Brasil desta edição: Maestro Osvaldo Colarusso / Amyr Cantusio Jr. / Jeff Gardner / J. Eduardo. D’Elboux / Luiz Carlos Rigo Uhlik / Rafael Sanit / Hamilton de Oliveira / Evaristo Fernandes / Bruno de Freitas As matérias desta edição podem ser utilizadas em outras mídias ou veículos desde que citada a fonte. Matérias assinadas não expressam obrigatoriamente a opinião da Keyboard Editora Musical.

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Índice

08 MATÉRIA DE CAPA: Jether Garotti Jr - por Hamilton de Oliveira e Heloísa Godoy

Kate Brush - por Amyr Cantusio Jr.

TECNOLOGIA: Shure Plus Motiv Vídeo: seu novo aplicativo - Redação

OPINIÃO: J. S. Bach: interpretações e autenticidade - por J. Eduardo D’Elboux

30 MUNDO PROGRESSIVO:

26

20

34

40

TRADIÇÃO: O Samba de raiz: tradição do nosso povo - Por Heloísa Godoy

REVOLUÇÃO MUSICAL: Egberto Gismonti - por Sergio Ferraz

48

52 PERFIL: Albano Sales - por Amyr Cantusio Jr.

A VISTA DO MEU PONTO:

Para quem você está tocando? - por Luiz Carlos Uhlik

60 NA ESTRADA: Stéfano de Moraes - Por Rafael Sanit

72 HOMENAGEM: 5 anos sem Dominguinhos - Redação

64 ESPAÇO GOSPEL: Primeiros passos para usar suas multitracks - por Zeca Quintanilha

80 ENFOQUE: Apreciação musical de duas pinturas de Caravaggio por Osvaldo Colarusso

56 PAPO DE TECLADISTA: Tecladista produtor: desmistificação do processo de criação - Bruno Freitas

68 ORIENTE-SE: Cadências Gospel, parte 4 - por Jeff Gardner

86 NEUROCIÊNCIA:

Da hipersensibilidade à falta de musicalidade - por Heloísa Godoy Revista Keyboard Brasil / 07


Matéria de Capa uma vida de entrega total à

Fotos: Arquivo Pessoal

Jether garotti

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música

jr.

COM 40 ANOS DE EXPERIÊNCIA,

O PREMIADO

MULTIINSTRUMENTISTA JETHER GAROTTI JUNIOR ATUA

COMO

INSTRUMENTISTA,

ARRANJADOR,

ORQUESTRADOR, DIRETOR MUSICAL E CRIADOR DE TRILHAS SONORAS.

ADMIRADO POR SEUS

COLEGAS, PARTICIPOU COMO INSTRUMENTISTA, ARRANJADOR E ASSISTENTE DE DIREÇÃO MUSICAL NOS PROJETOS DE DIVERSOS ARTISTAS NACIONAIS COMO MILTON NASCIMENTO, NANÁ VASCONCELOS, TOQUINHO, JANE DUBOC, JOÃO BOSCO, ALCIONE, IVAN LINS, EDU LOBO, ANA CAROLINA, ZIZI E LUIZA POSSI, FAFÁ DE BELÉM, EDUARDO DUSEK, ELIZETE CARDOSO,

NEY

MATOGROSSO,

GONZAGUINHA,

FLÁVIO VENTURINI, LEILA PINHEIRO, PAULA LIMA, ROSA

MARIA,

PAULINHO

LUIS

DA

MELODIA,

VIOLA,

DOMINGUINHOS,

TONINHO

FERRAGUTTI,

PAULINHO MOSKA, MORAES MOREIRA, CADU DE ANDADE,

LUZIA

DVOREK,

ENTRE

OUTROS.

PARALELAMENTE É ARRANJADOR RESIDENTE DA ORQUESTRA

SINFÔNICA

DE

HELIÓPOLIS,

QUE

CONTA COM DIREÇÃO ARTÍSTICA DO MAESTRO ISAAK KARABTCHEVSKY E É ADMINISTRADA PELO INSTITUTO BACCARELLI.

NOSSO COLABORADOR

HAMILTON DE OLIVEIRA REALIZOU UMA ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O MÚSICO. *Texto: Heloísa Godoy *Entrevista: Hamilton de Oliveira

Revista Keyboard Brasil / 09


Admirado por seus colegas Jether Garotti Junior participa como instrumentista, maestro, arranjador e assistente de direção musical nos projetos de diversos artistas nacionais dentre eles João Bosco, Ivan Lins e Zizi Possi. Fotos menores: (1) Com João Bosco. (2) Com Ivan Lins. (3) Com o colaborador Hamilton de Oliveira. .

N

ascido em 11 de fevereiro de 1966 na cidade de São Paulo, Jether Garotti Junior é

pianista, tecladista, clarinetista, vocalista, soundesigner, arranjador, orquestrador, produtor musical e compositor de trilhas sonoras. Iniciou seus estudos de música ao piano, flauta doce e violão em 1972, no laboratório de música GEGEDEC (Grupo Escolar Ginásio Experimental “Dr Edmundo de Carvalho”) com a Professora Sofia Helena Freitas Guimarães de Oliveira. 10 / Revista Keyboard Brasil

No ano de 1979, ingressou no Conjunto de Flautas Doce “Guiomar Novaes” ainda sob regência da Prof. Sofia Helena, realizando concertos nos mais importantes palcos de São Paulo e do Brasil. Em 1981, o mesmo conjunto foi premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) como o “Melhor Conjunto Instrumental de Música Erudita”. Em 1984, ingressou na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), graduando-se


Jether Garotti Junior: “Sempre me lembro desse grupo de amigos do Conjunto de flautas doce Guiomar Novaes, da Tia Sofia Helena! Da gente tocando músicas de natal em cima do caminhão pelo centro de São Paulo... O que aprendi trago comigo, em cada nota, em cada acorde, sempre como homenagem e agradecimento a todos pela amizade e a oportunidade de poder, desde aqueles dias, buscar fazer música não para mim, mas para o que for preciso! Obrigado Tia Sofia, obrigado velhos amigos do Guiomar! Saudades.”

em clarinete erudito no ano de 1989, participando de vários atividades concertos e apresentações com grupos camerísticos como Festival de Campos do Jordão, Encontros de Orquestras de Tatuí, Quinteto Poulenc e fazendo parte desde 1986 da Orquestra Sinfônica Juvenil do Litoral regida pelo Maestro Lutero Rodrigues e da Orquestra Sinfônica de Santo André regida pelo Maestro Flávio Florence, onde permaneceu até 1989. Neste período, foi regente do Coral da Letras USP e do Coral da Odonto USP e professor de clarinete do X Festival de Música de Prados, em 1987. De 1987 a 1995 Jether fez parte como pianista e clarinetista do grupo “Heartbreakers”, onde participou de diversos shows em casas de espetáculos

por todo o Brasil. Participou de musicais “Emoções Baratas”(1987) e “Mucho Corazon”(1990) dirigidos por José Possi Neto, gravou CD's como “Elligtonia” (1988) e “Só vale de dançar”(1990). Em 1990, a convite da cantora Zizi Possi, participou da criação e elaboração do CD “Sobre Todas as coisas”, ganhador de diversos prêmios e participando de vários shows pelo Brasil, iniciando uma parceria que dura até hoje, completando 24 anos de muita música. Em 1991, fez parte do grupo “Hard Bop e Café” premiado no concurso “Free Som” com a participação no Festival Free Jazz daquele ano. No mesmo ano, gravou com Jane Duboc o CD “Mouvie Melodies” se apresentando pelo Brasil afora. Em 1993, com Zizi Possi, o músico Revista Keyboard Brasil / 11


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participou do projeto “Valsa Brasileira”(1993), “Mais Simples”(1995), “Per Amore”(1997), “Passione”(1998), “Puro Prazer”(1999) - indicado ao prêmio de “Melhor cd de Música Brasileira” e “Melhor Cantora” do GRAMMY Latin Awards em Los Angeles. Depois participou de projetos como “Bossa” (2001), “Prá Inglês ver…e ouvir”(2005), “Cantos e Contos”(2008) e “Tudo se Transformou” (2010), completando 24 anos acompanhando a cantora Zizi Possi como instrumentista, arranjador e hoje maestro de Zizi. Participou também de projetos com Milton Nascimento da tour do CD “Amigo”(1995), Naná Vasconcelos nos projetos “ZUMBI”(1995) e “ABC MUSICAL”(1996) como pianista, arranjador e assistente de direção musical. No teatro, participou como compositor nas peças de grupo como PIA FRAUS: “Flor de Obsessão”(1995), “O Vaqueiro e o Bicho Frouxo”(1997) e “Frankenstein”(2000). Em 1997 foi criador da trilha sonora da peça “Salomé” dirigida por José Possi Neto e estrelada por Christiane Torloni. Em 2005 fez a trilha sonora de “As Viúvas de Maridos Mortos” de Laís Correa e também da trilha sonora da peça “O Cravo e a Rosa” de Xico Abreu, indicada ao Prêmio CocaCola como Melhor Trilha Sonora (2006). Em 2007 foi convidado pelo Instituto Baccarelli a ocupar o cargo de arranjador residente da Orquestra Sinfônica Heliópolis, cargo que ocupa até hoje, participando de projetos com Zizi

Possi, Leila Pinheiro, Flávio Venturini, Paula Lima, Luiz Melodia, João Bosco, Moraes Moreira, Rappin Hood, Fafá de Belem, Padre Marcelo Rossi, Ivan Lins e Guilherme Arantes e hoje atua como arranjador e orquestrador para diversas formações instrumentais pelo Brasil, como a Orquestra OPUS, Orquestra Municipal de Jundiaí, Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, Orquestra Sinfônica Heliópolis, Orquestra Juvenil Heliópolis, Orquestra de Sopros de Caxias do Sul e da Orquestra Experimental de Repertório de São Paulo. No mesmo ano se graduou MESTRE em Música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Desde 1988 cria trilhas sonoras publicitárias e trilhas sonoras para dança, junto com a Companhia da Dança nos projetos “Forró for All”(1994), “Mardito Mar”(1995); e com o Balé da Cidade de São Paulo nos projetos “Como num Jardim”(1997), “Plenilíunio” (1998) e “Deserto dos Anjos”(2002). Jether é endorsee Yamaha desde 2014. Como maestro arranjador do projeto “Minas em Mim 2015” com Jane Duboc e do projeto “Concerto para Voz e Piano” com Zizi Possi, viajou pelo Brasil. O CD e DVD “Cantor ”, em parceria com Cadu de Andrade e Jane Duboc com temas de autoria da cantora, é seu mais recente trabalho e foi lançado em 2016. A seguir, a entrevista exclusiva cedida ao colaborador Hamilton de Oliveira. Revista Keyboard Brasil / 13


Entrevista

‘ ‘

Sobre minhas influências, tenho várias, entre eles Duke Ellington, Lyle Mays, Egberto Gismonti, Herbie Hancock e César Camargo Mariano, que foi um dos maiores influenciadores na minha carreira, um divisor de águas!

‘ ‘ – Jether Garotti Jr.

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Ao lado, foto menor: Jether Garotti Jr. na Expomusic 2016, no estande d a Ya m a h a Musical do Brasil, com nossos colaboradores Bruno de Freitas e Luiz Carlos Rigo Uhlik.

Revista Keyboard Brasil – Quais as lembranças mais remotas de sua infância com a música? O que você ouvia? Jether Garotti Jr. – Uma das primeiras lembranças que eu tenho foi quando morei em Itápolis (interior de São Paulo), por volta de 1974. Eu tinha 5 anos quando meu pai comprou a rádio vitrola Telefunken, me lembro que ouvia o LP da novela Selva de Pedra, onde eu corria de um alto falante para outro querendo ouvir quem estava na banda da esquerda, quem estava na banda da direita, no final ficava no meio da sala tentando descobrir como a banda da esquerda se comunicava com a banda da direita (risos). Aos 6 anos comecei a estudar piano contra a vontade do meu pai, que queria que eu fosse um engenheiro do ITA, mas para o azar dele e minha sorte, meu avô era clarinetista e, assim, a música falou mais alto. Revista Keyboard Brasil – Conte-nos um pouco de sua trajetória musical. Jether Garotti Jr. – Em 1979 comecei tocando no grupo de flauta doce “Guiomar Novaes” onde, em 1981, ganhamos o prêmio como melhor grupo instrumentista pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte). Logo depois entrei na USP em Revista Keyboard Brasil / 15


licenciatura em música, mas com vontade imensa de estudar piano popular, e não somente o erudito como havia na faculdade. Na USP, meu desejo era aprender o clarinete, só que os alunos já tocavam o instrumento há mais de dez anos. Assim sendo, tive que correr nos seis meses seguintes para aprender clarinete e entrar para o curso principal. Por fora já estudava piano popular no CLAM, logo depois com Ricardo Breim e, também, no Conservatório de piano popular de Santa Cecília onde, em 1984, acabei virando professor de piano popular. Nessa época, tocava somente música erudita como clarinetista de vários grupos, como a orquestra de Santo André, Orquestra Jovem do litoral. Eu estudava 8 horas por dia, com o sonho de entrar para a Orquestra Municipal de São Paulo. Foi quando em 1987, o Luca Raele, pianista e clarinetista do quinteto paulistano de jazz Nouvelle Cuisine, que fazia parte da cozinha do Heartbrakers, me convidou para tocar piano e clarinete na banda. Foi aí que comecei a me dedicar mais no piano para tocar o repertório deles, com base nos arranjos de Duke Ellington. Revista Keyboard Brasil – Quais suas influências (compositores, bandas, estilos)? Jether Garotti Jr. – Tenho vários, entre eles Duke Ellington, Lyle Mays, Jether Garotti Jr.: “Com a Zizi Possi, navegamos pelos diferentes repertórios de língua italiana, inglesa e brasileira. Tenho sido um co-arranjador dos seus projetos com participação direta nos arranjos”. 16 / Revista Keyboard Brasil


Egberto Gismonti, Herbie Hancock e César Camargo Mariano, que foi um dos maiores influenciadores na minha carreira, um divisor de águas, onde sua forma de tocar as harmonias e de acompanhar os cantores me fascinava, era o estilo do piano acompanhador. Revista Keyboard Brasil – Inclusive esse tema, do piano acompanhador, foi tese do seu mestrado, não? Jether Garotti Jr. – Sim, todo trabalho como sideman da Zizi, desde a década de 1990, foi o que me ajudou nesse trabalho. Pesquisei sobre a instrumentação não tradicional na época, como piano e percussão, piano e violoncelo, piano, pandeiro e violoncelo. A pergunta era: como recriar uma atmosfera, onde as frequências de graves, médios, agudos se complementavam? Procurei definir qual a função do piano acompanhador com base nas definições de Arnold Franz Walter Schönberg, significados na língua portuguesa, na língua inglesa e no âmbito musical. Na minha pesquisa, peguei duas canções cantadas pela Lenny, sendo uma tocada pelo Cesar Camargo Mariano, e outra pelo Gilson Peranzetta. Interessante que cada pianista interpreta de maneiras diferentes a mesma música tocadas somente com cifras, de acordo com suas próprias bagagens. E assim pude acompanhar de perto como é o processo de produção de cada um para executar a mesma música, de organizar as ideias, criar estruturas, arranjo, orquestração. Acredito que esse seja um caminho natural para se tornar um arranjador.

Revista Keyboard Brasil – Além de maestro e pianista, você também compõe? Como é o seu processo de composição? Jether Garotti Jr. – Meu processo de composição varia muito. Às vezes gosto de partir da revisitação harmônica, da reharmonização para começar a estruturar a música, desenvolvo a primeira parte, segunda parte, refrão. Depois, crio uma introdução, uma coda e, assim, você tem o básico da estrutura geral do arranjo. No passo seguinte, eu verifico qual a instrumentação que tenho disponível como, por exemplo, uma orquestra, um trio ou piano e voz e, a partir daí, monto o disponível instrumental para cada situação. Revista Keyboard Brasil – Me fale um pouco sobre a orquestração virtual. Jether Garotti Jr. – Desde o ano passado tenho estudado bastante sobre orquestração virtual. Eu tinha uma livraria muito grande de samplers, estava sempre usando com pressa, e não sabia exatamente como gravar, como mixar e como masterizar. Para sanar isso, fiz um curso de áudio sobre compressão musical, equalizador, efeitos, limiter, ganho, etc. Foi quando descobri que não sabia nada sobre áudio (risos). No curso, aprendi a dar nome às coisas que sabia de ouvido, por isso nosso termômetro ainda continua sendo nossa audição. Depois, fiz outro curso de masterização em Logic e, também, um curso de Symphonic Virtual Orchestration com Marc Jovani, onde ele aborda desde a preparação dos instruRevista Keyboard Brasil / 17


mentos, sala, ambientes secos, timbragem, como também a distribuição dos samplers e sua localização na ambiência sonora. Aprendi como distribuir os instrumentos virtuais para ficar equilibrado, ajustar a profundidade dos timbres, entre outros. Uma orquestra virtual nunca vai ser igual ou superar a real, mas é bem próxima do original.

final. É um desafio grande mixar e masterizar toda obra musical para ser tocada no fone, que é a referência final nos dias de hoje. Atualmente, existem softwares no mercado que já vem com presets de finalização em cd, fone, streaming. O mais importante disso é que o criativo não altere, independente do mercado.

Revista Keyboard Brasil – Quais teclados você utiliza ou já utilizou na sua carreira musical? Jether Garotti Jr. – Sempre trabalhei com pianos até 1987. Foi quando comprei meu primeiro teclado, o U-20 da Roland, e logo comecei a trabalhar para a Roland, fazendo demos para os equipamentos utilizando a linguagem midi. Depois dele tive o JV-1000, RD- 300, RD- 400, RD- 600, RD- 700. Fiquei durante 25 anos na Roland como parceiro. Em 2014, assinei com a Yamaha como endorsee. Hoje, tenho dois setups idênticos, cada um com um Yamaha CP-4 e um macbook com 10 teras de timbres, controlados pelo mainstage.

Revista Keyboard Brasil – Quais são seus projetos atuais e pro futuro? Jether Garotti Jr. – Em 2017, regi a Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro em shows com João Bosco com meus arranjos. Esse ano, estamos estudando uma parceria para desenvolver mais três projetos escrevendo e regendo. Tenho investido nessa área de mockups e midi, orquestração virtual, e desenvolvendo cada vez mais para música e imagem. Esse ano, tenho projetos com a Sinfônica de Heliópolis, com a cantora Pitty, Edu Lobo e Maria Gadú. E, também tenho um projeto musical com a cantora Rosa Maria.

Revista Keyboard Brasil – Como você analiza os consumidores de música hoje? Jether Garotti Jr. – Na década de 90, quando houve a mudança do analógico para o digital, a gente teve que se adaptar com as alterações na mixagem, na masterização. Nessa época, achávamos lindo aquele reverb digital na máster. Hoje, com a tecnologia do mp3, música de streaming, entre outros, tivemos uma nova adequação na master e mix para o produto 18 / Revista Keyboard Brasil

Revista Keyboard Brasil – Como começou a parceria com a Zizi Possi? Jether Garotti Jr. – Minha parceria com a Zizi começou no início dos anos 90, quando estava ainda no Heartbrakers, fazendo o espetáculo “Emoções baratas”, dirigida por seu irmão José Possi Neto. Nosso primeiro trabalho foi o show “Sobre todas as coisas”.Tem sido interessante essa parceria, pois aprendi várias formas de trabalhar com cantor, que me fez entender sobre como era o processo de acompanhar alguém ao piano, se tornar


sideman, arranjador e maestro. Navegamos pelos diferentes repertórios de língua italiana, inglesa e brasileira, tenho sido um co-arranjador dos seus projetos com participação direta nos arranjos. Revista Keyboard Brasil – Que mensagem voce deixaria para os leitores da Revista Keyboard Brasil? Jether Garotti Jr. – Diria que o mais importante é aprender a desenvolver uma linguagem única, com sua própria impressão musical, tentar aprender cada vez mais, desenvolvendo sua forma de interpretar e de tocar, para que muitas vezes, quando as pessoas precisarem de um pianista com a sua característica, elas saberão onde encontrar. Legal é saber que, mesmo que você toque no escuro em um palco, quando estiver no piano, alguém saberá quem está tocando, pois essa será sua marca registrada. * Heloísa Godoy é pesquisadora, ghost writer e esportista. Está há 20 anos no mercado musical através da Keyboard Editora e, há 10 no mercado de revistas, tendo trabalhado na extinta Revista Weril. Atualmente é publisher e uma das idealizadoras da Revista Keyboard Brasil - publicação digital pioneira no Brasil e gratuita voltada à música e aos instrumentos de teclas. * Hamilton de Oliveira estudou MPB/Jazz no Conservatório de Tatuí. Formou-se em Licenciatura em Música pela UNISO e Pósgraduou-se pelo SENAC em Docência no Ensino Superior. É maestro, tecladista, pianista, acordeonista, arranjador, produtor musical, professor e colaborador da Revista Keyboard Brasil. Revista Keyboard Brasil / 19


OpiniĂŁo

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J.S.BACH Interpretações e autenticidade BACH É UM CASO SUI GENERIS NA MÚSICA.

POUCO CONHECIDO EM

SUA ÉPOCA, RESTRITO A CIDADES MENORES

NO

PANORAMA

MÚSICA

DE

SEU

CONSIDERADO QUANDO

DA

TEM PO,

ULTRAPASSADO

MORREU...

ALGUMA

COISA DE SUA ENORME OBRA SE MANTEVE

NESSE

TEMPO,

MAS

QUASE COMO OBRA DIDÁTICA – BEETHOVEN CONHECIA E ADMIRAVA SEU CRAVO BEM TEMPERADO, POR EXEMPLO,

MAS

CONSIDERAVA

HAENDEL O GÊNIO DO BARROCO. OUTRA PARTE DA OBRA DE BACH TEVE QUE ESPERAR A REDESCOBERTA DE MENDELSSOHN, QUE ESTREOU SUA PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS PARA UMA PLATEIA SURPRESA... * Por J.Eduardo D'Elboux

Revista Keyboard Brasil / 21


‘ ‘

em sua época, mas conheceu pro-

fundamente a Música que se fazia então. Copiava avidamente as composições de Vivaldi, de Lully, de Haendel, as

estudava com profundidade e compunha nesses estilos com absoluta maestria. Não existem concertos ao estilo italiano, ou danças ao estilo francês, ou cantatas ou fugas tão boas quanto as de Bach. A interpretação de Bach também sempre causou controvérsias. Ao contrário dos compositores que tiveram suas obras sempre tocadas ao longo do tempo, e a transmissão se manteve, Bach tem despertado várias discussões de como seria a forma que ele mesmo interpretava suas composições. Um caso complicado é sua música para teclado – não havia piano em sua época, e muitos insistem que não tem cabimento Bach fora do cravo. Mas o mesmo Bach, ao final de sua vida, testou e aprovou alguns pianofortes que começavam a se modernizar... Quando as gravações iniciaram, ainda se interpretava um Bach mais “romantizado”, com grandes orquestras. Essa tendência se manteve por algum tempo, até que começou o movimento da música de época, que tentava reproduzir a interpretação como seria efetivamente com Bach. Inicialmente, com instrumentos originais, mas com interpretações mais tradicionais. Depois, as visões foram se radicalizando, e, além de instrumentos originais de época, adotou-se a afinação do período – meio tom abaixo da afinação

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Ao contrário dos compositores que tiveram suas obras sempre tocadas ao longo do tempo, e a transmissão se manteve, Bach tem despertado várias discussões de como seria a forma que ele m e s m o i n t e rp re t ava suas composições. Um caso complicado é sua música para teclado – não havia piano em sua época, e muitos insistem que não tem cabimento Bach fora do cravo. Mas o mesmo Bach, ao final de sua vida, testou e aprovou alguns pianofortes que começavam a se modernizar...

‘ ‘

B

ach pode ter sido pouco conhecido

– J.Eduardo D'Elboux moderna (o lá central normalmente é afinado em 440 Hz). Os andamentos foram ficando muito mais rápidos, e a dinâmica, considerada “invenção” de épocas mais recentes, diminuída ao mínimo, sem muitas flutuações. Para se ter uma ideia das diferenças que isso causa, preparei dois comparativos entre interpretações de duas peças de Bach, uma orquestral e outra para teclado.


BURGO TO DE BRADEN ER C ES. N O C H C TERPRETAÇÕ J.S.BA IN ES T EN ER IF O) D ENTO (TRECH as interpretaNº 3, 1º MOVIM Com o início d mara orquestras de câ a, oc ép e d es çõ ivileum Aurium já pr como o Collegi ida, ão original reduz giavam a formaç do bém o trabalho salientando tam mano cravo. Extre o u ín nt co o ix ba de um ante é a visão mente contrast cert e seu English Con Trevor Pinnock oldes orquestra nos m – também uma zanmanho, mas utili ta em al in ig or a d afinas originais com do instrumento interm arroubos de ção alterada, se de m dinâmica, e o entre se tã e es o as rg qu u , b ão en d aç pret e Bra rece Os Concertos d to mais vivaz. Pa tre os mais ui en m e to h, en ac B am e d d an nhecidas d o p or as obras mais co o p ó ac u m u la postos. Dos o m d co n ra já ti os e ss qu ro rtos G infladas e perfeitos Conce nhecido, para e interpretações co d s ai as m ad o éc é d 3 . nº de seis concertos, o os ao Margrave romantizadas. . Foram oferecid uo ín nt co e e d as o uas adapid cord ed p m mo u o curiosidade, d co om e C as qu o rg sua banda de Bradenbu th Emerson com .. ei o. K d : ra es no çõ ig ta i fo e ea emprego – itura prog-rock, ach do le B a e d um s z te fa re e rp ic té N in The or de Um dos grandes para sintetizad ichter, tinha ão R rs l ve ar K a os ta is m fa av nte e cr C ar lo s, passado, o rege o is , Wen d y ) estre, e sua ep M (d o d r l te na al io W ic trad m “Switcheduma visão bem rões da compo no famoso álbu d a pa ad av os gr ra pa e d s no orquestra, gran terpreta retando as obra in rp te o, in nt , le s h” ai ac m B on damento or Moog. sição, tem um an bora com a em a, ad er scente sintetizad ag na ex ia nc rê ve re talvez com Bach. apaixonado por um e d a d ti ní e sinceridad

UMA CURIOSIDADE... Dois dos intérpretes citados aqui tem alguns pontos comuns. O tecladista Keith Emerson e o pianista João Carlos Martins se conheceram na década de 70, em apresentações com Zubin Mehta, mas ficaram amigos na década de 90 mais por problemas extra-musicais: ambos tiveram problemas nos nervos das mãos e braços que os impediam de tocar piano adequadamente.

Quando do suicídio de Keith Emerson em 2016, Martins declarou sobre ele: “Soube no primeiro minuto que era um gênio”. Também tinham em comum, além da mútua admiração (que transparece da parte de Emerson no filme “João, o Maestro”), a interpretação do Concerto para Piano do argentino Alberto Ginastera de maneira magistral: Martins foi sugerido pelo próprio autor para a estreia

Revista Keyboard Brasil / 23


J.S. BACH - VARIAÇ

ÕES GOLDBERG, VA RIAÇÃO Nº 1 (TRECH O) DIFERENTES INTERP RETAÇÕES.

Esta obra de Bach, co nsiderada ao lado das Variações Diabell i de Beethoven, como uma das mais perfeitas no gênero, tem uma histó ria interessante. Compõ e-se de uma Ária e trinta Variações, e foi compo sta a pedido de um no bre insone que queria m úsica tocada no quar to ao lado do seu durante a noite. Goldberg er a o nome do cravista qu e tentava fazer seu pa trão dormir... Uma das interpretaçõ es mais tradicionais, ao cravo, é do cr avista Ralph Kirkpatri ck,

sóbria e contida. A interpretação desta composição pode ser dividida em antes e depois da gravação histórica de Gleen G ou ld ao pi an o, em 19 55 – ne sta , o pianista canadense re formula completamente nossa visão desta obra, considerada uma da mais herméti cas e abstratas de Bach, introduzindo um a vibração e originalidade inéditas. O próprio Gould a re gravaria em 19 81 , co m um a vi sã o co m pl et am en te diferente, mais clara e pausada (dura quase o dobro da grav ação anterior), mas sem o mesmo impacto . Complementando o comparativo, a visão mais de acordo com os estudos de ép oc a do cr av is ta e re ge nt e Tr ev or Pinnock, e a interpreta ção empolgante do pianista brasileiro An tônio Carlos Martins, um especialista em Bach.

mundial, e Emerson teve sua versão para prog-band elogiada por Ginastera pessoalmente. Neste vídeo, um pouco dessa proximidade desses grandes músicos, João Carlos Martins e Keith Emerson.

* J. Eduardo D'Elboux é engenheiro automobilístico e tecladista de rock progressivo, cujas tendências retomam a estética dos progressivos clássicos da década de 70. Fundador da banda progressiva TAU CETI, também foi tecladista do grupo Moonshadow. D'Elboux não é músico profissional mas a música é sua principal vocação. 24 / Revista Keyboard Brasil



Tecnologia

SHUREPLUS™ MOTIV™ VIDEO

novo aplicativo de gravação móvel

O NOVO APLICATIVO MÓVEL GRATUITO DA SHURE POSSIBILITA QUE OS CRIADORES DE CONTEÚDO CAPTEM VISUALMENTE MOMENTOS IMPORTANTES SEM SACRIFICAR A QUALIDADE DO ÁUDIO. * Redação

26 / Revista Keyboard Brasil


A

‘ ‘

Shure anunciou o novo

ShurePlus™ MOTIV™ Video, um aplicativo móvel

gratuito desenvolvido para integrar o excelente desempenho de áudio da linha de microfones MOTIV à funcionalidade de câmera de vídeo de dispositivos iOS, possibilitando que criadores de conteúdo captem visualmente momentos importantes sem sacrificar a qualidade do áudio. O aplicativo combina áudio límpido e captura de vídeo com controle integrado do microfone MOTIV em uma ferramenta de filmagem intuitiva, centralizada e com áudio de qualidade superior. Pensado para criadores de conteúdo que utilizam dispositivos iOS – inclusive repórteres, músicos que realizam gravações, vloggers e podcasters –, o aplicativo oferece medição de áudio na tela, áudio aprimorado e sem compressão, além de controles integrados para ajustar ganho e visualizar a forma de onda da gravação. “Com o crescimento exponencial da gravação e do compartilhamento de vídeo em diferentes plataformas digitais, móveis e de redes sociais, nunca foi tão importante capturar vídeos com um áudio de qualidade profissional”, comentou Paul Crognale, gerente de Marketing Global, Áudio para Músicos da Shure, e completou: “Seja para um repórter que realiza entrevistas para noticiários ou vloggers que capturam vídeos de um show, a qualidade do som é um elemento fundamental, e o aplicativo de vídeo padrão do sistema iOS raramente permite a clareza de áudio desejada. Com o áudio sem compressão oferecido pelo ShurePlus MOTIV Video, podemos representar com fidelidade a fonte de

Com o crescimento exponencial da gravação e do compartilhamento de vídeo em diferentes plataformas digitais, móveis e de redes sociais, nunca foi tão importante capturar vídeos com um áudio de qualidade profissional. [...] Com o áudio sem compressão oferecido pelo ShurePlus MOTIV Video, podemos representar com fidelidade a fonte de áudio original e superar de longe as gravações de vídeo convencionais no iOS. – Paul Crognale, gerente de Marketing Global, Áudio para Músicos da Shure

áudio original e superar de longe as gravações de vídeo convencionais no iOS.” O ShurePlus MOTIV Video permite a gravação de um áudio limpo e perfeito, não importa a ocasião. Além disso, o aplicativo oferece controle de ganho para ajustes a cada momento, medição na tela para a manutenção contínua da qualidade do áudio e controles convencionais de vídeo para a gestão integrada da apresentação visual. Para aumentar ainda mais a facilidade de uso do aplicativo, o usuário Revista Keyboard Brasil / 27


não precisa acessar simultaneamente a ferramenta de filmagem do iOS e o áudio do ShurePlus MOTIV para alterar as configurações do microfone MOTIV e visualizar a medição e a forma de onda. O controle integrado de áudio e vídeo do novo aplicativo permite que os clientes gravem um áudio de alta qualidade pressionando apenas um botão. Ideal para criadores de conteúdo com orçamentos limitados, o aplicativo gratuito oferece soluções simples para problemas técnicos bastante comuns em

gravações por dispositivos móveis iOS, além de funcionar com ou sem o uso de microfones MOTIV da Shure. O ShurePlus MOTIV Video integra o aplicativo de gravação ShurePlus MOTIV à linha ShurePlus de aplicativos de gravação móvel. O ShurePlus MOTIV Video já está disponível para download de graça na App Store da Apple. Para obter mais informações, acesse o ícone nas páginas anteriores.

Sobre a Shure Incorporated * Fundada em 1925, a Shure Incorporated (www.shure.com) é reconhecida como a maior fabricante mundial de microfones e produtos eletrônicos de áudio. Sua linha diversificada de produtos inclui microfones com fio, sistemas de microfone sem fio, sistemas de monitoramento pessoal intraauricular, sistemas de conferência e discussão, sistemas de áudio em rede,

28 / Revista Keyboard Brasil

premiados earphones e headphones, além de cartuchos fonográficos da mais alta qualidade. Sediada em Niles, Illinois (EUA), possui sedes regionais de vendas e marketing em Eppingen (Alemanha) e Hong Kong (China) e 30 outras unidades de fabricação e escritórios regionais de vendas nas Américas, Europa, Oriente Médio, África e Ásia.



Mundo progressivo

KATE BUSH

A BRUXA DO ROCK VINTAGE (Link CD Remaster) PARA OS QUE AMAM MÚSICAS INCRÍVEIS,

ORQUESTRADAS,

PROGRESSIVO VÃ O

SE

E

ÓPERA

DELICIAR

C O N H E C E R

EM

E S TA

LENDA

AT R A V É S

ARTIGO

DESTE

DO MÊS!

* Por Amyr Cantusio Jr.

30 / Revista Keyboard Brasil


Perfeccionista e detalhista, Kate deixou um legado na história do Rock anos 70!!

K

ate Bush nasceu na Inglaterra em 1958 e foi descoberta aos 17 anos de idade pelo

guitarrista do Pink Floyd, Mr. David Gilmour. A cantora de 59 anos fez uma série de shows antológicos no London Eventim Apollo, em Londres recentemente. As 15 apresentações, que ganharam o título de "Before the Dawn", representam o retorno de Bush aos palcos desde 1979, ano de sua primeira e última turnê. A turnê de 1979 chamada The Tour of Life, durou seis semanas no Reino Unido e Europa. Ao final, ela sentiu "uma necessidade terrível de se recolher". Desde então, surgiram várias teorias sobre a sua ausência dos palcos, desde o medo de voar a um perfeccionismo exagerado, passando pelo trauma com a morte do seu diretor de iluminação, Bill Duffield, que foi assassinado durante um show em 2 de abril de 1979. Numa entrevista à Revista Mojo, em 2011, Kate Bush explicou que se estava exausta após a turnê: "Foi muito bom. Mas fisicamente foi absolutamente cansativo". Na turnê, Kate Bush, com apenas 20 anos, interpretava as músicas dos seus dois primeiros álbuns, "The Kick Inside" e "Lionheart", e o espetáculo, concebido por ela e por Anthony Van Laast, era muito mais do que um simples show pois incluía dança, poesia, magia, teatro burlesco e 17 mudanças de roupa. O que era sua característica nos anos 70. E, assim, naquela época, nada havia que se comparasse a Kate Bush. Pianista erudita de mão cheia, vocalista bizarra e operística, performer e dançarina clássica, compositora de hinos do rock progressivo inesquecíveis como a clássica Whutering Heights que tocava em comercias de TV e o dia todo nas rádios. Alguns de seus videoclipes sensacionais Revista Keyboard Brasil / 31


incluem seu namorado passageiro, Peter Gabriel (Genesis). Até o meio dos anos 80, Kate ainda desfrutava de grande popularidade e algumas de suas lindas músicas ainda emplacavam hits mundiais. Algum tempo depois caiu em um ostracismo total. Hoje, poucos saudosos relembram a velha Bruxa Babooshka (linda como nunca) ou Sensual World (maravilhoso clipe celta) numa floresta encantada. Kate compôs todas suas músicas ao piano e voz e estes registros do início dos anos 70 (eu possuo) estão à disposição raramente em MP3 (versões acústicas de quase tudo pré-lançado) e são lindas. Segue um link CD para baixar gratuito que compilei e remasterizei para os fãs da Revista Keyboard Brasil!! DISCOGRAFIA (1978) - The Kick Inside (1978) - Lionheart (1980) - Never for Ever (1982) - The Dreaming (1985) - Hounds of Love (1986) - The Whole Story (Coletânea) (1989) - The Sensual World (1990) - This Woman's Work: Anthology (1993) - The Red Shoes (2005) - Aerial (2011) - Director's Cut (2011) - 50 Words for Snow

*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil. 32 / Revista Keyboard Brasil



Tradição

O

SAMBA

DE RAIZ,

TRADIÇÃO DO NOSSO POVO O SAMBA É CONSIDERADO POR MUITOS CRÍTICOS DE MÚSICA POPULAR, ARTISTAS, HISTORIADORES E CIENTISTAS SOCIAIS COMO O MAIS ORIGINAL DOS GÊNEROS MUSICAIS BRASILEIROS OU O GÊNERO MUSICAL TIPICAMENTE BRASILEIRO. A DESPEITO DA CENTRALIDADE OU NÃO DO SAMBA COMO GÊNERO MUSICAL NACIONAL, A HISTÓRIA DE SUA ORIGEM NOS TRAZ O REGISTRO DE UMA IMENSA MISTURA DE RITMOS E TRADIÇÕES QUE ATRAVESSAM A HISTÓRIA DO PAÍS. *Por Heloísa Godoy

34 / Revista Keyboard Brasil


A

música popular constitui o grande meio de expressão de nosso povo. Nesse universo, o

samba é mais do que apenas uma música, é expressão cultural de uma variedade de tradições musicais chegadas ao Brasil procedentes, em parte, da África e da Europa mescladas aos grupos indígenas aqui encontrados, a partir do século XVI. Nos parece inevitável que o Brasil – sendo um grande caldeirão étnico – pudesse criar uma música reconhecida como brasileira e resultante das interinfluências musicais que produziram uma resultante, no caso do samba, composta de elementos rítmicos, formais, sonoros e expressivos africanos e práticas melódicas e harmônicas europeias. As origens musicais do samba se interpenetram com as do lundu, surgido no século XVIII e incorporado, definitivamente, à cultura carioca desde 1845, quando influenciado à polca europeia, propiciava o surgimento do choro, por volta de 1870. Na mesma época em que surgia o maxixe – primeira dança urbana carioca, produto híbrido de culturas europeias e africanas, na medida em que se evidenciavam as influências da polca, nascida na Boêmia, do xote e da mazurca, em fusão com o lundu. Nos primeiros anos do século XX no Rio de Janeiro, os lundus ainda eram ouvidos, mas quem brilhava no cenário musical eram as polcas, as valsas e o maxixe. Os sambas ou, pelo menos, aquelas composições assim denomina-

das, possuíam significação nebulosa e, segundo historiadores, eram maxixes disfarçados. Daí a denominação de sambas amaxixados, nas obras produzidas nas duas primeiras décadas. O ritmo sincopado no samba pode ser observado na marcação de um modelo rítmico executado normalmente no acompanhamento, possibilitando um certo grau de variação, ao qual popularmente denominamos de “batida” de samba. A grande variação de batidas existentes no samba expressa formas musicais diferenciadas como: sambas de roda, sambas de partido alto, sambas-enredo, sambas-canções e muitos outros. A “batida” na música popular brasileira é extremamente importante, porque é um dos elementos através dos quais se pode determinar a classificação do gênero musical. Existem, certamente, outros elementos como a melodia e a forma, além da organização tímbrica instrumental, que auxiliam os ouvintes a classificar a canção a um gênero específico. Outro elemento é a síncope que está marcadamente presente em vários gêneros musicais, desde o lundu, o maxixe, o tango brasileiro, o choro, a polca abrasileirada, os cateretês paulistas, sem deixar de mencionar as várias modalidades de samba. Mas a síncope também se encontra presente na habanera cubana, no charleston e no jazz americano. Por isso, não deve ser considerado sinônimo de samba. Revista Keyboard Brasil / 35


O samba, valorizado como música mestiça projetou para todo o Brasil, nomes como Noel Rosa, Ismael Silva, Cartola, Almirante, Lamartine Babo e Adoniran Barbosa.

No início do século XX, o campo da música popular ouvida no País era regido por uma extrema variedade de estilos e ritmos. O próprio carnaval, descrito por Oswald de Andrade como “o acontecimento religioso da raça”, não era festa movida apenas por músicas que poderiam ser classificadas como brasileiras. Ao contrário, os maiores sucessos da folia, desde que ela se organizou em bailes aristocráticos e populares, eram polcas, mazurcas, xotes e outras novidades importadas. Do lado nacional, a variedade também imperava: ouviam-se maxixes, marchas, cateretês e desafios sertanejos. Nenhum destes gêneros musicais parecia ter fôlego suficiente para conquistar a hegemonia do gosto popular da época. Nenhum deles era um ritmo nacional por excelência. Ainda no início do século XX o samba, que na época era marginalizado e perseguido, se refugiava nos morros, desencadeando o surgimento

No início do século XX, o campo da música popular ouvida no País era regido por uma extrema variedade de estilos e ritmos. O próprio carnaval, descrito por Oswald de Andrade como “o acontecimento religioso da raça”, não era festa movida apenas por músicas que poderiam ser classificadas como brasileiras. Ao contrário, os maiores sucessos da folia, desde que ela se organizou em bailes aristocráticos e populares, eram polcas, mazurcas, xotes e outras novidades importadas.

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O samba, antes reprimido e perseguido, pouco a pouco conquistou os teatros, as rádios e o carnaval, festa popular dominada anteriormente pelas polcas europeias e marchinhas.


O Abre Alas Música e letra: Francisca Gonzaga Transcrição: Maestro Marcelo Fagundes

Marcha-Rancho

Revista Keyboard Brasil / 37


Do lado nacional, a variedade também imperava: ouviam-se maxixes, marchas, cateretês e desafios sertanejos. Nenhum destes gêneros musicais parecia ter fôlego suficiente para conquistar a hegemonia do gosto popular da época. Nenhum deles era um ritmo nacional por excelência. Ainda no início do século XX o samba, que na época era marginalizado e perseguido, se refugiava nos morros, desencadeando o surgimento dos “ranchos”, agremiações que se organizavam em blocos e desciam para tocar e cantar no asfalto. Quando o partido alto subiu o morro, encontrou uma batida mais forte e, desse encontro, surgiu o samba-enredo. Para fugir das perseguições, o niteroiense Ismael Silva, criado no Morro de São Carlos, na Cidade do Rio de Janeiro, registrou o seu rancho com o nome de Grêmio Recreativo Escola de Samba Deixa Falar, primeira escola de samba do Rio. Meses depois, Cartola, Carlos

Cachaça e outros amigos fundaram a Estação Primeira de Mangueira. O samba, antes reprimido e perseguido, pouco a pouco conquistou os teatros, as rádios e o carnaval, festa popular dominada anteriormente pelas polcas europeias e marchinhas. Valorizado como música mestiça passou a projetar, para todo o país, nomes como Noel Rosa, Ismael Silva, Almirante, Lamartine Babo, João da Bahiana, entre tantos outros. A partir da década de 20 e 30, com as ocorrências culturais descritas acima, que o samba carioca começou a

monopolizar o carnaval brasileiro, transformando-o em símbolo de nacionalidade. Nos últimos 30 anos do século XX, com o advento de ingredientes eletrônicos e estrangeiros na música brasileira, imaginou-se que o samba iria morrer. Porém, cem anos depois de seu embrião, tornou-se um estilo musical brasileiro.

* Heloísa Godoy é pesquisadora, ghost writer e esportista. Está há 20 anos no mercado musical através da Keyboard Editora e, há 10 no mercado de revistas, tendo trabalhado na extinta Revista Weril. Atualmente é publisher e uma das idealizadoras da Revista Keyboard Brasil publicação digital pioneira no Brasil e gratuita voltada à música e aos instrumentos de teclas.



EGBERTO GISMONTI

Revolução Musical

A música que vem das florestas do Brasil NÃO É EXAGERO DIZER QUE EGBERTO GISMONTI É UM DOS MAIORES NOMES DA MÚSICA, NÃO SÓ NO BRASIL, MAS TAMBÉM EM TODO O MUNDO. VIRTUOSE PIANISTA E VIOLONISTA, ALÉM DE TOCAR FLAUTAS INDÍGENAS E KALIMBA, GISMONTI É DONO DE UM ESTILO ÚNICO, FORJADO NA SUA SÓLIDA FORMAÇÃO MUSICAL ERUDITA COM FORTE INFLUÊNCIA DA MÚSICA E DO ESTILO VILLALOBIANO. TENTAR

VAMOS AQUI NESTE ARTIGO,

TRAÇAR

HISTÓRICO,

UM

MUSICAL

POUCO E

ESTILÍSTICO

GRANDE MÚSICO. * Por Sergio Ferraz

40 / Revista Keyboard Brasil

O

PERFIL DESTE


Revista Keyboard Brasil / 41


E

gberto Gismonti nasceu em

popular e folclórica brasileira, chegando a

uma família de músicos na

passar uma temporada vivendo com os

cidade do Carmo, Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1947. Filho de pai

índios no Xingu. Na cidade do Rio de Janeiro, tornou-se aluno do pianista cearense Jacques Klein e de Aurélio Silveira. Em 1968 viajou para Paris para estudar com a famosa professora de composição Nadia Boulanger (1887 - 1979) e Jean Baraqué (1928 - 1973), aluno do compositor dodecafônico Alban Berg.

libanês, Camilo Amim, e mãe italiana, Ruth Gismonti Amim, Gismonti começou a estudar piano aos cinco anos. Ainda na infância e adolescência, seus estudos no Conservatório Brasileiro de Música já incluíam flauta, clarinete, violão e piano. Interessou-se pela pesquisa da música 42 / Revista Keyboard Brasil


Há tempos Egberto passou a fazer uma música de acordo com o tamanho das pessoas, e expôs-se à crítica. E o primeiro produto foi um trabalho realmente anárquico, já dentro dessa fase de questionamento dos conjuntos. Pronto para gravar um disco na Alemanha com mais ou menos três brasileiros, os planos mudaram e Egberto acabou embarcando sozinho. Lá perpetrou, em cumplicidade com Naná Vasconcelos, uma peça de berimbau e orquestra sinfônica. “Foi um negócio tão maluco que deu certo. A crítica alemã se rasgou em elogios, mas localizando a coisa sob outro aspecto. Eles não têm a menor noção de que berimbau se toca no sarro. Não sabem que a moeda toca cada vez em um lugar diferente da corda porque o dedo vai-se cansando. Aí ficou engraçado, porque eles comentavam as coisas que o Naná conseguia, analisavam tudo. O disco, quando saiu no Brasil, teve críticas do tipo 'mas que falta do que fazer'. E na Alemanha eruditizaram o berimbau’’.

gravou na Alemanha o disco “Dança das Cabeças” em 1977 pela ECM Records. Esse trabalho tornou-se um marco da música instrumental de vanguarda, tendo todas as composições para a formação de violão No Brasil participou do 3º e do 4º Festival Internacional da Canção, respectivamente com as composições O Sonho (1968) e Mercador de Serpentes (1969). Em 1969, gravou seu primeiro LP, Egberto Gismonti (Elenco) e, no ano seguinte, lança Sonho 70 (Polydor). Nos anos 1970, Egberto Gismonti deu início à sua fase mais produtiva, gravando na Europa pelo selo ECM Records. Nessa época, Gismonti fez parceria com diversos músicos de grande nome no cenário internacional, como o saxofonista sueco Jan Garbarek, o violonista Ralph Towner, o baixista americano Charlie Haden, Collin Walcott, e o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos. Com Naná, Gismonti

e percussão e piano e percussão. Uma

ousadia para a época. Durante os anos de 1970, Egberto Gismonti expandiu os horizontes da sua música. Podemos dizer que Gismonti parte da música de Villa-Lobos passando pela harmonia impressionista de Debussy e Stravinsky, mesclando tudo isso ao jazz contemporâneo, ao atonalismo mais a música dos índios do Brasil, bem como da música regional do nordeste. Na sua vasta discografia, podemos destacar dos anos 70 os seguintes trabalhos: Academia de Dança (1974), Corações Futuristas (1976), Dança das Cabeças, com o percussionista Naná Vasconcelos (1977), Sol do Meio Dia, com Jan Garbarek, Collin Walcott e Ralph Revista Keyboard Brasil / 43


44 / Revista Keyboard Brasil


Towner (1978), e ainda dois belos trabalhos em trio (Jan Garbarek – sax, Charlie Haden - baixo acústico, Egberto Gismonti - Violão e Piano); são eles: Mágico e Folk Songs, ambos de 1979. Nos anos de 1980, Gismonti manteve o intenso ritmo de produção musical gravando vários discos no Brasil e na Europa. Além das atividades com

gravação e espetáculos, Gismonti fez inúmeras trilhas sonoras para teatro, cinema, balé e especiais de TV. Mesmo sendo um músico de instrumentos essencialmente acústicos, na década de 1980, Gismonti passou também a se interessar por sintetizadores. São exemplos dessa fase os discos: Trem Caipira, de 1985, que traz uma releitura de temas de Villa-Lobos adaptados por Egberto Gismonti pra sintetizadores, e também Fantasia (1982) e Cidade Coração (1983). Não poderíamos deixar de mencionar aqui o LP Alma (1986), um disco inteiramente dedicado ao piano solo. Se alguém tinha dúvidas do talento e virtuosismo de Egberto Gismonti ao piano, Alma traz o compositor e instrumentista no auge da forma. Destaque para as belas faixas: Baião Malando, Maracatú, Lôro, Água e Vinho e Cigana. Em 1989, para fechar a década, Egberto gravou outro trabalho memorável. O disco Dança dos Escravos - todo Revista Keyboard Brasil / 45


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O fato de eu não querer demais nem de menos me fez exercer a profissão de músico dentro de um processo políticoeconômico que não permitia. E me possibilita ficar seis ou sete anos em uma companhia fazendo discos caríssimos que não vendem comparados a outros. E felizmente os caras continuam a aceitar isso. Aceitam porque eu sou mais importante que a música que eu faço. Tanto que meu nome é muito mais conhecido que minha música. E essa situação vem de que as companhias de discos são obrigadas a prestar contas aos seus acionistas do que venderam e também do que fizeram, sobretudo sendo uma multinacional. Eu estou no campo do q u e f i z e ra m , n ã o d o quanto venderam. Por isso eles me permitem fazer coisas dentro dessa crise do mercado fonog r á f i c o .

dedicado ao violão solo. Outra vez vemos o compositor instrumentista executando seus violões de 14 e 12 cordas no auge da sua técnica e performance. Destaque para as faixas: Lundu, Danças dos Escravos, Salvador e Memória e Fado. Ao chegar os anos de 1990, Gismonti formou o The Egberto Gismonti Group, com Nando Carneiro (violão e teclado), Zeca Assumpção (baixo acústico) e Jaques Morelembaum (violocello). Nessa época, sua música tornou-se ainda mais refinada, com complexos arranjos para a formação de quarteto do seu novo grupo. Vemos também nessa fase características mais eruditas a sua composição. As influências de Villa-

Lobos e Stravinsky tornaram-se bastante características na sua produção da década de 90. Dois discos se destacaram com a formação do The Egberto Gismonti Group. São eles: Infância (1991) e Música de Sobrevivência (1993), ambos gravados na Alemanha pela ECM Records. Em 1997, Egberto gravou Meeting Point com a Orquestra Sinfônica da Lituânia, uma homenagem ao compositor russo Igor Stravinsky. A partir do ano 2000, Egberto Gismonti diminui consideravelmente o seu intenso ritmo de gravação de álbuns, porém continuou fazendo apresentações em todo o mundo, seja em formato solo ou com outros músicos e orquestras.

‘ ‘

– Egberto Gismonti sobre a indústria fonográfica. O músico é um dos poucos brasileiros a possuir as matrizes e o direito de comercialização de todos os seus mais de 50 discos, além de dirigir sua própria gravadora, a Carmo. 46 / Revista Keyboard Brasil


Ironicamente, aqui no Brasil, a

Espero que, com esse modesto

grande música de Egberto Gismonti é

artigo, possa dar minha contribuição para

pouco celebrada. Infelizmente, em

que jovens músicos se interessem e

nosso país, é comum esse tipo de tratamento a músicos visionários que estavam e continuam muito a frente do seu tempo.

tenham acesso à música de Egberto Gismonti. Tive o prazer de travar contato com sua obra ainda muito jovem, fato que fez e faz toda a diferença para mim até hoje.

* Sergio Ferraz é violinista, tecladista e compositor. Bacharel em música pela UFPE, possui seis discos lançados até o momento.Também se dedica a composição de músicas Eletroacústica, Concreta e peças para orquestra, além de colaborador da Revista Keyboard Brasil.

Revista Keyboard Brasil / 47


A vista do meu ponto

PARA QUEM VOCÊ ESTÁ TOCANDO? PARA QUEM VOCÊ ESTÁ TOCANDO? PARA MÚSICOS? PARA UM GRUPO DE SELETOS ADMIRADORES? PARA AS PESSOAS QUE TEM AFINIDADE COM O SEU GOSTO MUSICAL? PARA O PÚBLICO, EM GERAL? HEIN? VAMOS À MAIS UMA REFLEXÃO! * Por Luiz Carlos Rigo Uhlik

48 / Revista Keyboard Brasil


A

grande maioria dos colegas está se autopromovendo de forma completamente errada. Além de envolver um

público muito pequeno, está trabalhando para as minorias, para as exceções. O pior: quando alguém toca para a maioria, artista de sucesso e público, é criticado por eles. Vamos lá, meus amigos! O princípio

maior do nosso trabalho é espalhar música; o resto é Ego! Se você não tentar abarcar o público geral, esqueça bons resultados. Você vai ficar penando, e penando, e penando incessantemente num público muito pequeno, ínfimo... Precisamos, urgentemente, mudar o foco do alvo do nosso trabalho. Em 2012 fiz um levantamento sobre o repertório das Grandes Salas de Concerto do País. Um desastre para o grande público; um “orgasmo” para o pequeno público. Resultado? Em 2017 praticamente não tivemos apresentações, nem boas, nem ruins, para o Grande Público, tampouco para o “orgasmáticos”! Alguma coisa está errada, não está?

Se as pessoas não estão tendo informação sobre como a música funciona, como você quer que elas entendam Chick Corea, Cesar Camargo Mariano, Oscar Peterson, Mahler, Stravinsky, Beethoven? Ou você se aproxima delas com os temas que elas gostam, ou você é espantado pelo mercado, pelo grande público. Teve uma oportunidade em que um bom pianista foi “tocar” para Escolas Públicas Estaduais. O repertório: Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, os bons compositores brasileiros. Mas, quem conhece estes compositores na rede pública estadual? Resultado: um

Revista Keyboard Brasil / 49


avançar de vaias e peripécias da molecada... Onde está o erro? No repertório ou na molecada? Vejo bons artistas lançarem os seus CDs: só música autoral. Mas, espera aí! Se ninguém conhece você, ninguém sabe do seu talento, como você quer que alguém se interesse pelo seu repertório? Mescle músicas conhecidas, de bons compositores, aproxime as pessoas através do que elas já conhecem, e apresente a sua forma de encarar a música, a nossa arte maior! Simples, assim. O contrário, esqueça! O contrário só permite o caos e o descaso com relação aos grandes talentos que estão por todos os cantos do país e do mundo. Reparem no que acontece nas boas e grandes Feiras e Exposições de Instrumentos Musicais. A grande maioria dos “demonstradores”, “frita” todo o seu conhecimento em 10 segundos, imaginando que vai “abafar”... Tenho participado das nossas feiras brasileiras e internacionais e percebo que o público que nos interessa, principalmente o hobista, se sente ameaçado cada vez que vê um tipo de demonstração com este perfil. Exatamente por isso, não somente no Brasil, mas no mundo, o público da Música e dos Instrumentos Musicais só diminui. Em compensação, o público da mediocridade só aumenta.

Por que o público da mediocridade só aumenta? Porque está sem opção; porque não tem referências, não vê o quão lindo é

avançar no bom conhecimento musical. Entendeu? Avançar! O mais grave da “demonstração” é que o endorsee se promove, esquecendo de promover o equipamento, a marca, as características, os avanços, tudo aquilo que interessa numa feira, tudo aquilo que interessa para o público. Vocês já reparam na palavra Workshop? Bons artistas e endorsers fazem o tal de Workshop. Uma hora de apresentação; uma hora de promoção pessoal. O público acaba indo assistir o artista e pouco se interessa pela marca, pela tecnologia, por quem está pagando pelo show. Resultado? Ninguém compra nada, a marca fica a ver navios, e os projetos de endorsers ficam engavetados porque não se consegue encontrar alguém que faça show não somente com a sua habilidade, mas com a marca, também. Para você comprar um bom Rolex precisa saber “ler” as horas! Entendeu? É preciso saber ler as horas... O grande

problema da maioria dos músicos é que eles não conseguem chegar ao nível das pessoas que o escutam! Tempos atrás, quando a comunicação não era instantânea, as pessoas “procuravam” talentos especiais. Hoje, com tudo em nossas mãos através da internet, a mediocridade está vencendo de lavada. Então, para quem você está tocando? Avante!

*Amante da música desde o dia da sua concepção, no ano de 1961, Luiz Carlos Rigo Uhlik é especialista de produtos, Consultor em Trade Marketing da Yamaha do Brasil e colaborador da Revista Keyboard Brasil. 50 / Revista Keyboard Brasil


PULSEIRA DE

SCHUMANN

como funciona?

A Pulseira de Schumann atrai a energia natural do magnetismo, que é essencial para a existência humana e a saúde no todo. A pulseira utiliza 6 imãs que atrai a ressonância da terra 7,83 Hz para seu corpo.

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Perfil

ALBANO SALES

‘ ‘

‘ ‘

Tudo o que aprendi se sedimentou e alimenta minha criatividade.

COM DOIS TRABALHOS INDEPENDENTES LANÇADOS RECENTEMENTE, O PIANISTA,

COMPOSITOR E ARRANJADOR ALBANOS SALES POSSUI ANOS DE ESTRADA. JÁ TRABALHOU COM AIRTO MOREIRA E FLORA PURIM, EDUARDO E SILVINHA ARAÚJO,

VANDERLÉA,

RONNIE

VON,

PERY RIBEIRO, RAUL DE SOUZA, PAULO MOURA, CELSO PIXINGA ENTRE OUTROS. O MÚSICO, NASCIDO EM SÃO CARLOS DO PINHAL É O ENTREVISTADO DE AMYR CANTUSIO

JR.

PARA

K E Y B O A R D

A

B R A S I L .

* Por Amyr Cantusio Jr.

52 / Revista Keyboard Brasil

REVISTA


P

ianista, compositor e arranjador, Albano Sales nasceu em São Carlos do Pinhal e é radicado em Campinas, onde atua como músico e professor. Sales Teve formação mista, de música erudita e popular, desde muito cedo. O aprendizado de piano iniciou-se aos cinco anos e a atuação profissional aos onze, tocando em bandas de baile. Entre seus professores destacaram-se Antônio Bezzan e Fernando Lopes (piano), J. A. de Almeida Prado e Hans J. Koellreuter (composição), Cyro Pereira (arranjo), Benito Juarez (regência). Graduou-se em música pela UNICAMP, foi professor do CLAM (Zimbo Trio) e também da Universidade Livre de Música Tom Jobim - ULM, em São Paulo. Viveu por um breve tempo em Los Angeles, EUA, onde trabalhou com artistas como Airto Moreira e Flora Purim - duas vezes premiada pelo Grammy como melhor cantora de jazz. No Brasil trabalhou com Eduardo Araújo e Silvinha Araújo, Vanderléa, Ronnie Von, Pery Ribeiro, Raul de Souza, Paulo Moura, Celso Pixinga e outros. Depois de anos atuando como músico de palco e estúdio, lançou em 2013, seu trabalho intrumental independente intitulado “Retrato Brasileiro”, gravado em Los Angeles O repertório deste projeto foi apresentado no cenceituado Club Notorius, em Buenos Aires. Seu mais recente trabalho, Experimental, inteiramente autoral e que mescla temas instrumentais e canções, com letras de sua autoria e de parceiros, foi lançou em 2016. O reconhecimento do artista levou a famosa marca de instrumentos norte-americana Kurzeil a convidá-lo a ser “Artista Kurzeil”, da qual passou a ser endorser. Revista Keyboard Brasil / 53


Entrevista

Albano Sales ainda criança dedilhando o piano.

Albano Sales possui dois CDs com repertório autoral: “Retrato Brasileiro ” e “Experimental”, que podem ser adquiridos através da CDBABY e da Tratore ou, também, através do site ou de sua página no Facebook (links nesta matéria).

54 / Revista Keyboard Brasil

Revista Keyboard Brasil – Albano qual tua formação musical? Albano Sales – Estudei piano erudito desde os cinco anos e, já aos onze, tocava em uma banda de baile, na época uma grande escola. Abandonei o piano erudito para retomar mais tarde, aos 19, aulas com o professor Antônio Bezzan. Neste tempo cursava Arquitetura, mas abandonei pela música. Estudei um breve tempo no CLAM, Zimbo Trio, em São Paulo e passei no vestibular para Composição e Regência na Unicamp. Avancei bastante no curso, mas não o completei. Voltei a estudar piano erudito, desta vez, com Fernando Lopes. Somente quando a Unicamp abriu o curso de Música Popular, alguns anos

depois, concluí a graduação. Mas me considero, antes de tudo, um autodidata. Revista Keyboard Brasil – Preferências no estudo de piano e compositores prediletos/pianistas? Albano Sales – Em cada época, minhas preferências variaram bastante: erudito, jazz, progressivo, fusion, MPB, porém tudo o que aprendi se sedimentou e alimenta minha criatividade. Posso citar muitos, mas começo no erudito por Maurice Ravel, Claude Debussy e Igor Stravinsky, só para dizer alguns. Na música popular e no jazz em geral, George Gershwin, Dave Brubeck, Oscar Peterson, Bill Evans, Michel Legrand, The Beatles, Stevie Wonder e Burt Bacharach, os progressivos Keith Emerson, Pink Floyd e tantos outros. E, sobretudo Antônio Carlos Jobim e todos os notáveis da MPB. Revista Keyboard Brasil – Tem músicas autorais? CDS? Por favor, cite onde as pessoas podem encontrar teu trabalho. Albano Sales – Sim, tenho dois CDs, com repertório autoral: Retrato Brasileiro e o mais recente, Experimental. Recentemente liberei o streaming, mas também pode ser adquirido através da


CDBABY e da Tratore. Quem desejar o CD físico pode comprar me contatando através de meu site ou minha página do Facebook. Revista Keyboard Brasil – Qual tua opinião sobre a cena cultural e educacional atual do Brasil? Existe futuro? Quais medidas acharia ideais para modificar para melhor a cena? Albano Sales – Esta é uma questão complexa que demanda um estudo profundo, mas saliento pontos principais. O problema é mundial e envolve, tanto a voracidade da indústria cultural, quanto o interesse dos governos em promover a difusão da ignorância. Em face dos sérios problemas que estão por vir, é urgente a mudança de postura de todos. Da parte dos artistas e intelectuais, uma medida é o empenho em transcender as barreiras pessoais, grupais ou corporativas e criar um movimento global capaz forçar mudanças na vocação da indústria cultural. Cobrar desta responsabilidade social e histórica e a adoção de um padrão de qualidade mental e emocional saudável. E o mesmo em relação ao Estado, que este opte pela legitimidade, sem o veneno de objetivos obscuros. Tudo isto, contudo sem promover curadoria: não se trata de ceder o controle a esta ou aquela tendência estética, instituição ou doutrina, sob o risco de sofrermos intervenções autoritárias. Devemos acima

de tudo, garantir a democratização de acesso de artistas e intelectuais aos meios de divulgação, dar oportunidade ao pluralismo, a todos os países, às nações, tribos e individualidades. Revista Keyboard Brasil – Cite 4 Discos fundamentais de compositores que influenciaram você e tua obra. Albano Sales – Elis & Tom e Urubu Antônio Carlos Jobim; Clube da Esquina Milton Nascimento; Time Out - Dave Brubeck. Revista Keyboard Brasil – Quais as tuas crenças metafísicas/religiosas ou místico-existenciais? Estão inseridas na tua música? Albano Sales – Sou espiritualista, aberto a todas as fontes de sabedoria. Porém, cultivo a dúvida: não avalio conflitos e momentos de dúvida como fraqueza, mas como provocadores de mudança interna, de conscientização e um elemento de segurança para não sucumbir aos fanatismos. Minha música sempre começa com uma centelha intuitiva, não costumo compor pensando numa orientação ideológica ou doutrinária, e quando tenho de fazer isto, por encomenda, nunca gosto do resultado... Revista Keyboard Brasil – Obrigado pela entrevista!! Albano Sales – Eu quem agradeço!!

*Amyr Cantusio Jr. é músico (piano, teclados e sintetizadores) compositor, produtor, arranjador, programador de sintetizadores, teósofo, psicanalista ambiental, historiador de música formado pela extensão universitária da Unicamp e colaborador da Revista Keyboard Brasil. Revista Keyboard Brasil / 55


Papo de tecladista

Desmistificação do Processo de Criação OLÁ AMIGOS DO MARAVILHOSO MUNDO DAS TECLAS! HOJE VAMOS ABORDAR UM TEMA RECORRENTE: O ACESSO AO MUNDO TECNOLÓGICO, O QUE TEMOS EM MÃOS E A FACILITAÇÃO NO PROCESSO DE CRIAÇÃO.

* Por Bruno de Freitas

56 / Revista Keyboard Brasil


ão é difícil hoje em dia adquirirmos um sintetizador, mesmo que um modelo mais simples, de entrada, e de quebra venha junto um software de produção musical, até mesmo uma DAW (Digital Audio Workstation). É o caso do Yamaha MX 49/61/88. Além da excelente gama de mais de mil timbres da série MOTIF, o comprador ao adquirir um MX, vem junto a DAW Cubase Ai8 – além do próprio synth oferecer uma placa de áudio integrada, podendo gerenciar o Cubase remotamente no Windows ou Mac, os timbres roteiam diretamente pelo USB, dispensando cabos analógicos, como P10, aumentando assim a qualidade do áudio final. Mesmo assim, se a preferência do tecladista produtor de vinhetas, chamadas de som em geral, músicas para TV e Web não tiver em mãos um sintetizador como o Yamaha MX, basta um MacBook na mão, que sua verba está garantida. Hoje na App Store, por exemplo, adquire-se um software (DAW também) por R$ 409! Isso, um software incrível, cheio de oportunidades para criação musical e com potencial gigantesco, para criar trilhas apenas com o mouse! Imagine se disponibilizar um monitor de

áudio como os HS e um controlador MIDI! É muita

oportunidade nas mãos! Não muito tempo atrás, para produzir algo em música era preciso: ter muita grana ($), ter muito talento ou fazer parte do interesse da mídia – uma vez que, acessar um estúdio de gravação era o sonho, e coisa rara – no mundo da música. Lembro-me dos comentários dos amigos músicos, de anos atrás do estúdio X, e o estúdio Y ter a mesa/mixer dos sonhos. Era normal ouvir falar em consoles de mixagem de 100 mil dólares! Sim, é claro, sem dispensar estas maravilhas do mundo da produção, das grandes produções que necessitam das mesmas. Mas você já notou que com um computador, um pouco de conhecimento de mixagem e um ouvido treinado se faz música em casa? Digo música profissional, mixagens, produções, composições e masterizações.

Sim, é possível atingir a mídia hoje a partir do nosso Home-Studio! Isso sem querer, é uma desmistificação do todo do processo de produção musical. Acabou aquele sonho de entrar nos grandes estúdios. Bom, não podemos criar a ilusão de que apenas comprar um notebook, um controlador e um fone, que o Revista Keyboard Brasil / 57


Bruno Freitas: “Fazer música está cada vez mais 'fácil'. Inicie com o que você tem na mão e corra atrás de conhecimento”.

milagre do sucesso está feito. Nada disso! Aí é que entra a verdade por trás disso tudo: o conhecimento da música em

sua plenitude é pré-requisito. Fazer música é uma engenharia, uma convergência gigantesca de conhecimento, de influencias, de ócio criativo, de técnica, de tempo cumulativo no ramo, de mente aberta, de leitura, de conhecimento da história, de contextualização, de aproveitamento do simples, de paciência e muito mais, para que a arte apareça e se concretize. Hoje, vejo inúmeros músicos

conhecidos meus, com o note no colo produzindo a sua música, seja no aeroporto, no hotel, na casa de praia, no campo ou na sala de estar, em casa. E eu estou nesta mesma vibe. Fazer música está cada vez mais "fácil", basta o querer, deixar o "medo" e a imagem engessada antiga de lado, e começar. Inicie com o que você tem na mão, corra atrás de conhecimento – pague cursos (isso é absolutamente legítimo e digno – não saia pedindo tudo), estude, ouça, abra a mente, e se divirta fazendo o que ama: a Música! Um grande abraço amigos das teclas, e até o próximo mês!

* Bruno de Freitas é Tecladista, professor, produtor, demonstrador de produtos da Yamaha, endorser da Stay Music e colaborador da Revista Keyboard Brasil. 58 / Revista Keyboard Brasil



Na estrada

60 / Revista Keyboard Brasil


PASTOR, MÚSICO, PRODUTOR, ARRANJADOR E PROFESSOR. N AT U R A L D E V I T Ó R I A (ESPÍRITO SANTO). CONHEÇA O MÚSICO STÉFANO DE MORAES. * Por Rafael Sanit

téfano de Moraes deu seus primeiros passos na música aos 4 anos de idade, com um contrabaixo, ensinado por seu pai. Aos 5 aprendeu violão e guitarra sozinho. Aos 6, teoria musical e aos 7 começou a estudar piano na FAMES, antiga EMES (Escola de Música do Espírito Santo). Fez o curso Básico e Técnico em Piano Clássico, feito até o 5 período do Foto: Robson Souza

Bacharelado. Também fez cursos extensivos em Piano Popular, Arranjo, Harmonia, Regência, Piano acompanhador e, por fim, Pedagogia do Piano! Revista Keyboard Brasil / 61


Começou a tocar em casamentos à

Gonçalves e Anderson Freire, há 5 anos, e

partir dos 8 anos, mas leciona música

atual diretor musical e tecladista deste. Participou de vários CDs como produtor, arranjador, tecladista, pianista, violonista, baixista e backing vocal. Algumas Produções Musicais: Shirley Kaiser – CD Novo Templo – pela Universal Music; Produtor Musical e Arranjador do DVD Anderson Freire – Essência - MK (indicado ao Grammy Latino - 2015); Atuou como produtor dos discos de Wilian Nascimento (indicado ao Grammy Latino - 2015), Jairo Bonfim que foram lançados em 2015 pela MK; * Ganhador do GRAMMY LATINO - 2016 como produtor musical do disco "Deus não te rejeita"; Anderson Freire; Melhor álbum de música cristã em língua portuguesa. O músico é endorsee das marcas CASIO TECLADOS E CABOS MOGAMI e proprietário das marcas @storestefano #Vestindoapalavra

desde os 10. Trabalha com bandas, além de reger corais e pequenas orquestras há 20 anos. Professor da Rios de Adoração por 5 anos, atualmente é professor do Centro Ministerial El Shamah (curso de aperfeiçoamento ministerial). É ministro de música e ministro de louvor. Como compositor, possui canções gravadas por Bruna Karla, Banda e Voz; Lauriete; Cristina Mel, Paola Karla, dentre outros. Atuando como instrumentista/ tecladista acompanhando alguns artistas, como: Carlinhos Félix – por 8 anos, sendo 3 desses anos como diretor musical (gravando alguns trabalhos). Freelancer com Aline Barros, Kleber Lucas, Marcus Salles, Bruna Olly, Ministério Hebrom, SollanzaVocal (como arranjador durante 1 ano), Leonardo

* Rafael Sanit é tecladista, Dj e produtor musical. Demonstrador de produtos Roland e Stay Music, realiza treinamentos para consultores de lojas através de workshops e mantém uma coluna na Revista Keyboard Brasil. É endorsee das marcas Roland, Stay Music, First Audio, Mogami Cables e Jones Jeans. 62 / Revista Keyboard Brasil



Espaço Gospel

Primeiros passos para usar suas MULTITRACKS FALA GALERA! ESTAMOS ESSE DE MÊS DE VOLTA COM A NOSSA COLUNA SOBRE TECNOLOGIA A SERVIÇO DO REINO. NESTE MÊS VAMOS FALAR DE UMA FERRAMENTA PODEROSA QUE

ESTÁ

À

DISPOSIÇÃO

DOS

MÚSICOS QUE ATUAM EM SUAS IGREJAS

E

MINISTÉRIOS,

CONHECIDAS: MULTITRACKS. * Por Zeca Quintanilha

64 / Revista Keyboard Brasil

AS


O

termo multitracks está em alta dentro do circuito dos músicos da música gospel por causa do nome de uma empresa que disponibiliza em seu site as masters originais de diversos artistas nacionais e internacionais, a Multitracks.com. Mas é válido notar que o conceito de multitracks vem da ideia de multipistas, ou seja, uma sessão aberta de uma gravação, onde você pode manipular (de certa maneira), volumes, efeitos, a escolha de instrumentos, o uso de metrônomo, entre outras coisas. Se você tem um programa de gravação instalado em seu notebook, você mesmo pode criar as suas multitracks e usar esta sessão nas suas performances ao vivo. Basta abrir sua DAW (Digital Audio Workstation - em português: Estação de Trabalho de Áudio Digital, que é o seu programa de gravação), abrir um canal de áudio ou MIDI, dependendo se você usará um instrumento, microfone ou um controlador MIDI e VSTs, definir o andamento e gravar as tracks que você vai disparar ao vivo. Após gravar todas as suas tracks, você tem opção de disparar a sua sessão a partir do próprio programa que você utilizou a gravação (o que chamamos de “usar a sessão aberta”). Ou ainda exportar a sua gravação, criando um arquivo de áudio (em wave, mp3 ou outro formato) que pode ser disparado de outro computador sem o uso do mesmo programa que você usou para a gravação, e isso quer dizer que pode ser disparado de qualquer player. Assim, você pode usar até um celular para tocar a sua multitrack. Revista Keyboard Brasil / 65


Perceba que agora você não tem mais a multipista aberta, em sua DAW, mas um arquivo fechado exportado de sua sessão aberta. Para esse arquivo funcionar, você precisará ter alguns cuidados referentes ao balanço de L e R de sua track na hora de exportar seu arquivo final. 1. Se você for usar um player comum (qualquer programa ou aplicativo que reproduz áudio), seu arquivo precisará ter o click todo para um lado do balanço e o bounce de sua “multitrack fechada” todo para o outro lado. Esse ajuste precisa ser feito antes de você exportar.

conectar no seu celular, Ipad ou notebook e na outra ponta dois plugs mono, os quais uma ponta será para mandar o click para o baterista, (ou toda a banda dependendo da estrutura de som do local) e a outra ponta deve ir para a mesa de som.

Figura 2. Cabo Y P2 estereo P10 mono

Figura 1. Destaque para o balanço das tracks Observe na figura 1 que o canal de click está 100% para o lado esquerdo (Lado L) enquanto os outros canais (Pads e Arpejator) estão para o lado direito (Lado R). Isso te permitirá usar um cabo Y (figura 2), com o qual em um lado você ouvirá a master que você gravou e no outro somente o click. Este cabo Y DEVERÁ ser um cabo com uma ponta com um plug p2 estereo para você 66 / Revista Keyboard Brasil

DICA: Se acostume colocar o click sempre para o mesmo lado em todos os momentos de exportar, uma vez exportado, não tem como mudar e se você deixar o click em lados diferentes, uma hora o click estará no fone de ouvido do baterista, mas em outra pode sair no P.A. da mesa de som. Não é legal aquele click aparecendo do nada no som do P.A. E certifique-se do balanço estar em 100% para que não haja vazamentos. 2. Agora, se você tem a sua disposição um notebook e você usa sua DAW ao vivo, você pode direcionar o click para um canal da sua placa de áudio e sua master para outro canal. Aqui você não precisará do cabo Y, mas apenas dois cabos P10 mono.


Com este recurso você pode criar as suas multitracks e disparar elas com recursos muito acessíveis. Se você não tem um notebook que tenha desempenho para funcionar ao vivo em uma ministração ou show, você pode gravar em sua casa, com calma e exportar um arquivo de áudio para usar com um celular ou tablet. Se você nunca tentou gravar uma multipista antes, comece com coisas mais simples, faça uma multitrack apenas para uma introdução ou abertura, use texturas, pads e arpejadores. Hoje você tem muitos sites com loops de percussão para downloads gratuitos que você pode importar para dentro do seu arranjo. Com isso você terá mais um recurso para dar um upgrade na sonoridade da sua banda e performances, lembrando que você fará isso com baixíssimo custo;alguns cabos e os dispositivos que você já tenha em mãos (celulares, tablets ou computadores). Em nossa próxima coluna vamos fazer um review de uma DAW totalmente gratuita, para que você possa criar seus projetos e dê seus primeiros passos em suas produções musicais. Então fiquem de olho e até a próxima coluna! Um abraço, pesquisem bastante e muita paz! * Zeca Quintanilha é tecladista, produtor, diretor musical, professor e escritor atuante no cenário gospel há 18 anos. Mestre em Música pela UFRJ e Licenciado na área de Educação Musical pela mesma universidade, desenvolve projetos de workshops e seminários para músicos voltados para área do acompanhamento e papel ministerial, além de escrever livros voltados para o crescimento e amadurecimento ministerial de grupos de louvores. Colaborador da Revista Keyboard Brasil, Zeca é atualmente endorsee In E a r s F i r s t A u d i o e M o g a m i Cables. Revista Keyboard Brasil / 67


Oriente-se

HARMONIA DA MÚSICA POPULAR - PARTE 4 - CADÊNCIAS GOSPEL AlÔ GALERA DAS TECLAS! HOJE VAMOS FALAR SOBRE AS CADÊNCIAS GOSPEL.

*Por Jeff Gardner

68 / Revista Keyboard Brasil


Os livros "Harmonia da Música Popular Vol. 1 - Ciclos" e "Harmonia da Música Popular vol. 2 - Cadências e Sequências Harmônicas" estão disponíveis no site www.jeffgardner.com.br ; nas lojas Free Note (São Paulo) e Arlequim e Musical Carioca no Rio de Janeiro

A

música Gospel de raiz tem

uma linguagem bem específica, baseada na música das igrejas negras norte-americanas. Porém, muitos expoentes deste estilo misturam elementos jazzísticos com o "Feeling" do gospel mais tradicional, e da mesma forma, muitos pianistas de jazz tem uma "pegada" Gospel quando querem - alguns exemplos: Russell Ferrante (Yellow jackets), Cory Henry, Joe Sample, Robert Glasper e Les McCann. Uma das particularidades da música Gospel é a utilização frequente da tríade como acorde tônica. E, também, a presença de muita cadência plagal, com resolução do IV ou II grau para a tônica. Seguem alguns exemplos de cadências Gospel extraídos do meu livro Harmonia da Musica Popular Vol. 2 - Cadências e Sequências Harmônicas. (1) Primeiro vamos treinar só a resolução para a tônica. Primeiro IV - I, subdominante a tônica.

Revista Keyboard Brasil / 69


(2) Agora vamos resolver do segundo grau - Dm7 para 2. É interessante constatar que as notas na mão direita são idênticas nestes dois exemplos - só mudou o baixo.

(3) Vamos passar então para uma cadência maior - esta em 3/4 . Treine!

(4) Agora vamos a complicar um pouco o jogo - no terceiro compasso do exemplo a seguir colocamos um acorde de sétima diminuta de passagem - o F# dim7,

que funciona como dominante secundário do G7sus4 e providencia um cromatismo ascendente na linha de baixo bem típico deste estilo.

Estude estes exemplos nas 12 tonalidades para ter mais confiança na sua execução da musica Gospel. De brinde vou oferecer para vocês a partitura da música em estilo Gospel "Dad's Dream" do meu CD "Continuum",

com Eddie Gomez e Billy Hart. Confira o MP3 desta e de outras músicas de minha autoria em meu site. Um abraço musical para todos KEEP IT IN THE GROOVE!

70 / Revista Keyboard Brasil


* Jeff Gardner é pianista, compositor, educador, com 18 CDs gravados e escritor de diversos livros nascido em Nova York e radicado no Brasil desde 2002. Suas influências passam pelo clássico, jazz e, principalmente, pela música brasileira. Estudou com nomes lendários do universo jazzístico, entre eles, John Lewis, Don Friedman, Jaki Byard e Charlie Banacos e tomou aulas de harmonia com Nadia Boulanger. Jeff foi professor na New York University e ministra workshops e masterclass em muitos países. Jeff Gardner é o mais novo ilustre colaborador a entrar para o time da Revista Keyboard Brasil. Contato para shows e workshops: jeffgardnerjazz@gmail.com Revista Keyboard Brasil / 71


Fotos: Divulgação

Homenagem

* PARA SEMPRE,

Dominguinhos (1941-2013)

INSTRUMENTISTA, CANTOR E COMPOSITOR BRASILEIRO, JOSÉ DOMINGOS DE MORAIS, CONHECIDO COMO DOMINGUINHOS TEVE COMO MESTRES LUIZ GONZAGA E ORLANDO SILVEIRA E, EM SUA FORMAÇÃO MUSICAL, POSSUÍA INFLUÊNCIAS DO BAIÃO, BOSSA NOVA, CHORO, FORRÓ, XOTE E JAZZ. O TRABALHO DEIXADO POR DOMINGUINHOS É MAIS UMA PROVA DE QUE POUCO IMPORTA OS SOTAQUES OU ORIGENS QUANDO TRATA DE FAZER MÚSICA. NO UNIVERSO DOS SONS E DOS RITMOS O QUE CONTA MESMO É A SENSIBILIDADE, RESPONSÁVEL PELA EMOÇÃO E O TALENTO, CAPAZES DE TRANSFORMAR IDEIAS E CONCEITOS EM OBRAS DE ARTE. AO FALECER EM 2013, DEIXOU MAIS DE 500 COMPOSIÇÕES GENUINAMENTE BRASILEIRAS E, AO MESMO TEMPO, UNIVERSAIS, ALÉM DE DUAS MIL PARTICIPAÇÕES EM DISCOS DE PARCEIROS MUSICAIS. A SEGUIR A REVISTA KEYBOARD BRASIL RELEMBRA SUA BRILHANTE TRAJETÓRIA. * Redação 72 / Revista Keyboard Brasil


‘ ‘

Eu nasci com um bocado de irmãos. Éramos 16, minha mãe e meu pai!

– Dominguinhos

Revista Keyboard Brasil / 73


Neném do Acordeom 12/02/1941 Nasceu José Domingos de Morais, em Garanhuns, agreste pernambucano. Filho do mestre Chicão, tocador e afinador de sanfonas de oito baixos – como Januário, pai de Luiz Gonzaga. Tinha 15 irmãos .

1947 Aos 6 anos, começou a tocar com os irmãos no grupo Os Três Pinguins – formado por Morais e Valdomiro. Neném do Acordeom era seu apelido de infância.

1948 Aos 7 anos, conheceu Luiz Gonzaga 74 / Revista Keyboard Brasil

enquanto tocava em frente ao hotel em que estava hospedado, em Garanhuns. Ao ouvi-lo, O Rei do Baião prometeu uma sanfona de presente se, um dia, o garoto fosse ao Rio de Janeiro.

Nasce Dominguinhos 1954 Após 11 dias na estrada, o futuro Dominguinhos, ainda Neném, chegou ao Rio de Janeiro com o pai e seus irmãos Morais e Valdo. Gonzagão levou Dominguinhos para tocar com ele em feiras e desfez os Três Pinguins. Nessa época, Gonzagão deu a Dominguinhos sua primeira sanfona de 80 baixos. Radicado no subúrbio de Nilópolis, aprendeu outros estilos para tocar em casas noturnas, em especial, o Chorinho.


1957 Aos 16 anos, foi apadrinhado por Luiz Gonzaga que o chamou de seu ’’herdeiro artístico’’, apelidando-o, mais tarde, de Dominguinhos.

1958 Conheceu Janete, sua primeira mulher. Com ela teve os filhos Mauro e Madeleine. Nessa época, Dominguinhos tocava no Trio Nordestino, com Zito Borburema e Miudinho, pelo Brasil. Com o fim do grupo, Dominguinhos começou a tocar nas rádios Nacional, Tupi e Mayrink Veiga, interessando-se por outros gêneros como o Samba, a Gafieira e o Bolero.

1963 Dominguinhos lançou seu primeiro disco ’’Fim de Festa’’, iniciando uma carreira

intensa de muitos sucessos e grandes parcerias.

1967 De volta aos Xotes e Baiões, integrou a excursão de Gonzagão para o Nordeste. Nessa turnê, conheceu a cantora pernambucana Anastácia, sua futura esposa e coautora de mais de 200 canções.

Grandes parceiros musicais 1972 A convite do empresário Guilherme Araújo, acompanhou Gal Costa no show ’’Índia’’. No ano seguinte, Gilberto Gil gravou ’’Eu só quero um xodó’’, hit que depois ganharia mais de 250 regravações. Revista Keyboard Brasil / 75


‘ ‘

Eu não sei o que esse povo vê em mim! – Dominguinhos

76 / Revista Keyboard Brasil


1970-1980 A versatilidade de Dominguinhos aliada à qualidade de seu trabalho e sua simplicidade, fizeram com que o músico tivesse grandes parceiros musicais. Um deles, foi o gênio da sanfona nordestina, Sivuca, que morreu em 2006. Outro, foi seu grande mestre, Luiz Gonzaga. Osvaldinho do Acordeon era o mais novo da turma dos grandes. Na foto, os quatro mestres.

1978 Depois de participar da turnê de ’’Refazenda’’, de Gilberto Gil, Dominguinhos passou a colaborar com mais frequência com o universo da MPB, como mostra a foto (7) datada de 1978, com a cantora Nara Leão no Projeto Pixinguinha. Em 1979, compõs com o poeta Manduka ’’Quem me levará sou eu’’, vencedor do Festival da TV Tupi.

1985 Emplacou 2 músicas na novela ’’Roque Santeiro’’, da TV Globo: ’’De volta pro meu aconchego’’ (na voz de Elba Ramalho) (8) e ’’Isso aqui tá bom demais’’, assinada junto com Nando Cordel.

1990 Durante a década inteira, Dominguinhos lançou um álbum por ano. Nesse tempo, mostrou-se crítico ao Forró Universitário e Eletrônico chamando, esse último, de descartável.

2002 O CD ’’Chegando de mansinho’’ deu a Dominguinhos seu primeiro Grammy Latino.

2007 Em 2007, iniciou uma parceria com o violonista gaúcho Yamandú Costa. Juntos, gravaram dois álbuns e um DVD. Revista Keyboard Brasil / 77


2009 Dominguinhos participou como cicerone do documentário em homenagem a Luiz Gonzaga ’’O Milagre de Santa Luzia Uma Viagem pelo Brasil que toca sanfona’’, com direção, roteiro e montagem de Sérgio Roizenblit.

2010 O CD ’’Iluminado’’ deu a Dominguinhos seu segundo Grammy Latino.

2011 Outro grande parceiro de Dominguinhos foi o multiinstrumentista Hermeto Paschoal. Os dois gravaram o documentário "Dominguinhos Volta e Meia", uma homenagem aos 70 anos do sanfoneiro .

2012 Dominguinhos foi figura atuante nas come mor a çõe s do ce n t e n á r i o de Gonzagão, apesar dos problemas de saúde agravados por um câncer no pulmão.

2013 Doente, Dominguinhos foi internado em São Paulo no final de 2012, falecendo em 23 de julho de 2013. Segundo o boletim divulgado pelo hospital, as causas da morte de Dominguinhos foram "complicações infecciosas e cardíacas". Em mais de 55 anos de carreira, o sanfoneiro gravou 40 discos. * Artigo extraído da Revista Keyboard Brasil edição, do ano de 2014, edição número 07. FONTE: http://www.bahia.ws/biografia-dedominguinhos/ 78/ Revista Keyboard Brasil



Enfoque

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Ao lado: O repouso na fuga para o Egito. Quadro de Caravaggio que se encontra na Galerai Doria Pamphilj em Roma.

A PRECISÃO MUSICAL DE DUAS PINTURAS DE CARAVAGGIO CARAVAGGIO TALVEZ TENHA SIDO UM DOS PRIMEIROS ARTISTAS A SABER CONCILIAR A ARTE COM O MITOLÓGICO "MINISTÉRIO DE JESUS". PORÉM, VAI MAIS ALÉM! VEJA, NESTE ARTIGO, A PRECISÃO MUSICAL EM DUAS DE SUAS OBRAS. ** Por Maestro Osvaldo Colarusso

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Detalhe da pintura de Caravaggio “O repouso na fuga para o Egito”. O moteto de Noel Bauldeweyn fielmente transcrito.

Um moteto em meio a uma cena bíblica

e Malta. Homem violento (foi condenado

Em 1597, ao que parece em Roma, Caravaggio, então com 26 anos de idade, pinta o quadro que ele batizou apenas de “Repouso”, mas que é conhecido como “O repouso durante a fuga para o Egito”. Esta cena, extraída do Novo Testamento, fala de quando José e Maria, avisados por um Anjo, fogem das ordens exterminadoras de Herodes, que resolveu ordenar à morte todos os recém-nascidos, pois um deles, através de uma previsão, poderia ser um novo Rei dos judeus que lhe usurparia o trono. O quadro de Caravaggio retrata uma Virgem Maria extenuada que inclina sua cabeça e dorme sobre o menino Jesus. José, com o rosto enrugado, é então visitado por um Anjo, que toca um violino. A esta cena assiste, com um belíssimo e tocante olhar, um asno, que também parece se acalmar diante da arte

por assassinato), excêntrico (tinha múlti-

musical.

plas preferências sexuais) e tempera-

Mas que música é esta? Sim, Caravaggio, entre suas muitas habilidades, copia de forma exemplar a parte de soprano (não existia partitura geral na época) de um moteto do compositor franco-flamengo Noel Bauldeweyn (1580-1513). Conhecer o texto deste moteto, texto este extraído do Cântico dos cânticos do antigo testamento, é extremamente revelador. As palavras, em uma tradução para o português, dizem o seguinte:

M

ichelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610) foi um

notável pintor ao qual normalmente é atribuído uma transformação

estilística que levou a pintura dos parâmetros renascentistas a um enfoque do período seguinte, o barroco. Viveu no sul da Itália, entre Roma, Nápoles, a Sicília

mental, é também responsável por valiosas informações sobre a produção musical de sua época graças a um esmero refinado na reprodução de algumas partituras em seus quadros, e uma detalhada reprodução pictórica dos instrumentos utilizados na sua época. A escolha de certas obras musicais completa o tortuoso caminho da explicação psicológica das cenas que retrata. 82 / Revista Keyboard Brasil


“Quão formosa, e quão aprazível és, ó amor em delícias. A tua estatura é semelhante à palmeira; e os teus seios são semelhantes aos cachos de uvas. Dizia eu: Subirei à palmeira, e pegarei em seus ramos; e então os teus seios serão como os cachos na vide, e o cheiro da tua respiração como o das maçãs. ”

O que percebemos é que o pintor humaniza os personagens bíblicos: José amava e desejava Maria como um homem normal ama e deseja sua esposa. Maria, cansada da fuga, repousa pesadamente. Diferente das virgens sorridentes e calmas retratadas por outros pintores, a de Caravaggio, exausta, cai num sono profundo. Num jogo de claro e escuro quem tem a luz mais intensa é o Anjo, Maria e o menino Jesus. José e o asno estão fora dos intentos divinos. A música apazigua e iguala todos na cena. Caravaggio não copia as palavras, mas as notas musicais são claramente do moteto “Quampulchra est” de Noel Bauldeweyn. Para se ter uma ideia do que o anjo toca podemos ouvir este moteto no link situado na página anterior.

“O alaudista” – um jovem músico junto a madrigais profanos O quadro “O alaudista” de Caravaggio (1596) existe em três versões, muito parecidas, mas cujas referências

musicais são levemente diferentes em cada uma das versões. Na versão que se encontra no Museu Hermitage em São Petersburgo vê-se claramente uma referência a um compositor francoflamengo muito apreciado nos círculos intelectuais de Roma na época: Orlando de Lassus (1530-1593). Lembro que ser franco-

flamengo era marca de qualidade entre os músicos do final da renascença. Os especialistas acreditam que o aparente “B” na realidade é uma versão rebuscada de um “L”. Por isso na parte baixa do quadro deduz-se que há uma coletânea de obras do compositor. Em uma das versões fica clara a cópia de madrigais amorosos de Jaques Arcadelt (1507-1568) e de Jacquet de Berchem (1505-1567), dois compositores também franco-flamengos. Diferente do clima bíblico do primeiro quadro que comentei, temos aqui uma cena carregada de voluptuosidade. O jovem músico na realidade é Mario Minniti (1577-1640), modelo e ao que parece amante do pintor.

O que importa, do ponto de vista musical, é conhecer, além dos instrumentos musicais retratados, o som das obras citadas nas diversas versões deste quadro. Vamos ouvir algumas delas: (1) O madrigal de Berchen e (2) O madrigal de Jaques Arcadelt.

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“O tocador de alaúde”, de Caravaggio na versão de São Petersburgo. Na versão que se encontra no Museu Hermitage, em São Petersburgo vê-se claramente uma referência a um compositor franco-flamengo muito apreciado nos círculos intelectuais de Roma na época: Orlando de Lassus (1530-1593). Ouça nos links ao lado: (1) O madrigal de Berchen. (2) O madrigal de Jaques Arcadelt

O ineditismo de Caravaggio Diversos compositores basearam suas obras em quadros. É o caso dos “Noturnos” para orquestra de Debussy que se inspirou em quadros de Whistler ou Respighi que descreve musicalmente quadros de Botticelli. Mas o que vemos nestes dois quadros de Caravaggio é o contrário: a música é utilizada para

criar a atmosfera e rebuscar a psicologia da cena. Sem dúvida, mais uma das incontáveis genialidades deste

que foi um dos maiores pintores da história. Este texto que escrevi foi inspirado pela maravilhosa obra de Philippe Beaussant (1930 – 2016), novelista e musicólogo francês, sobretudo pelo livro Passagens, da Renascença para o barroco (Passages, de la Renaissanceaubaroque), (2008 Fayard). Não concordo com tudo o que ele escreve, mas é um livro marcante, uma leitura obrigatória.

* Osvaldo Colarusso é maestro premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Esteve à frente de grandes orquestras, além de ter atuado com solistas do nível de Mikhail Rudi, Nelson Freire, Vadim Rudenko, Arnaldo Cohen, Arthur Moreira Lima, Gilberto Tinetti, David Garret, Cristian Budu, entre outros. Atualmente, desdobra-se regendo como maestro convidado nas principais orquestras do país e nos principais Festivais de Música, além de desenvolver atividades como professor, produtor, apresen-tador, blogueiro e colaborador da Revista Keyboard Brasil. ** Texto retirado do Blog Falando de Música, do jornal paranaense Gazeta do Povo. 84 / Revista Keyboard Brasil


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Fotos: Divulgação

Neurociência

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* DA HIPERSENSIBILIDADE A FALTA DE MUSICALIDADE OUVIDO ABSOLUTO, SINESTESIA E AMUSIA (OU SURDEZ TONAL) SÃO CONDIÇÕES MAIS COMUNS DO QUE SE IMAGINA. DESSAS TRÊS CONDIÇÕES, O QUE TERIAM EM COMUM VITOR HUGO, CHE GUEVARA E NAPOLEÃO BONAPARTE? E JIMI HENDRIX, MOZART, JOÃO GILBERTO, HERMETO PASCOAL, ARTHUR RUBINSTEIN, YO-YO MA, NAT KING COLE, FRANK SINATRA, STEVIE WONDER E VILLA-LOBOS? LEIA E DESCUBRA! *Por Heloísa Godoy

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e todos os animais, o homem é o único dotado de ritmo, capaz de responder à música com movi-

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mentos. É, também, o único a apresentar um cérebro adaptado para compreender complexas estruturas musicais e, ainda, se emocionar com elas. Para o neurologista britânico Oliver Sacks (1933-2015), a musicalidade é tão primordial à espécie quanto a linguagem e entender a relação entre música e cérebro é crucial para a compreensão do homem. Em seu livro, “Alucinações musicais” (Editora Companhia das Letras), o especialista relata casos de pessoas que reagem à música de formas incomuns como, por exemplo: os que simplesmente não conseguem ouvi-la; os que a ouvem o tempo todo, mesmo quando nenhuma melodia está tocando (por isso, Alucinações Musicais); os que passaram a ouvir os sons de forma diferente após serem submetidos a uma cirurgia cerebral; e os que desenvolveram um incomum talento musical. A Revista Keyboard Brasil traz aqui três exemplos: o ouvido absoluto, a sinestesia e a amusia (ou surdez tonal).

A música se apossou de muitas partes d o c é reb ro humano. – O l i ve r S a cks (1933-2015), Neurologista, químico amador, professor de neurologia e psiquiatria na Universidade de Columbia e escritor anglo-americano.

O que se passa com o cérebro humano ao fazer ou ouvir música? Onde exatamente reside o enorme poder, muitas vezes indomável, que a música exerce sobre nós? Essas são algumas das questões que Oliver Sacks explora, em seu estilo cativante, no livro ALUCINAÇÕES MUSICAIS: Relatos sobre a música e o cérebro. 88 / Revista Keyboard Brasil

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Uma em cada 10 mil pessoas tem essa habilidade, mas os especialistas não sabem explicar ao certo por que ela ocorre. Alguns acham que é uma característica herdada geneticamente. Outros, que é um talento desenvolvido com muita dedicação e treino. Há os que acreditam, ainda, que todos nós nascemos com essa habilidade mas, se não a utilizamos, a perdemos. Foto maior: Hermeto Pascoal. Fotos menores: (1) o pianista polonês Arthur Rubinstein (2) Stevie Wonder ( 3 ) F r a n k S i n a t r a .

Ouvido Absoluto Ouvido absoluto é a capacidade de perceber e dar nome a cada uma das notas que chega ao seu ouvido. E não estamos falando só de música: também vale sons vindos de buzina, chiados da natureza, vozes de animais, barulhos de máquinas... A explicação para esse dom não está no aparelho auditivo, mas na cabeça, ou seja, é uma habilidade intelectual. Quem tem ouvido absoluto possui mais capacidade de receber e interpretar estímulos do lado esquerdo do cérebro, onde os sons são processados. 90 / Revista Keyboard Brasil

Uma em cada 10 mil pessoas tem essa habilidade, mas os especialistas não sabem explicar ao certo por que ela ocorre. Alguns acham que é uma característica herdada geneticamente. Outros, que é um talento desenvolvido com muita dedicação e treino. Há os que acreditam, ainda, que todos nós nascemos com essa habilidade mas, se não a utilizamos, a perdemos. Apesar de se manifestar normalmente em músicos, leigos também podem ter ouvido absoluto. Nesse caso, as respostas são sensoriais: ele terá facilidade


em armazenar e codificar tons e saberá instintivamente encontrar as notas em um instrumento, mesmo sem saber o nome delas. Possuem ouvido absoluto: Jimi Hendrix (1942-1970): sem grana para comprar um diapasão, foi a uma loja, dedilhou um instrumento aberto e afinou seu primeiro violão depois, em casa. No começo da carreira, aprendia todo o repertório de uma banda nova ouvindo as músicas uma única vez; Mozart (1756 - 1791): aos 5 anos já tocava piano e compunha melodias inteiras. Seu pai, exigente, o obrigava a estudar sem parar. Seu ouvido absoluto lhe permitiu classificar o grunhido de um porco: um sol sustenido; João Gilberto (1931): parte do seu mau humor vem de seu ouvido absoluto. Supersensível, João não tolera celular, cochichos na plateia, ar-condicionado barulhento ou caixas de som desrreguladas – por isso mandou trazer técnicos do Japão para seus últimos shows no Brasil; e Hermeto Pascoal (1936): Quando criança, transformava panelas, bacias com água e penicos em instrumentos afinadíssimos. Em um de seus discos, Hermeto deu uma de Mozart e utilizou porcos para criar novas sonoridades. Também possuem ouvido absoluto o pianista polonês Arthur Rubinstein (1887-1982), o violoncelista chinês Yo-yo Ma (1955), o pianista americano Nat King Cole (1919-1965), o cantor americano Frank Sinatra (1915-1998), o compositor americano Stevie Wonder e o maestro, compositor e violoncelista brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887–1959).

Sinestesia Para muitos, a associação de cores à música é apenas metafórica. Entretanto, há pessoas que são capazes de realmente enxergar cores ao ouvir música. Ou sentir cheiros. Eles são conhecidos como sinestetas e sua condição – a sinestesia – é mais comum do que se imagina. Sinestesia é a capacidade do cérebro misturar sentidos. É um fenômeno fisiológico, geralmente congênito. É uma confusão neurológica que provoca a percepção de vários sentidos de uma só vez. Essa condição não é considerada uma doença mental e, sim, uma forma diferente que o cérebro tem de interpretar os sinais. Uma em cada duas mil pessoas têm sinestesia, e essas pessoas podem ver sons, sentir cores ou o paladar das formas. Acredita-se, apenas, que ela tenha causa hereditária, seja mais comum em mulheres e em pessoas canhotas. “A sinestesia é comum em algumas famílias e está relacionada a, pelo menos, três cromossomos”, diz a psicóloga britânica Julia Simner, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Não há o que temer. A sinestesia não é uma doença. Na verdade, ela ilustra como o cérebro é um órgão complexo e repleto de fortes interconexões. A experiência sensorial de certas pessoas na qual sensações Revista Keyboard Brasil / 91


correspondentes a um certo sentido são Em 2006, uma lesão cerebral associadas a outro sentido é, na verdade, o causou um repentino talento musical no cimento da memória. Quanto mais norteame-ricano de Wisconsin, Derek relações as sensações puderem estabe- Amato, na época com 40 anos. lecer entre si, mais facilmente são Amato bateu sua cabeça no fundo reestabelecidas as suas memórias corres- de uma piscina e, ao sair da água sem pondentes. conseguir ouvir, sentiu como se seus A sinestesia foi descrita pela ouvidos estivessem sangrando. primeira vez em 1960, por John Locke, Amato teve uma ao relatar o caso de um concussão severa que cego que percebeu o que O estudo realizado causou certa perda na era a cor vermelha pelo em 2007 – The Color memória e audição. som de uma trompa. of Music: Corres- Porém, recuperou-se Outro caso relatado pondence Through rapidamente e quatro aconteceu, certa vez, com o dias depois, sentou-se Emotion – concluiu compositor Michael ao piano sem nenhuque, a música parece Torke ainda criança na ma razão da qual compartilhar com o escola, ao comentar que possa se lembrar, e adorava canções azuis. O som um substrato pôs-se a tocar. “Ao fato gerou tamanha con- n e u ra l c o mu m : o fechar meus olhos, vi fusão entre seus colegas e e m o c i o n a l . S e r i a estruturas pretas e sua professora de música. esse o ponto onde brancas se movendo As associações nasce a sinestesia. para a esquerda e direita sinestésicas podem estique, na verdade, repremular a memória. Por isso, – J. M I C H A E L B A R B I E R E . sentavam na minha vários artistas, músicos, ANA VIDAL. DEBRA A. ZELLNER. mente um fluxo contíescritores, dentre outros, (Montclair State University). nuo de notação musimencionam a sinestesia cal”, explicou Amato como um importante componente em num artigo no site da Sociedade Musical de seus trabalhos. Wisconsin. No século XIX, um artista podia se A partir desse dia, Amato tornoupassar por sinestésico para ficar mais se capaz de tocar piano tranquilamente, próximo do invulgar, do excêntrico e até como se tocasse há anos. Tocando músicas da perfeição humana. O artista plástico de memória e compondo suas próprias, russo Kandinsky sentia fascínio pelos deixou família, amigos e a si próprio, sinestésicos, e utilizou a sinestesia entre a impressionados. música e a pintura para inspirar suas O raro talento de Amato foi obras. diagnosticado como síndrome de Savant, e 92 / Revista Keyboard Brasil

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A sinestesia – do grego em uma tradução livre “sensação junta” – é uma condição neurológica, em que uma experiência sensorial automaticamente desencadeia outra percepção sensorial ou cognitiva. Por isso, uma pessoa com sinestesia pode, literalmente, ver a cor ou gosto do som. Pessoas com sinestesia tendem a ser criativas e estudos comprovam que ¼ de pessoas com sinestesia são mulheres.

sua habilidade de ver formas e cores quando ouve música é conhecida como sinestesia. “Comumente nos referimos a Derek como o 'Rainman Beethoven'”, afirmou seu amigo Gerry Gomez, no artigo citado. Atualmente, Amato compõe, viaja

e se apresenta em apoio a instituições para lesões cerebrais traumáticas. Pesquisas sobre sinestesia tiveram início há poucos anos. Porém, poucos procuram ajuda médica, pois essa condição não causa desconforto para quem a possui.

Amusia ou surdez tonal Existem na espécie humana, as vítimas da amusia ou surdez tonal. São pessoas que não compreendem tons, que não ouvem ritmos ou mesmo nenhum dos dois. Os níveis de surdez para cada dimensão também variam: de pessoas que não conseguem cantar no tom (os conhecidos desafinados); pessoas que não percebem a altura dos sons e as que ouvem ruídos ao invés de notas musicais (não diferenciando um barulho de talher

caindo no chão de uma música tocando no rádio). Tais incapacidades chegam a atingir a compreensão da fala, pois em alguns casos, a percepção do ritmo e da melodia são fundamentais para interpretar a emoção. Esta condição neurológica rouba completamente das pessoas aquilo que normalmente é uma apreciação instintiva e espontânea da música. O primeiro caso relatado de Revista Keyboard Brasil / 93


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A amusia é uma condição neurológica que rouba completamente das pessoas aquilo que normalmente é uma apreciação instintiva e espontânea da música. – Heloísa Godoy

‘‘surdez tonal’’ surgiu em 1878, e a história é cheia de figuras conhecidas por sua profunda amusia. O escritor Vitor Hugo é um deles. Ulysses S. Grant (18º presidente dos Estados Unidos) achava a música algo muito irritante. Che Guevara também ficou famoso por não conseguir distinguir um trecho musical de outro. Outra figura histórica bastante conhecida é Napoleão Bonaparte. Napoleão percebia a gradação tonal dos tons, identificando a música. Porém, não

compreendia os sentimentos expressos pela mesma, assistindo-a como se estivesse executando um idioma desconhecido. Mesmo sabendo que a falta de musicalidade pode atrapalhar mais do que se imagina, suas referências infelizmente ainda são poucas, visto que o primeiro estudo sério sobre amusia congênita foi publicado por uma equipe da Universidade de Montreal, no Canadá, há pouco mais de dez anos.

Música e cérebro O quadro a seguir mostra várias regiões do cérebro responsáveis pelo ato de ouvir e fazer música, complementando o texto lido. 94 / Revista Keyboard Brasil

Para o norteamericano Daniel Levitin – músico, produtor musical, psicólogo cognitivo e neurocientista – o ato de ouvir música começa nas estruturas


subcorticais (núcleos cocleares, tronco cerebral e cerebelo) e avança para o córtex auditivo bilateralmente. Acompanhar uma música ou estilo musical familiar aciona outras regiões, como o hipocampo – o centro da memória – e subseções do lobo frontal. Acompanhar o ritmo, marcando com os pés ou apenas mentalmente, mobiliza as redes cerebelares de regulação temporal. Já o ato de fazer música, cantando ou tocando um instrumento – mobiliza também os lobos frontais no planejamento do comportamento, bem como o córtex motor – lobo parietal – e o córtex sensorial, para a percepção tátil, por exemplo, da digitação de um instrumento. A leitura de uma partitura mobiliza o córtex visual – lobo occipital, assim como recordar uma letra ou simplesmente ouvir uma canção envolvem centros da linguagem, como as áreas de Broca e Wernicke, e outras áreas nos

VÁRIAS REGIÕES CEREBRAIS SÃO RESPONSÁVEIS PELA INTERPRETAÇÃO DA MÚSICA Corpo Caloso

Córtex Sensorial Córtex Auditivo

Córtex Motor

Hipocampo Córtex Pré-frontal Córtex Visual Núcleo Coclear Cerebelo Amígdala

O quadro acima mostra várias regiões do cérebro responsáveis pelo ato de ouvir e fazer música, complementando o texto lido.

lobos: temporal e frontal. Já as emoções despertadas pela música envolvem estruturas do chamado sistema límbico, como a amígdala. Além de terem as regiões responsáveis por assimilar a música mais desenvolvidas, quem trabalha com música tem partes específicas do cérebro – que não seriam ativadas normalmente – estimuladas quando ouvem canções. Isso porque os músicos tendem a interpretar sons mais com o hemisfério esquerdo (mais racional) que o direito. “Hoje, os anatomistas teriam dificuldade para identificar o cérebro de um artista plástico, um escritor ou um matemático, mas poderiam reconhecer, sem hesitação, o de um músico profissional”, concluiu certa vez respeitado neurologista e escritor nortea-mericano Oliver Sacks.

* Texto retirado da edição número 7 da Revista Keyboard Brasil do ano de 2014.

* Heloísa Godoy é pesquisadora, ghost writer e esportista. Está há 20 anos no mercado musical através da Keyboard Editora e, há 10 no mercado de revistas, tendo trabalhado na extinta Revista Weril. Atualmente é publisher e uma das idealizadoras da Revista Keyboard Brasil publicação digital pioneira no Brasil e gratuita voltada à música e aos instrumentos de teclas. Revista Keyboard Brasil / 95



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