Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

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ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

CABO VERDE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

SUPLEMENTO ESPECIAL 6 de Julho de 2015

UM EXEMPLO DEMOCRÁTICO


II | PAÍS

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

Uma nação com a democracia no sangue “O cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, diz o jornalista e historiador José Vicente Lopes para justificar o sucesso de Cabo Verde, uma das nações mais democratas do mundo e menos corruptas de África. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

N

o 40º aniversário da independência da República de Cabo Verde, que se celebra a 5 de Julho, os cerca de 500 mil habitantes deste país formado por 10 ilhas, das quais nove são habitadas, bem podem mostrar-se orgulhosos. Cabo Verde está mesmo muito bem classificado em quase todos os rankings mundiais, colocandose entre as nações mais democráticas do mundo e entre as menos corruptas, sendo considerado um modelo de transparência e de boa governação em África (ver caixa). Para culminar a lista de realizações, e como resultado desse mesmo desempenho, Cabo Verde saiu da lista das Nações Unidas de Países Menos Desenvolvidos (em 2007) e alcançou o estatuto de País de Rendimento Médio, designação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que caracteriza os países com base nos níveis do PIB (produto interno bruto), ou do PIB per capita. Para o historiador e jornalista caboverdiano José Vicente Lopes, estabelecido na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, estes resultados advêm sobretudo de “um certo empenho da classe política em fazer de Cabo Verde um caso especial”. “Acho que independentemente de quem governa, da cor politica, o cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, acrescenta ao PONTO FINAL numa conversa por telefone o autor de obras como “Aristides Pereira – Minha Vida, Minha História” (2012), “Tarrafal — Chão Bom: Memórias e Verdades” (2010) e “Os Bastidores da Independência” (1996). Para que Cabo Verde surja no topo de todas as tabelas de desempenho contribuíram os progressos na educação, na saúde, na redução da pobreza. O relatório “Perspectivas Económicas em África – 2015” (African Eonomic Outlook 2015) produzido pelo Banco Africano do Desenvolvimento, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realça os avanços na educação e na saúde ao longo de mais de duas décadas. Em 2012, as taxas de alfabetização para os jovens com 15 anos e acima situou-se em 85,3 por cento, enquanto a taxa de conclusão do ensino secundário foi de 90 por cento em 2012. No sector da saúde, Cabo Verde mais do que duplicou a despesa total em saúde per capita, de 70 dólares norte-americanos em 2001 para 144 dólares norte-americanos em 2012, um aumento de recursos que teve reflexos na melhoria dos indicadores básicos de saúde, como a redução da mortalidade

e o aumento de esperança de vida. Mais: entre 2002 e 2007 o nível de pobreza em áreas urbanas caiu para metade, de 25 por cento para 13,2 por cento. Durante o mesmo período, a pobreza nas áreas rurais caiu de 51,1 por cento para 44,3 por cento. Apesar destas melhorias, a pobreza rural continua a ser o principal desafio para o governo. BOLSAS DE POBREZA E TURISMO A pobreza de Cabo Verde é sobretudo localizada, com os pobres concentrados em áreas rurais, onde há pouco turismo, que é a principal fonte de receitas e o motor do crescimento económico do país, juntamente com o investimento directo estrangeiro e a construção de infraestruturas destinadas a esta indústria de acolhimento. O turismo em 2014 atingiu um quarto do total do PIB do país, segundo dados citados pela Lusa. Em 2012, Cabo Verde ultrapassou, pela primeira vez, a barreira do meio milhão de turistas (número que superou o total de habitantes no país). O grande salto deu-se a partir de 2009, com a construção de inúmeros empreendimentos turísticos. Cabo Verde acabaria por beneficiar, também, da crise

e da insegurança que assola o mercado norte-africano, de onde os turistas estão a ser desviados para mercados insulares, como é o caso de Cabo Verde. Os analistas cabo-verdianos reconhecem os bons resultados, mas alertam: Cabo Verde ainda não é o paraíso, persistindo problemas graves por resolver. A começar pelo desemprego: 16,4 por cento dos cabo-verdianos não tinham trabalho em 2014. “Cabo Verde não é um país onde abundem os recursos. O país tem uma relação forte com a União Europeia, que está em crise, e parte desta crise também é transferida para Cabo Verde. Por mais que Cabo Verde se desenvolva – e neste momento os seus níveis de crescimento são muito baixos – não consegue satisfazer a demanda que a cada dia cresce no mercado de trabalho”, lamenta José Vicente Lopes. Por outro lado, a inexistência de emprego “empurra muita gente para situações difíceis, não só de sobrevivência, como também pode resvalar para uma certa criminalidade urbana, que é um fenómeno que surgiu nos últimos anos em Cabo Verde e que decorre grandemente de uma ausência de perspectivas para as novas gerações”, acrescenta.

O crescimento do PIB per capita foi em média de 7,1 por cento entre 2005 e 2008, valores acima da mediana da África Subsariana e dos pequenos estados insulares, segundo o Banco Mundial. Todavia, a crise financeira global não poupou a economia cabo-verdiana muito dependente da Zona Euro. O crescimento desacelerou de 4 por cento em 2011 para 1,2 por cento em 2012, continuou a decrescer para 0,7 por cento em 2013, tudo devido à desaceleração do crescimento das exportações, à queda do investimento directo estrangeiro, à redução da ajuda pública ao desenvolvimento e ao decréscimo das remessas dos emigrantes caboverdianos, concentrados sobretudo nos Estados Unidos da América e na Europa, em países como Portugal, França, Holanda, Luxemburgo e Itália. Em 2014, o crescimento voltou a subir para 2 por cento, liderado pelo sector de construção. CABO VERDE E INSEGURANÇA NO MAGREBE No entender de José Vicente Lopes, o maior desafio de Cabo Verde continua a passar por “garantir os meios de sobrevivência da população”. “A nossa

economia vive muito do turismo, haverá outros sectores a desenvolver. Mas as coisas levam tempo a desenvolver, daí que há momentos em que temos a sensação de que estamos a marcar passo. Já não temos os níveis de ajuda internacional que tivemos no passado. Com a graduação de Cabo Verde como País de Rendimento Médio, cada vez mais o país precisa de encontrar os seus próprios meios de financiamento, isto num altura em que a nossa dívida pública já vai em 114 por cento do PIB [107,3 por cento do PIB em 2014, segundo o relatório Perspectivas Económicas em África]. A nossa margem de endividamento está muito reduzida e um país com as características de Cabo Verde não consegue ir simplesmente ao mercado pedir financiamento. Esse vai ser um dos dramas que nos espera a breve ou a médio trecho”, alerta Vicente Lopes. Em declarações à Lusa, o presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, afirmou haver “muitos aspectos ainda a melhorar”. O ambiente de negócios, um sistema fiscal “mais estimulante” para o investimento externo e dos emigrantes, “menor” burocracia na administração, que terá de ser “mais ágil e menos politizada”. “Esse é o grande desafio.


III

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 Sermos desenvolvidos significa uma democracia e um Estado de Direito modernos, um Estado que funcione bem, com instituições credíveis, que dêem confiança e segurança jurídica ao investidor”, disse, salientando que tal pode ser conseguido através de, por exemplo, um bom funcionamento da justiça, de um código do trabalho acessível e melhor acesso ao crédito. Jorge Carlos Fonseca sublinhou também a importância da “segurança física”. “Agora fala-se da insegurança em países do Magrebe. Têm de se criar condições para que Cabo Verde possa ser um destino alternativo para segmentos turísticos e isso é importante para que se torne competitivo”, concluiu. CAIXA DE PANDORA DE PROBLEMAS O golpe de Estado na Guiné-Bissau, a 14 de Novembro de 1980, é um dos momentos considerados por José Vicente Lopes como “marcantes” na história recente do país, quando João Bernardo “Nino” Vieira depôs o regime de Luís Cabral e pôs fim à unidade entre os dois Estados. Os primeiros anos de independência, até 1991, foram vividos num regime de partido único, primeiro com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), até 1980, e depois, até à abertura política, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), uma cisão do PAIGC. Para Vicente Lopes, caso o projecto

de unidade entre os dois territórios tivesse avançado, teria sido como abrir “uma caixa de pandora de problemas”. “A Guiné durante muito tempo foi administrada a partir de Cabo Verde, havia entre esses dois territórios muitos elementos em comum, o próprio Amílcar Cabral, o principal mentor desta ideia, nasceu na Guiné mas era filho de cabo-

verdianos. Amílcar Cabral tinha uma ideia pan-africanista que o acompanhou durante muito tempo e foi com base nessa ideia que ele almejou a unidade orgânica entre os dois povos. Só que isto suscitava inúmeros problemas, desde logo provocava ressentimentos históricos entre os dois povos, havia também tabus de um lado e de outro. Enquanto Cabo

Verde era uma realidade mais cristã e ao mesmo tempo era uma sociedade mestiça, a Guiné era uma sociedade tipicamente africana, islamizada e também animista, e portanto havia diferenças culturais entre os dois povos. Tudo isso, por si só, era como abrir uma caixa de pandora de onde os problemas não iriam parar de se soltar”, diz. Vicente Lopes destaca igualmente a importância do estabelecimento da democracia. “As primeiras eleições multipartidárias em 1991 vieram marcar um novo momento na história dos caboverdianos, instituindo em Cabo Verde um sistema democrático, que perdura até hoje e é tido como um dos mais exemplares de África”, realça. A paz e a estabilidade política que marcaram o percurso do país desde a independência a 5 de Julho de 1975 não foram perturbadas com a realização em 1991 das primeiras eleições multipartidárias, marcadas pela derrota do PAICV e a vitória da oposição, o Movimento para a Democracia (MPD), que elegeu Carlos Veiga e António Mascarenhas para primeiro ministro e presidente, respectivamente. O PAICV só voltaria ao poder em 2001. Desde então tem havido uma alternância regular e pacífica do poder entre os dois grandes partidos políticos. As eleições mais recentes foram realizadas em 2011. O PAICV renovou a maioria absoluta ao eleger 37 dos 72 deputados em jogo nas eleições parlamentares de 6 de Fevereiro de 2011, mantendo-se José Maria Neves como primeiro ministro

(no cargo desde 2001), enquanto o MPD ganhou a presidência em Agosto de 2011, com a vitória do independente Jorge Carlos Fonseca, candidato apoiado pelo MPD e que sucedeu a Pedro Pires. Introduziu-se então uma nova lógica em que governo, maioria parlamentar e presidência deixaram de estar nas mãos de um mesmo partido para passar a haver uma partilha. A democracia está hoje consolidada em Cabo Verde, é um dado adquirido, “já está no sangue” dos cabo-verdianos. “Não acredito que haja alguém em Cabo Verde que aceite viver num outro regime que não seja democrático, e viver num regime democrático passa também por viver com liberdade de expressão, de opinião, liberdades essas que fazem parte do nosso ADN e do nosso modo de vida”, defende José Vicente Lopes. O intelectual Manuel Brito-Semedo fala de “uma identidade individual e nacional” ou a “expressão de uma cultura singular que caracteriza o cabo-verdiano e o distingue enquanto povo”. Já o diplomata e académico André Corsino Tolentino realça neste percurso bem sucedido da nação “as políticas dos diferentes governos cabo-verdianos, que nunca deixaram de considerar a educação como a prioridade número um”. “Por maiores que sejam as dificuldades, essa atitude colectiva de considerar a educação como a via mais segura de ascensão social, de ascensão colectiva, isso reflecte uma visão estratégica e civilizacional muito avançada”, conclui o antigo ministro da Educação.

CABO VERDE NO TOPO DOS RANKINGS INTERNACIONAIS O arquipélago na costa ocidental de África, que agora comemora 40 anos de independência, é o país africano de língua portuguesa que melhor se tem classificado nos rankings mundiais. Em 2015 Cabo Verde foi o terceiro país africano mais bem classificado no índice da liberdade de imprensa (2015 World Press Freedom Index, da organização Reporters Without Borders), a seguir à Namíbia e ao Gana, colocando-se na 36ª posição num total de 180 países analisados a nível mundial. Cabo Verde é também o país africano de língua portuguesa melhor colocado no índice de percepção da corrupção divulgado em Junho pela organização internacional Transparency International. Em 2015, o arquipélago surge como o segundo menos corrupto em África, sendo ultrapassado apenas pelo Botswana, e o 42º menos corrupto no mundo. Angola e GuinéBissau ficaram em 161º, Timor-Leste em 133º, Moçambique em 119º e São Tomé e Príncipe em 76º no ranking mundial. No contexto africano, o país melhor colocado é o Botswana, na 31ª posição. Em 2014, Cabo Verde foi o segundo mais bem classificado entre os países africanos no Índice Ibrahim de Governação Africana, tendo sido apenas ultrapassado pelas Maurícias. Na avaliação feita a 52 países africanos, Cabo Verde continua a ser o melhor entre os países de língua portuguesa, à frente de São Tomé e Príncipe (12º),

Moçambique (22º), Angola (44º) e Guiné-Bissau (48º). A Fundação Mo Ibrahim, homónima do milionário sudanês que a criou em 2006, apoia a boa governação e a liderança em África,

e elabora o Índice Ibrahim anualmente desde 2007. Também em 2014 Cabo Verde foi a quarta nação africana mais democrática de África, depois das Maurícias,

Botswana e África do Sul, e o 31º país mais democrático do mundo, à frente de Portugal, na 33ª posição, num total de 167 analisados, de acordo com o Índice de Democracia publicado pelo

The Economist Intelligence Unit. No ranking internacional, Timor-Leste surge em 46º, Moçambique em 107º, Angola em 133º e Guiné-Bissau em 159º. C.A.


IV | OPINIÃO

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Cabo Verde: 40 anos a construir uma “Embaixada” através da cultura Quando os cabo-verdianos assumiram o comando do país em Julho de 1975 herdaram da “administração colonial” fragmentos de terras banhados por um oceano de dúvidas. As cíclicas fomes dos anos 40, os extensos períodos de seca prolongada, o agreste panorama visual da troposfera e as montanhas imponentes de certas ilhas, com picos dramaticamente fotogénicos, tornaram o país num espaço de rara sinestesia, que congregava tãosomente o mar, o céu, as montanhas, as dunas e a alma de um povo. No meio deste cenário, apenas o homem, o vulcão, as intempéries da natureza e a ingratidão de um clima herdeiro das “brumas secas do Sahel” se desafiam. Isso fez com que, em Cabo Verde: a) nos “flagelados do vento leste” o homem aprendesse, com as cabras, a “comer pedras” e com o vento a “bailar na desgraça”; b) na erupção vulcânica de 1951 a população da Ilha do Fogo recebesse Orlando Ribeiro como o homem que viria “tapar o vulcão”; c) na Claridade os inconformados “homens das letras” captassem a dança entre o destino de “ter que partir” e a vontade de “querer ficar”; d) e no regresso de Eugénio Tavares se lembrasse que “si ca badu ca ta birado” (é preciso ir-se para se poder regressar). Na verdade, quem nunca experimentou o desafio de ter que partir, carregando as saudades, as mágoas, as cisões, as fracturas, as dúvidas e o “devir”, dificilmente terá uma ideia aproximada das fortalezas que se poderá recolher na concretização de um desejado regresso. A cultura cabo-verdiana, da música à literatura, das artes plásticas ao artesanato, da dança às tradições populares, ao longo das suas várias fases incorporou, pelo caminho, essas consonâncias e dissonâncias que se fizeram sentir no seio da sociedade

cabo-verdiana. Outrossim, torna-se evidente que, ao longo dos tempos, o homem cabo-verdiano, na falta de jazigos de subsolo e outras riquezas, assumiu a dimensão imaterial como a esfera da sua afirmação. Para isso, a alma do povo teria que ser maior do que extensão do território; as vozes das ilhas teriam que ecoar no mar e fazerse ouvir nos quatro cantos do mundo, até “silenciar os silêncios”, iluminar as sombras e desvelar a identidade de um povo-ilhéu, atirado quase desesperadamente para o destino de “homem do mar”. Em 2015, altura em que se comemora os 40 anos da independência do país, não se pode esquecer, nem do ponto de partida, nem das bases sobre as quais se plantou os alicerces desta sociedade. Da independência aos nossos dias, muito caminho se fez e Cabo Verde cresceu a um ritmo que orgulha aqueles que assumiram os desafios da autodeterminação e surpreende os que, no “momento zero da independência”, o consideraram um país inviável. Os índices de desenvolvimento apontam claramente para terrenos positivos. Houve áreas que precisaram de fortes investimentos do Estado para que pudessem conhecer avanços consideráveis; da mesma forma registam-se sectores da vida social que, como cogumelos em épocas de chuvas, brotaram deste chão de forma quase espontânea. Olhando para sectores como a Educação, a Saúde ou as Infraestruturas, notase-lhes um grande crescimento, que, de resto, procura acompanhar a injecção financeira que se fez a nível do poder público. O combate a determinados índices, como os da mortalidade infantil, o analfabetismo, entre outros, fez com que os sucessivos governos que ocuparam a arena da política do país assumissem certos

compromissos, produzindo medidas de políticas destinadas a combater essas maleitas. Porém, o sector cultural não mereceu a mesma atenção. Ao longo das legislaturas que se seguiram no Pós-independência registou-se um fraco investimento do sector público no domínio da cultura, sendo que esta área assumiu o seu próprio desenvolvimento. Em 2015, o número de livros que se coloca nas livrarias não se compara, nem de perto e nem de longe, com o que se registava há quarenta anos atrás. O mesmo se poderá dizer em relação à música, ao teatro ou mesmo à dança. Os passos foram grandes, mesmo sem fortes investimentos dos poderes públicos, como aconteceu com as outras áreas, anteriormente referidas. A verdade é que Deus quis, os homens da cultura sonharam e as obras foram nascendo. E quando assim é o próprio homem acaba por perceber que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa). Nos últimos quarenta anos, Cabo Verde assistiu a um desfile de grandes vultos da cultura, sendo que, muitos daqueles que implantaram, no centro do mundo, uma “Embaixada da Cultura Crioula” entraram e saíram de cena. No domínio da música, entre os que entraram e permaneceram e aqueles que saíram e deixaram uma obra construída, destacam-se grandes nomes como Cesária Évora, que cantou Cabo Verde lá onde houvesse uma única sensibilidade para a universalidade cultural. Porém, muitos outros nomes contribuíram para a construção deste edifício da “diplomacia cultural” que permanece no tempo: Maria Alice, Celina Pereira, Orlando Pantera, Titina, Bibinha Cabral, Codé di Dona, Ntóni denti d’Óru, Anu Nóbu, Nacia Gomi, Celina Pereira, Catchás, Manuel d’Novas, René Cabral, Manu Lima,

Chico Serra, Luís Morais, Morgadinho, Nhô Balta, Tututa Évora, Voginha, José Luís, Manuel de Candinho, são apenas nomes próprios de figuras emblemáticas que ocuparam um espaço de relevo na construção da cultura cabo-verdiana. Lá onde faltou um sério investimento dos poderes públicos houve homens e mulheres, de grande talento e firme convicção, que assumiram os desafios de construir a nação global, fazendo com que o país fosse mais do que alguns pontinhos colocados no mapa do mundo. A música assumiu, irremediavelmente, esse papel de agente promotor do país “fora de portas”. Outras áreas também se destacaram, reconhecidamente com menos projecção no universo global. Nomes como Tchalé Figueira, Kiki Lima ou Domingos Luísa ajudaram a projectar outros segmentos da vida cultural do país, como a pintura e a escultura. Pelos vários cantos do país houve homens e mulheres que, em grupo ou isolados, contribuíram para que o país fosse este mosaico cultural. A Cultura, entidade que mais tem projectado o nome do país alémfronteiras, foi empurrada para uma dimensão residual das políticas de investimento público. De qualquer forma, ela continuou vigorosa,

SILVINO ÉVORA Jornalista e professor auxiliar de jornalismo na Universidade de Cabo Verde


V

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Crónica sobre um dia maior e melhor resistente e persistente porque é das poucas coisas que o povo assume com propriedade, não esperando que o Estado trace as suas directrizes. Certamente que nem tudo é luz neste universo da cabo-verdianidade. A política que visava oficializar a Língua Cabo-verdiana, dando-a uma dignidade constitucional equivalente à Língua Portuguesa, perdeu fôlego com a saída do então Ministro Manuel Veiga do arco da governação. A mudança de rostos no Ministério da Cultura de Manuel Veiga para Mário Lúcio Sousa coincidiu com um câmbio de paradigma nas prioridades do referido ministério, sendo que as áreas das Letras e das Ciências, antes contempladas com o Grande Prémio Cidade Velha, foram completamente jogadas para um plano menor. Paralelamente ao desaparecimento do maior prémio cultural do país caíram também quase todos os incentivos à publicação. Daí que, homens e mulheres, resistentes e persistentes é que continuaram a fazer a literatura alimentada com suor e sangue. O inverso aconteceu com a área da música, que conheceu uma projecção gigantesca. A AME – Atlantic Music Expo – tornou-se numa das maiores feiras musicais do corredor atlântico, possibilitando ao Ministro da área o Prémio Womex 2014. Outras áreas da cultura cabo-verdiana, quais sejam o artesanato, as festas de romarias, a equitação, o cultivo da gastronomia local, o cinema, o audiovisual, o teatro, entre outras, têm sido feitas no cruzamento de vontades de quem as sustenta. Felizmente, nestes ramos, as almas não têm sido pequenas e, porque se corre por gosto, os caminhos não têm tido fim e os pulmões têm aguentado este atletismo cultural, na modalidade de resistência. Os próximos quarenta anos, quem os viver, sobre eles escreverá.

Faço-vos uma advertência sobre o que pretendo escrever. Das marcas impagáveis na minha lembrança e, via disso, da minha forma de ser e estar perante o País, do ato inaugural da Independência Nacional de Cabo Verde. Nem Freud explicará o meu apego às ilhas (aos seus mínimos poros, às suas minudencias de ínsula, aos seus detalhes que fogem por vezes aos reparos) pelo fato de haver assistido (em tenra adolescência), no Estádio da Várzea, ao Nascimento da Pátria Amada. Dir-me-ão que a Nação já estava viva, perspetiva que me encanta e que me interpela ao mergulho da Hora Inicial, de Jorge Barbosa, ou um pouco mais tardiamente, porfias à parte, no caldeirão antropológico da Ribeira Grande de Santiago e no germinar, fenómeno esquecido pela ignara elite, da língua caboverdiana. Seja, ó doutos da terra, meus sabidos do tempo (ou será templo?), mas a Independência Nacional aconteceu a 5 de Julho de 1975. Ainda hoje, a voz firme do saudoso Abílio Duarte a proclamar a República de Cabo Verde e o redemoinho repentino, atribuído pelos esotéricos, como espírito balsâmico de Amílcar Cabral, o Grande Arquiteto da Libertação. Entrementes, o meu enfoque, de emocionado, será outro. E por onde começo? Louvando, lógico, as mudanças (mais nítidas nalguns períodos que noutros, mas sempre em crescendo) e que levaram o País gradativamente, de acentuado subdesenvolvimento, ao patamar de rendimento médio. Louvando, sobretudo, o fato de tais mudanças terem sido surpreendentes (já que as ilhas, de então a estes dias, não contarem com as tradicionais matérias-primas), pois tudo indicava aventureirismo e insucesso,

aliás explicitados por prognósticos fundamentados. Louvando, porque, termos chegado a este patamar foi a remar contra o fado que nos impunha a viabilidade como senão e o sucesso como inatingível. Direi que fomos, para além do que nos permitia a lógica e, apesar dos trancos e barrancos, não era crível para as testemunhas do ato de “subir nos céus a bandeira da luta” que hoje pudéssemos almejar horizontes de desenvolvimento mais sustentáveis e mais qualificados. Pus entre vírgulas e sem aspas os trancos e barrancos, já que fazem parte do pacote e, de resto, qual outro país, em assaz ordem mundial e crise internacional, não caminha exatamente assim? Até pela forma como estão hoje integrados, os países, salvas as exceções, têm avanços e recuos sistémicos. E Cabo Verde, em tal linha de conta, não tem a taxa do crescimento, do emprego, da pobreza e da dívida desejáveis, significando que há muito trabalho pela frente. Entretanto, esta minha seara, exatamente por haver testemunhado o emproar da bandeira, refletirá sempre a emoção profunda e consciente do meu olhar sobre Cabo Verde e o destino coletivo que ficou selado a partir de 5 de Julho de 1975. Destino que mais tarde produziu a Reconstrução Nacional e, em boa hora, a Democracia, gestas filhas da Soberania, faltando à trilogia a Prosperidade. Não se pense, neste novo tempo, a minha postura como unicamente encantada, alienada à crítica das situações de contingência. Claro que, em todo o nosso percurso histórico de quarenta anos, são evidente certas incongruências. Pressinto, em todos nós, sinais de inquietações

e de interrogações, ansiedades e perplexidades. O quotidiano, com os seus flagrantes, às vezes me abate de uma forma muito especial, pois sendo raro a exasperação, é indiscutível haver dias melhores que outros. E 5 de Julho, não me sobram, nem me ensombram dúvidas, é dia especial, maior e melhor que qualquer outro. Se me perguntassem, agora, sobre o significado da Independência Nacional, responderia que num momento como este, em que se jogam todas as cartas rumo ao Desenvolvimento Sustentável, nada como esta data para compreendermos o alcance dos nossos desafios e das nossas responsabilidades, missão que amiúde nos impõe, acerto prospetivo e nunca saudosista, o paradigma da gesta da Independência Nacional. O adolescente, que às vezes me revisita e não se aparta das suas lembranças, tal como outrora, agora não se faria rogado, perante novo hino e outra bandeira, mas mesma Pátria, gritar: Vem, Irmão. Viva Cabo Verde!

FILINTO ELÍSIO Escritor


VI | POLÍTICA

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“Conseguimos a partir de zero construir um país decente” Para André Corsino Tolentino, embaixador e antigo Ministro da Educação cabo-verdiano, a maior conquista do seu país depois da independência foi “a auto-estima e a convicção de que os cabo-verdianos são capazes”. “É nisso que consiste a verdadeira libertação”, diz. TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

M

acau não é território desconhecido para André Corsino Tolentino, que por cá andou noutros tempos a negociar um acordo para a formação de estudantes cabo-verdianos, numa altura em que “não havia universidade em Cabo Verde”, que só foi estabelecida em 2006. Alguns formaramse e regressaram e até já foram membros do Governo. Outros “gostaram tanto” que acabaram por estabelecer-se e prosseguir as suas vidas em Macau, facto que não constitui motivo para ressentimentos. “O importante é os caboverdianos estarem felizes”, diz o intelectual nascido em 1946, na Ilha de Santo Antão, mas a viver na cidade da Praia, capital de Cabo Verde. Antigo militante do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Corsino Tolentino foi responsável nos anos 1960 pela mobilização de caboverdianos na Bélgica, Holanda e França. Depois da independência, proclamada a 5 de Julho de 1975, e durante o primeiro governo de Cabo Verde liderado por Pedro Pires, sendo presidente Aristides Pereira (que exerceu o cargo entre 1975 e 1991), Corsino Tolentino desempenhou funções de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, ministro da Educação e embaixador

de Cabo Verde. Foi consultor do Banco Mundial e promotor da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) e do Instituto da África Ocidental (IAO), com sede na cidade da Praia. Entre 2000 e 2006 foi director da Fundação Calouste Gulbenkian. Doutorou-se pela Universidade de Lisboa e é actualmente administrador não executivo da Fundação Amílcar Cabral. Em Outubro receberá o Prémio Liderança 2015, com o qual acaba de ser distinguido pela Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos da América. Entretanto, é um dos promotores da Academia das Ciências e Humanidades de Cabo Verde, para fortalecer a sociedade civil e a democracia. – Era inevitável que houvesse uma ruptura do projecto de unidade entre Cabo Verde e a GuinéBissau, que era o plano de Amílcar Cabral, o mentor das independências dos dois territórios? André Corsino Tolentino – Houve o projecto de unidade entre a Guiné e Cabo Verde, esse sonho funcionou muitíssimo bem até à libertação dos dois povos. Mais tarde, não pudemos enfrentar ou resolver vários problemas. Houve um golpe de Estado em 1980, na Guiné-Bissau e um golpe de Estado para nós era incompatível, a violência

para resolver os problemas políticos é algo a evitar, portanto não conseguimos chegar a um acordo sobre esta matéria, sobre a continuação do PAIGC, que tinha deixado de existir na medida em que se introduziu o factor violência para resolver problemas políticos e acabámos por assumir a nova realidade que era de não nos atravessarmos no caminho um do outro. Nessa realização positiva do sonho creio que Cabo Verde foi altamente beneficiado com essa luta. A Guiné, infelizmente, não conseguiu enfrentar eficazmente vários problemas que foram surgindo, mas se nos ativermos aos anos de 1973 e 1975, anos das respectivas independências (a Guiné declarou unilateralmente a sua independência a 24 de Setembro de 1973, reconhecida por Portugal um ano depois, em 1974) veremos, creio, que o projecto funcionou muito bem e para Cabo Verde levou a que tivéssemos conseguido a independência nacional sem que nem um tiro tivesse sido necessário, e isto tem implicações imensas no futuro do país. - Que influência teve o facto de o território ter sido poupado à guerra? A.C.T. – Teve consequências imensas, positivas, creio que é impossível imaginarmos os

ressentimentos, os conflitos, os sentimentos de desforra que surgem entre povos que tentam resolver problemas através da guerra. A guerra significa a morte, a destruição, e essas coisas não terminam com o fim da dita guerra, prolongamse através de várias gerações. A circunstância de não termos tido guerra em Cabo Verde foi, provavelmente, a melhor coisa que nos poderia ter acontecido nesse período de luta pela independência. Isto é, termos conseguido evitar esses ressentimentos, que se perpetuam geração após geração. Nós poupámo-nos a isso. Não sei como determinar o quanto influenciou o destino de Cabo Verde, mas nós passámos, neste período de 40 anos, de território mais inviável do império português – porque era pobre em riquezas naturais – para o país com maior avanço, do ponto de vista político, social, cultural e humano. Conseguimos a partir de quase zero construir um país decente. E isso, em grande parte, deveu-se a essa estratégia de luta no contexto da unidade africana, que nos permitiu lutar na Guiné e em Cabo Verde eficazmente contra o sistema colonial português, e o termos conseguido isso sem guerra no território foi provavelmente a melhor coisa que nos poderia ter acontecido. - Como foram os primeiros anos de


VII

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 independência? A.C.T – Hoje em dia é muito difícil explicar às novas gerações as condições em que recebemos o país. Eu era um jovem secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, nessa altura o que compensava era a energia e uma grande vontade de provocar até milagres. É evidente que não conseguimos os milagres, mas nós pensávamos que éramos capazes de fazer até os milagres que fossem necessários. E essa vontade, o patriotismo generoso, orientado para a salvação colectiva, era a melhor força com que podíamos contar, porque não tínhamos experiência nem conhecimentos de gestão de um país. Fomos aprendendo no dia-a-dia, enfrentando as dificuldades. Tínhamos um país que era duplamente pobre, no sentido em que era, materialmente, um país de grande escassez de recursos, com chuvas raras e incertas, industrialização quase zero, uma economia extremamente frágil. Mas, para além desta miséria, que se traduzia em grandes fomes nos períodos de seca, tínhamos interiorizado essa pobreza, isto é, acreditávamos que “somos pobres, vamos continuar pobres”. Creio que a melhor coisa que nos aconteceu, depois de conquistada a independência, foi essa libertação do espírito, conseguimos sacudir esse espectro, esse peso da miséria que nos acompanhava há muitas gerações. A partir dessa libertação, dessa tomada em mãos do nosso próprio futuro, nós ousámos construir pouco a pouco, com a ajuda dos outros, sempre. Sempre existimos nos outros, que começam por ser o emigrante de uma ilha para a outra, o emigrante nos Estados Unidos da América, Europa, África. A partir do momento em que acreditámos que era possível, organizámonos com muita disciplina, muita capacidade de trabalho, e fomos criando as coisas que eram impensáveis na altura. Nós temos uma coisa que é a auto-estima, a alegria de viver, a convicção de que somos tão capazes quanto os outros, penso que é nisso que consiste a verdadeira libertação.

- Cabo Verde continua a ser um país exportador de mão-de-obra? A.C.T. - Desde a criação de Cabo Verde no século XV, no auge da expansão europeia e no cruzamento do tráfico negreiro para as Caraíbas, as Américas, este povo foi-se forjando, foi desenvolvendo a cultura crioula, através desse processo muito complexo, muito duro, muito difícil, mas isto vem de longe. Num contexto colonial, não havendo recurso naturais, houve uma atribuição a Cabo Verde de uma espécie de especialização, tanto é que vamos encontrar uma boa parte de cabo-verdianos na administração da Guiné-Bissau, em Moçambique, Angola, Timor, São Tomé. Havia uma espécie de divisão de trabalho no império colonial português que atribuía funções às diferentes colónias – umas eram fornecedoras de matérias-primas e às outras, como Cabo-Verde e Goa, coube a circulação pelo império de alguma competência administrativa e de gestão. Nós enquanto geração da independência, filhos de uma terra que se afirmava, em 1975 abrimo-nos ao mundo e reequacionamos os nossos recursos e as nossas necessidades, e procurámos novos mundos para nos ajudarem a resolver os nossos problemas, é uma questão civilizacional, de identidade hoje em dia. Mas direi que ainda temos grandes dificuldades em conseguirmos uma economia exportadora, que possa exportar bens, serviços e pessoas bem preparadas, bem qualificadas, ainda não chegámos lá, ainda não exportamos quanto devíamos. - Em 1991 houve eleições multipartidárias e dáse uma mudança de partido no poder. O então recém-criado Movimento para a Democracia (MpD) assumiu as chefias do Estado e do governo durante 10 anos, até 2001. A.C.T – Nós fizemos o que pudemos nos primeiros 15 anos de país independente. Os regimes democráticos não nascem do zero. Foi-se fazendo, gerámos através da educação, da informação, da

abertura do regime, mesmo que de partido único. Geraram-se novas necessidades e a organização correspondente. E, em 1991, houve eleições multipartidárias. Na altura, não imaginei que fosse possível, mas foi e aprendemos a gerir uma sociedade com abertura de espírito. Creio que o país deu o passo que tinha que dar. Primeiro a independência nacional, depois a consolidação da soberania nacional, a organização do Estado independente, o funcionamento mais ou menos aceitável de um Estado de Direito – e depois veio 1991, como resultado de um processo gerado internamente com alguns complementos externos, nomeadamente a queda do muro de Berlim e do sistema soviético e a reformulação das relações internacionais. - Cabo Verde está entre as nações mais democráticas do mundo. A.C.T.- Creio que em Cabo Verde todos os cidadãos razoavelmente informados concordarão que nós conseguimos estabelecer um regime político democrático tendo como base um Estado de Direito que funciona, com altos e baixos, mas que funciona. – Uma vez consolidada a democracia, quais são os principais desafios em termos de desenvolvimento? A.C.T. – Conseguimos a graduação de País de Rendimento Médio – de facto ainda não somos um país de rendimento médio, ainda somos menos avançados em muitos aspectos. Continuamos com grandes vulnerabilidades e uma economia a dar sinais de uma fraqueza estrutural, com um endividamento público que é uma preocupação acrescida. Mas vamos conseguindo a paz e atrair turistas que nos ajudam a equilibrar as contas. Do ponto de vista social, está comprovado que temos avançado em termos de capital humano, com sistemas de educação e saúde razoáveis, há uma espécie de

igualdade de oportunidades, mas que por vezes é posta em causa pelas desigualdades interregionais, ou entre ilhas, ou dentro da própria ilha, mas que são possíveis de gerir. Do ponto de vista cultural tem havido uma emergência de afirmação através da língua, da música, da pintura, do artesanato. O que me impressiona mais nesta terra é a capacidade quase herdada de lutar e quem luta muitas vezes consegue. Por mais que se diga que a justiça é lenta, que a polícia é ineficaz, que a ameaça dos tráficos ilícitos é muito grande, a verdade é que, até hoje, temos conseguido manter um clima de paz. A paz é fundamental, porque permite a utilização dos recursos de forma programada. Se me pergunta o que é que funciona mal, estamos num contexto de ameaças sérias, por causa do terrorismo internacional, dos tráficos ilegais, das desigualdades económicas. – Qual o papel de Macau nas relações da China com Cabo Verde? A.C.T. – Ainda há bocadinho o antigo reitor da Universidade de Cabo Verde, Paulino Fortes, disseme que vai estar seis meses em Macau a desenvolver um projecto de investigação e de ensino. Macau tem um papel muito importante como interface na relação dos países da comunidade de língua portuguesa e a China. Além disso, temos desde os anos 1990 um acordo de formação de quadros em Macau. Há uma tentativa de coordenação das acções de cooperação da China com os países de língua portuguesa e por outro lado há as relações bilaterais, que dentro dos condicionalismos de Macau – que não é uma região soberana, tem especificidades e margens de manobra variáveis – temos procurado desenvolver a melhor relação possível. Aliás, o próprio presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, foi professor na Universidade de Macau [antiga Universidade da Ásia Oriental, entre 1989 e 1990]. Há já uma certa tradição.


VIII | ECONOMIA

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

China – Cabo Verde: uma relação à espera de acontecer A República Popular da China foi responsável por algumas das empreitadas mais significativas que viram a luz do dia em Cabo Verde ao longo das últimas décadas. Pequim foi responsável pela construção do novo Palácio do Governo, pelo edifício da Assembleia Nacional e até pela primeira barragem do arquipélago, mas o investimento privado tarda a materializar-se. O projecto do empresário David Chow para o ilhéu de Santa Maria é paradigmático, mas não é caso único. TEXTO DE MARCO CARVALHO

U

ns gabam-lhe a localização estratégica entre África, a Europa e as Américas. Outros a robustez democrática e a solidez do sistema político. Cabo Verde festejou ontem 40 anos de independência com motivos de sobra para sentir orgulho: estudos e relatórios internacionais apontam a pequena república insular com um exemplo de estabilidade no contexto africano. Fragmentado por dez ilhas, com uma população de pouco mais de meio milhão de habitantes, é um país onde a democracia funciona, onde a alternância política se tornou uma realidade e onde o investimento estrangeiro começa a frutificar, ainda que a um ritmo bem mais lento do que o desejado e com uma expressão bem menos significativa do que a que as

autoridades da Praia idealizaram em termos de desenvolvimento a curto e médio prazo. Mergulhado numa crise económica de contornos indizíveis, Portugal continua, ainda assim, a ser o maior parceiro económico de Cabo Verde. O país tem procurado abrir novos mercados de importação e novos parceiros de negócios – os milhões da China são os mais apetecidos – mas o reforço das ligações com Pequim, com Brasília e, mais recentemente, com Madrid não beliscaram a primazia de Lisboa. Portugal foi em 2014 responsável por 43,8 por cento das importações de Cabo Verde e por 14,7 por cento das exportações caboverdianas. De acordo com os dados oficiais

divulgados no início do ano pelas autoridades da Praia, Cabo Verde foi no ano passado o mais importante mercado português per capita. O arquipélago da “morabeza” foi em 2014 o 31º mercado externo português na importação de bens, o 29º na importação de serviços e o terceiro principal mercado de Portugal entre os países africanos de língua oficial portuguesa, com um volume de negócios superior ao que Lisboa mantém com muitos países da própria União Europeia. Por ser tão significativo, o volume de trocas comerciais entre Cabo Verde e a antiga potência colonizadora ajuda a estruturar a economia cabo-verdiana, mas a Praia não faz segredo sobre o investimento que lhe

interessa atrair: no início de Junho a Ministra do Turismo, Investimentos e Desenvolvimento Empresarial de Cabo Verde, Leonesa Fortes, liderou uma delegação que se reuniu em Pequim com membros do Governo Central e com empresários chineses com o propósito de convencer investidores do Continente a olhar com outros olhos para o arquipélago. PROJECTOS TARDAM A SAIR DO PAPEL Cabo Verde não tem poupado esforços, mas os resultados tardam a aparecer, como explica Mário Vicente. O delegado cabo-verdiano no Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países

de Língua Portuguesa reconhece que as perspectivas de investimento envolvendo capitais chineses ainda não passam disso mesmo: “Tanto o Governo de Cabo Verde como algumas organizações internacionais ligadas ao comércio e ao investimento consideram o sector do turismo como um dos que maiores potencialidades de crescimento apresenta e tem-nos aconselhado o turismo como um dos caminhos de desenvolvimento”, explica o diplomata. “Ora este investimento ainda não existe, de facto. Existem alguns contactos, cujo desenvolvimento está ainda numa fase inicial de prospecção de mercado, de troca de informações, de localização, de dimensão, num processo que levará o seu tempo. Quero acreditar que no


IX

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 futuro, não sei se a tão curto prazo quanto isso, algo venha a acontecer”, assume Mário Vicente. O projecto de David Chow para o ilhéu de Santa Maria, na orla costeira da capital cabo-verdiana é paradigmático, mas não é caso único. O empresário reafirmou há um ano a intenção do grupo Macau Legend de investir mais de dois mil milhões de patacas na construção de um resort integrado na zona da Gâmboa. O projecto – que prevê a edificação de um complexo com casino, hotel, uma marina e espaços de comércio, lazer e recreação – envolve o investimento de um montante equiparado a 15 por cento do Produto Interno Bruto de Cabo Verde, mas o arranque das obras, previsto para o final do ano passado, tarda a materializar-se. Apesar do atraso, as autoridades da Praia contam com o investimento do empresário de Macau para alavancar a indústria do turismo na zona da capital caboverdiana: “As negociações têm continuado e estão agora numa fase muito mais interessante agora”, adianta Mário Vicente. “Caso o projecto venha a avançar, e continuamos a acreditar que vai avançar, será definitivamente um dos maiores projectos turísticos na capital, com um impacto enormíssimo. Impulsionará a criação de emprego, a geração de receitas, a mudança inclusive de todo o rosto da capital. Seria um projecto, não diria vital, mas de enorme importância para o país e para o desenvolvimento económico do país”, admite o representante de Cabo Verde no Fórum Macau. Na ilha da Boa Vista o cenário é o mesmo, ainda que com outros protagonistas. Há um ano, em Junho de 2014, a empresa Qingdao Jinyitong anunciou que tencionava construir um oceanário, um hotel e zonas residenciais na ilha, de forma a atrair turistas europeus a Cabo Verde. O interesse terá sido manifestado no âmbito de uma visita que uma delegação chinesa prestou à mais turística das ilhas do arquipélago da morabeza. Chefiada pelo próprio presidente do grupo, Yang Jun, a comitiva apresentou em detalhe os projectos de investimento que tenciona conduzir na orla marítima da Boa Vista, prometeu mundos e fundos, mas até ao momento o plano ainda não saiu do papel: “Posso dizerlhe que os investimentos externos, principalmente na área do turismo, requerem muitas trocas de informação, muitos estudos, em particular para os primeiros investimentos chineses na região. Os empresários chineses não são dos maiores investidores neste sector, em particular. As negociações, as conversações e a troca de informações continuam e quero crer que vão continuar a avançar, mesmo que não se possa adiantar um período ou uma data para a sua concretização”, reconhece Mário Vicente. ENERGIAS RENOVÁVEIS: UMA APOSTA COM FUTURO No início de Junho, aquando da visita que efectuou a Pequim, Leonesa Fortes

esteve reunida com dirigentes do Banco de Desenvolvimento da China e com o Exibank, dois dos organismos que lideram a lista dos maiores financiadores dos investimentos chineses feitos em África. A titular da pasta do Turismo e do Investimento apresentou às autoridades e entidades chinesas com quem contactou as potencialidades de Cabo Verde em domínios como a economia do mar, a aviação civil e o turismo, discutindo ainda a possibilidade de acções de cooperação numa área a que o Governo da Praia dá crescente importância, as energias renováveis. Pobre em recursos naturais, Cabo Verde olha com grande ambição para a gestação de energias limpas. Até 2020, as autoridades cabo-verdianas querem garantir que 50 por cento da energia consumida no país tenha por origem

a aposta em preceitos como a energia solar ou a anergia eólica. O objectivo de Cabo Verde é o de aumentar uma tal proporção até aos 100 por cento num período de 35 anos: “Este projecto avança a bom ritmo. Neste momento já estamos a vinte e tal, 30 por cento e nos próximos quatro anos deverá ser possível chegar aos tais cinquenta por cento sem problemas de maior”, garante, com orgulho, Mário Vicente. Para alcançar os desígnios a que se propõe, a Praia conta, no entanto, com Pequim. O investimento feito pela República Popular da China ao longo da última década nas energias renováveis ajudou a democratizar o acesso às tecnologias de geração de energia. Para um país com a dimensão e as características de Cabo Verde, o “know how” chinês pode fazer toda a diferença, admite o delegado cabo-

verdiano no Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa: “Neste momento posso adiantar-lhe que existem já algumas empresas chinesas a posicionarem-se no mercado e em Cabo Verde, em duas ou três áreas das energias renováveis que num futuro muito próximo podem vir a ter frutos muito concretos no processo de desenvolvimento deste tipo de energia não só no arquipélago, mas também na região”, sublinha Mário Vicente. “Estamos a tentar atrair interessados e o posicionamento tem sido feito no sentido de atrair investimentos para transformação e reexportação de materiais em domínios como a energia eólica ou a energia solar, nomeadamente, que regra geral têm maior potencial de crescimento no mercado da sub-

região da costa ocidental africana”, explica o diplomata. A China foi, de resto, responsável pela construção da primeira barragem do arquipélago, ainda que o empreendimento do Poilão, no concelho de Santa Cruz, ilha de Santiago, não tenha como finalidade a geração de energia. O empreendimento, construído pelo consórcio Yun Da com dinheiros estatais chineses, é a peça central de um sistema de regadio que beneficiou mais de uma centena e meia de famílias do interior de Santiago. Apesar do investimento privado chinês tardar a consubstanciar-se, Pequim tem sido ao longo das últimas décadas um parceiro privilegiado das autoridades cabo-verdianas na modernização das infra-estruturas públicas do arquipélago. Para além da albufeira do Poilão, a China financiou e construiu várias obras significativas: a Assembleia Nacional, o Palácio do Governo, a Biblioteca Nacional de Cabo Verde e o novo Estádio Nacional são alguns exemplos das infra-estruturas que o Governo chinês ajudou a erguer e a requalificar ao longo dos últimos trinta anos. O investimento, garante Mário Vicente, é bem-vindo, ainda que os desígnios do desenvolvimento passem por projectos mais substanciais: “São investimentos na estruturação e desenvolvimento do país, com um impacto económico numa perspectiva mais de longo prazo. São projectos públicos no âmbito da nossa cooperação com a China. Existem alguns exemplos nessa perspectiva, mas como disse, não são projectos de impacto imediato no desenvolvimento económico, embora tenham a médio e longo prazo os seus efeitos positivos”, sustenta o diplomata. Para a ilha de São Vicente chegou a estar programado o tipo de investimento que as autoridades da Praia identificam como ideal: um projecto capaz de gerar emprego, de criar riqueza e de alavancar a competitividade regional de Cabo Verde. Em 2013, a “China Road & Bridge Corporation” anunciou a intenção de construir um porto de águas profundas e um terminal de cruzeiros e de reabilitar os estaleiros da Cabnave no Mindelo, no âmbito de um projecto mais vasto de reestruturação do sector naval caboverdiano. O objectivo é construir em São Vicente uma base complementar de apoio às instalações logísticas que a frota chinesa do Atlântico já possui nas Canárias: “Las Palmas tem sido uma base forte deles e nós continuamos ainda, digamos, na perspectiva de ter esse parceiro chinês, que é o mesmo que está em Las Palmas. Contamos com esse investimento no âmbito do processo de desenvolvimento do que chamamos o “Cluster do Mar”, que passa essencialmente por essa questão: pela reparação, construção naval, processamento de peixe e outros negócios afins”, admite Mário Vicente, ainda que o projecto – à imagem do que sucede com todos os outros – ainda não se tenha erguido do papel.


X | PESSOAS

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

Um país de futuro Dão cartas em domínios como a ciência, o desporto, a política, a música, a literatura ou o mundo da moda. Tratam a bola por tu, rasgam as ondas sem medo, trilham com a mesma confiança as passerelles e os corredores de acesso ao poder. São caboverdianos e têm nas mãos as chaves do futuro. Dez casos de sucesso, num país com muito para oferecer.

Walter Tavares, B A S Q U E T E B O L I S TA É uma história de sucesso com contornos incríveis. Walter Tavares vai tornar-se, numa questão de semanas, o primeiro atleta cabo-verdiano a jogar na maior liga mundial de basquetebol. O atleta, de 23 anos, assinou na semana passada um contrato com os Atlanta Hawks e deve estrearse na próxima época na NBA. Com 2 metros e 20 centímetros de altura, Walter Tavares já tinha chamada a atenção dos Atlanta Hawks no “draft” realizado em 2014: na altura, o prodígio caboverdiano foi selecionado como 43ª escolha entre 77 candidatos. Walter Tavares foi descoberto há seis anos na ilha do Maio por um turista alemão, que o recomendou a uma espanhol residente nas Canárias. Até então – aos 17 anos – a mais nova coqueluche do desporto caboverdiano nunca tinha pegado numa bola de basquetebol.

Alírio Boaventura, C I E N T I S TA Aluno da Universidade de Aveiro, Alírio Boaventura é um bom exemplo do empenho e da perseverança que os estudantes caboverdianos espalhados pelo mundo depositam na prossecução de uma carreira académica de excelência. Formado em engenharia electrotécnica, o jovem investigador cabo-verdiano, de 30 anos, foi distinguido pelo Institute of Electrical e Electronics Engineers com um “Graduate Fellowship” pelo trabalho desenvolvido no campo das micro-ondas. Natural de Santo Antão, Boaventura já tinha sido nomeado em 2011 para o “best student paper” no International Microwave Symposium e considerado, num outro certame internacional como “jovem investigador com grande potencial de investigação em identificação por radiofrequência”. Alírio Boaventura ingressou na Universidade de Aveiro com uma média de 19 valores, encontrando-se actualmente a concluir a tese de doutoramento.

Kevin Oliveira, F U T E B O L I S TA Diz quem sabe que é uma das maiores referências das equipas jovens do Sport Lisboa e Benfica. O talento e o espírito de entrega de Kevin Oliveira não deixaram os dirigentes encarnados indiferentes. O atleta, de 19 anos, foi um dos seis juniores com os quais o clube da Luz assinou no início do ano um contrato profissional. Nascido na ilha de São Vicente, o médio cabo-verdiano integrou a equipa do Sport Lisboa e Benfica que chegou, há um ano, ao encontro decisivo da UEFA Youth League na categoria de Sub-19. A formação encarnada, recorde-se, foi derrotada na final pelo Barcelona. As boas indicações dadas ao serviço das águias no Campeonato Nacional de Juniores valeram-lhe o prolongamento do vínculo com o clube da Luz até 2021 e a chamada à selecção nacional cabo-verdiana.

Nelson Freitas, M Ú S I C O A nova música popular cabo-verdiana libertou-se dos grilhões da tradição musical das ilhas – da morna, das coladeras e do funaná – e reinventou-se ao abrigo da fusão de estilos como o R&B, o hip-hop e o zouk. Nascido na Holanda, mas com as raízes bem firmadas em Cabo Verde, Nelson Freitas é um dos mais conhecidos intérpretes da nova música cabo-verdiana. Com um estilo característico, o cantor, compositor e produtor canta em inglês e em crioulo. Com uma carreira que leva já mais de duas décadas e um grande base de fãs dentro e fora das fronteiras de Cabo Verde, Nelson Freitas integrou até 2005 o grupo Quatro Plus. Em 2006, lançou-se a solo, apresentando em Outubro do mesmo ano o seu primeiro álbum – “Magic” – em nome individual. “Elevate”, o seu mais recente trabalho discográfico, foi lançado em 2003. O disco contou com a colaboração de artistas e de produtores de países como Angola, a Holanda, a República Popular do Congo e Marrocos.

Janine Lélis, D E P U TA D A Janine Lélis é um caso sério na política cabo-verdiana. Jurista de formação, a deputada é vicepresidente do Movimento para a Democracia e ganhou grande projecção no âmbito da vida política de Cabo Verde depois de em 2011 ter sido escolhida pessoalmente pelo então líder do MpD, Carlos Veiga, para encabeçar a lista do partido no Círculo Eleitoral do Sal, um feudo tradicional do PAICV. Com um grande poder de oratória, Lélis não só derrotou Basílio Mosso Ramos – um peso pesado da política do arquipélago – como também conseguiu eleger Daniel Évora, o número dois da lista. Em Setembro do ano passado, a deputada – com ligações políticas à ilha de São Nicolau – foi eleita em Marrocos para o cargo de vice-presidente do Secretariado Executivo da União dos Jovens Parlamentares Africanos.


XI

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Janir Nuno da Cruz, E N G E N H E I R O Em 2013, acabado de se licenciar pela Universidade de Macau, Janir Nuno da Cruz foi notícia, ao vencer um concurso no campo da engenharia electrotécnica entre universidades das Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong. Sancionado pelo Instituto dos Engenheiros Electrotécnicos e Electrónicos – a mais cotada associação mundial do sector – o concurso regional foi ganho por Janir Cruz com um projecto de controlo de computadores através da mente. Natural de São Vicente, o jovem engenheiro, agora com 25 anos, apresentou depois o seu projecto num simpósio internacional na cidade chinesa de Dalian. Pensado para pessoas com dificuldades motoras, o sistema idealizado por Janir Cruz acabou por ser alvo de uma extensa apresentação na revista científica “Neurocomputing”. O jovem engenheiro encontra-se actualmente a concluir os estudos de doutoramento na Suiça.

Elida Almeida, C A N TO R A Cantora, guitarrista e autora, Elida Almeida é a voz que está a entusiasmar os amantes da música de Cabo Verde. Apesar de jovem, a artista canta com sentimento e a sua música reflecte já uma enorme experiência de vida. Entre Santa Cruz, na ilha de Santiago, onde nasceu em 1993, e a ilha do Maio, onde viveu depois da morte do pai, teve de lutar contra a pobreza, enfrentar uma gravidez precoce e garantir que levava os preceitos de uma boa educação a bom porto para poder apoiar a família. Descobriu o canto no grupo coral da igreja que frequentava e a música desde cedo se prefigurou como um refúgio. Descoberta por Djô da Silva, um dos maiores produtores cabo-verdianos da actualidade, Elida Almeida lançou no ano passado o seu primeiro trabalho discográfico “Ora doci ora margos” e, este ano, venceu o prémio Revelação nos Cabo Verde Music Awards.

José Luiz Tavares, P O E TA Não é necessariamente jovem, nem desconhecido, mas a sua poesia continua a reverberar com a amplitude de uma promessa. Formado em Literatura e Filosofia, José Luiz Tavares fez-se conhecido dentro e fora das esparsas fronteiras de Cabo Verde através de uma obra poética erguida tendo por base poemas longos, com uma linguagem cuidada, onde se combinam o classicismo com imagens sentidas e inovadoras, cheias de riscos eficazmente resolvidos. Nascido em 1967 na ilha de Santiago, José Luiz Tavares venceu o Prémio Mário António de Poesia em 2004, com o seu primeiro livro “Paraíso Apagado por um trovão”. O poeta foi somando distinções desde então: a sua segunda obra, “Agreste Matéria Mundo”, foi contemplado com o Prémio Jorge Barbosa e em 2010 conquistou o Prémio de Lírica Cidade de Ourense com “As irrevogáveis trevas de Baldrick Lizandro”.

Alécia Morais, M O D E L O Mitu Monteiro, K I T E S U R F E R É dos mais conhecidos atletas de Cabo Verde alémfronteiras. Aos 32 anos, Mitu Monteiro é um condestável do mar: surfista, bodyboarder e kitesurfer, o atleta completou recentemente a primeira volta a Cabo Verde em kitesurf, mas não foi a façanha que o tornou um ídolo nas ilhas da morabeza. Oteniel Jorge Monteiro começou com o bodyboard, passou pelo surf e experimentou o windsurf, mas foi no kitesurf que se notabilizou. Mitu, que conhece como ninguém as ondas e os grãos de areia da ilha do Sal, compete a nível internacional desde os 17 anos e desde 2008 domina, quase sem rival, as lides mundiais do kitesurf. O kitefurfista cabo-verdiano ganhou o Campeonato do Mundo de Ondas e foi vicecampeão mundial por três ocasiões, mantendo-se desde há sete anos nos lugares cimeiros do ranking mundial da modalidade. Em 2012 abriu uma academia na costa leste da ilha do Sal, um dos melhores locais do mundo para a prática de kitesurf.

Em Fevereiro, Alécia Morais abriu o desfile da marca Tome na New York Fashion Week. Em Janeiro, a modelo caboverdiana já se tinha destacado nas passerelles de Paris, ao desfilar com lingerie da colecção “La Perla Atelier Haute Couture” ao lado de nomes sonantes como Naomi Campbell e Isabeli Fontana. Com apenas 17 anos e a vastidão das ilhas no olhar, Alécia Morais é uma das mais badaladas modelos africanas da actualidade. Nascida na pequena localidade de Ribeira das Patas, na ilha de Santo Antão, venceu em 2012 a primeira e única edição do Elite Model Look organizada até ao momento em Cabo Verde. A iniciativa catapultou a modelo, de 1,78 m, para o estrelato a nível internacional. Alécia Morais estreou-se em 2013 na semana da moda em Paris, tendo participado em vários desfiles e desfilado para a conceituada marca Louis Vuitton. No ano passado, antes de percorrer as passerelles de Nova Iorque, a jovem caboverdiana marcou presença, entre outros, nos desfiles de Londres e Milão.


XII | MACAU

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

“O cabo-verdiano nunca deixa de estar ligado à terra” São médicos, advogados, professores e estudantes de mérito reconhecido. Os cabo-verdianos de Macau são pouco mais de meia centena, mas estão entre as comunidades de expressão portuguesa mais antigas e mais visíveis do território. Respeitados pelo contributo dado em prol do desenvolvimento de Macau, não esquecem ainda assim o rincão de mundo que os viu nascer. A música e a gastronomia são expedientes que ajudam a manter a caboverdianidade viva à distância, mas “o apego à terra” manifesta-se quotidianamente de forma bem mais natural, pelo milagre da língua. Daniel Pinto, presidente da Associação de Amizade Macau-Cabo Verde, em entrevista. TEXTO E FOTOS DE MARCO CARVALHO

S

e tivesse que traçar um retrato da comunidade cabo-verdiana em Macau, o que diria? Quantos são e quem são os cabo-verdianos radicados no território? Daniel Pinto - Nós devemos ser cerca de 40, 50. Falo dos que são mesmo cabo-verdianos, dos que nasceram em Cabo Verde. Se agregarmos os descendentes o número, obviamente, torna-se muito maior. Mas somos mais ou menos uns cinquenta. - É uma comunidade com um vasto passado em Macau. É uma comunidade enraizada e, de certa forma, bem vista pelas autoridades locais … D.P. - Penso que sim. De há muitos anos a esta parte, Cabo Verde e a comunidade cabo-verdiana têm sido sinónimos de competência e de saberestar e estas são duas facetas muito importantes. É uma comunidade que soube ganhar espaço na sociedade, não só em termos sociais, mas também em termos profissionais e culturais. Estas características são mais-valias dos cabo-verdianos onde quer que eles estejam. Estamos a falar de Macau, mas isto acontece um pouco por todo o mundo. Nós somos um povo de vazão, de sair. Esta é uma das prorrogativas do povo cabo-verdiano. - Os cabo-verdianos em Macau estão bem integrados e não faltam exemplos de cabo-verdianos na administração, por exemplo … D.P. - Temos cabo-verdianos na educação, temos cabo-verdianos nos serviços de saúde, temos caboverdianos na advocacia, temos caboverdianos no ensino superior, temos cabo-verdianos a trabalhar para o sector privado e temos uma excelente leva de estudantes que estão a dar cartas, seguindo o exemplo dos caboverdianos que vieram para aqui estudar e que acabaram por aqui se radicar e casar. O cabo-verdiano tem, digamos, a tendência para dar continuidade aquilo que já foi feito ao longo destes anos todos… - Falava da vinda dos estudantes. Há sempre uma parte que vem e que acaba por ficar em Macau. Esta opção

permita uma renovação progressiva da comunidade? D.P. - Logicamente. Se reparar, quando começaram a vir os primeiros estudantes, praticamente todos alcançaram grande sucesso. Alguns voltaram para Cabo Verde: aliás, saiu daqui um ministro, como saíram elementos importantes para a governação cabo-verdiana, que apesar de não serem ministros, ocupam cargos elevados. Aqueles que ficaram cá conseguiram catapultar a carreira, conseguiram chamar a si um lugar de destaque na sociedade e acabaram por se casar e por ficar aqui radicados. Mas há uma sucessão de estudantes: de quantos em quantos anos vem uma leva de estudantes com grande proveito em termos académicos,

sempre com grandes notas. Lembrome, por exemplo, de um estudante que veio há cinco ou seis anos, o Janir Cruz que se distinguiu como sendo um dos melhores alunos de todos os tempos na Universidade de Macau. O Janir já fez um mestrado, ganhou um concurso internacional no estrangeiro e está a fazer o doutoramento na Suiça. É um exemplo vivo de que a comunidade está viva e há como que uma linha de continuidade neste aspecto. - Macau tem contribuído nesse sentido, sobretudo na formação de quadros. Cabo Verde é desde a primeira hora membro do Fórum Macau e as relações com o território e com a República Popular da China são cordiais, mas o investimento chinês

no arquipélago está longe de ser significativo. Como é que se explica esta questão? Pela insularidade? D.P. - Sim, mas não só. Não é só a questão da insularidade. Repare que a distância que separa Macau de Cabo Verde é uma distância incomensurável e os chineses têm como ponto assente conhecer bem, estudar, tomar o pulso às condições. Só depois deste processo é que investem timidamente: vão apalpando terreno e só quando tiverem a certeza absoluta de que o investimento tem futuro é que investem. Mas o grande problema de Cabo Verde, ainda assim, é o facto de ter um território divido por dez ilhas. O facto de estar muito longe também não ajuda. Eu não diria que seja má vontade. O Fórum trabalha bem nesse

sentido, o Governo também trabalha bem nesse sentido, mas nem sempre é possível ter tudo sob controlo. Penso que Cabo Verde faz o máximo para que as estratégias sejam bem-sucedidas, mas esta distância incomensurável que lhe referia é um obstáculo significativo às negociações e à forma de se fazer negócio entre Cabo Verde e Macau e Macau e Cabo Verde. Esse, para mim, é o grande obstáculo. - Um dos reparos que habitualmente são feitos pelos países do Fórum é a falta de divulgação, a falta de conhecimento factual dos países membros junto de potenciais investidores chineses. Este desconhecimento existe? Ou é um mito diplomático? Macau conhece


XIII

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 Cabo Verde? D.P. - Já começa a conhecer melhor. Se disseres Cabo Verde, assim mesmo, em português as pessoas ficam confusas e não sabem: levam para a África do Sul, fazem perguntas sobre a África do Sul e não sabem bem. Mas se se referir ao país em cantonense, se disser “Fat Dak Gok”, compreenderá que há muitas pessoas que já têm noção do que é Cabo Verde, onde Cabo Verde fica. No entanto, a maior parte dos residentes de Macau têm ainda uma ideia muito pálida de onde é Cabo Verde. Cabo Verde é um país insular, é um país muito pequeno e é preciso que aconteça algo de muito extraordinário para que o mundo olhe para o arquipélago. As coisas têm mudado paulatinamente. O trabalho do Fórum, da própria Associação, do trabalho que tem sido feito em prol da divulgação da cultura cabo-verdiana, com o impulso dado pela própria ideia de Lusofonia, as perspectivas têm vindo a mudar e há muita gente que sabe onde se situa Cabo Verde e aquilo de que Cabo Verde é sinónimo. Este é um processo que leva algum tempo. - Como é que se vive a caboverdianidade à distância? Como é que se mantém o apego à terra? D.P. - Vive-se como se vive nos outros locais onde a saudade é permanente. Apesar das distâncias serem enormes, o cabo-verdiano nunca deixa de estar ligado à terra. Periodicamente reúnese em eventos culturais, em eventos gastronómicos e mata saudades da terra, mas mesmo não havendo a possibilidade das pessoas se juntarem, o espírito da comunidade está sempre aceso no cabo-verdiano, independentemente de tudo o resto. - Falava da gastronomia, mas há também a música. Mesmo à distância, a música ajuda a construir a identidade de quem se afirma como cabo-verdiano? D.P. - Temos uma expressão em Cabo Verde que é “ninar”. É como que um acariciar. A música é como se fosse um carinho para nós e apesar de nos deixar com uma certa nostalgia, é uma forma eficaz de matarmos saudades da terra. Acontece com a música, com a nossa gastronomia, mas são coisas pontuais. Como lhe estava a dizer, o espírito que temos em nós de cabo-verdianidade, o espírito pátrio nunca sai de nós, mesmo que tenhamos outra nacionalidade ou estejamos em outras latitudes. É um sentimento que está enraizado em nós e que mantemos: nós, caboverdianos, quando nos encontramos, falamos sempre em crioulo. Apesar do português ser a língua oficial e ser algo que respeitamos muito – já o Amílcar Cabral dizia que foi a melhor herança que o colonialismo nos deixou, foi a língua portuguesa – nós fazemos questão de, quase naturalmente, falar crioulo. Não há outra forma de matar saudades. Muitas vezes até trocamos mensagens entre amigos em crioulo. É uma forma também de manifestarmos a nossa presença, de reabilitarmos Cabo Verde em nós e

de mantermos vivo o apelo da pátria. - Apesar do trabalho de uniformização do crioulo estar ainda em progressão e de existir uma grande discussão em torno da norma que poderá vir a ser adoptada, o crioulo é, por si só, um estandarte de identidade? D.P. - Logicamente que sim. O crioulo é um estandarte de identidade. Não há margem nenhuma para dúvidas. O crioulo faz parte de nós. É a forma como, muitas vezes, nos identificamos e é a forma mais rápida e natural de nos expressarmos. Vês um caboverdiano e saúda-lo logicamente com uma expressão crioula. É algo automático. Mas levanta uma questão curiosa quando fala da questão da uniformização do crioulo. É uma questão muito complicada, a meu ver. Apesar de nós termos pessoas com muita capacidade em Cabo Verde e de os linguistas terem estudado esta questão por muitos anos e de a continuarem a estudar, no meu entender esta tarefa é uma tarefa hercúlea. Falamos de dez ilhas e apesar do crioulo ter semelhanças, falamos de dez crioulos diferentes. Uniformizar o crioulo é uma coisa extremamente complicada e mesmo que se venha a uniformizar o crioulo, eu penso que o nosso crioulo jamais servirá como uma língua franca, que é aquilo de que Cabo Verde precisa. Para isso usa o português. No meu entender, está fora de questão utilizar o crioulo como língua de negócios: por um lado é uma língua desconhecida, é uma língua que mais ninguém fala e que nos poderá interessar sobretudo como instrumento de cultura. Como língua de afirmação internacional está condenada a não ser bem-sucedida. O crioulo interessa a Cabo Verde como padrão cultural, mas pouco mais. Nesse sentido, merece a cem por cento a minha reverência. - A questão linguística é um dos poucos focos de tensão que existem em Cabo Verde. É um país pacificado, com uma democracia robusta, com

boas perspectivas de futuro e que é elogiado quase de forma unânime pela comunidade internacional … D.P. - Cabo Verde é muitas vezes apontado como um bom exemplo, não só no campo da educação, mas também no aspecto da democracia, que é uma das democracias mais progressivas do mundo. Gozamos desse privilégio e dessa fama. Há pequenas quezílias, como dizia, entre os linguistas porque quase nunca chegam a acordo. Cada um puxa a brasa para a sua sardinha porque Cabo Verde é dividido em duas partes: temos as ilhas do Barlavento e as ilhas do Sotavento. Em termo linguísticos, as ilhas estão na génese de crioulos que, por um lado, se assemelham um bocado, mas por outro lado dão azo a alguma dispersão, embora nós nos entendamos uns aos outros. Esta é a grande discórdia. Padronizar, uniformizar este crioulo tem sido um desafio. Posso defender que uma determinada expressão está correcta se for pronunciada de determinada forma, mas um linguista pode cuidar que não. Ele vai beber das raízes da norma da ilha que estudou e esta dimensão está na origem de um conflito que sempre se gerou e que se vai continuar a gerar, parece-me. Mesmo que se consiga uniformizar a língua, não sei se alguma vez haverá consenso ao redor desta matéria. Acho que as pessoas, por razões sentimentais, vão sempre puxar a brasa à ilha a que pertencem. - Para quem, como é o seu caso, viveu mais de metade destes 40 anos de independência fora de Cabo Verde, que significado tem esta data redonda? D.P. - Os quarenta anos de independência são um marco importantíssimo para qualquer cabo-verdiano. Quarenta anos é uma data histórica. É uma data redonda que importa celebrar, mas gostava ainda assim de sublinhar que com quarenta anos, Cabo Verde está ainda numa fase embrionária. É um

país extremamente novo, é um país jovem. Não obstante essa juventude, Cabo Verde já deu mostras de valor e uma grande capacidade para a reinvenção. Depois da independência, e peço imensa desculpa, mas Portugal e o colonialismo não nos deixaram absolutamente nada: deixou-nos a língua, muito orgulhosamente, mas nós praticamente refizemos tudo. O que nos valeu foi termos os nossos quadros: se reparar o único país onde não houve uma grande invasão de cubanos e de soviéticos foi Cabo Verde. Obviamente que o arquipélago ainda recebeu alguns e ainda há uns poucos que por lá continuam ou que por lá morreram, mas depois notou-se que muitas pessoas que estavam fora de Cabo Verde, muitos cabo-verdianos tiveram a preocupação de voltar para a terra e no pós-independência ajudaram o país a crescer. Nós tínhamos quadros na engenharia e na medicina e em vários, o que nos ajudou a erguer pela nossa própria mão o país. Os cabo-verdianos têm a fama de ser inteligentes, mas eu creio que são antes de mais perseverantes. Eu tinha um primo que dizia: “Se calhar Deus deu-nos estas ilhas áridas e estas paisagens lunares para que tivéssemos força e ânimo para as vencer”. Há lugares em Cabo Verde onde não se vê uma erva, embora o solo seja de uma riqueza extraordinária. Se chove durante um dia inteiro, daí a uns dias as montanhas estão todas verdes. O problema é que a chuva nem sempre vem. São estas vivências que ajudaram a moldar o carácter do povo caboverdiano. - É um país com alguns desafios de futuro. Há mais cabo-verdianos espalhados pelo mundo do que em Cabo Verde. A diáspora será sempre uma questão para Cabo Verde? D.P. - Cabo Verde vive muito do rendimento dos cabo-verdianos na diáspora. Para onde quer que vá, o cabo-verdiano leva sempre consigo um grande apego pela terra. Ele vai trabalhar para Itália, mas o grande objectivo dele é ganhar algum dinheiro, investir em Cabo Verde, fazer uma casinha em Cabo Verde e depois, mais tarde, voltar a viver em Cabo Verde. Quem diz Itália, diz França, diz os Estados Unidos da América, diz o Brasil ou diz Portugal. Qualquer que seja o país para onde vá, o caboverdiano tem sempre o objectivo de ganhar alguma condição financeira e depois voltar à terra. Eu não diria ficar rico, mas criar alguma capacidade para depois investir o dinheiro na terra. Normalmente nunca investimos dinheiro no estrangeiro. Ganhamos, suámos muito, sempre com o intuito de voltar à terra ou de, pelo menos, investir lá, mesmo não voltando. - Quais são os grandes trunfos de Cabo Verde para os próximos quarenta anos? D.P. - Um dos trunfos é a educação. Sendo um país pobre, sem grandes recursos naturais, Cabo Verde sempre esteve vocacionado para a educação. Primeiro de tudo, importa erradicar o analfabetismo em Cabo Verde. Este é

um ponto importante. Neste momento temos várias universidades e há uma preocupação premente com as novas gerações, com a ideia de dotar os cabo-verdianos com educação e com uma cultura mais abrangente, para que eles possam progredir. Há um efeito de retorno: alguém que estuda, que progride, que completa os estudos superiores sente o dever de ajudar a terra. O nosso principal objectivo diz respeito a esta aposta na educação e ao combate ao analfabetismo. No contexto africano, Cabo Verde já dá cartas a este nível: é o país com menos analfabetos. - Ao fim de quarenta anos, há problemas que Cabo Verde tem necessariamente de resolver para que se possa afirmar cada vez mais como um país de futuro? D.P. - Cabo Verde tem uma história curiosa. Nós vivemos muitos anos sob a égide de um poder colonial e no pós-independência tivemos uma democracia que não era a melhor. Era um regime extremamente musculado, com alguma violência e tudo. Houve um movimento um pouco repressivo, mas que não deu origem a represálias Era um regime de partido único, que deu lugar ao multipartidarismo e Cabo Verde, depois da democracia musculado, conseguiu conduzir uma espécie de lavar dos cestos: tornou-se num país extremamente inteligente, capaz e agora Cabo Verde tem uma liberdade de expressão e de movimentos extraordinárias. Podes dizer o que quiseres, como quiseres, que não és contestado, não és levado à barra dos tribunais. Dizes aquilo que quiseres. Há muita liberdade de expressão e de pensamento. Isso, digamos, é ilustrativo da inteligência do povo cabo-verdiano. É disso que precisamos no futuro: é consolidar ainda mais a nossa democracia, acabar com as bolsas de pobreza e de analfabetismo que ainda persistem e tentar criar condições para que os nossos quadros se tornem cada vez maiores e mais fortes. É por isso que temos muitas pessoas a estudar na diáspora, mas com o intuito de voltarem para Cabo Verde. - Os 40 anos são uma data festiva também para quem está fora. Como é que se vai assinalar esta efeméride em Macau? D.P. - Organizamos um jantar mas, que por questões que nos ultrapassam um pouco, foi quase como que uma celebração íntima, entre amigos. Fizemos um jantar para assinalar a data, mas só com a comunidade caboverdiana. Posteriormente teremos uma exposição de fotografias e teremos o lado gastronómico também, mas isto ocorrerá mais lá para a frente. É uma data especial, mas não vamos centrar o programa de comemorações no 5 de Julho. Queremos celebrar esta data ao longo do ano inteiro e promover uma série de actividades. Uma delas, de certeza, é um torneio de futebol, a que já pusemos o nome de morabeza, que acho que é um nome pomposo e bonito, que diz tudo do nosso povo.


XIV | CULTURA

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

“Existe uma cultura fortíssima nas comunidades emigradas” Celina Pereira, cantora, investigadora e divulgadora da tradição cultural cabo-verdiana, vive há 44 anos em Portugal mas, na verdade, nunca saiu de Cabo Verde. TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA


XV

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

P

ela porta entreaberta no rés-do-chão de um edifício histórico situado num dos mais antigos e tradicionais bairros lisboetas, Alfama, não longe da Rua dos Remédios, da Tasca do Chico de Alfama e da Mesa de Frades – onde cantam fadistas famosos – não é fado que se ouve, mas sim uma morna cabo-verdiana. Estamos no Tejo Bar e dentro da pequena sala de paredes cobertas de fotos e desenhos rabiscados há seis músicos, brancos, negros e mestiços – entre eles alguns dos mais conceituados intérpretes cabo-verdianos estabelecidos em Portugal – que afinam notas nas suas violas e cavaquinhos antes de avançarem para o ensaio do concerto de domingo, que assinala os 40 anos da independência de Cabo Verde. O músico e compositor Jon Lus dá o tom com a sua voz e cavaquinho e avança em crioulo, soltando as primeiras notas de ‘Força di Cretcheu’ (‘Força do meu amor’), com letra do poeta e compositor cabo-verdiano Eugénio Tavares (1867 – 1930). No pequeno bar, agora fechado para a clientela, os músicos acertam ritmos, entre um gole de cerveja, duas palavras em crioulo e uma dentada em pedaços de queijo e enchidos, que lá foram postos para afagar os estômagos. Tal como estes músicos que há muito deixaram as ilhas onde nasceram, seja Santo Antão, Boa Vista ou São Vicente, há outros cabo-verdianos que continuam a sair e a emigrar. Mas não é a distância que os torna menos cabo-verdianos, pelo contrário. Na diáspora, a comunidade afirma-se culturalmente, através da música, da

dança, da culinária. “Existe uma cultura fortíssima nas comunidades emigradas, penso que a nossa grande mais-valia é o enorme enraizamento que temos na nossa cultura intrínseca”, explica Celina Pereira, diva da morna que se dedica a pesquisar, recuperar e divulgar a tradição musical cabo-verdiana e da ilha da Boa Vista, sua terra natal e origem da morna. PENSAMENTO EM CABO VERDE Celina Pereira foi também uma das estrelas da serenata-concerto agendada para ontem, esse mesmo espectáculo para o qual Jon Lus e companheiros ensaiam no Tejo Bar, em Alfama. O evento promovido pela organização Largo Residências prometia juntar, pelo menos, 100 músicos e amantes de mornas numa “serenata itinerante”, no bairro do Intendente, em Lisboa, no dia em que se assinalavam os 40 anos da independência de Cabo Verde. “A aproximação do 5 de Julho significa sempre momentos de grande ebulição”, comenta a artista, que destaca a “evolução enorme” de Cabo Verde nestes 40 anos. “Passámos da situação de país colonizado para uma pátria independente com grandes responsabilidades sociais, tem havido um esforço enorme na luta contra o analfabetismo, contra as secas e a pequenez do país, que não tem recursos materiais”. A artista prossegue enaltecendo as suas gentes. Afirma

que “a maior riqueza de Cabo Verde é o seu povo. É um povo batalhador, feito de guerreiros e de guerreiras”. A viver em Portugal há 44 anos e com um percurso musical que a tem levado a diversos pontos do mundo (ainda falta dar um salto à China), Celina sentiu que tinha de pesquisar mais sobre Cabo Verde para descobrir a sua “essência”. “Aquilo que eu tenho estado a fazer é investigar-me, procurarme como ser humano, onde estão as parcelas da minha identidade? Elas não são só portuguesas, não são só lusas, são de várias outras origens.” Por isso, Celina nunca deixou de se relacionar com o seu país. “Em termos íntimos nunca saí de Cabo Verde, costumo dizer que fisicamente estou fora do país, mas o meu espírito e pensamento estão sempre em Cabo Verde.” CABO-VERDIANOS REALIZAM-SE EMIGRANDO Celina Pereira tem desenvolvido um trabalho educativo com cabo-verdianos em Portugal que, tal como ela, mantêm uma a ligação forte com Cabo Verde. “O batuque está vivo, a tabanka [procissão dançada] está viva, as pessoas dançam funanás e mazurcas e fazem ‘kola son jon’ [festa no dia de São João] todos os anos”, prossegue. “Sou madrinha de um grupo de batuque, ‘Voz d’África’, há mais de 20 anos, e essas mulheres já passaram o testemunho às filhas e às netas, já há segundas e terceiras gerações que recebem a cultura das mães e das avós. É por ali que os

cabo-verdianos vão sobrevivendo como povo com uma identidade, da qual fazem parte várias coisas”, explica a artista. Por outro lado, é uma comunidade que, em termos culturais, se afirma, também, “comendo a sua cachupa, fazendo o seu cuscuz, o seu peixe seco – há muitas manifestações culturais na comunidade que para mim são um espelho da resistência cultural caboverdiana em termos de comunidade”, prossegue Celina. Na opinião da cantora, a passagem do testemunho cultural não vai parar nunca, até porque a saída de cabo-verdianos para a diáspora vai continuar. “Cabo Verde é um país de emigração”, diz. Não sendo emigrante, o jornalista e historiador José Vicente Lopes acredita que “a emigração faz parte do ADN do cabo-verdiano”. “Fomos sempre uma nação que se lançou ao mundo. Cabo Verde é o primeiro espaço africano a procurar o território americano de forma livre. A emigração para os Estados Unidos começou no século XVIII no tempo da pesca da baleia. Raramente se encontra um cabo-verdiano que não tenha um parente emigrado. São poucas as pessoas, hoje, mesmo com uma vida arrumada, que não admitem a hipótese de emigrar. Pode ser que essa vontade de emigrar seja menor do que no passado, mas ela ainda existe, porque faz parte do nosso ADN”, diz Vicente Lopes. E acrescenta: “Mais cedo ou mais tarde Cabo Verde acaba por ser pequeno para nós que aqui estamos. Por outro lado, na busca da realização pessoal e até mesmo colectiva, há pessoas que só se conseguem realizar emigrando”.

O

ponto final

FELICITA A REPÚBLICA DE CABO VERDE PELO SEU 40º ANIVERSÁRIO


XVI | CULTURA

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

A independência das palavras O artista cabo-verdiano Mito Elias recorda o nascimento de uma nação que comemora 40 anos de independência. As palavras, antes como agora, continuam a ser expressão de liberdade. Um projecto que busque o “paralelismo entre o patuá e o crioulo” de Cabo Verde continua nos planos do autor. TEXTO DE HÉLDER BEJA

F

oram os Ornatos Violeta e a voz cavernosa de Vítor Espadinha que nos cravaram na memória aqueles versos que falam de palavras repetidas ao expoente máximo da loucura, ora amargas, ora doces, a lembrarem-nos que o amor é uma doença, sim, mas também que as palavras são esse revólver sempre apontado à realidade, prontas a decidirem-lhe o destino. Foi assim com Mito Elias e a independência de Cabo Verde. Elias, que já passou duas vezes pelo território – última delas em 2012, para participar na primeira edição do Festival Literário de Macau – tinha pouco mais de 10 anos quando Cabo Verde se tornou independente. Recorda o “muito frenesim” daqueles dias em que “havia sempre muitos comícios, saraus e manifestações”. E as palavras. “De repente apareceram palavras que a gente desconhecia: beaurau, ad-hoc, comité, proletário, imperialismo, etc. Foi uma fase de muitas descobertas: Tabanka, Zeca Afonso, Picasso, Chaplin...” Natural da Praia, capital de Cabo Verde onde nasceu em 1965, Mito Elias guarda imagens de um lugar que nos anos 1970 “não passava de uma pequena aldeia”. Mas como o melhor dos viajantes à volta do seu quarto, o menino cabo-verdiano encontrava ali todos os caminhos. “Obviamente que a ideia que fazíamos de tudo era uma imensidão, por ser o nosso centro do mundo”, conta.

IDEAL IMAGINÁRIO Quando tinha oitos anos, Elias assistiu a uma episódio que o marcou “para sempre”: “Eram mais ou menos seis da tarde, à hora em que findava o expediente da função pública tocava o hino português nos altifalantes da Rádio Clube e toda a gente (o trânsito inclusive) teve de parar e ficar em sentido até o hino acabar de tocar. Parecia uma parada militar destinada à população civil.” Mito Elias rememora episódios da vida em Cabo Verde nesta entrevista por email dada ao PONTO FINAL. O ano de 1975 trouxe consigo “algum entusiasmo e muita apreensão também”. Uma “grande euforia” atravessava o país em “todos os domínios” e não faltaram “muitos exageros causados pela cauda lamacenta da revolução, como diria Jaime de Figueiredo”. Elias e os irmãos eram os putos que viam a história acontecer. “Tudo o que queríamos na vida era ser como os soldados das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo), ter aquelas tatuagens de unidade e luta ou da estrela negra, ter um colar com uma bala pendurada, uma t-shirt estampada com Amílcar Cabral, a boina do Che Guevara e emblemas do PAIGC

(Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde). Morávamos perto do quartel da cidade da Praia e a excitação era militante.” Quatro décadas volvidas, a excitação não será a mesma mas Mito Elias orgulha-se de pertencer a um país “que, apesar da sua pequenez e ausência de recursos materiais, conseguiu granjear algum respeito junto ao continente Africano e junto da comunidade internacional”. Os desafios continuam lá, com o clima seco a ser um dos maiores, por ser “um problema crónico”. Depois, há o narcotráfico, questão mais recente que tem perturbado o país nos últimos 20 anos, e a desigualdade entre classes, que aos olhos de Elias “está cada vez mais agudizada”. Para o autor, “urge encontrar formas de colmatar esse fosso” em Cabo Verde. PATUÁ NÃO ESTÁ ESQUECIDO Artista multifacetado, Mito Elias estudou no Ar.Co, em Lisboa, entre 1989 e 1991, e é também desde essa altura que faz parte da diáspora cabo-verdiana, agora em Melbourne, Austrália. Ontem, mesmo muito longe de casa, não deixou passar em claro o dia da independência do seu país. “A comunidade


ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

TODOS OS NOMES DA CULTURA CABO-VERDIANA, SEGUNDO MITO ELIAS Arménio Vieira, Orlando Pantera, Mário Lúcio & Simentera, Princezito, Mayra Andrade, Ildo Lobo & Os Tubarões, Magra, Duka, Bulimundo, Ferro Gaita, Vasco Martins, Tchalê Figueira, José Luís Hopffer, Filinto Elísio, Totinho, Vera Duarte, Manuel di Candinho, Lura, João Branco, Dina Salústio, José Luiz Tavares, Bau, Ângelo Andrade, Finason, Sana Pepper’s, Abrãao Vicente, Celina Pereira, Luís Morais, Codé di Dona, Alex, Djim Djob & Kalú, Toy Vieira, Nancy Vieira, João Vário, Paul Pena, Dany Mariano, Alexandre Cunha, Alberto Catchaz, Xan, Boy Gè Mendes, Tey, Paulino Vieira, Albertino, Eurico Barros, Ney di Belinha, Vadú, Zezé & Zéca di Nha Reinalda, Kings, Voginha, Cesária Èvora, Binga de Castro, Remna, Mano Preto & Raiz di Polon, Leão Lopes, Titina, Paula Vasconcelos, Nha Nácia Gomi, Ricardo de Deus, Hernâni, Bento Oliveira, Antero Simas, Kassanaya, Djinho Barbosa, José Vicente Lopes, Misá, Horace Silver, Chico Serra, César Scofield, Corsino Fortes, Isa Pereira, Tazinho, Kaká Barbosa, Kim Alves, Ras JahKnow, Oswaldo Osório, Djunga di Biluka, Vadinho, Djinho Barbosa, Humbertona, Waldemar, Betú, Heavy H, Baltasar Lopes, Luísa Figueira, Nhô Roque, Travadinha, Manuel Clarinete, Manuel Figueira, Bela Duarte, KikiLima.

cabo-verdiana em Melbourne não passa de uma dezena de criaturas. Apesar da fraca parcela, vamos ter uma pequena celebração, da qual sou um dos organizadores. O certame já vai na sua 2ª edição, chama-se ‘Liberdadi’. Este encontro terá música ao vivo, Poesia, DJ Set, dança e cachupa. Este encontro pretende também ser uma forma de congregação lusófona em Melbourne”, explicava antecipadamente o artista. No Festival Literário de Macau, em 2012, Elias apresentou-se como performer e como artista visual, trazendo ao território ecos da poesia e da vida de Arménio Vieira, vulto maior da literatura cabo-verdiana. Por cá, fez também vários amigos e germinou ideias para futuros projectos. “Sempre estive em contacto com os cabo-verdianos de Macau, onde tenho muitos amigos. Gostaria de poder desenvolver no futuro, conjuntamente com os cabo-verdianos de Macau, ou não, algum trabalho que buscasse um paralelismo entre o patuá e o crioulo. As sementes já estão lançadas, o poeta Adé já faz parte do lote de escritores com o qual tenho trabalhado ultimamente. Só falta encontrar parcerias para levar avante esta forma de Criolantus.” O crioulo cabo-verdiano é uma das paixões assumidas de Mito Elias, que o vê como um tesouro nacional. A sua preservação “está sobejamente garantida”, visto que toda a população fala fluentemente o crioulo. Mais: quase toda a produção musical é feita em crioulo. “A coisa só entra em estado catatónico quando galga os patamares da literatura, por causa do sentido ortográfico”, explica Elias. Para o artista, “contrariamente àquilo que um renomado escritor caboverdiano disse recentemente numa entrevista, Cabo Verde tem sido conhecido no mundo é pelo seu crioulo”. “As pessoas sabem que fomos colonizados pelos portugueses, mas têm uma certa noção de que a música da Cize [Cesária Évora] que tanto gostam não é o português da Amália ou do [António Carlos] Jobim. Há muita gente cantando os refrões das músicas que a Cesária itinerou pelo mundo fora, eu já testemunhei isso em diferentes esquinas do mundo”, refere com orgulho. Mesmo com “alguns lobbies estrangeiros que tentam travar o consenso ortográfico do cabo-verdiano, a língua vai granjeando a sua dinâmica todos os dias”, garante Elias. Isso é visível nas redes sociais, no hiphop ou num simples SMS – e é também uma lufada de ar que agrada ao artista, para quem “não há estado de alma mais redutor do que sentirmo-nos reféns da nossa própria língua”. Dentro de poucos dias Mito Elias ruma a Díli, em Timor-Leste, para mais uma itinerância da “[RE]alphabetika”, um espectáculo de poesia performática e vídeo instalação que surgiu como forma de assinalar o 25º aniversário do lançamento da Sopinha de Alfabeto, revista que fundou em Cabo Verde em 1985. Em “[RE]alphabetika”, Elias passeia pela obra de vultos como Luís Morais, Ruy Belo, Amílcar Cabral, Boris Vian, Corsino Fortes, Horace Silver, Jorge Barbosa, Alberto Pimenta, Miles Davis, Cesária, Beatles e Bulimundo, entre outros. O artista tem ainda dado alguma ênfase à pintura, estando agora representado pela conceituada David Bromley Gallery. O grande foco de trabalho, no entanto, tem sido o projecto de ‘street art’ que fará parte do Big West Festival, em Melbourne. “SCRIPTA – Writings of the World” consiste na recolha das várias formas caligráficas que são usadas em West Melbourne, para a construção de um grande mapa-mundi. “Este trabalho já está na fase de fermentação desde Setembro do ano passado e será apresentado como produto final em Novembro deste ano”, conta. Em Outubro deste ano, Elias apresentará outra proposta de poesia performática, “Similitude”, no encontro West Writers. Sempre apegado às palavras, o artista traçará desta feita um paralelismo entre o crioulo de Cabo Verde e a língua vietnamita.

XVII


XVIII | HISTÓRIA

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

“Cabo Verde está inserido em vários espaços, em vários mundos” João Nobre de Oliveira está em Macau há 20 anos. Em entrevista ao PONTO FINAL, fala do passado e do presente do arquipélago onde nasceu e ao qual dedica o seu trabalho enquanto historiador. TEXTO E FOTOS DE ISADORA ATAÍDE

não se passou disso. Este grupo pretendia uma luta política, foram os nativistas que lançaram as ideias, as bases, do que mais tarde será o movimento de libertação. Uma geração depois, o jornalista Pedro Cardoso assinava como ‘Afro’, o que é simbólico. Outro elemento do grupo nativista foi o Juvenal Cabral, o pai do Amílcar Cabral. Como se vê, as coisas não surgem por acaso. - Em Cabo Verde, os africanos eram considerados cidadãos e tinham os mesmos direitos dos europeus. Porém, na prática havia discriminação. Como é que esta se materializava? J.N.O - Recordo um texto do José Lopes que dizia que “os racistas são os de lá, não são os de cá”. Se o funcionário português ficasse doente podia retirar-se para a Europa, já um funcionário da terra, um cabo-verdiano, não tinha esse direito. Qualquer indivíduo que fosse transferido para Cabo Verde da metrópole era colocado à frente dos cabo-verdianos. Foi esse tipo de coisas que se denunciou, além das práticas que prejudicavam o comércio da colónia e favoreciam a metrópole. Cabo Verde tem uma particularidade, o facto de a colónia ter sido dirigida pelos naturais da terra. Ter-se-á passado algo semelhante em Goa e em Macau em certa fase, mas em Cabo Verde sempre foi assim.

J

oão Nobre de Oliveira nasceu na ilha de Santo Antão há 60 anos. A sua família tinha firmado raízes no arquipélago no fim do século XVIII e parte da tribo lá permanece, assim como muitos amigos. João sente-se “cabo-verdiano e português”, fala crioulo, saboreia os pratos da terra e aprecia a música do arquipélago. Deixou as ilhas em 1977 para estudar em Portugal. Licenciado em História, Nobre de Oliveira tem-se dedicado ao percurso socio-histórico das ilhas, sobretudo na fase colonial. Em 1995 veio para Macau, onde se fixou e se tornou mais um cabo-verdiano na diáspora. A trabalhar no sistema de ensino local, o historiador publicou em 1998 a mais importante história da imprensa cabo-verdiana (“A Imprensa em Cabo Verde, 1820-1975”, Fundação Macau). Actualmente está a investigar a genealogia das famílias cabo-verdianas. - É autor da história da imprensa cabo-verdiana no período colonial. Qual a importância

da imprensa entre o final do século XIX e o princípio do século XX em Cabo Verde? João Nobre de Oliveira - No século XIX, mais do que para difundir notícias, a imprensa servia para o debate de ideias. Naquela altura encontram-se artigos de opinião em defesa dos interesses da terra, dos problemas dos funcionários coloniais em relação aos da metrópole, e muitos artigos que atacam a política colonial da metrópole. Eram jornais de pequena dimensão, que podem ser comparados com a imprensa de língua portuguesa de Macau, com um público muito restrito, a debater problemas que dizem respeito a essa comunidade.

terra em oposição aos interesses da metrópole. O jornalista Eugénio Tavares escreveu “portugueses irmãos sim, portugueses escravos não”. Ou seja, estes jornalistas defendiam que Portugal e Cabo Verde podiam permanecer juntos se todos fossem iguais, se não houvesse cidadãos de primeira e de segunda. O José Lopes, em 18981899, escreveu: “Sonharia antes de morrer ver a minha terra independente”. Eles escreveram no contexto da guerra da independência em Cuba, quando as Filipinas também lutavam pela sua independência e na África do Sul as províncias do Traansval e do Orange estavam em guerra com a Inglaterra.

- Nesta imprensa falava-se sobre a independência? J.N.O – Foi um grupo que surgiu no século XIX e que foi activo na defesa dos interesses de Cabo Verde, até o ponto de falarem abertamente de uma possível independência. O que se encontra nos artigos desta fase é a defesa dos interesses da

- Esse grupo nativista do final do século XIX precede o movimento de libertação a partir de 1950? J.N.O - Precede, embora eles nunca tenham pegado em armas. Um funcionário da altura escreveu um artigo defendendo que era preciso fazer como os filipinos e pegar em armas, mas

- Além da imprensa, quais as outras formas de resistência ao colonialismo? Houve conflitos? J.N.O. - Em relação aos conflitos, estes podiam acontecer numa festa, num concurso público, numa luta por um lugar. No entanto, pouco a pouco registam-se vários conflitos. Por exemplo, foi nomeado um administrador português para a Ilha do Fogo e este não foi aceite, porque a população estava acostumada com administradores da terra. Este funcionário nem pôde desembarcar, foi obrigado a regressar no mesmo barco. Volta e meia havia revoltas, podiam ser conflitos laborais, quando os rendeiros se recusavam a pagar ao senhor. Então este pedia ajuda ao governador, que enviava a polícia, a qual obrigava os camponeses ao trabalho – esta era uma forma de resistência dos cabo-verdianos. Ou falar crioulo quando era proibido, uma maneira de marcar terreno. No princípio do Estado Novo ainda houve alguma resistência, como a Revolta do Capitão Ambrósio, em 1933, em São Vicente. Neste caso, terá começado por falta de trabalho, o povo não tinha dinheiro para comprar comida, passava fome, e houve saques nas lojas. - Como se dá a ligação entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau? J.N.O. - A união de Cabo Verde e Guiné é o


XIX

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 sonho de Amílcar Cabral, mas como disse o José Vicente Lopes (jornalista cabo-verdiano contemporâneo) “o sonho de Cabral é o pesadelo de muita gente”. Cabo-verdianos e guineenses tiveram sempre uma relação de amor e ódio, no início da colonização de Cabo Verde havia falta de mão-de-obra, o que se resolveu buscando escravos na costa africana. No século XIX, as últimas fornadas de escravos vieram da Guiné-Bissau e quem foi buscá-los foram os cabo-verdianos. Outro elemento é que a Guiné esteve na dependência do governo de Cabo Verde durante muito tempo. O clima da Guiné era mortífero para os europeus e por isso os funcionários, os soldados e os polícias que iam para a Guiné eram cabo-verdianos. Enquanto os angolanos e os moçambicanos viam os portugueses como os agentes do colonialismo, os guineenses viam os cabo-verdianos, o que continuou ao longo do século XX. Então, nos Correios estava o Aristides Pereira, no BNU o Abílio Duarte e na Agricultura o Amílcar Cabral na década de 1950. Entre os seis fundadores do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) em 1956, cinco eram cabo-verdianos.

Seria uma boa aposta, mas para isso é preciso dinheiro. - A posição privilegiada de Cabo Verde no Atlântico tem sido aproveitada? J.N.O. – Com o desenvolvimento tecnológico perdeu-se parte da vantagem estratégica. Hoje a África do Sul já não precisa fazer escalas na ilha do Sal para abastecer e o aeroporto perdeu a sua importância. O mesmo tinha acontecido com o Porto Grande, na ilha de São Vicente. Quando os barcos tinham de se abastecer de carvão o porto era muito importante, com o avanço tecnológico deixou de ser. Antigamente Cabo Verde tinha importância como base militar para controlar as passagens, mas com os satélites já não há a mesma importância. O Governo de Cabo Verde tem tarefas difíceis, tem desafios inultrapassáveis que têm de ser ultrapassados. - Cabo Verde define-se e depende da sua diáspora. Como essa diáspora mantém a caboverdianidade? J.N.O. - Acho que não será uma característica só dos cabo-verdianos, com outras comunidades ou populações de imigrantes passa-se o mesmo. Se há um número de imigrantes concentrados num determinado sítio, a primeira geração vai sempre preservar a língua e a cultura. A segunda geração fica entre os dois países, o de origem e o de acolhimento. A terceira geração resolve esse problema, geralmente perde a língua e a referência da terra. Acontece que os caboverdianos imigram para os mesmos destinos há muito tempo, Estados Unidos e Europa sobretudo, e por isso os novos emigrantes mantêm vivos os laços à terra. Daí que é possível encontrar na América gente na quarta geração a falar crioulo. Em Macau, porque o nosso número é pequeno, somos obrigados a conviver e a nos integrarmos. Se o número de pessoas é grande, é possível formar um gueto.

- Em Cabo Verde não houve guerra. A população apoiava o PAIGC e a independência? J.N.O. – O partido e a luta tinham apoio, sobretudo nos meios urbanos. No espaço rural as pessoas estavam empenhadas em sobreviver à miséria, digamos que este debate político ficava mais entre os estudantes, os intelectuais, entre as pessoas que ouviam a rádio Dakar do PAIGC. Eu estava no liceu, volta e meia escutava a rádio, eu sabia o que se passava, mas ainda era muito novo. De vez em quando havia uns conflitos na rua, no Mindelo. Lembro-me que de vez em quando começava uma luta entre um soldado e um cabo-verdiano, a qual se transformava numa briga de rua, dois grupos com dezenas de pessoas à pancada.

- O que está a investigar actualmente? J.N.O. - Estou a estudar a genealogia das famílias cabo-verdianas, desde o final do século XVIII ao XX. Já identifiquei mais de 200 famílias, com pesquisa nos arquivos de Portugal e de Cabo Verde. Com a internet, muito material de arquivo está digitalizado e disponível on-line. Quero saber quem eram as pessoas, quais as suas relações de casamento e as suas profissões, é um trabalho genealógico clássico. A característica fundamental não é muito diferente do que se passou no Brasil no século XIX, além do núcleo principal com filhos legítimos, há outras mulheres e outros filhos. A nível do casamento, procuravase evitar a divisão das terras para preservar a herança, e os casamentos eram entre pessoas da mesma classe. Todos se comportam da mesma maneira, independentemente de serem europeus ou africanos, e o que predominou foi a fusão étnica entre os dois grupos.

- Por que a união de Cabo Verde e Guiné-Bissau no pós-independência não funcionou? J.N.O. - O Nino Vieira, quando deu o golpe, disse que tinha posto fim à unidade do cavalo com o cavaleiro. O cavaleiro era o cabo-verdiano e o cavalo era o guineense. Entre as razões do fim da unidade, o passado histórico do qual já falamos; outro aspecto foi o facto de o presidente da Guiné ser um cabo-verdiano – o Luís Cabral era filho de pai cabo-verdiano e mãe portuguesa – enquanto no governo de Cabo Verde não havia um único guineense. Em Cabo Verde, para o governo do PAIGC se impor, houve alguma repressão, mas não houve mortes, enquanto na Guiné houve massacres para garantir a unidade política. Não se fala abertamente sobre isso, mas era um casamento forçado. Os guineenses sentiam-se preteridos em relação aos cabo-verdianos, que estavam tecnicamente mais preparados para governar numa primeira fase. - Os técnicos e profissionais coloniais não abandonaram Cabo Verde no pós-transição? J.N.O. – Não, porque a maioria era caboverdiana. Enquanto nas outras colónias o sistema administrativo foi desmantelado, em Cabo Verde a administração continuou a funcionar: a polícia, as escolas, os tribunais, o sistema administrativo, as escolas. Ou seja, não houve uma quebra na estrutura administrativa, foi uma transição suave, com um processo de substituição no qual a máquina estava lá e continuou a funcionar. - Quais os pontos positivos e negativos do regime de partido único, da fase socialista? J.N.O. - Comparando com o que aconteceu nos

demais países africanos de língua portuguesa, podemos dizer que Cabo Verde teve uma postura mais correcta. Primeiro, porque não se desmantelou a máquina do Estado. Segundo, porque nunca se assumiu uma posição socialista propriamente dita. Cabo Verde não rompeu com os países capitalistas, não podia cortar as relações com este mundo porque os emigrantes que enviavam recursos lá viviam. Os dirigentes também não se envolveram na Guerra Fria, seguiu-se uma política externa de boas relações com ambas as partes. Por exemplo, não se proibiu que os voos da África do Sul fizessem escala na ilha do Sal, até porque esta era uma fonte de renda. A violência foi suave em Cabo Verde, dizia-se que não era uma ditadura, mas

uma ‘ditamole’. Em Cabo Verde não houve nacionalização, a reforma agrária falhou em Santo Antão e já não se tentou fazê-la em lugar nenhum. Cabo Verde evoluiu muito em relação ao tempo colonial, mas a nível económico continua a ser uma dor de cabeça. - Quais as possibilidades económicas de Cabo Verde? J.N.O. - Para já há o turismo, continuam as remessas dos emigrantes, o que se produz é quase nada. A produção agrícola é toda consumida lá dentro, não há nada para exportar. A pesca é outra miragem, porque é toda estrangeira. A indústria pesqueira de Cabo Verde é apenas junto à costa, o suficiente para abastecer o país.

- Como Cabo Verde se define, cultural e geograficamente? J.N.O. - Cabo Verde é uma espécie de Antilhas. Quando se pensa em populações mestiças, estas caracterizam-se por viverem em ilhas, por terem um passado escravocrata, por serem cristãs e por falarem crioulo de origem europeia. No caso de África, temos os casos de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Saindo deste espaço, temos as Antilhas – Jamaica, Martinica, Haiti… são as mesmas características. O arquipélago de Cabo Verde insere-se no espaço Atlântico. Cabo Verde está inserido em vários espaços, em vários mundos, mas não é um caso único. Cabo Verde situa-se em África, mas também tem elementos que o aproximam da Europa. Em relação ao seu espaço cultural, insere-se melhor no Atlântico.


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Cabo Verde 40 Anos de Vida como Nação Independente ALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA

Cabo Verde: Guia de Viagem de Tânia Sarmento

Praias paradisíacas, dunas douradas a perder de vista, montanhas verdejantes e… Verão o ano inteiro. Bem-vindo a Cabo Verde, o sorriso de África. Quer escolha os resorts de luxo do Sal e da Boavista, a animação do Mindelo, o vulcão do Fogo ou as montanhas de Santo Antão, em cada esquina ouvirá música, sentirá sempre a “morabeza”, o calor de um povo acolhedor. Durante meses uma jornalista e uma fotógrafa portuguesas percorreram as dez ilhas do arquipélago, descobriram os seus trilhos e praias, testaram hotéis, aprenderam a dançar e provaram os pratos típicos. Agora partilham connosco tudo o que viram no melhor e mais completo guia de Cabo Verde publicado em Portugal.

Ó Mar de Túrbidas Vagas

de Henrique Teixeira de Sousa O romance descreve a história do Capitão Hilário Cardoso, tendo como pano de fundo uma travessia que ele faz no seu navio Nossa Senhora do Monte entre os Estados Unidos da América e Cabo Verde, passando pelas ilhas de S. Vicente e Brava. Durante toda a viagem, que durou dois meses, o capitão teve de lutar heroicamente para se manter fiel à esposa que o espera em S. Filipe, face às provocações persistentes de um linda passageira.

Diário de Viagem em Cabo Verde , Cape Verdean Sketchbook

Quadros de Viagem de um Diplomata África - Senegal, Guiné, Cabo Verde

«Estes desenhos foram feitos num caderno, durante nove semanas, onde visitei as nove ilhas (habitadas) que constituem o arquipélago de Cabo-Verde. Todos eles me recordam, de uma maneira muito intensa, os momentos que aí passei...» Eduardo Salavisa

Pelas vicissitudes da sua longa e reconhecida carreira de diplomata, o autor viveu por dentro, como testemunha ou agente empenhado, histórias que fizeram a História do nosso tempo.

de Eduardo Salavisa

de Luiz Gonzaga Ferreira

A participação da mulher na vida de Cabo Verde MITOgrafias de Arménio Vieira Arménio Vieira é uma das vozes mais expressivas de Cabo Verde. A sua poética aposta claramente em “salvar o pensamento” através da “metaforização do discurso”. MITOgrafias é um livro onde está bem vincada uma voz muito própria que em 2009 foi distinguida com um dos mais altos galardões literários de língua portuguesa, o Prémio Camões.

Do Monte Cara Vê-se o Mundo de Germano Almeida

Dezenas de personagens – homens e mulheres, novos e velhos –, cada um com a sua história, todos aqui reunidos num extraordinário romance que é também um retrato de todos nós, sob o olhar complacente e divertido do Monte Cara, lá no alto, em frente à cidade – Mindelo, em Cabo Verde, cidade que é o verdadeiro herói deste romance de Germano Almeida.

de Marisa Carvalho

Marisa de Carvalho é jornalista de imprensa desde 2001. Neste livro, desafia-nos a problematizar a condição feminina no Mundo Lusófono. O ponto de partida é Cabo Verde, país apresentado actualmente por diversos organismos internacionais como um exemplo de boa governação e de saudável crescimento económico. Ao mesmo tempo, a conjuntura histórica atribui a este arquipélago condicionantes específicas que tornam o país num estimulante elemento de análise, tais como uma população maioritariamente jovem e feminina.

Quanto Vale a Amizade? Kantu ki Amizadi Bale?, Versão Bilingue Português-Cabo-Verdiano de Maria Lúcia Carvalhas, Raquel Pinheiro

Na história Quanto vale a amizade?, João e Maria convidam-nos a reflectir sobre a importância de se valorizar aquilo que se tem e realçam os valores da amizade e da cumplicidade como modo de estar na vida.

Batuku de Cabo Verde Poesia Completa 1954-2004 de Yolanda Morazzo

A obra de Yolanda Morazzo surpreendeu muitos dos seus conterrâneos e os estudiosos das literaturas africanas de língua portuguesa, pelo silêncio em que foi guardada, revelando-se em toda a sua pujança e qualidade, e constituindo um contributo precioso que muito dignifica a literatura de Cabo Verde e as belas letras de língua portuguesa.

de Gláucia Nogueira

Em prosa e verso, em depoimentos, cantigas e relatos, esta obra traça a história do batuku ao longo dos últimos 200 anos. Mostra as mudanças que sofreu no decorrer do tempo enquanto música e dança e também as diferenças do seu estatuto na sociedade cabo-verdiana, conforme as épocas.

Cozinha de Cabo Verde

de Maria de Lourdes Chantre «Cozinha de Cabo Verde» é um livro que satisfaz a curiosidade e o apetite daqueles que já ouviram tantas vezes falar da cachupa, do xerém, da botchada, do friginato, do pirão ou do gigoti. As receitas são servidas com pequenos trechos de obras de autores cabo-verdianos que avivam memórias da terra.

Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verde

de Ana Maria Magalhães, Isabel Alçada, Arlindo Fagundes O grupo ganhou um concurso de televisão; o prémio é uma viagem a Cabo Verde. Quando partem só pensam em divertir-se, mas a bordo do avião viaja um rapaz que parece assustadíssimo. E assim que aterram na ilha do Sal escreve com um fósforo na pele do próprio braço: S.O.S. Para saberem o que se passa e poderem ajudar, têm que elidir a vigilância dos brutamontes italianos que não arredam pé e andam com o rapaz de uma ilha para outra.


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