Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

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MOÇAMBIQUE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

UM PAÍS ADULTO A PRECISAR DE CRESCER SUPLEMENTO ESPECIAL 25 junho, 2015


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II | REPORTAGEM

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III

Pobre país rico Moçambique é uma das economias mais dinâmicas do mundo, que vai continuar a crescer à conta do carvão e do gás. Este desenvolvimento, todavia, não está a criar emprego e deixa de fora os mais pobres. Quarenta anos após a independência, mais de 80 por cento dos moçambicanos continua a viver com menos de dois dólares (16 patacas) por dia. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA, EM MOÇAMBIQUE

Hoje condutor de moto-táxi – ou “tchopela”, como é conhecido o veículo de três rodas –, Pedro vê nas novas estruturas de betão que se erguem na avenida Julius Nyerere “sinais de desenvolvimento”.

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uem hoje visita Maputo, a capital de Moçambique, vai notar que a cidade está a renovar-se. Há grandes projectos imobiliários em construção nas partes alta e baixa da cidade, que estão a ocupar espaços antes habitados por casas de arquitectura colonial, testemunhos de uma outra época. As ruas e avenidas têm asfalto recente, há cafés e restaurantes

novos onde se come pregos em bolo do caco e espetadas de picanha. Não faltam alternativas e opções na hora de se beber um café e comer uma tarte de castanha de caju, desde a zona nobre da Avenida Julius Nyerere e do Bairro da Sommerschiled, até à área mais popular junto à Estátua de Eduardo Mondlane, já quase à saída da cidade. Quem chega vai reparar que já

existem armazéns de roupa e marcas de luxo, como a “Loja das Meias”, inaugurada em Maio, próximo do Jardim dos Namorados, com modelos de Marc Jacobs, Dolce&Gabbana ou do estilista moçambicano Taibo Bacar. Ou como a loja da marca alemã “Hugo Boss”, com porta aberta na Avenida 25 de Setembro, na baixa da cidade, em frente ao mercado central.

Longe vão os tempos austeros vividos logo a seguir à independência – proclamada a 25 de Junho de 1975 – e os anos marcados pelo idealismo e pela solidariedade revolucionária. Havia “uma vontade colectiva de mudar as coisas, era quase como que um conceito religioso do paraíso, colectivamente a independência representava alcançar o mundo perfeito”, descreve Carlos,

moçambicano, nascido em 1961, actualmente empresário no sector da construção. Na altura, conta Carlos, as pessoas organizavam-se nos grupos dinamizadores: “Dávamos aulas de alfabetização, fazíamos teatro, discutíamos política, o capitalismo, o marxismo-leninismo”, recorda. A crise económica começa a fazer-se sentir a partir de 1980, “passa a haver falta de tudo”. Seguiram-se tempos muito difíceis de escassez de bens, em que nada havia para comprar nas lojas de prateleiras vazias. Muita coisa mudou a partir de 1987, com a liberalização económica iniciada em 1985, ainda no tempo de Samora Machel, o primeiro presidente de Moçambique, “quando há uma tentativa de criar uma economia privada”, prossegue Carlos. A devastadora guerra civil que durou 16 anos termina em 1992, com o acordo geral de paz assinado em Outubro de 1992, entre o então presidente da República, Joaquim Chissano, representante do Governo liderado pelo partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), e Afonso Dhlakama, lider das forças da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo). O regime de partido único liderado pela Frelimo, que governava o país desde 1975, deu lugar ao multipartidarismo. O país tornou-se democrático e começou a realizar eleições multipartidárias a cada cinco anos.

ECONOMIA INFORMAL ENCHE BARRIGAS Da época que Carlos descreve pouco resta na memória de Pedro, na altura uma criança. Hoje condutor de mototáxi – ou “tchopela”, como é conhecido o veículo de três rodas –, Pedro vê nas novas estruturas de betão que se erguem na avenida Julius Nyerere “sinais de desenvolvimento”. A vida até nem corre mal ao mototaxista. Depois de cumprir dois anos de serviço militar teve a sorte de conseguiu um “biscate” como condutor de tchopela. Começou a juntar dinheiro e há três anos, com a ajuda do irmão, acabou por investir 150 mil meticais – mais de 31 mil patacas – no seu próprio “riquexó” de fabrico indiano. Cada viagem custa pelo menos 100 meticais (quase 30 patacas), 20 vezes mais do que o preço do “chapa”, o transporte colectivo mais usado na capital moçambicana, que geralmente circula superlotado com dezenas de passageiros. Ao fim de três anos, Pedro já pagou o investimento

>>> Flávio Quembo

EMPRESAS MOÇAMBICANAS QUEREM ENTRAR NOS PROJECTOS CHINESES As pequenas e médias empresas moçambicanas querem ser incluídas nos projectos de investimento da China, diz Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários. Na opinião de Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) existe espaço para as pequenas e médias empresas (PME) moçambicanas participarem dos investimentos que a China está a fazer em Moçambique. “Há muitas empresas chinesas a investir em Moçambique e essas empresas poderiam requerer serviços às pequenas e médias empresas locais”, sugere Quembo. No entanto, alerta o presidente da ANJE, é pre-

ciso estar consciente das limitações das PMEs locais: “Essa é também uma preocupação, não podemos só exigir essa abertura e oportunidade, sem garantir que as empresas locais tenham a capacidade”. Defende. Por outro lado, a China é um mercado que interessa a Moçambique para a aquisição de tecnologia de baixo custo. “A China permite-nos conseguir máquinas e equipamentos a preços democráticos para estabelecermos pequenas indústrias e conseguirmos

transformar os nossos recursos naturais”, afirma o presidente da associação. O interesse da ANJE foca-se em mercados como a China e o Japão: “A China fornece novo porque consegue fabricar por um preço democratizado, o Japão não nos oferece novo, mas é de boa qualidade, e nós podemos ter acesso a produtos de segunda mão. De uma maneira ou de outra precisamos de ter acesso à tecnologia”, afirma Quembo. O Japão já é fonte de carros em segunda mão a preços mais acessíveis. • C.A.


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IV | REPORTAGEM

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CASINO CHINÊS NO CENTRO DE MOÇAMBIQUE Um hotel casino com 10 hectares de área e dois quilómetros de extensão de praia é o investimento chinês que mais tem dado que falar na Beira, no centro do país.

>>> de pagar despesas extra lá em casa. Nos dias que correm, nos mercados formais ou de rua não falta variedade de alimentos para pôr na mesa, mas as famílias têm de fazer aquilo que chamam de “ginástica financeira” para conseguirem alimentar-se com salários mínimos na ordem dos 3100 meticais mensais. É por este montante – 640 patacas – que se pauta a remuneração mais baixa aplicada ao sector da agricultura e silvicultura, segundo os valores aprovados pelo novo Governo, em Março de 2015. O comércio informal prolifera como forma de obter rendimento complementar. Os restaurantes ambulantes ou as refeições informais são um dos negócios que se têm revelado bastante rentáveis. À hora de almoço, na alta da cidade, são dezenas os carros que estacionam nas esquinas: no interior as panelas de arroz, frango, caril. No exterior, as próprias cozinheiras a servirem

pratos por uma média de 50 meticais a funcionários de escritórios e serviços. Mais de 300 mil novos candidatos a emprego entram no mercado de trabalho todos os anos. No entanto, Moçambique é caracterizado pela elevada taxa de desemprego (22 por cento) e sub-emprego (mais de 87 por cento). A maioria da força de trabalho dedica-se à agricultura de subsistência e actividades informais. Hoje, “80 por cento da actividade empresarial em Moçambique é informal”, explica Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). “Há uma predisposição para as pessoas fazerem negócios por necessidade e não por oportunidade. Esses 80 por cento no sector informal fazem negócio porque lhes foi vedada qualquer outra oportunidade de se inserirem economicamente. Fazemno por reacção, daí que tendem a ter um crescimento limitado, não se desenvolvem, não se estabelecem

ENTRE A CHINA E O OCIDENTE O analista moçambicano Egídio Vaz diz que a viragem do país para a China foi uma escapatória à “cartilha do Ocidente” sobre boa governação. Mas, lembra que até a China está a dar exemplos “vibrantes” de luta contra a corrupção.

Egídio Vaz

“O desafio maior é a boa gestão dos recursos financeiros, é garantir que os recursos alocados sejam usados para os fins para os quais estão destinados”, diz Egídio Vaz. realizado e está a construir uma casa para a família na Matola, cidadesatélite de Maputo. Para quem se consegue afirmar no competitivo mundo da prestação de serviços de transporte, conduzir tchopela é uma forma de sair do desemprego ou

Na opinião de Egídio Vaz, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (CEC), a abertura do país ao investimento chinês resulta da vontade do antigo presidente moçambicano, Armando Guebuza, de “diminuir o envolvimento dos doadores internacionais no orçamento de Estado” e “escapar à cartilha do Ocidente” sobre a boa governação. A ajuda internacional tem desempenhado um papel importante na recuperação económica e social de Moçambique, mas é tida como restritiva da capacidade dos políticos governarem de forma autónoma, uma vez que os doadores impõem critérios de boa governação, transparência no gasto público e respeito pelas regras da democracia para a concessão de ajuda. Egídio Vaz acredita que houve “uma viragem clara para o Oriente” durante os 10 anos de governação de Armando Guebuza, porque “os chineses não se intrometem na política doméstica” do país. O analista defende, no entanto, que é “possível conciliar as duas coisas: as boas relações com a China e o esforço do Estado ser responsabilizável, ser um governo sério, continuar a trabalhar para aperfeiçoar o seu desempenho e combater a corrupção”. Aliás, diz o analista, “a própria China tem exemplos claros, concretos e vibrantes de luta

contra a corrupção. Lá [na China] executa-se [a guerra contra a corrupção] sem contemplação. Ou seja, nós não podemos como moçambicanos deixarmo-nos seduzir pelo dinheiro fácil e deixar de aperfeiçoar o nosso quadro institucional para a boa governação”, sustenta. O analista critica fortemente a forma como foi aplicada a estratégia de Guebuza de “reduzir drasticamente a dependência externa e o poder do Ocidente sobre as decisões do país”. Egídio Vaz considera que o processo “não foi feito de forma sustentada”, mas sim recorrendo ao endividamento externo, nomeadamente chinês. Apesar de estar a aumentar a capacidade de se autofinanciar com recursos internos, a sustentabilidade financeira do Estado moçambicano ainda depende da ajuda externa prestada pelos doadores internacionais. O G19 reúne todos os parceiros de cooperação que prestam apoio geral ao orçamento do Estado moçambicano. O grupo é actualmente presidido por Portugal e inclui organizações como o Banco Mundial e a União Europeia entre os membros permanentes. O Japão é membro associado. A China não faz parte, preferindo distribuir ajuda bilateralmente. O G19 foi responsável por 1,9 mil milhões de dólares de ajuda em 2013. • C.A.

como empresas, porque começaram o negócio apenas para comer e assim vão continuar”, explica Quembo. O baixo poder de compra dos moçambicanos e a falta de capacidade financeira são alguns dos factores que limitam o crescimento dos pequenos empresários. MOVIDOS A CARVÃO, GÁS E DIAMANTES Moçambique alterou o seu rumo económico, sobretudo, com a descoberta de enormes reservas de carvão e gás, que atrairam a atenção de grandes investidores estrangeiros. O país é rico numa grande variedade de recursos minerais, especialmente gás natural (tem as segundas maiores reservas mundiais), carvão, petróleo, depósitos de areias pesadas, ouro, cobre, titânio, grafite e outros minerais em quantidades significativas. Recentemente, foi descoberto o primeiro depósito do país de diamantes de qualidade e com valor de mercado por uma empresa australiana, a Mustang Resources. Na última década, Moçambique – com uma população de 25,8 milhões – situou-se entre as 10 economias mundiais com o crescimento mais rápido, a uma média anual de 7,5 por cento. As previsões para a próxima década indicam que esse crescimento vai continuar acelerado e a uma taxa elevada. No relatório de avaliação apresentado em Maio deste ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) deu nota positiva ao desempenho económico de Moçambique, que continua “robusto e mais forte do que a maioria dos outros países da África subsariana”. Para 2015, estima-se um crescimento de 7 por cento. Mas as agências de notação de risco Fitch e Moody’s têm estado a lançar alertas para uma possível descida nas estimativas de crescimento. Em causa está a queda nos preços do carvão e do gás no mercado internacional e a incerteza global sobre o financiamento dos projectos de infra-estrutura, inclusive devido à possibilidade de a China também abrandar o seu crescimento. No entanto, a médio prazo, “Moçambique deverá manter-se uma das economias mais dinâmicas do continente, com taxas de crescimento médio de 8 por cento ao longo do período entre 2016 e 2019”, prevê o FMI. As primeiras exportações de gás natural estão previstas para 2019. China, Japão e Índia deverão ser os

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Um dos novos projectos com investimento, construção e gestão chinesas e grande visibilidade na cidade portuária da Beira, no centro do país, é o empreendimento de cinco estrelas “Beira Golden Peacock Resort - Hotel e Casino”. A unidade hoteleira foi inaugurada em Julho de 2014, com a presença do ex-presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza. O hotel tem 100 mil metros quadrados de área, dois quilómetros de extensão de praia, restaurantes, spa, discoteca e um casino: “Casino Marina Beira”, o primeiro estabelecimento do género a abrir no centro do país. A unidade disponibiliza 70 slot-machines, uma sala de jogo com mesas de Blackjack, Roleta e Pocker e ainda duas salas VIP para quem quiser arriscar apostas elevadas. O jogo em Moçambique era operado até agora por três monopólios: na cidade de Maputo pelo Casino Polana, na província de Maputo, no distrito da Namaacha, junto à fronteira com a Swazilândia pelo Sul Libombos e na cidade de Pemba, no norte do país, pelo Nautilus Hotel & Casino. A cidade capital da província de Sofala – a segunda mais importante do país – deseja reafirmar-se como “uma cidade de referência em termos de oportunidades de negócios e de investimento”, afirmou ao PONTO FINAL Daviz Simango, presidente do município da Beira. O porto da cidade é o ponto de escoamento do carvão que chega do couto mineiro de Moatize, na província de Tete, que a mineradora brasileira Vale está a operar desde 2011. Essa actividade está a movimentar a economia na Beira e a atrair novos investimentos, inclusive chineses. Há mais de 60 grandes empresas chinesas estabelecidas em Moçambique e algumas delas já começam a fazer investimentos em Sofala, confirmou recentemente o segundo secretário da embaixada chinesa em Moçambique, Wang Lipei, num encontro realizado na Beira. HOTEL CINCO ESTRELAS “BOM MAS BARATO” O novo empreendimento hoteleiro da Beira promovese como “um hotel de cinco estrelas económico”. O slogan promocional não deixa dúvidas: “Nice but Cheap”, qualquer coisa como “Bom mas Barato”. O hotel, casino e spa pretende tornar-se “um local incontornável” para empresários em trânsito para o Zimbabwe, o Malawi e a Zâmbia. O projecto foi construído pela Sogecoa (Moçambique), uma subsidiária em África da empresa chinesa Anhui Foreign Economic Construction Corporation (EFECC), estabelecida em 1999. A companhia foi responsável por grandes obras em Moçambique como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Centro de Conferências Joaquim Chissano, a reabilitação do aeroporto internacional de Maputo, a construção do estádio nacional do Zimpeto ou do edifício da operadora de telefonia móvel MCel, na Beira. A Sogecoa é hoje empresa líder do mercado da construção. Um dos seus próximos projectos é a reabilitação da estrada que liga a Beira a Machipanda, na fronteira com o Zimbabwe, numa extensão de 287 quilómetros.

Na Beira, a China vai também financiar a reabilitação e capacitação do porto. Em Setembro do ano passado um investimento de 120 milhões de dólares ficou acordado entre o Exim Bank da China e o Governo moçambicano para o efeito. Na sexta-feira, 19 de Junho, os governos moçambicano e chinês assinaram em Maputo um acordo geral para os próximos três anos, nos sectores económico, técnico e comercial, com um valor global dos investimentos chineses no país previsto de 5 mil milhões de dólares. O governo moçambicano anunciou recentemente em Macau que espera que a construção de infra-

estruturas continue a fazer-se com investimento da China, dada a sua capacidade de mobilização de fundos. Os projectos de infra-estruturas que o governo de Moçambique pretende desenvolver nos próximos cinco anos – incluindo pontes, estradas e barragens – têm um custo estimado de oito mil milhões de dólares. Do investimento efectuado em Moçambique nos últimos quatro ou cinco anos no sector das infra-estruturas cerca de “60 a 70 por cento tem sido executado por empresas chinesas”, afirmou na altura o vice-ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique. • C. A.


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VI | REPORTAGEM

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APELO À PAZ >>> principais destinos. VIVER COM MENOS DE 16 PATACAS POR DIA O país está mais rico hoje, os restaurantes da capital do país enchem-se à sexta-feira à noite com casais, grupos de amigos ou homens de negócios para comer o afamado camarão tigre de Moçambique (um dos produtos mais exportados pelo país), caranguejo ou um bife de vaca a uma média de 700 meticais só pelo prato – 145 patacas – ou 2000 por uma refeição com vinho e sobremesa. No entanto, os que podem pagar pelo festim representam menos de 20 por cento da população. O crescimento registado não se está a traduzir na melhoria das condições de vida dos cidadãos mais pobres. Pelo contrário, a riqueza está a concentrarse nas mãos de um grupo de pessoas e o fosso entre ricos e pobres está a aumentar. Apesar dos progressos registados em termos de qualidade de vida face aos dias difíceis da década de 1980, o país continua a sofrer de altos níveis de pobreza e de vulnerabilidade. Actualmente, 82 por cento dos moçambicanos vivem com menos de 2 dólares norte-americanos por dia (cerca de 16 patacas), e mais de metade – 55 por cento – vive abaixo do limiar de pobreza nacional fixada em 0,6 dólares por dia (cerca de 5 patacas), indica o relatório “Perspectivas Económicas em África 2015” (African Economic Outlook 2015), divulgado pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). No índice de desenvolvimento humano (IDH) de 2014, compilado pelas Nações Unidas, Moçambique surge na cauda da tabela, ocupando a 178ª posição em 187 países. A expansão da riqueza “está concentrada nas infra-estruturas, nos mega-projetos e no sector financeiro, que representam menos de 20 por cento da população”, disse recentemente o economista António Francisco, coordenador do grupo de investigação sobre Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos, em Maputo, citado pela Lusa. Em 2009, num estudo intitulado “A Relatividade da Pobreza Absoluta e Segurança Social em Moçambique”, António Francisco calculou em 90 por cento o número de moçambicanos a viver com menos de 2 dólares norte-americanos, que é um dos limiares de pobreza de referência internacional. O “African Economic Outlook 2015” alerta para o facto de o crescimento económico não estar a criar empregos

Moçambique completa 40 anos de independência a 25 de Junho com apelos à unidade nacional e à paz. suficientes e recomenda um modelo de crescimento inclusivo, a diversificação da economia independente dos megaprojectos e dos recursos naturais e a melhoria da forma como são gastos os dinheiros do erário público para promover o desenvolvimento humano. Para Egídio Vaz, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (CEC), o factor “corrupção” continua a ser um dos maiores males do país: “Se, por um lado, estamos a registar um bom crescimento económico com tendências para continuar, e por outro lado não estamos a conseguir que este crescimento se revele

no desenvolvimento das populações, é justamente porque temos problemas sérios ao nível da boa governação, da corrupção”, diz o analista. “O desafio maior é a boa gestão dos recursos financeiros, é garantir que os recursos alocados sejam usados para os fins para os quais estão destinados”, prossegue. “Na ausência de uma boa governação, presume-se que esses recursos vão ser usados para outro tipo de coisas e não em prol do desenvolvimento. Estamos a falar aqui da corrupção.” O novo presidente da república de Moçambique, Filipe Nyusi, comprometeu-se no seu discurso de

tomada de posse, a 15 de Janeiro, a “melhorar as condições de vida do povo moçambicano aumentando o emprego, a produtividade, a competitividade e criando riqueza para o alcance do desenvolvimento inclusivo”. Para a realização destes objectivos, Nyusi afirmou ser “crucial” o empenho do país na “consolidação do Estado de direito democrático, na boa governação e na descentralização”. Na opinião de Egídio Vaz “o sucesso de Nyusi vai residir na sua capacidade de resiliência: ou ele subverte este sistema para uma situação mais prestativa ou o sistema engole-o e acomoda-o”.

“SITUAÇÃO POLÍTICA É FRÁGIL” Para Daviz Simango, presidente do município da Beira e líder do MDM, terceiro maior partido em Moçambique, a arrogância dos políticos fragiliza o processo de crescimento do país. “É preciso compreender que a situação política em Moçambique está frágil. Há a tendência para voltarmos para situações anteriores”, disse Daviz Simango, presidente do município da Beira, o segundo maior do país, e líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terceiro maior partido político em Moçambique. “Infelizmente, nós como moçambicanos não aprendemos isso. Lembro-me perfeitamente que quando se juntou os moçambicanos pela independência a ideia era lutar para que o país se tornasse independente, para que os moçambicanos, em processo democrático, pudessem depois fazer as suas opções. A democracia foi interdita em 1975 e começámos

com uma guerra civil em 1976. Houve um acordo de paz em 1992 e ficou tudo convencido que poderíamos abrir uma nova jornada de convivência. Mas, ainda persiste a arrogância, a exclusão, o provérbio de que ‘se não estás comigo então não és nosso’. Esta situação fragiliza o processo de crescimento de Moçambique”, disse o líder partidário, que tem ganho sucessivamente as eleições autárquicas desde 2003, mantendo-se como presidente do Conselho Municipal da Beira desde 2004. Daviz Simango é filho de Celina e Uria Simango, ex-vice-presidente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ambos supostamente mortos por alegada traição ao

partido. O antigo membro da Renamo, fundou o MDM em 2009, depois de um desentendimento com o líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama. Para a pacificação do país, o presidente do MDM gostaria que os dirigentes políticos abandonassem a arrogância e encetassem um diálogo leal que permita a reconstrução de Moçambique: “Temos de manter mais o diálogo, tem de ser um diálogo de facto, tem de haver cedências de todas as partes, para acabar com o conflito e essa sombra que está a pairar sobre Moçambique”, defende. Nas eleições gerais de 2014, o partido fundado em 2009 por Simango alargou a sua representação parlamentar, ao eleger 17 deputados num total de 250, mais nove dos que na anterior legislatura. O MDM lidera quatro municípios: a Beira, Nampula, Quelimane e Gurué. “A economia está nas mãos de um punhado de pessoas, e são pessoas claramente identificadas, porque estão ligadas ao regime do dia. Por outro lado, nota-se que não há políticas claras sobre como aproveitar os nossos recursos naturais (…). Isso vai dificultar a saída do país da situação em que está”. Para Daviz Simango, “este conflito também tem a ver com a exclusão que os moçambicanos vivem, atingimos níveis de exclusão inadmissíveis num Estado de direito, em que em alguns momentos a actividade política é vedada”. O autarca defende que a capacidade técnica, o mérito e o conhecimento devem sobrepor-se à afiliação partidária. “O país já tem 40 anos de independência, é preciso que os moçambicanos sejam mais abertos e acabar com a história de ‘partidarização’. Não se pode partidarizar as mentes, as pessoas, a economia, isso tudo pode ser evitado. Queremos uma forma de Estado independente, livre de amarras e influências políticas. O político concorre, ganha eleições, hoje está aqui, amanhã vai embora, mas as instituições ficam, o Estado fica, o conhecimento técnico das instituições fica, os funcionários ficam. É essa cultura que temos de cultivar no nosso país”. • C.A.

Em Abril deste ano, o novo presidente moçambicano, Filipe Nyusi, deu início às celebrações dos 40 anos de independência com o lançamento na província de Cabo Delgado, a norte do país, junto à fronteira com a Tanzânia, da “chama da unidade nacional”. Desde então a tocha da unidade tem vindo a passar de mão em mão, percorrendo as diversas províncias e distritos num apelo à união dos moçambicanos e à manutenção da paz no país. A tensão política e militar escalou em 2013 e 2014 com confrontos violentos entre as forças do Governo e elementos armados da Renamo, resultando em baixas militares e civis, deslocação da população e interrupção das actividades sócio-económicas, de acordo com o “African Economic Outlook 2015”. A discórdia relacionava-se com leis eleitorais percebidas como injustas, acusações de domínio do partido no Governo nas instituições do Estado e exclusão política e económica. A situação aliviou em Setembro de 2014, quando um acordo de paz foi assinado entre o presidente da República

cessante, Armando Guebuza, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. O convénio previa um cessarfogo, o desarmamento, uma nova lei eleitoral, a integração dos homens armados nas forças de segurança nacionais, a “despartidarização das instituições” e a redução da influência da Frelimo no Estado. A Frelimo ganhou as eleições de Outubro, com 144 assentos na Assembleia Nacional, perdendo 47 assentos para a Renamo. O maior partido da oposição aumentou a presença no parlamento de 51 para 89 assentos, enquanto o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) passou de 8 para 17 representantes. Os resultados foram aprovadas pelo Conselho Constitucional, mas tanto a Renamo como o MDM rejeitaramnos, alegando fraude generalizada. Esta situação voltou a criar tensão política. No início do seu mandato, a 15 de Janeiro deste ano, o novo presidente da república, Filipe Nyusi, avistou-se duas vezes com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, e também com o presidente do MDM, Daviz Simango, e representantes de vários partidos extraparlamentares. Depois dos encon-

tros entre o Presidente da República e o líder da oposição, a Renamo submeteu um anteprojeto de lei ao parlamento, preconizando a criação das autarquias provinciais em seis regiões do país – Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa – mas a proposta foi rejeitada pela maioria da Frelimo. Actualmente, a Renamo continua a não reconhecer os resultados das eleições de Outubro e exige um acordo de partilha de poder que inclui a criação de autarquias provinciais em todo o país e a gestão das seis regiões onde reclama vitória eleitoral, sob ameaça de tomar o poder à força. No Conselho Nacional da Renamo, realizado na primei-

“A UNIDADE NACIONAL SÓ SE CONSEGUE ENVOLVENDO AS PESSOAS” Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Renamo, lamenta que o parlamento moçambicano não consiga ser “o centro privilegiado de busca de consensos”. Em conversa mantida com o Ponto Final, em Maputo, Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, defendeu que a verdadeira reconciliação depende da inclusão das outras forças políticas no processo. “As pessoas quando estão envolvidas comprometem-se, apropriam-se das iniciativas, contribuem e avançam como um grupo, mas isto nunca aconteceu”. “A Frelimo continua a desenhar programas sem envolver as pessoas e depois diz que está a unir os moçambicanos”. No entender da deputada de 35 anos, sobrinha do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, com assento na assembleia nacional moçambicana desde 2010, o parlamento não tem conseguido ser o centro privilegiado de busca ou de encontro de consensos. “Quando são questões fundamentais que mexem com a vida dos cidadãos os consensos são encontrados noutras mesas de diálogo, não na Assembleia da República e isso para mim é algo que me deixa extremamente chocada”, diz. Ivone Soares explica que isso se deve à “incapacidade do parlamento de puxar para si estas matérias que deveriam ser tratadas aqui”, no hemiciclo. Por isso, a Renamo buscou um espaço alternativo para o diálogo com o Governo. “Já vamos em mais de 100 rondas de diálogo, mas pela primeira vez estamos a discutir assuntos profundos, que na minha óptica deveriam estar a ser discutidos no parlamento, se o parlamento fosse um centro de discussão de ideias por excelência”. Essa ineficácia do hemiciclo enquanto espaço de debate de ideias deve-se à “arrogância do partido no Governo”, prossegue

Ivone Soares. O partido maioritário no parlamento, a Frelimo, “limita-se a chumbar todas as propostas da oposição, sem procurar entender ou oferecer uma contra-proposta”. Foi o caso do projecto de lei sobre o quadro institucional das autarquias provinciais. A deputada da Renamo defende que o seu partido e o candidato presidencial Afonso Dhlakama ganharam as eleições em todo o país, em 2014, mas que houve manipulação dos resultados de maneira a manter a Frelimo no poder. A proposta de criação de autarquias provinciais surge como a “solução pacífica” para a alegada fraude eleitoral. “O que nós pretendemos é exigir que, onde eles [partido no Governo] reconhecem que nós ganhamos, que nos deixem governar”. Por outro lado, a deputada – que advoga que a liberdade de expressão foi uma conquista da Renamo, que lutou “pela democracia e pela realização de eleições multipartidárias” - diz que esse direito está “ameaçado diariamente”. “Teoricamente nós dizemos o queremos, mas volta e meia há consequências. Sinto que há esta ameaça constante, mas nem por isso nos devemos acobardar ou ficar receosos de dizer o que pensamos, vamos continuar a falar cientes dos riscos que corremos”, garante. Para exemplificar esta situação, a deputada mencionou o caso do assassinato do constitucionalista e professor catedrático moçambicano, Gilles Cistac, baleado em Março de 2015, em Maputo. Ivone Soares critica a falta de empenho das autoridades moçambicanas na investigação daquela morte. Afonso Dhlakama, na altura, acusou a ala radical da Frelimo de matar o académico para “desmoralizar a Renamo”. Cistac foi uma figura central no debate sobre as regiões autónomas em Moçambique e a descentralização do poder. • C.A.

Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi ra quinzena de Junho, na cidade da Beira, província de Sofala, foi aprovada a criação de uma polícia e a redistribuição do efectivo militar da Renamo para responder a eventuais ataques do Governo. • C.A.


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VIII | ENTREVISTA

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– Que tipo de projectos? G.C. – Em 2016 teremos a marca de café Gorongosa, que talvez possamos vir a vender em Macau. Este projecto tem vários objectivos. Primeiro, vai criar empregos para 1000 famílias que irão produzir o café e vão colhê-lo. Segundo, consiste num método para restaurar a floresta da Serra da Gorongosa, porque plantamos e produzimos árvores de café nativas, mas também plantamos árvores para fazer sombra às plantas de café, porque elas precisam de sombra. Este é um exemplo de um projecto que ajuda as pessoas e a floresta. Sentimonos muito confiantes em relação ao sucesso do nosso café. As árvores já estão com um metro de altura, estamos confiantes de que teremos um produto muito bom, um café de origem local, vindo de uma montanha especial, crescendo naturalmente, orgânico. Há uma grande quantidade de abelhas que vivem na montanha que polinizam as árvores, estou muito animado.

“Gorongosa é uma experiência fantástica” O PONTO FINAL foi fazer um safari na Gorongosa e almoçou com Greg Carr no acampamento de Chitengo. O milionário e filantropo, presidente do projecto de restauração do Parque Nacional da Gorongosa, não tem dúvidas: o turismo é uma garantia de sustentabilidade para os parques naturais, cria empregos e motiva tanto os locais como os de fora a protegerem a vida selvagem.

– Falou em Macau. Acha importante trazer turismo da Ásia para a Gorongosa? G.C. - O único aspecto em que vamos estar a investir muito nos próximos anos é o turismo. O turismo gera empregos para a população local, constrói a economia regional. A Gorongosa é uma experiência fantástica. As pessoas estão a fazer safaris, veem elefantes, leões, pássaros e nós estamos a acrescentar actividades turísticas. Pensamos que a Gorongosa é uma experiência turística de classe mundial, e vamos acrescentar mais alojamentos. Espero que as pessoas na China, em Macau, em Hong Kong considerem vir à Gorongosa. Acho que vão ter uma das melhores experiências das suas vidas.

G

reg Carr é o milionário americano que nos anos de 1980 e 1990 fez fortuna com o desenvolvimento e marketing de serviços de voice-mail e Internet. A partir de 2004, o filantropo colocou de lado 40 milhões de dólares norte-americanos para investir na recuperação do Parque Nacional da Gorongosa, onde hoje passa quase metade do ano. “Este é um parque espectacular e com alguma ajuda poderá vir a ser um dos melhores de África”, escreveu quando visitou pela primeira vez a área. O parque, situado no distrito de Gorongosa, província de Sofala, com entrada a 180 quilómetros da cidade da Beira, tem quase 4 mil quilómetros quadrados e já foi considerado um dos

melhores do mundo nos anos 1960 e 1970, com grandes concentração de elefantes e de leões. Dezasseis anos de guerra civil levaram, contudo, ao extermínio de 90 por cento dos animais. O número de elefantes caiu de seis mil, em 1976, para apenas 100. Os leões, cerca de 500 na altura, quase desapareceram. Entre 2004 e 2007 a Carr Foundation investiu mais de 10 milhões de dólares na reabilitação da fauna da Gorongosa. Neste período foram reintroduzidos búfalos e boiscavalos, entre outras espécies, e começou o processo de restauro do acampamento de Chitengo, ponto de acolhimento dos visitantes. Seguiu-se em 2008 a assinatura de um acordo por 20 anos entre a Carr Foundation – que passou a designar-se por “Gorongosa

Restoration Project” - e o Governo de Moçambique para a gestão conjunta do parque, que prevê a restauração do ecossistema, a criação de uma indústria turística sustentável e o apoio ao desenvolvimento socioeconómico das 16 comunidades e cerca de 100 mil pessoas que vivem na zona tampão à volta da área protegida. Para Carr, já não se trata de fazer dinheiro. Trata-se, sim, de recuperar, proteger e desenvolver a Gorongosa, com projectos que ajudem a natureza e as populações nela inseridas. - Já passaram alguns anos desde que empreendeu o projecto de recuperação do parque. Está satisfeito com os resultados? Greg Carr (G.C.) – Até agora há três

coisas que fizemos que são muito importantes. Em primeiro lugar a conservação, com a criação de uma força de “rangers” (fiscais ou guarda florestais) para proteger os animais. Contratamos localmente, treinamos os rangers, damos-lhes bons empregos. Fizemos a reintrodução de animais e o número de animais está a aumentar, por causa da proteção adicional. Estou feliz com isso. Em segundo lugar, estamos a trabalhar nas comunidades, com o nosso atendimento de saúde, educação, com projectos agrícolas. Sinto-me feliz com estes programas, que estão a melhorar as vidas de milhares de pessoas. E, em terceiro lugar, estou muito feliz e orgulhoso com a ciência que fazemos aqui: temos cientistas de todo o mundo. Temos

cientistas moçambicanos que estão a estudar este ecossistema, que estão a aprender coisas novas sobre ecologia que não sabíamos, estão a publicar artigos científicos, a identificar espécies que são novas para a ciência e estas lições de ecologia podem ser usadas noutras partes do mundo. Quando olho para os últimos oito anos, vejo um grande crescimento no número de animais, a criação de um centro de pesquisa científica de classe mundial e a intervenção em milhares e milhares de famílias em todo o parque. Sintome muito satisfeito em relação a isso. Vamos fazer crescer todas estas actividades ao longo dos próximos doze anos. Tenho a certeza que o número de animais vai dobrar e dobrar novamente. Todos os nossos projectos vão crescer.

– Qual vai ser o futuro do parque quando terminarem os 20 anos de parceria com o Governo? Tem expectativa de renovar o contrato? G.C. - Sim, o nosso contrato tem um prazo de renovação e suspeito que é muito provável que renovemos. Há mais de 99 por cento de probabilidades de eu ficar a trabalhar aqui para o resto da minha vida. Provavelmente outros 25 ou 30 anos. Não há nenhuma razão para parar daqui a 12 anos. Toda a gente está feliz. - Quais as formas de sustentabilidade do parque, para além do financiamento a fundo perdido que está a fazer? G.C. - O turismo é a sustentabilidade do parque. Há três coisas que o turismo faz pelo Gorongosa: número um, cria empregos para a população local; número dois, quando as pessoas pagam as taxas para entrarem no parque estão a tornar o parque sustentável; número três, quando as pessoas vêm aqui de férias e passam a semana como turistas, apaixonam-se pela natureza talvez mais

IX

profundamente do que alguma vez imaginaram. Então, vão para casa, onde quer que seja, com um compromisso renovado de “salvar a natureza”. Dessa forma, a Gorongosa pode influenciar o mundo inteiro e levá-las a proteger os lugares em perigo. Às vezes as pessoas tendem a esquecer esta terceira função do turismo. Os turistas também vivem uma experiência que lhes vai fazer ver as coisas de outra forma e esses benefícios são incalculáveis. Essa experiência educa, inspira. A seguir, muita gente vai transformar isso em acções, vão voltar para casa e talvez se tornem conservadores da natureza nos seus países. – O turismo é suficiente para sustentar o parque? G.C. - Também temos apoio dos governos dos EUA e de Portugal. Recebemos agora um donativo importante da Irlanda e há indivíduos e empresas que nos apoiam. Temos muitos que nos ajudam e isso é importante para que o parque não dependa de apenas um doador como eu. Queremos ter o maior número possível de doadores para que o projecto seja mais resiliente. Mesmo daqui a 20 anos, mesmo que haja muito turismo, a gerar muitas receitas, acredito que vai haver indivíduos e governos generosos a preocuparemse com a conservação, penso que uma parte do orçamento do parque pode vir de filantropia. Mas, se uma grande parte das receitas vier do turismo então isso é muito bom. – Tem confiança no futuro do parque a longo prazo? G.C. - A coisa boa sobre Moçambique é que o governo moçambicano ama a Gorongosa. Este parque é da propriedade do povo de Moçambique, todos os moçambicanos amam a Gorongosa, é o seu tesouro. Quando me encontro com um funcionário do Governo, na capital (Maputo), ele ou ela, expressam sempre o seu apoio à Gorongosa. É o símbolo da sua nação e está situada no centro da sua nação, ligando o norte ao sul. Acho que a razão da Gorongosa estar a ser bem sucedida não tem nada a ver comigo, eu sou apenas uma pessoa. O parque da Gorongosa está a ter sucesso porque 25 milhões de moçambicanos querem ter um parque nacional e um parque nacional é um dos melhores símbolos da democracia e do igualitarismo, porque este parque é de todos, todos são bem-vindos. Acho que o governo de Moçambique constitui um bom exemplo para outras nações. Sabe como valorizar um parque nacional. – Os moçambicanos mais desfavorecidos também têm acesso? G.C. – Trazemos milhares de crianças das localidades vizinhas que têm a oportunidade de serem turistas, que começam a aprender sobre o parque

e que se divertem. Nós pagamos tudo, do orçamento do parque e convidamos os professores das escolas. Portanto, há uma tremenda quantidade de moçambicanos que começam a vir aqui e se você vier aqui como um moçambicano, como um turista normal, a taxa de entrada para um adulto é de 100 meticais, menos de três dólares [100 meticais para adultos, 50 para jovens e grátis as crianças]. Cobramos mais aos internacionais, para que eles possam ajudar a construir a economia desta nação [500 meticais para adultos, 250 os jovens e grátis as crianças]. Mas, considerando que é um parque nacional são umas férias acessíveis. Você pode trazer a sua tenda, a sua própria comida, pode acampar, por isso não têm de ser umas férias caras.

que vir dentro do parque e levar um animal selvagem. A caça furtiva pode criar muito sofrimento aos animais: os caçadores colocam armadilhas, o animal pode ficar preso pela perna ou pela cabeça e sofrer durante dias e dias. Por isso nós actuamos de duas maneiras: impomos a lei dentro do parque e ajudamos as pessoas fora dele.

- A caça furtiva é um problema sério em Moçambique... G.C. - A lei em Moçambique protege os animais dentro do parque nacional,

- A organização International Fund for Animal Welfare (IFAW) indica que a China tem sido um destino significativo para o comércio ilegal de marfim, acha que as mentalidades podem vir a mudar? G.C. – Tenho visto muitas boas notícias ultimamente que dizem que as pessoas na China estão a optar por não comprar marfim, o que é muito importante. Se você comprar marfim para a sua casa como peça de arte o que está a fazer é contribuir para o abate de um elefante. Os elefantes são criaturas belas: têm famílias, são inteligentes, têm emoções, preocupam-se com o

porque eles são herança e património de todos os moçambicanos. Por isso, se uma pessoa entra dentro do parque e mata um animal de forma ilegal para seu próprio benefício, ele está a tirar a todo o povo moçambicano. Mas, reconhecemos que as famílias que vivem perto do parque nacional da Gorongosa precisam de comer e é por isso que temos um extenso programa agrícola. Ajudamos todas as famílias que vivam próximo deste parque. Qualquer família que precise de ajuda com a sua machamba receberá a nossa ajuda, temos sementes, métodos agrícolas. Por isso, se uma família diz que está com fome, vamos ajudá-los com a sua horta para que não tenham

outro. O comércio de marfim leva as pessoas a disparar contra os elefantes para os matar, cortar as suas presas e é horrível. Quem compra marfim deve entender que está a causar uma morte dolorosa a um animal magnífico. Tenho visto notícias recentemente que dizem que há agora uma discussão na China para parar com a compra do marfim [A China comprometeu-se em Maio a eliminar progressivamente o comércio de marfim para travar o negócio ilegal e a caça furtiva de elefantes]. Aplaudo os chineses por esta mudança de direcção e espero que se torne num sentimento universal na China. Os elefantes precisam de estar vivos, não devemos comprar marfim.


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X | PERFIL

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Stella Mendonça, C A N TO R A

DE ÓPERA

A ópera que vai colocar Moçambique na boca do mundo A soprano Stella Mendonça está a preparar “Terra Sonâmbula”, aquela que será a primeira ópera moçambicana. A ópera é uma parceria com os escritores Mia Couto, autor do livro que lhe dá origem, e Henning Mankell, que já escreveu o libreto. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

Gonçalo Mabunda, A RT I S TA

PLÁSTICO

“A minha ideia sempre é reciclar” Gonçalo Mabunda tem 40 anos, os mesmos que Moçambique tem de independência. O artista plástico, conhecido pelas suas esculturas feitas com munições de guerra e sucata, é um dos criadores moçambicanos da nova geração com maior visibilidade internacional. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

É na sua casa na avenida Karl Marx, no número 1834, em Maputo, com uma cerveja na mão, que Gonçalo Mabunda recebe o Ponto Final. O artista vive rodeado de obras de arte de outros moçambicanos, artistas, com quem trocou peças ou a quem comprou quadros, esculturas e fotografias, ou de quem recebeu esboços desenhados em guardanapos de restaurante: “Este é [Eugénio] Saranga, este é Titos Mabota, este é o fotógrafo Filipe Branquinho, este é Miro, já falecido, ofereceume há muito tempo”, explica.

No quintal, é onde se instala a oficina, se constroem as peças escultóricas, que se que cobrem e desenham as paredes e os muros com peças de ferro velho. A casa do artista está sempre de portas abertas a quem chega: organizam-se convívios culturais, mostras de arte, cafés-concerto. Mabunda notabilizou-se com as máscaras, esculturas e, sobretudo, com as cadeiras ou “tronos” feitos com armas e munições utilizadas na guerra civil em Moçambique, que o artista recicla. Com método e paciência, Gonçalo Mabunda recria objectos que reflectem aquilo que os críticos vêm como “a história da violência e absurdo vivida durante os 16 anos de guerra civil em Moçambique, que isolou o país do mundo por um longo período”. A sua obra já esteve exposta um pouco por todo o mundo, incluindo Itália, França - no museu de arte moderna Centro Pompidou, em Paris -, Japão, Portugal e por aí fora. No currículo conta até com uma colaboração com a Fundação Bill Clinton, que lhe solicitou que concebesse o troféu dos Global Initiative Awards, os prémios da Fundação. Mabunda é, também, um dos artistas moçambicanos escolhidos para representar o país na 56.ª edição da Bienal de Veneza, que decorre nesta cidade do norte de Itália até Novembro. Em Maputo, Mabunda deixa-se fotografar pelo Ponto Final em frente do quadro que vai representar Moçambique em Paris, numa exposição colectiva dedicada ao tema “Energia”. A mostra reúne obras de artistas de todo os 54 países africanos. “A minha ideia sempre é reciclar. Fazer coisas em metal é dar vida e mostrar a vida daquilo que não conheço. Cada chapa tem a sua história, é isso que eu exploro”, esclarece. Gonçalo Mabunda escolhe a sua matéria-prima entre objectos apanhados na sucata. Volvidas mais de duas décadas sobre o fim da guerra, hoje o que o inspira é o dia-a-dia, para o qual olha com sentido crítico: “O que acontece é o que me inspira, o bem e o mal, tento perceber como é que a vida é, tento opinar”. Sobre o estado do país é especialmente implacável: “Hoje dizem que somos ricos mas o povo não tem, então o país não está melhor, para mim o país está melhor quando o povo tem, se a corrupção parar um bocadinho talvez melhore, mas cada dia que passa o país vicia-se, porque a corrupção está bem ramificada”, defende. O artista entrou no mundo das artes em 1992, como “estafeta” na Associação Núcleo de Arte de Maputo, instituição que tem sido a incubadora das gerações mais recentes de artistas em Moçambique. Ali começou a experimentar a pintura, usando restos de tinta que pintores como Malangatana e Miro lhe deixavam. Em 1995 participa num workshop com o artista sul-africano Andreies Botha, que lhe desperta o talento para novas formas de expressão. Faz um curso de escultura em metal na África do Sul e, a partir de 1997, começa a destacar-se. O seu percurso, garante, aconteceu “por sorte”. Começou por ver a sua obra reconhecida no estrangeiro e só depois é notado em Moçambique. Lamenta que não haja mais artistas moçambicanos com reconhecimento internacional: “Quando falam de arte é só Malangatana, e acabou. Mas tem [Estevão]Mucavele, que é um grande artista, tem o [Jacob] Macambo. É tudo complicado, eu sinto isso. Os meus colegas hoje falam de mim um bocadinho, mas eu não sou tudo, tem muitos. Devia ser de muitos que deveríamos estar a falar aqui, mas eles existem e estão cada vez mais fortes, apesar de faltarem as oportunidades”, remata, referindo-se aos muitos pintores, escultores moçambicanos com obra de grande qualidade, mas ainda amplamente desconhecidos.

“Terra Sonâmbula” é a primeira obra do escritor moçambicano Mia Couto, escrita no tempo da guerra civil. Publicado em 1992, o livro foi considerado em 2002 um dos melhores 12 romances africanos do século XX. O romance narra a viagem de um órfão e de um velho durante a guerra civil de Moçambique e ilustra temas como a descoberta da identidade nacional ou a capacidade de resiliência do homem perante uma situação difícil. Um dia ocorreu a Mia Couto e a Stella Mendonça transformar “Terra Sonâmbula” numa ópera. Ambos resolveram contactar Henning Mankell - criador do inspector Kurt Wallander, personagem fictícia de romances policiais, que desde 1986 vive parte do ano em Moçambique - para transformar o romance mais famoso de Moçambique no primeiro libreto do país. O libreto já está, entrretanto, escrito, mas a produção ainda se debate para encontrar os fundos necessários para levar a ópera a cena: “Temos o draft do libreto. Levou tempo a preparação, o investimento que fizemos até chegar ao libreto é enorme e o draft deste libreto, pela mão de Henning Mankell, tem um valor inestimável, mas depois de várias tentativas ainda estamos neste processo”, lamenta Stella Mendonça. Ao mesmo tempo, a cantora não tem pressa. “O Henning Mankell já me disse: ‘Stella, fazer uma ópera é como fazer um bom filme, pode durar 3, 4, 10 anos. E é verdade, quantas óperas não foram mexidas e remexidas e agora são intemporais? Nós não estamos com pressa, queremos que a maturação desse processo traga um bom resultado, que seja algo que fique durante séculos”. Stella Mendonça, a primeira cantora de ópera moçambicana, já produziu em 2002 aquela que foi a primeira ópera na história de Moçambique, a “Carmen” de Bizet. A cantora, que nasceu em Nampula e cresceu na Beira, cresceu no seio de uma família de nove irmãos. Em casa ouvia-se “Bach e Vivaldi, tocávamos piano, flauta, guitarra, tínhamos a tradição de tocar e cantar em família”. A VOZ NÃO TEM COR Stella nunca teve dúvidas quanto à sua vocação. Mas, o sonho só poderia ser cumprido no estrangeiro: “Eu dizia, eu hei-de ir a um país onde existem conservatórios e escolas de música. Esse era o meu diálogo com as minhas colegas, que se riam de mim. ‘Que sonho tão inacessível’, diziam. Mas a determinação de Stella foi mais forte, venceu e convenceu. Em meados de 1985, com 15 anos, saiu de Moçambique com a ajuda financeira de amigos dos pais, para estudar. Passou por França, Suíça, Espanha e Estados Unidos. No estrangeiro sofreu na pele o preconceito “por ser africana, por ser negra” e por pertencer a uma cultura desconhecida: “Ninguém conhecia Moçambique”. Moçambique, na altura, “era um país sem interesse, era um país em guerra”. Stella diz que “havia naquela altura, e talvez ainda haja, pessoas que pensam que a música clássica é só para europeus e que não faz parte da cultura africana”. “As pessoas que têm esse preconceito não perceberam nada do que é a arte, porque a arte ultrapassa a dimensão de onde você vem, de quem você é, vai para além disso tudo. A voz não tem cor”. Stella reconhece que, apesar de tudo, estudou em países onde essa barreira quase que não existe: “O que conta é a qualidade, o talento, o profissionalismo”. A vontade de ensinar jovens moçambicanos a cantar fez Stella lançar-se na abertura de uma escola de música, um dos projectos que a trouxeram de volta ao país, onde tem vindo regularmente desde os anos 1990. O país tem apenas duas cantores de ópera profissionais, Stella Mendonça e Sónia Mocumbi, a filha do ex-primeiroministro Pascoal Mocumbi. Ambas decidiram dedicar-se ao ensino para “oferecer uma plataforma de estudos que seja sólida antes dos jovens seguirem para a universidade”. Aguarda-se agora que os patrocinadores abram os cordões à bolsa para que chegue mais rapidamente o momento da estreia de Terra Sonâmbula, a ópera que Stella espera que possa vir a colocar Moçambique nas parangonas internacionais pelas melhores razões: a cultura.


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XII | LAZER

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XIII

ROTEIRO DE MAPUTO ONDE COMPRAR COISAS CHIQUES

Maputo é uma cidade com muita oferta cultural, gastronómica e de alojamento. Optámos por apresentar sugestões de lugares que abriram recentemente. Recomendam-se os locais do costume quando se trata de comprar arte moçambicana e artesanato africano.

Loja das Meias Abriu em Maio, deverá a partir de Agosto abrir o espaço para eventos e esplanada com menu “gourmet”. Rua Chuindi, nº 45 (junto ao Jardim dos Namorados)

ONDE COMPRAR OBRAS DE ARTISTAS MOÇAMBICANOS E OUVIR MÚSICA AO VIVO Associação Núcleo de Arte

– Café e Galeria de Arte Trata-se de uma organização cultural para a promoção e desenvolvimento de artes plásticas a funcionar desde 1921, oferece espaço de atelier e de exposição aos artistas moçambicanos. MÚSICA AO VIVO AOS DOMINGOS.

ONDE FICAR

RUA DA ARGÉLIA, Nº 194

ONDE VER, LER E OUVIR CULTURA Fundação Fernando Leite Couto AV. KIM IL SUNG, BAIRRO DA SOMMERSCHIELD

Organiza regularmente colóquios, saraus musicais, mostras de arte. Trabalhos do pintor moçambicano Naguib encontravam-se em exposição na altura em que foi feito este roteiro.

ONDE COMPRAR ARTESANATO E CASTANHA DE CAJU Nos lugares do costume:

FEIMA

Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia PARQUE DOS CONTINUADORES, AV. ARMANDO TIVANE

Continuar o trabalho de Fernando Leite Couto

Acácia Inn Uma opção de alojamento central e acolhedora, com preços em conta por comparação com os hotéis da cidade. Inaugurada em Março.

Bed & Breakfast AV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE, AO LADO DA EMBAIXADA DO VIETNAME.

ONDE COMER A cozinha moçambicana é rica e variada, a lista de lugares onde comer com qualidade é imensa e a escolha é difícil. Optámos por eleger um restaurante que abriu recentemente e que tem entre os sócios uma antiga residente de Macau, Marta Curto.

ONDE BEBER UM COPO À NOITE

Av. 25 de Setembro

Mau Mau Maria Restaurante e Bar

A Fundação Fernando Leite Couto, inaugurada em Abril, é um projecto que resulta da vontade do escritor moçambicano Mia Couto e dos dois irmãos Fernando e Armando Jorge de homenagear o trabalho desenvolvido pelo pai. Jornalista, escritor, professor e editor, responsável pela editora moçambicana Ndjira, Fernando Leite Couto publicou autores como o próprio Mia Couto e Paulina Chiziane, entre outros. Segundo Fernando Couto (filho), em conversa com o Ponto Final, a instituição pretende continuar a obra do seu patrono, com enfoque na literatura e na arte. A Fundação Fernando Leite Couto organiza exposições de pintura, conferências, debates, colóquios sobre os mais variados temas relacionados com a cultura. A fundação tem também Internet-café e restaurante e espaço para leitura de livros e jornais.

AV. MAO TSE TUNG, Nº 911

“Aqui fala-se português”

Mercado do Pau Praça 25 de Junho

Dhow Moçambique – Galeria de Arte e Café RUA DE MARRACUENE,Nº4, (RUA JOSÉ MACAMO)

Hotel Cardoso AV. DOS MÁRTIRES DE MUEDA

AV. JULIUS NYERERE, Nº 562

Bar Lounge 1908 Restaurante e Bar ESQUINA DA AV. SALVADOR ALLENDE COM A AV. EDUARDO MONDLANE.

TRANSPORTES Táxis e Tchopela (média de 200 meticais por viagem) Chapa ( 5 meticais)

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NA ESQUINA COM A AV. 24 DE JULHO.

ONDE VER O PÔR-DO-SOL

Bairro, Bistro e Mercado de Ideias

O

AV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE,

Ver programação em: https://www.facebook.com/ FernandoLeiteCouto/info

Vale a pena espreitar o Museu dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), que acaba de ser inaugurado no edifício centenário dos CFM, na baixa da cidade. Uma das atracções do museu é a história da primeira ligação ferroviária entre o país e a vizinha África do Sul, a chamada ligação entre Lourenço Marques (Maputo) e Transvaal, iniciada em 1895.

Mercado Central de Maputo

Restaurante Tree House

Marta Curto é uma dos quatro sócios que investiram na abertura do restaurante Tree House, em Maputo, em Abril de 2015. A jornalista, que viveu em Macau, e que se mudou para a capital moçambicana há seis anos, em Moçambique gosta particularmente “da liberdade, das oportunidades, dos salários mais altos do que em Portugal”. Além disso, “as pessoas são afáveis, o ritmo de trabalho é diferente”. Marta Curto realça ainda as vantagens do clima e o facto de que, em Moçambique, “fala-se português”.

UM MUSEU A VISITAR

FELICITA A REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE PELO SEU 40º ANIVERSÁRIO


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XIV | ENTREVISTA

O Aeroporto de Nacala, por exemplo, quando poderá receber voos? Quando é que o norte de Moçambique estará capacitado nesse sentido? R.C.M.- Em relação ao Aeroporto de Nacala, está já praticamente concluído. Vai começar a operar dentro em breve. Contamos para este grande desafio naturalmente com a cooperação internacional, daí que Moçambique tenha aberto as portas para quem quiser, efectivamente, cooperar. Moçambique propõe vantagens e benefícios mútuos às empresas e companhias que queiram investir em Moçambique. Se esses benefícios mútuos existirem, o investimento é bem vindo. É por esta razão que eu referia há um bocadinho que é um grande desafio. Por um lado temos estes recursos, estão lá disponíveis, mas, por outro lado, é preciso capacitar-mo-nos para retirar benefícios destes recursos. Moçambique não tem experiência e por isso contamos com a cooperação de todos.

“As portas parecem-me abertas para atrair mais investimento chinês” As relações económicas e comerciais entre a República Popular da China e Moçambique seguem de vento em popa. Quem o diz é Rafael Custódio Marques. O diplomata, que lidera a representação de Moçambique na RAEM, lembra que há investimento chinês em sectores como o turismo, a agricultura ou a extracção de recursos minerais. O investimento de Macau é pontual, mas significativo: uma empresa do território está envolvida na construção de habitação económica. Apesar da economia moçambicana estar em expansão e os investimentos estrangeiros se multiplicarem, Rafael Custódio Marques deixa um recado. O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa deve fazer mais para ajudar a divulgar Moçambique junto dos investidores chineses.

- Quarenta anos após a independência, em que passo estão as relações entre Moçambique e Macau? R.C.M.- Há uma empresa a construir casas. Está a construir casas económicas em Moçambique. Nós estámos muito contentes com o rumo da cooperação. Para além disso, Macau está a cooperar com Moçambique na área da formação. Está a dar formação em áreas como o turismo, a finança ou a educação. Há estudantes moçambicanos que estão a completar os cursos nas universidade de Macau. São várias as áreas cobertas pela cooperação entre o nosso país e a Região. - A desaceleração da economia na República Popular da China é algo que o preocupa? É algo que pode colocar em causa algum investimento chinês em Moçambique? R.C.M.- Penso que não. O investimento em Moçambique, apesar das estatísticas dizerem que nos últimos tempos caiu significativamente em termos de exportações, penso que, por aquilo que estamos a assistir em Moçambique o investimento decorre a muito bom ritmo e não temos sentido até este momento o facto de haver esta desaceleração na

China no que respeita ao investimento da China em Moçambique. - Acredita que é algo que pode vir a acontecer no futuro? R.C.M.- Eu acho que não. Moçambique prefigura-se também como uma oportunidade de forma a proporcionar desenvolvimento que se calhar pode ajudar a evitar essa desaceleração. É um mercado novo, é um mercado com muitas potencialidades, em que o investimento chinês é bem vindo e não acredito que isso venha a retrair investimento em Moçambique. - Do ponto de vista do investimento de Macau? Existe investimento de Macau em Moçambique nesta altura, para além do que foi já anunciado … R.C.M.- Existe sim. Existe uma empresa de Macau a construir em Moçambique na área da construção de habitação. As primeiras casas serão entregues, os primeiros investimentos serão concluídos e entregues em Outubro deste ano. Estou em crer que mais empresários … Aliás , isso era o que nós gostaríamos que acontecesse, que mais empresários de Macau investissem em Moçambique.

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- O contexto político – com a troca de acusações entre o Governo e a oposição – tem dificultado a atracção de investimento? R.C.M.- As instituições e a economia têm funcionado com normalidade. A estabilidade política está lá. Houve sim, num passado recente, alguns sinais de instabilidade, mas por via do diálogo, conseguiu-se ultrapassar...

Este investimento foi um investimento dinamizado ao abrigo dos contactos feitos no âmbito do Fórum de Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Porque é que não há mais empresas a investir por esta via? Com o Fórum Macau servindo como plataforma … R.C.M.- Eu penso que se calhar tem de se fazer um bocadinho mais ao nível do Fórum Macau, no sentido de se divulgar esta oportunidade, esta porta que está criada para o investimento entre Macau ou entre empresários chineses ou macaenses nos países de expressão portuguesa. Penso que tem que haver um pouco mais de divulgação. É a minha opinião pessoal. Tem de haver mais divulgação, mais massificação em termos de informação junto do empresariado de Macau. É necessário que os investidores vejam países como Angola, Moçambique e outros como uma oportunidade para os seus investimentos... - Os dois grandes trunfos de Moçambique nesta altura em termos de investimento são, por um lado, o turismo e por outro o gás natural. A

exploração de gás, na zona norte de Moçambique, ao largo da província de Cabo Delgado, pode vir a ajudar a revolucionar de forma substancial as perspectivas económicas de Moçambique? R.C.M.- Nós acreditamos que sim. O gás natural é para nós, e por um lado, um factor de esperança para o desenvolvimento económico de Moçambique. Por outro lado é um desafio, porque não basta termos recursos: é preciso capacitar as pessoas, é preciso criar infra-estruturas , é preciso melhorar o aparato de serviços. Enfim, o investimento é uma área que precisa não só da parte extractiva, mas também de aspectos relacionados. Esse é o grande desafio com o qual Moçambique se depara neste momento: passa por se capacitar para conseguir tirar vantagens máximas destas oportunidades e destes recursos de que dispõe. - Este é um trabalho que terá que ser feito a longo prazo. No norte do país, ao nível das infra-estruturas, Moçambique ainda está um bocadinho atrás daquilo que seria esperado. Há metas nesse sentido?

- Admite que para um país que quer captar investimento, esta questão da instabilidade política não ajuda … R.C.M.- Não se tem mostrado difícil. Temos vindo a captar investimento, tanto que há grandes companhias na prospecção de gás em Cabo Delgado, as companhias de mineração de carvão estão a funcionar normalmente, continuamos a ter o benefício das nossas praias e o turismo tem fluído com naturalidade e com normalidade. A meu ver, não se trata de uma instabilidade que traga efeitos que possam repelir o investimento. As instituições estão a funcionar normalmente … - Voltando à questão do gás natural, a China é obviamente um parceiro preferencial, tanto na construção de infra-estruturas, como eventualmente na exploração e, mais tarde, na exportação da matériaprima, sendo um dos países do mundo com maiores necessidades energéticas. Já há algo estipulado a este respeito entre Maputo e Pequim? R.C.M.- A área do investimento nos carbonetos, o gás particularmente, está aberta. Eu sei que há companhias chinesas interessadas e há mais blocos a serem abertos, naturalmente através de concurso. Cabe às empresas chinesas também concorrer, mas fui informado de que há empresas interessadas na área do gás. - E na área do turismo? Há potenciais investidores da República Popular

da China? Há interesse chinês para investir na área do turismo nas nove zonas que Moçambique quer desenvolver? R.C.M.- Nas zonas de que falávamos não, porque são zonas abertas para novos investimentos. Apraz-nos referir que há empresas chinesas a investir na área do turismo, por exemplo na área da construção de hotéis. Em Maputo, em algumas cidades da província de Tete, há empresas chinesas que têm vindo a construir novos hotéis. Portanto, as portas parecem-me abertas para atrair mais e mais investimento chinês. - Este plano de exploração turística de Moçambique … Neste momento, Moçambique, curiosamente é um dos destinos mais caros ao nível do turismo balnear. Com os novos investimentos, Moçambique vai tornar-se um destino turístico para todos os bolsos? Ou o objectivo é captar turistas endinheirados? R.C.M.- A ideia, naturalmente, é fazer com que Moçambique se torne num destino de turismo massivo, num destino turístico para todo os bolsos. Se calhar o que torna o turismo caro em algumas zonas é, efectivamente, a falta de infra-estruturas. Com a conclusão do aeroporto de Nacala, penso que chegar a Cabo Delgado – vindo da Europa ou de qualquer parte do mundo – vai-se tornar mais barato e consequentemente vai ter influência no pacote que qualquer cidadão terá que pagar para visitar Moçambique … - Quando é que o Governo moçambicano vai avançar com este programa para atrair investimento

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para a área do turismo? Ou há já contactos a serem feitos? R.C.M.- Os contactos já estão a ser feitos. O nosso Centro de Promoção de Investimento tem vindo a divulgar as oportunidades que há. O Governo criou uma instituição que é o Fundo do Turismo e o próprio Fundo Nacional de Turismo tem vindo a catalisar a questão do turismo como um dos grandes recursos que Moçambique tem para a sua economia... - Dizia há pouco que o Fórum Macau tem de se mostrar um pouco mais e mostrar um pouco mais de trabalho. O que é que poderá ser feito? Não é de todo necessária a intervenção do Fórum Macau para que o investimento chinês seja feito em Moçambique. O mais das vezes é feito em circunstâncias bilaterais, por exemplo. Em que é que o Fórum Macau pode ir mais longe no seu entender? R.C.M.- A meu ver, já está a fazer muito trabalho. A abertura dos três centros penso que é sintomática desse esforço que está a ser feito pelo Fórum Macau, mas é necessário que, não só o Fórum Macau, aqui em Macau, mas os nossos países também, divulguem um pouco mais a existência deste Fórum, por forma a que haja mais gente a participar, haja mais gente a beneficiar e haja mais gente a conhecer e a dar mais dinâmica a Macau como plataforma para a cooperação entre a China e os Países de Língua Portuguesa … No quadro do Fórum, já agora que fala nisso, o primeiro projecto financiado pelo Fundo de 100 mil milhões, começou precisamente

por Moçambique, com investimento chinês no Limpopo. Existem outros projectos financiados por este fundo? Ou financiados no âmbito do Fundo China-África? R.C.M.- A maior parte dos projectos têm beneficiado de financiamento a nível bilateral, mas em relação ao Fundo de Macau, a informação que tenho é que existe este empreendimento da Charlestrong, que é aqui de Macau e de plantio de arroz no vale do Limpopo... - Esse foi o primeiro … R.C.M.- Sim, sim, sim... - Financiado pelos dois fundos? R.C.M.- Sim, financiado pelos dois fundos. - Não existe mais nenhum projecto neste momento? R.C.M.- Que eu tenha conhecimento, não. Se existirem estão ainda em fase de processo, mas como dizia, não disponho de informação. Quarenta anos depois da independência, uma iniciativa como o Fórum Macau pode ajudar a derimir problemas que ainda existiam entre Portugal e Moçambique e os países que estiveram sob a égide do colonialismo português. Ou esta questão faz já parte do passado? R.C.M.- O Fórum Macau vem juntar-nos, vem unir-nos cada vez mais porque as relações entre Moçambique e Portugal – não quero falar, obviamente, pelos outros – é excelente. Portugal é um dos maiores investidores em Moçambique em

termos de interesses empresariais no país. Temos vindo a receber quase todos os dias pessoas, investidores vindos de Portugal interessados em investir na área da gastronomia e do turismo. A meu ver, o Fórum Macau vem catalisar estas boas relações que já existem entre Portugal e Moçambique. Quatro décadas após a independência, Moçambique é um país de futuro? Ou, como se mencionava há pouco, este fantasma da instabilidade entre a FRELIMO e a RENAMO pode colocar em risco o futuro do país. Moçambique tem sido nos últimos anos visto como uma espécie de bom aluno da costa oriental africana. Este fantasma que, de vez em quando assoma, de alguma instabilidade entre os dois maiores partidos do país, pode colocar em causa esta imagem? R.C.M.- Está tudo a ser feito no sentido deste empecilho nunca prejudicar, nem retrair o investimento e por isso é que o Governo se tem pautado pelo diálogo. É um diálogo que já vem decorrendo há alguns meses, por forma a minimizar as diferenças que existem. Mas a aposta é feita no diálogo sem ter que se recorrer à violência. Diferenças há muitas, mas não há nenhuma diferença que justifique a violência. É inconcebível. O Governo vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance para que, através do diálogo, se possam encontrar meios termos, passe a expressão, no sentido de afastar cada vez mais ou erradicar de uma vez por todas a tendência de recurso à violência para reivindicar seja o que for.


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XVI | MACAU

“Fugimos das questões políticas e recordamos os momentos felizes” Divulgar a produção artística do país africano é o foco das actividades da Associação dos Amigos de Moçambique em Macau. Este ano a região recebe uma mostra sobre o Parque da Gorongosa. TEXTO DE ISADORA ATAÍDE

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ugir dos temas políticos e recordar os momentos felizes é o que fazem os sócios da Associação dos Amigos de Moçambique (AAM) quando se reúnem em Macau. “Falamos dos bons momentos que passamos. Querse esquecer o que foi mal, fugimos das questões políticas e recordamos os momentos felizes. Há uma certa nostalgia”, assinala Helena Brandão, 57, presidente da AAM. Moçambicana da Beira, no centro do país, Helena deixou África em 1984, “obrigada” a sair do país no contexto da guerra civil entre o Governo e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), que reivindicava um regime multipartidário. Há quase 30 a viver em Macau, onde se radicou em 1987, Helena não perdeu os vínculos com Moçambique e regularmente visita o país, onde estão amigos e familiares. Quarenta anos depois da independência, a presidente da Associação dos Amigos de Moçambique faz uma avaliação

positiva da trajectória da sua terra natal. “As pessoas têm condições de vida melhores, o sistema de ensino melhorou: inclusive com universidades, e há novas infraestruturas. É claro que há muito a ser feito, porque a guerra impediu o desenvolvimento normal do país”, salienta. Foi em 2006 que Helena se juntou à Associação dos Amigos de Moçambique, fundada em 1992. Com mais de 80 sócios, a organização estima que em Macau vivam mais

de 200 pessoas originárias de Moçambique, além de uma população moçambicana flutuante de cerca de 20 pessoas. Reunir os que nasceram ou viveram em Moçambique e os amigos do país para manter os vínculos com o passado e para divulgar as expressões culturais moçambicanas é o objectivo central do organismo que dirige: “Nunca esquecemos da terra onde nascemos, nos reunimos para não deixar morrer as nossas memórias e histórias. Mas também queremos divulgar as expressões artísticas de Moçambique, a música, a dança, o teatro, a pintura”, sublinha Helena.

“Já fizemos algumas actividades de recolha de fundos em campanhas para combater a malária e para ajudar as vítimas da cheias. Mas o nosso foco é cultura”. Sem família em Moçambique, Carlos tem regressado ao país desde 2007, inclusive para conhecer artistas e a produção cultural do país e para trazer exposições para Macau.

GORONGOSA EM MACAU Carlos Barreto, “português nascido em Nampula e criado em Lourenço Marques”, deixou Moçambique um ano depois da independência, em 1976. Em Macau há 29 anos, Carlos ingressou na associação em 2005 e é actualmente o seu vice-presidente:

O Parque da Gorongosa, uma reserva natural protegida, situada no centro de Moçambique, é o tema de uma das próximas iniciativas da Associação

dos Amigos de Moçambique: “Vamos contar a história do Parque, que tem mais de 95 anos e que viveu anos muito difíceis. Actualmente há uma parceria entre o Governo de Moçambique e uma fundação americana, o parque está a ser recuperado e os animais selvagens estão a voltar”, explica Carlos. A realizar-se de 13 a 29 de Novembro, na Torre de Macau, “a exposição irá reunir fotografias, filmes e livros sobre a Gorongosa. Queremos mostrar que o Parque está a ser recuperado e que ele pertence às populações que vivem na sua periferia”, explica o dirigente. A organização do evento conta com o apoio da Associação dos Amigos de Moçambique em parceria com a ATFPM (Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau), do Parque Nacional da Gorongosa, da Torre de Macau e do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Este ano, a AMM participa ainda na feira de cultura promovida pelo Fórum Macau e no Festival da Lusofonia. A participação em tais eventos contribui para divulgar Moçambique na China: “A comunidade chinesa ainda conhece muito pouco sobre Moçambique. Mas o trabalho do Fórum Macau está a dar a conhecer o país”, assinala Carlos. Nas comemorações dos 40 anos da independência, a AMM trouxe a Macau o chef Carlos Graça, que até o próximo dia 28 serve especialidades moçambicanas – entre elas matapa e frango à zambeziana – no Grande Lapa (ver texto nestas páginas).

Independência de Moçambique não foi manchete em Macau Há 40 anos, quando foi oficialmente proclamada a independência de Moçambique, era outra a então colónia portuguesa que fazia as primeiras páginas da imprensa de Macau. O major Vítor Alves, membro do Conselho da Revolução, chegava ao território para presidir a uma cimeira sobre o futuro de Timor-Leste, onde era suposto estarem representadas todas as forças políticas timorenses. O encontro acabou, no entanto, por ser boicotado pela Fretilin, por se opor à presença de uma delegação da Apodeti, partido que defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia. A Gazeta Macaense, único jornal diário

português que à data se publicava em Macau, não deixava ainda assim de sublinhar a esperança manifestada pela delegação portuguesa de que, no final do processo de descolonização, a vontade do povo timorense seria respeitada. Almeida Santos, então ministro da Coordenação Interterritorial e membro da delegação chefiada por Vítor Alves, explicava que Macau tinha sido escolhido para local da cimeira, não apenas por ser próximo de Timor, mas por ser “um território capaz de propiciar uma atmosfera de paz”. Além disso, acrescentava, não havia um problema de descolonização em Macau, razão

pela qual a cidade podia “acompanhar de forma desapaixonada” a questão timorense. Entregue a manchete à cimeira, a Gazeta Macaense do dia 26 de Junho publicava na página 2 a notícia da proclamação da independência de Moçambique, destacando o facto da chefia do novo Estado ter sido assumida por Samora Machel. No discurso proferido no Estádio Nacional da Machava, onde uma forte chuvada atrasou em 15 minutos o arrear da bandeira portuguesa, Samora Machel prometeu que a Frelimo seria um instrumento revolucionário que conduziria Moçambique a uma

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Um país que conquista pelo estômago Matapa, leite de coco, camarão tigre. Na orla do Índico, os sabores telúricos da cozinha africana misturaram-se com influências portuguesas e indianas. O resultado? Uma cozinha ecléctica, rica em pratos e sabores. TEXTO DE MARCO CARVALHO

e um dia lhe fosse dada a oportunidade de cozinhar para Xi Jinping, Carlos Khan

que se urde o saber fazer culinário de Moçambique, o cozinheiro acredita que a gastronomia moçambicana tem

e variadas da África subsariana. À sombra das acácias, na orla do Índico, às técnicas, costumes e ingredientes

gastronomia de Moçambique: “Acho que sabe que a comida moçambicana não é uma entidade homogénea: temos a comida tradicional e depois temos uma fusão, que é a mistura da portuguesa e da indiana. Temos muita influência”, sublinha Carlos Graça. “Tanto de um lado, como de outro, são comidas muito gostosas, muito apaladadas e nada melhor que divulgarmos para as pessoas conhecerem e para que tenha mais aceitação. Eu acho que é um grande trampolim e tem de haver essa ligação constante, entre a parte gastronómica e a parte cultural. Tem de haver esse casamento para podermos divulgar ao máximo as potencialidades dos sabores de Moçambique”, defende o cozinheiro. Com uma extensa linha de costa, o país é afamado pela frescura do peixe e do marisco que se retira do Índico e tornou-se, por exemplo, sinónimo de camarão de qualidade. A riqueza e a

da Graça engalanava a mesa do todo poderoso líder chinês com o melhor que a gastronomia moçambicana tem para oferecer. Em Macau pelo sexto ano consecutivo para dar a conhecer os ingredientes e os sabores com

o que é necessário para se afirmar a nível internacional como um dos principais cartões de visita do país. Fruto da fusão de sabores e de circunstâncias históricas, a culinária moçambicana é uma das mais ricas

locais somaram-se influências portuguesas e indianas e é a mistura da telúrica cozinha africana com as subtilezas aromáticas da Índia e os métodos importados de Portugal que contribuem para a originalidade da

variedade da cozinha de Moçambique não se fica, no entanto, apenas pelos trunfos retirados ao mar. Fértil e imaginativa, a gastronomia tradicional moçambicana é também caracterizada pela simplicidade dos ingredientes a

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“democracia popular, com base no socialismo e no internacionalismo, destruindo o elitismo e seguindo uma nova política educacional, para revigorar a cultura moçambicana e criar uma mentalidade revolucionária entre o povo”. O líder da Frelimo garantiu também que Moçambique trabalharia para “uma paz verdadeira no mundo, apoiando o estabelecimento do Oceano Índico como zona de paz”, e respeitaria a Carta das Nações Unidas, “aliando-se ainda com as outras nações socialistas”. Vasco Gonçalves, então primeiroministro, chefiou a delegação portuguesa à cerimónia, também integrada por Melo Antunes, Mário Soares, Álvaro Cunhal e Otelo Saraiva Cunhal, entre outros dirigentes políticos e militares. Portavoz da delegação junto da imprensa, Vasco Gonçalves comparava a Frelimo ao Movimento das Forças Armadas (MFA), pois ambos eram movimentos de libertação. “Nós próprios em Portugal também fomos colonizados”, dizia aos jornalistas o chefe do governo, que

não se esqueceu também de elogiar o processo de descolonização então em curso. “Desejamos firmemente enterrar o passado e cicatrizar as feridas”; “somos um pequeno país que neste aspecto da descolonização recebe lições de nenhum outro povo do mundo”. FELICITAÇÕES DE PEQUIM E MACAU Reproduzindo a informação avançada pela agências internacionais, a Gazeta Macaense salientava a ausência nas cerimónias da independência de representantes dos Estados Unidos, República Federal Alemã, França, Japão e África do Sul, por não terem sido convidados, ao mesmo tempo que, um tanto incongruentemente, noticiava sem comentários ter sido o Japão o primeiro país a reconhecer a nova nação de Moçambique independente. A República Popular da China apressouse também a dar as boas vindas ao novo membro da comunidade

internacional. Num editorial publicado no Diário do Povo, no próprio dia 25, endereçavam-se “amistosas congratulações no renascimento de Moçambique” e dizia-se que a fundação do novo país provinha “do cano de uma espingarda”. O artigo apontava a luta da Frelimo como um exemplo a seguir por outros povos da África Austral que ainda não tinham conseguido libertar-se do jugo colonial – e informava que o primeiro-ministro Chou En Lai tinha enviado a Samora Machel uma mensagem de felicitações pela proclamação da independência. O mesmo fez em Macau o então Governador Garcia Leandro. Publicado pela Gazeta Macaense já no dia 27, o telegrama saído do Palácio da Praia Grande rezava o seguinte: “Data histórica oficialização independência Moçambique em nome população e governo Macau transmito Vexa. Melhores desejos felicidade para povo de Moçambique com votos de que o exemplo dado na descolonização seja também concretizado na formação

de um país próspero progressivo e democrático Apresento Vexa. Meus melhores cumprimentos”. E com a publicação destas linhas se esgotou na imprensa de Macau a cobertura noticiosa da independência de Moçambique, nesse já distante ano de 1975. Nos dias seguintes, a Gazeta Macaense voltaria as suas atenções para a crise política que então começava a acentuarse em Macau, onde um grupo de oficiais conotados com sectores da esquerda revolucionária contestava abertamente a governação moderada de Garcia Leandro. Mas o “Verão Quente de 75” foi de curta duração em Macau. Menos de um mês depois, a Gazeta Macaense noticiava a partida para Lisboa do comandante Catarino Salgado, tido como líder dos contestatários. Restabelecido o consenso entre os militares, a vida política do território voltou rapidamente à normalidade, à data uma situação rara, senão única, no império português então a caminho do fim.

partir dos quais se estrutura: “Apesar de haver uma grande variedade gastronómica em Moçambique, os hábitos são quase os mesmos. Deixeme dizer-lhe que de norte a sul, nós utilizamos a matapa, que é a famosa folha de mandioca pisada. No sul, a matapa é cozinhada com o amendoim pilado e no centro-norte já leva mais o leite de coco. São essas as pequenas diferenças. Depois o caril, o pó de caril, que nós fazemos com coco, que fazemos com marisco, que fazemos de várias formas também é usado de norte a sul do país”, exemplifica Carlos Graça. Se cozinhasse para Xi Jinping, a matapa seria, de resto, um dos ingredientes incontornáveis do menu preparado pelo chef moçambicano. Fácil de encontrar em Moçambique, a folha de mandioca pisada é um dos ingredientes mais emblemáticos da culinária do país, considera o cozinheiro: “Eu nunca deixaria de colocar a matapa no menu”, admite Carlos Graça. “Mas servia também o frango à zambeziana, que é um frango que tem um sabor muito especial e muito característico e que é o frango grelhado com leite de coco e que tem um gosto muito característico. Temos vários tipos de folhas. Utilizamos vários tipos de folhas: desde derivados de feijão, a folha da batata doce, a folha da abóbora. São folhas que podem ser confeccionadas de diversas formas e é sempre muito bom”, explica. No ano em que celebra três décadas de carreira, Carlos Khan da Graça assume de bom grado o estatuto de embaixador gastronómico do país, mas reconhece, ainda assim, que divulgar fora de portas não basta. No entender do cozinheiro, a gastronomia moçambicana só se elevará ao estatuto de indústria quando o seu potencial económico for reconhecido pela própria população de Moçambique: “No meu entender, a gastronomia é por si só uma experiência, mas acredito que a gente ainda tenha que fazer, em Moçambique, um bocado mais em prol da divulgação do potencial gastronómico do país. Não basta só fazermos as semanas gastronómicas fora. Neste momento, nós já temos uma feira gastronómica mensal em Maputo, mas temos de tentar fazer esse tipo de feiras de norte a sul do país, porque têm muita procura e têm muita aceitação”, sublinha. Com algumas das praias mais apetecidas do mundo e uma diversidade natural de fazer inveja, Moçambique tem na variedade da sua oferta gastronómica um outro trunfo para convencer quem o visita. Para Carlos Khan da Graça, os sabores e o saber fazer culinário moçambicano justificam por si só uma visita à pérola do Índico: “Três grandes razões para visitar Moçambique? Primeiro, a alimentação, que é a minha área. O turismo. E depois, o calor humano. Nós somos muito humildes, muito calorentos. Gostamos muito de receber pessoas, mesmo por vezes, sem falar a mesma língua. O moçambicano tenta sempre uma maneira de se explicar e de se fazer entender com que o visita”, remata o chefe.


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XVIII | ENTREVISTA

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“Não interessa a ninguém voltar a falar sobre o colonialismo” - Quais as especificidades do colonialismo português em Moçambique? N.D. - O problema foi que Portugal tinha dificuldades em ocupar o território como um todo e administra-lo. Por isso, parte substancial do país foi concessionada às companhias majestáticas, o que mostrava a incapacidade do Estado em administrar. Moçambique é o lugar onde mais companhias apareceram, com estatutos e funções diferentes, quase todas foram constituídas no final do século XIX. A última foi extinta em 1942, porque o Estado Novo passou a dar prioridade à soberania e à centralização da administração estatal. O colonialismo português tinha uma grande dificuldade em ordenar o território colonial devido as suas próprias limitações em termos de recursos e quadros e do seu perfil mercantilista, mais do que capitalista. Tal não significa que não tenha sido um colonialismo actuante no modo como aplicou formas de trabalho forçado e como desenvolveu um sistema fiscal para os indígenas, o qual era uma das principais fontes de renda. Na fase final, a partir dos anos 1950, foram aplicados uma série de planos económicos e houve um maior investimento estatal na construção de infra-estruturas. Isso coincidiu com o fim do poder colonial, com as guerras numa África em processo de descolonização por todos os lados. Para Portugal este é um colonialismo tardio.

Em entrevista ao PONTO FINAL o sociólogo Nuno Domingos revê o percurso colonial de Moçambique, as conquistas do período pós-independência e as marcas neocoloniais do presente. TEXTO DE ISADORA ATAÍDE

Sociólogo e antropólogo, Nuno Domingos estuda o colonialismo português em África. Moçambique – onde investiga o vinho colonial e o futebol – é o seu objecto de estudo. Quarenta anos após a independência, o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa considera que o projecto socialista melhorou a vida da população africana, apesar dos seus equívocos. Crítico das relações neocoloniais que a Europa mantém com o continente, Domingos aponta entre as reminiscências coloniais do presente moçambicano as estruturas de classe “absolutamente” desiguais . PONTO FINAL - Quais as razões de Portugal para a retomada do projecto colonial na segunda metade do século XIX em Moçambique? Nuno Domingos - A situação portuguesa em Moçambique não deve ser compreendida fora do contexto internacional da partilha de África, do processo da Conferência de Berlim, em 1884-85. A partir de então o colonialismo

português para África apresenta um projecto mais sustentável, uma presença estatal mais importante, a qual tinha começado sobretudo com a presença militar, mas que depois teve uma base administrativa mais forte. Nesta fase, o colonialismo voltou-se também para a ciência, para o reconhecimento dos rios, da fauna e da flora, para a elaboração dos mapas, e, claro, para o reconhecimento das populações. Todo esse processo de ocupação data do final do século XIX. Há uma explicação mais especificamente portuguesa para tal processo, que tem a ver com o nacionalismo e com a ideia de quem nem tudo estava perdido depois da independência do Brasil. África poderia ser o novo Brasil. E havia questões materiais: África era uma estrutura de oportunidades para a extracção de matérias-primas, para a cobrança de impostos, para a exploração do trabalho. Em África havia oportunidades para a Igreja, para os militares, havia um contexto de conquista que era bom para um conjunto de interesses.

- Também em Moçambique havia “estados” e reinos africanos com organização sociopolítica. Houve resistência ao projecto colonial nesta fase? N.D. - Houve resistência das populações. Havia sistemas políticos africanos organizados. Em Moçambique houve resistência sobretudo do Reino de Gaza, e a sua conquista, com a captura de Gungunhama, foi um grande momento do colonialismo português. A retórica de Mouzinho de Albuquerque e de António Eannes, dos heróis coloniais, ainda é forte em Portugal. A narrativa oficial imposta pelo colonialismo assumia que a história começava com a chegada dos europeus, como se África não fosse complexa nos seus sistemas políticos e sociais. É fundamental olhar para o colonialismo a partir do modo como estes povos estavam organizados e como o colonialismo vai modificar as suas estruturas, privilegiando as organizações que contribuíram para o esforço colonial e suprimindo aquelas que resistiram, numa administração do tipo indirecto.

- Quais os aspectos da política colonial que foram decisivos nos conflitos entre europeus e africanos? N.D. - Durante as campanhas de ocupação os conflitos tinham mais o aspecto de uma guerra convencional. A partir do momento em que se “pacifica” o território e até o período que antecede as guerras de libertação, o que há são conflitos nos locais de trabalho. São conflitos no contexto de uma assimetria de poder enorme entre colonizador e colonizado, europeu e africano, branco e negro. Moçambique tinha a sua capital na Ilha de Moçambique e apenas no fim do século XIX a capital passou para Lourenço Marques, actual Maputo. Essa passagem marca o modo como a economia de Moçambique transita do norte para o sul, o que se deve às minas de ouro e diamantes na África do Sul, que implicam a necessidade de um porto e de mãode-obra barata. O Estado colonial vai organizar a cedência de trabalhadores e lucrar com isso. Esta é uma das formas de violência colonial mais evidente, além da utilização do trabalho dentro de Moçambique, com práticas de trabalho forçado. Os africanos eram obrigados ao trabalho, disso dependia a sua presença nos núcleos urbanos, disso dependia a sua hipotética passagem ao estatuto do assimilado. O trabalho tornou-se o grande elemento a volta do qual se estruturou a sociedade

elite africana que não existia antes, mas que em termos estruturais ocupa o lugar que uma elite branca ocupava antes da independência. É uma nova classe média e alta, constituída por moçambicanos, muito ligada ao aparelho de Estado, que constituiu um poder em si mesmo e que é ocupado por estas pessoas. - Pensa que a Europa mantém uma relação neocolonial com África? N.D. - Podemos chamar neocolonial ou outra coisa qualquer. Mas sim, e isso vê-se nesta elite urbana estrangeira, das ONG’s, de um conjunto de empresas e interesses europeus. Mas não só: há americanos e asiáticos. África voltou a ser um sítio interessante. O continente sempre esteve dependente dos mercados de matérias-prima e as suas dinâmicas de desenvolvimento sempre estiveram vinculadas aos ritmos de exploração das suas riquezas. Agora há um novo ciclo de crescimento. colonial. As empresas privadas tinham a sua polícia e também exerciam violência. Neste cenário, houve um conjunto de lutas laborais, algumas urbanas, outras rurais. A resistência era complicada - embora tenha acontecido e tenha sido constante – pelo contexto imperial e colonial, com a matriz fascista do Estado Novo, no qual não havia partidos políticos e os sindicatos estavam controlados. - Quais os antecedentes dos movimentos de libertação? N.D. – Há os motivos internos ao próprio território moçambicano. Há o contexto africano de descolonização. Há uma pressão internacional sobre Portugal e a organização de elites e partidos fora do país, as quais vão ter apoios em África e no contexto mais geral da Guerra fria, o que lhes permite apoios para começar um movimento militar de resistência ao regime. A dimensão internacional é muito importante para explicar o processo, o que não significa que não houvesse condições internas e a expectativa da população de correr com os portugueses. - Em Portugal, alguns argumentam que foi um erro não se ter realizado um referendo, uma consulta à população sobre a independência ... N.D. - É muito difícil tentar racionalizar um processo que naquele momento tinha uma dinâmica muito própria. No cenário do 25 de Abril e das guerras de libertação, quem liderava o processo percebeu que não havia outra hipótese senão descolonizar. A situação a nível militar e das populações era insustentável. No caso de Moçambique, sabe-se hoje que houve uma tentativa de se fazer um golpe, uma independência branca, a qual teve apoios da

África do Sul e da Rodésia. Além do referendo, também se fala que a transição poderia ter sido mais lenta. São coisas que se dizem hoje e que expressam uma certa nostalgia imperial, só que na altura as coisas tinham uma dinâmica própria, não me parece que fosse justificável a realização de um referendo. - Quarenta anos depois, que significado tem a independência de Moçambique? N.D. - O tempo alterou a nossa percepção desta experiência. Os últimos 40 anos não foram fáceis, com a guerra civil, e há um debate sobre o que são os Estados em África, se eles se aguentam sozinhos. Além disso, no período pósindependência, as pessoas que tinham o capital e a técnica abandonaram o país, o que foi uma situação bastante complicada. A situação colonial não era sustentável e é evidente que o projecto pós-independência era mais interessante, mais democrático, mais justo, tanto na produção quanto nas relações sociais. Depois pode-se discutir se havia conhecimento e capacidade técnica para este projecto. Foram cometidos erros, a aplicação de algumas receitas socialistas não funcionaram. - Que legado deixou, a experiência socialista de Moçambique? N.D. - É evidente que a população viveu muito melhor, houve fomento da participação política. Também houve tentações totalitárias e um conjunto de coisas que não correram bem. Mas num conjunto de aspectos importantes, a vida dos moçambicanos melhorou. Porém, a guerra começou logo depois e o conflito trouxe dificuldades produtivas. Se as pessoas não têm as suas necessidades básicas atendidas elas não podem viver bem, por mais que o projecto seja bom.

- A transição para o multipartidarismo, na década de 1990, modificou o cenário do país? N.D. - Estamos sempre nestas duas linhas, a olhar para a história de Moçambique a partir da sua história interna e dos seus líderes, isso é importante. Mas depois há os determinantes externos. A presença de Moçambique numa divisão social do trabalho e da produção tem de ser analisada para se perceber o país. A relação de Moçambique com instituições externas é fundamental; ou seja, não depende apenas da questão interna. O multipartidarismo não terá solucionado parte dos problemas, porque vem associado às dinâmicas internacionais, às dependências económicas. Apesar de tudo, eu acho que a democracia moçambicana tem bons mecanismos, por exemplo, existe uma imprensa a discutir os problemas.

- As organizações que reúnem os países de língua portuguesa têm sido muito criticadas pelo seu fraco desempenho. Tal se deve a persistência dos desentendimentos entre países? N.D. – Neste tema há duas dimensões. Uma delas é simbólica, de Portugal querer afirmar-se como uma potência por ter sido a cabeça de um império e porque a língua continua a ser falada, uma grandeza que não existe em concreto. Depois há a questão material, a ideia de que estas relações são a base para se fazer negócios, uma base institucional para os negócios. Mas estes países precisam mesmo de Portugal? Não creio que Brasil e Angola precisem de Portugal. Estes fóruns de diplomacia económica, com base na língua, têm limites para contar o que foi a história do império colonial, porque não interessa a ninguém voltar a falar sobre o colonialismo.

- Tem realizado viagens de trabalho e estudo a Moçambique? Qual a sua percepção das reminiscências coloniais? N.D. - Há reminiscências evidentes, nas quais eu reparei pelo facto de ser branco, europeu e português, coisas associadas mas com significado diferente, o que só pode ser compreendido a luz do passado colonial. Mas, neste processo de liberalização da economia, o que mais se sente é a reprodução das estruturas de poder. Por exemplo, na organização urbana de Maputo. Vai aos bairros periféricos e percebe que estes são hoje o que foram há 50 anos. Há uma estrutura de classes que se mantém absolutamente desigual, como no contexto colonial. A estrutura mantémse, mas é formada por pessoas diferentes. Hoje existe uma classe internacional europeia que tem poder, que está a frente das empresas e dos negócios e que ocupa bairros de classe alta, Polana e Sommerschild. Também existe uma

- Há muitos arquivos fechados e investigação por ser feita sobre o período colonial em África. Há interesse em aprofundar a pesquisa? N.D. – Interesse há, a questão é para dizer o quê. Em Portugal continua a existir um pensamento imperial, nostálgico. Os estudos mostram que se continua a acreditar que a experiência colonial portuguesa foi única, excepcional, caracterizada pela harmonia e que a violência foi marginal. Esta ideia passou para o senso comum como verdade, o que é dramático. Mesmo na cultura popular, nas novelas e nos romances, essa ideia continua, de uma África paradisíaca que foi estragada pelas independências. É evidente que muitos investigadores têm uma perspectiva mais crítica e empírica, mais próxima do que aconteceu. Mas, se queres criar laços que permitam uma diplomacia económica, se queres criar boas relações, o passado tem de ser colocado entre parênteses.


ponto final • QUI. 25 JUN, 2015

Moçambique 40 Anos de Vida como Nação Independente ALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA

Moçambique de Hoje / Mozambique Today de Luís de Almeida

Com um prefácio de Carlos Pinto Coelho, este álbum de Luís de Almeida é dedicado a todos os que de alguma forma vivem uma relação especial com Moçambique. Fruto de dez anos a calcorrear o país e de uma amizade intensa pelas suas gentes hospitaleiras, o trabalho do autor celebra a beleza natural deste lugar mágico. E fá-lo através das reminiscências do Moçambique de tempos idos numa janela aberta para os tempos de hoje.

Contributo para a boa Governança Democrática em África e Moçambique de Serra de Carvalho

O objetivo deste ensaio é proporcionar um conjunto de reflexões (a estudantes, advogados, juristas, magistrados, sindicatos, polícia, partidos políticos, empresários, académicos, confissões religiosas, sociedade em geral, órgãos de soberania, entre outros) face aos desafios que se verificam na chamada sociedade híper moderna e híper consumista, trazidos pela globalização, o que faz com que, a certo momento, a dimensão temática continental (África-Moçambique) transcenda para a intercontinental e/ou global (Europa, Ásia e América), tornando o texto apreciável a todos os níveis.

Samora Machel - Atentado ou Acidente? PÁGINAS DESCONHECIDAS DAS RELAÇÕES SOVIETO-MOÇAMBICANAS de José Milhazes

Quando, em Outubro de 1986, o avião em que seguia Samora Machel, Presidente de Moçambique, se despenhou em território sul-africano, numa altura em que as relações entre Moçambique e a União Soviética esfriavam, logo foram aventadas as hipóteses de acidente ou atentado. Desde então que o mistério permanece por resolver. Com este livro, José Milhazes procura dar alguns contributos para a sua resolução, apresentando para o efeito documentos e depoimentos.

Gungunhana - O Último Rei de Moçambique de Manuel Ricardo Miranda

Gungunhana, o gigante e temido rei de Moçambique, era o homem que todos queriam. Mouzinho de Albuquerque, o oficial da cavalaria portuguesa, ambicionava honra e fama. Ao iniciar a marcha até Chaimite tinha como missão capturar o régulo africano e submeter as populações locais ao poder da bandeira nacional. Sousa, senhor de possessões em terras moçambicanas, junta-se a Mouzinho de Albuquerque com um único e secreto objetivo: matar, com as suas próprias mãos, Gungunhana e vingar-se da traição da sua mulher Kali, que fugiu para se tornar amante do Leão de Gaza, como era conhecido. Já Pedro, braço direito do comandante português, tinha sede de aventura e descoberta. Talvez assim conseguisse esquecer um desgosto de amor que lhe atormentava a alma. O autor Manuel Ricardo Miranda transporta-nos, neste empolgante romance, para o universo africano dos finais do século XIX. E percebemos que África é um território com alma própria, mística, onde a realidade muitas vezes não é o que parece.

Terra Sonâmbula de Mia Couto

“Terra Sonâmbula” foi considerado um dos doze melhores romances do século XX em África. Cruza elementos da cultura tradicional moçambicana com a própria história do país, realismo e magia, factos e símbolos, “Terra Sonâmbula” é, acima de tudo, um hino ao poder dos sonhos e da vida.

Obra Poética

de José Craveirinha Reúne-se aqui a primeira parte da obra poética de um dos grandes nomes da literatura moçambicana actual, com alguns dos poemas mais conhecidos do autor.

Niketche , Uma História de Poligamia de Paulina Chiziane

Rami, casada há vinte anos com Tony, um alto funcionário da polícia, de quem tem vários filhos, descobre que o partilha com várias mulheres, com as quais ele constituiu outras famílias. labirinto de emoções, de revelações, de contradições e perigosas ambiguidades. Poligamia e monogamia, que significado assumem? Cultura, institucionalização, hipocrisia, comodismo, convenção ou a condição natural de se ser humano, no quadro da inteligência e dos afectos? Niketche, dança de amor e erotismo, é um espelho em que nos vemos e revemos, mas no qual, seguramente, só alguns de nós admitirão reflectir-se.

Choriro de Ungulani Ba Ka Khosa História de um reino de um rei branco no vale do Zambeze no século XIX. Ungulani, munido de um saber histórico e etnográfico notável, parte para um relato emotivo e orgulhoso, elegia de um tempo feliz e formador da identidade moçambicana moderna.

A Canção de Zefanias Sforza de Luís Carlos Patraquim,

Tendo como palco a cidade de Maputo, microcosmos do país que emerge com a proclamação da independência, esta é a estória de uma personagem improvável, tão improvável quanto possível, seus casos, sonhos e atribulações. O leitor perceberá que o excêntrico apelido e a particular idiossincrasia não são o melhor dos aliados num tempo e lugar em permanente ebulição.

Rio dos Bons Sinais de Nelson Saúte

Este Rio dos Bons Sinais é uma deambulação pela história recente de um país recém-chegado ao mundo e de gente que não se demarcou do estado de fantasma. Há, nestas histórias, mortos que não encontram a Morte, homens de luto perpétuo que apenas visitam a vida nas cerimónias fúnebres, jovens que amanhecem pendurados numa corda de sisal. Nelson Saúte lava, na própria escrita, as palavras: aqui se abrem rios de um outro tempo moçambicano e que nos fazem navegar por sonhos que são apenas o litoral da pesada realidade de um país que tem enorme dificuldade em se sonhar.

Contos Populares de Moçambique

de Margarida Pereira-Müller, Anna Bouza da Costa

Os contos de tradição popular são como que a memória residual que transmite e interpreta os valores de uma comunidade. Os animais quase sempre antropomorfizados desempenham um papel fundamental. É assim que nos “Contos Populares de Moçambique” a esperteza dos pequenos vence os mais fortes (O coelho, o leão e a hiena, A hiena e o coelho), o poder do mágico liberta povoações do perigo (O caçador, o coelho e a raposa), a justiça distingue os bons dos trangressores (A hiena e a gazela, O macaco e o cágado ou O rato e o caçador).

Moçambique

de Helena Cabeçadas

Este é um livro sobre Moçambique e traduz o choque entre uma África imaginada e uma África vivida nos finais dos anos cinquenta do séc. XX. É também um livro sobre o fim da infância, numa cidade colonial, Lourenço Marques, então no seu apogeu. Pretende ser, ao mesmo tempo, uma homenagem ao trabalho desenvolvido pelos engenheiros da Missão Geográfica de Moçambique - um misto de cientistas e exploradores que, ao longo de décadas, nos confins do Império, procuravam conhecer o território e delimitar-lhe as fronteiras, com o máximo de rigor possível, em condições extremamente difíceis.

A Missão - O Diário de uma Médica em Moçambique de Patrícia Lopes

Este livro relata a história de vida de uma finalista de Medicina que embarca sozinha para Moçambique para colaborar voluntariamente num orfanato, perto de Maputo. Mais tarde, aprende na pele como, no dizer do povo, “quando se chega ao oceano, as leis do rio deixam de servir”.

Photar Moçambique de Paulo Alexandre

«O paradoxo é este: às vezes, deixamos de ver por já termos visto.(...); Confirmei essa invisível cegueira quando me deparei com as fotografias de Paulo Alexandre. Que país era esse que era o meu e que eu nunca tinha visto antes? Que lugares eram aqueles, simultaneamente familiares e estranhos? Que gente era aquela tão inédita e tão nossa?(...) Posso dizer que conheço muitos dos Moçambiques que há dentro de Moçambique.(...) Mas eu nunca me compenetrei do quanto faltava ver. » Mia Couto

Arte em Moçambique de Alda Costa

«A autora traça uma panorâmica da situação e dos desenvolvimentos formais e conceptuais das artes visuais em Moçambique com enfoque para as práticas artísticas da modernidade. A partir de uma estratégia de pesquisa abrangente, realizada no país e em Portugal, constrói uma narrativa visando apreender diferentes vozes, visões e perspectivas de uma realidade complexa onde se cruzam diversas tradições e contextos culturais.

Sabores do Índico

RECEITAS DA COZINHA MOÇAMBICANA de Maria Fernanda Sampaio Situado num ponto estratégico do oceano Índico, Moçambique recebeu ao longo dos tempos influências da Europa e da Índia que, mescladas com as próprias tradições e modos de fazer africanos, contribuíram para criar uma cultura rica e diversificada. A cozinha moçambicana reflecte isto ao mais alto grau, com um repositório riquíssimo de receitas da mais alta índole gastronómica.


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