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1. Introdução ......................................................................................................................03 2. Objetivo do trabalho .....................................................................................................03 3. Contexto Histórico .........................................................................................................03 4. Biografia .........................................................................................................................04 5. Estética e Linguagem ....................................................................................................17 5.1. Nelson Rodrigues e “O Casamento” ..........................................................................17 5.2. Resumo do Livro ........................................................................................................17 5.2.1. O livro censurado ..................................................................................................18 5.3. Características da Obra ...............................................................................................19 5.3.1. Enredo e Linguagem .............................................................................................19 5.4. Tempo e Espaço .........................................................................................................20 5.4.1. Tempo ....................................................................................................................20 5.4.2. Espaço ...................................................................................................................21 5.4.3. Espaço Erótico e Psicológico ................................................................................22 5.5. O Discurso Indireto Livre ...........................................................................................22 5.6. Perfis demasiadamente humanizados de personagem típicos ....................................23 5.6.1. Monsenhor Bernardo .............................................................................................23 5.6.2. Doutor Camarinha e Família .................................................................................25 5.6.3. Noêmia e Xavier ....................................................................................................26 5.6.4. Glorinha .................................................................................................................28 5.6.5. Sabino ....................................................................................................................31 5.6.6. O Encontro na Praia deserta ..................................................................................35 5.6.7. A sexualidade de Sabino .......................................................................................36 6. Considerações Finais .....................................................................................................38 6.1. Análise do Trabalho ...................................................................................................38 6.2. Conclusões ..................................................................................................................39 6.3. Dificuldades no Processo ...........................................................................................39 7. Bibliografia .....................................................................................................................40 8. Iconografia .....................................................................................................................41 9. Anexos .............................................................................................................................43 9.1. Pinga-fogo em O Cruzeiro .........................................................................................43 9.2. Enquete na Manchete .................................................................................................43 9.3. Entrevista ao Jornal Nacional .....................................................................................44
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1. Introdução A década é de 1960, o cenário é o Rio de Janeiro e o autor é ninguém menos que Nelson Rodrigues, o jornalista conceituado, o cronista abusado e o dramaturgo revolucionário. Mas, tais adjetivos também podem ser acompanhados de polêmico, ou ainda substituídos por reacionário. Alguns acreditam que Nelson Rodrigues é a espécie de escritor que ou você reverencia, ou despreza profundamente. Pelo sim, pelo não, a obra “O Casamento”, romance de Rodrigues, é extremamente capaz de ajudar a interpretar, não só o autor, mas também a sociedade em questão.
2. Objetivo do trabalho O presente trabalho tem como principal objetivo apresentar e explorar o trabalho do jornalista, cronista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, utilizando para tal o romance de sua autoria “O Casamento”, publicado em 1966. Também nos empenhamos para interpretar de maneira coesa e objetiva as características das personagens da narrativa de Nelson Rodrigues com o intuito de confrontar a realidade de uma sociedade carioca da década de 1960 com as percepções e direcionamentos do autor, Rodrigues, um polêmico que incita a provocação e o desconforto. Desta forma, a análise se limita ao romance “O Casamento” e os métodos de Nelson Rodrigues, agregando o máximo possível as ideias, concepções, desafios e polêmicas acerca do tema.
3. Contexto Histórico O livro “O Casamento” de Nelson Rodrigues foi lançado no ano de 1966, no Rio de Janeiro. No contexto de sua publicação, o Brasil passava por um regime militar ditatorial, o qual teve início em 31 de março de 1964, após um Golpe Militar que derrubou João Goulart do poder, e terminou em 15 de janeiro de 1958 com a eleição de Tancredo Neves. Esse regime foi caracterizado por intensa repressão aos seus opositores, cerceamento de direitos constitucionais, perseguição política, grande desordem e falta de democracia. Na época, o presidente do Brasil era Humberto de Alencar Castelo Branco. Em seu governo foram utilizados atos institucionais como instrumentos disciplinadores. Associações civis foram fechadas, greves proibidas, ocorreram intervenções em sindicatos e mandatos políticos foram cassados. Em 1966, Castelo Branco decretou o Ato
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Institucional Nº 3, que estabeleceu as eleições indiretas para governador e vice-governador e a nomeação de prefeitos, e fechou o Congresso Nacional. Como forma de reação à ditadura militar, a juventude se rebelou em busca de liberdades de expressão e sexual, o que chocou a sociedade, pois, naquela época, os padrões comportamentais ainda seguiam as antigas tradições. A família, instituição considerada sagrada, era patriarcal, bem estruturada, a esposa cuidava do lar e da criação dos filhos, enquanto o marido trabalhava em busca do sustento da família. As filhas deveriam permanecer virgens até “O Casamento” e, caso o marido descobrisse que a esposa não fosse virgem, ele poderia anular “O Casamento” e acabar com a reputação da moça e de sua família. Comportamentos como o homossexualismo, os movimentos feministas, o adultério, as pílulas anticoncepcionais, que permitem as jovens a entregaremse ao prazer antes d”O Casamento”, e a polêmica do incesto ganham maior visibilidade. Entretanto, todos esses assuntos ainda eram tratados como tabus e suas discussões eram mal vistas pela sociedade. Nelson Rodrigues aparece, então, sem pudor e com irreverência, apresentando, em suas escritas, as descrenças que tem quanto à estrutura familiar. Segundo o autor, "não existe família sem adúltera" e "se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria”. “O Casamento” é o livro mais forte das obras do autor, pois traz à tona, de maneira esculachada sua ideia desmoralizada de família. Seu conteúdo pesado fez com que o livro fosse censurado pelo Ministro da Justiça do Governo Castelo Branco, pouco tempo depois de seu lançamento. A censura foi justificada como sendo um “atentado” contra a “organização da família”, porém o livro já havia conquistado grande número de fãs e sua ideia sido propagada.
4. Biografia Nelson Falcão Rodrigues nasceu em Recife, no dia 23 de agosto de 1912, e faleceu aos 68 anos, no Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 1980, devido a inúmeros problemas de saúde. Escritor, jornalista e dramaturgo, é considerado um ícone da cultura brasileira. Amado por uns e odiado por outros, Nelson atravessou vários períodos da história do Brasil e do mundo. Acompanhou a Segunda Guerra Mundial, sofreu as censuras da Ditadura e foi perseguido devido ao caráter inovador de suas peças. Nelson era o 5º filho dos 14 que viria a ter o casal Mário Rodrigues e Maria Esther. Mario Rodrigues era deputado federal e mudou-se para o Rio de Janeiro para trabalhar no
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Correio da Manhã, de propriedade de Eduardo Bittencourt. Pouco tempo depois da ida de Mário ao Rio, Maria Esther também se mudou para a mesma cidade com os filhos. Em 1916, Nelson chegou ao Rio de Janeiro, lugar do qual só sairia para realizar seus tratamentos contra a tuberculose. Os seus primeiros anos no Rio de Janeiro, vividos na Rua Alegre, zona norte da cidade, serviram de inspiração para suas futuras produções literárias e teatrais. Aos 7 anos, Nelson começara a ler possessivamente, começando com “Tico-Tico”, a primeira revista infantil brasileira, fundada em 1905. Após “tico-tico”, Nelson passou a ler um pouco de tudo, seja livro, folhetim, almanaque, e sempre lia sentado à Rua Alegre, debaixo de um lampião, que era onde tinha mais sossego. Apesar dos diversos autores, a temática favorita de Nelson era única, como afirma Ruy Castro (1992, p. 29,30), em Anjo Pornográfico: “A morte punindo o sexo ou o sexo punindo a morte - ou as duas coisas de uma vez no caso de amantes que resolviam morrer juntos. A forma é que era sensacional: tramas intrincadas envolvendo amores impossíveis, pactos de sangue, pais sinistros, purezas inalcançáveis, vinganças tenebrosas e cadáveres a granel”. A partir de tais leituras e do cenário da infância de Nelson, pode-se entender o teor da sua futura escrita. Por volta dos 10 anos, a atração pelo sexo e pela morte, levou-o a frequentar a igreja católica, local onde nunca havia estado. Assistiu uma ou duas missas para alimentar a vontade de tornar-se coroinha. Aos 11 anos, Nelson já era um fumante assíduo. Seus irmãos Mário Rodrigues, Roberto e Mário Filho também fumavam, e Milton seria o único que jamais fumaria. No começo, os rapazes escondiam o vício da mãe, mesmo sabendo que era óbvio que ela já sabia e apenas fingia não ver. Em 1926, Nelson foi expulso do Colégio Batista, na Tijuca, após quatro anos de estudos. Fez o quinto ano no colégio Joaquim Nabuco, na Rua General Severiano na qual sua maior atração eram as pernas da professora de Geografia e a pelada na hora do intervalo, no campo do Botafogo. Entretanto, Nelson foi expulso novamente sob o argumento de rebeldia, como afirma Ruy Castro (1992 p. 37,38): “Nelson vivia contestando seus professores, principalmente os de História e Português, insistindo que eles justificassem os seus pontos de vista sobre os assuntos de que falavam. O pior era que ele, Nelson, queria dar os seus próprios palpites sobre esses assuntos - os quais iam das guerras púnicas aos pronomes oblíquos”. Em Copacabana, aos 12 anos, Nelson aprendeu a nadar e tornou-se fã dos escoteiros, mas com o tempo, foi abandonando qualquer tipo de atividade física e
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dedicando-se, quase que exclusivamente, ao intelecto. À medida que Nelson entrava na adolescência, uma fumaça negra ia rondando-o. Ele estava depressivo, mas não como os outros meninos da sua idade normalmente ficavam. Com Nelson, tudo era mais dramático, e foi nessa fase em que começou a proclamar uma frase que certamente lera nos livros: “Eu sou um triste!” Sua mãe, Maria Esther, atribuía tais tristezas ao insucesso amoroso de Nelson.
Foi quando se apaixonou por uma prima, Maria Adelaide, que passava uns tempos em sua casa. Maria Adelaide, além de muito mais velha, estava grávida de seu namorado. E o pai da criança era um filho de Estácio Coimbra, o qual agora era vice- presidente de Arthur Bernardes e tinha mais um motivo para odiar os Rodrigues - porque não aprovava de forma alguma aquele namoro. Nelson não se importava que Maria Adelaide estivesse grávida de outro, nem mesmo de um Coimbra. Se ela quisesse, ele se casaria com ela e lhe daria cama, comida, roupa lavada e uns trocados para o cinema.Mas aquela foi uma paixão que não redundou num único beijo - porque, embora não falasse de outro assunto com as irmãs, Nelson nunca teve coragem para declarar- se à interessada. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
Nessa época, vieram influências de Victor Hugo, Émile Zola, Camilo Castelo Branco, Machado de Assis, Eça de Queiroz e Dostoiévski. Também nesse período Nelson começou a escrever textos como crônicas, mas nunca mostrava nada para ninguém, nem mesmo a Roberto, o irmão que mais admirava. Em 1919, Nelson descobriu o futebol e o Fluminense através dos relatos de seu irmão Milton, que ia aos estádios e acompanhava o clube carioca. Tal fato inspiraria grande parte da sua futura produção de crônicas. Entretanto, naquele ano, nem Mário Filho, seu irmão mais velho, nem Nelson tinham dinheiro para viajar até a Aldeia Campista, nas Laranjeiras, para ver o Fluminense jogar. A paixão de Nelson pelo futebol não se restringia a produção textual e a torcida, mas desde criança o garoto jogava no Andaraí e passou por outros clubes, até descobrir que seu hobby era ao invés de jogar, apaixonar- se pelas belas moças do Rio de Janeiro. Em 1920, Mário Rodrigues funda o jornal “A Manhã” após romper com Eduardo Bittencourt e é nesse jornal que Nelson começa sua carreira jornalística, aos 13 anos de idade, cobrindo os assuntos da polícia e recebendo trinta mil réis por mês. Aos 14, Nelson começou a frequentar a zona preta do Mangue, que concentrava as prostitutas pobres, como relata Ruy Castro (1992, p. 49): “Muitas mulheres nem exigiam que o freguês tirasse
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os sapatos - punham uma filha de ‘A noite’ em cima da cama, à guisa do lençol, e estavam conversados. Nelson tinha catorze anos quando, depois de andar para lá e para cá por aquele corredor de decotes e bocas vermelhas, foi com uma mulher pela primeira vez para dentro de um quarto. Ficou freguês.” O adolescente gastava todo o seu salário com as mulheres, já que não era nem um pouco fã de bebidas. No ano de 1927, faleceu Dorinha, sua irmã, com apenas nove meses de idade, devido a uma gastrenterite. Em 1928 todos os Rodrigues com idade suficiente trabalhavam em “A Manhã” e Nelson, fora promovido da seção policial para a ‘página três’, dos editorialistas, juntamente com Monteiro Lobato e Agripino Grieco, escrevendo, a partir de então, um artigo assinado toda semana. Através desses artigos, Nelson começou imprimir nos jornais sua característica única de escrita, desafiando os moldes da época e tratando da moral pregada pela sociedade hipócrita da década de 20. Ainda em 1928, Mário Rodrigues perdeu o controle de “A Manhã” que acabou ficando com seu sócio. Não seria nem a primeira, nem a última vez que os Rodrigues se perderiam na questão financeira e administrativa. Sendo assim, com o apoio do vicepresidente Fernando de Melo Viana, Mário fundou o diário “Crítica”, que faria um sucesso incalculável nos próximos anos. Aos 17 anos, Nelson fora mandado a Recife pelos seus pais, que tentavam aliviar a tristeza eterna que aquele menino vivia. Sempre depressivo, melancólico, vivia se apaixonando por mulheres compromissadas que acabavam por ignorá-lo. Declarava-se por meio de poemas e crônicas, mas muitas vezes, não era correspondido ou era ameaçado pelos namorados, noivos ou pais das moças. Entretanto, Nelson só viria conhecer a verdadeira tristeza com a morte de seu irmão Roberto, assassinado por Sylvia Seraphim na redação de ‘Crítica’. O tiro de Sylvia era para ser em Mário Rodrigues, ou em Mário Filho, mas era Roberto, o desenhista do jornal, quem estava na redação naquele momento e a atendeu. Sylvia assassinou Roberto pelo diário ter divulgado seu escândalo matrimonial e possível desquite com o doutor João Thibau Jr. A partir da morte de Roberto, uma ‘onda de desgraças’ passou a acometer os Rodrigues. Mário Rodrigues enterrara seu filho jurando vingança e nunca mais conseguiria se perdoar por seu filho ter morrido em seu lugar, tanto que, 67 dias após a morte de Roberto, Nelson teve que encarar a perda de seu pai, Mário. Mário Rodrigues faleceu no dia 15 de março de 1930 com encefalite aguda e hemorragia, sendo velado na redação de ‘Crítica’. Com a morte de Mário, Milton e Mário Filho, com 24 e 21 anos,
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respectivamente, assumiram o comando do jornal, que não durou muito tempo e foi literalmente destruído pela Revolução de 30. No mesmo ano da revolução, com 5 votos a 2, Sylvia Seraphim foi absolvida, fato este que desmoronaria a pouca confiança que restara aos Rodrigues. Com o fechamento de crítica, os irmãos Nelson, Milton e Mário saíram à procura de emprego e esse seria o começo dos tempos mais difíceis dos Rodrigues, de 1931 a 1934, no qual chegaram até a passar fome. A situação só começou a melhorar quando Mário Filho entrou no “O Globo” e levou consigo seus irmãos Nelson e Joffre, que, no começo, não receberiam nenhum salário. Sendo assim, Nelson também começou trabalhar em “O Tempo” e, por mais que recebesse, os salários sempre vinham com muito atraso. Nelson era descuidado fisicamente e é descrito por Ruy Castro da seguinte forma:
Nelson herdara os ternos, gravatas e chapéus de Roberto. Serviram-lhe direitinho porque, embora um dia chegasse a ser o mais alto da família (1,73m, sem meias), era mais novo que o irmão e ainda do seu tamanho. Usou todos os ternos de Roberto até que eles se reduziram a um, com o qual ia trabalhar todos os dias - porque não podia tirá-lo para lavar. Nelson andava de sapatos sem meias, porque não tinha meias, e usava a mesma camisa três ou quatro dias. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
Roberto Marinho chegou a reclamar para Mário Filho que Nelson ia trabalhar com a barba por fazer. Através dessa descrição, pode-se perceber a precariedade da família Rodrigues nessa época, além da despreocupação de Nelson com sua imagem, não se sabe se pela falta de dinheiro ou por simplesmente fazer parte de suas características. Em 1932, Nelson teve sua carteira assinada, um ano após começar a trabalhar em “O Globo” e recebia 500 mil réis por mês, dinheiro este repassado integralmente para sua mãe, que lhe devolvia o suficiente para seus cigarros. “Começou com uma tosse seca e uma febre, baixa, mas persistente, todas as tardinhas. Nelson estava muito magro.” (CASTRO, Ruy 1992, p. 125). Foi assim que a tuberculose, que atormentaria Nelson por toda a sua vida, foi diagnosticada. Na época, a doença era considerada “morte branca” e muitos se matavam apenas por saber que estavam doentes. A época da grande fome, de pobreza e má alimentação dos Rodrigues, tornou Nelson vulnerável ao bacilo com apenas 21 anos. Antes que se descobrisse a tuberculose, haviam extraídos todos os dentes de Nelson, já que esta era a solução mais costumeira para as febres não identificadas.
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Em 1934, Nelson foi pela primeira vez para o sanatório, o Sanatorinho Popular, em Campos de Jordão, graças a Aloísio de Paula, que lhe garantiu uma vaga gratuita. “A vaga gratuita que lhe haviam conseguido era indigente. Para pagar sua estadia, teria de varrer o chão, trocar lençóis, servir a mesa. Nelson nunca fizera isto na vida. A alternativa era pagar 150 mil réis por mês. Naquele momento, Nelson não pensou em sua família. Preferiu pagar para não servir a mesa - ainda que isso levasse boa parte de seu salário e o troco tivesse de ser gasto nos exames de escarro.” (CASTRO, Ruy 1992, p.126). Mesmo afastado da redação de “O Globo”, Roberto Marinho continuou pagando-lhe o salário. Nelson voltou para casa apenas em 1935, mais gordo e saudável, mas, em 1936, a tuberculose atingiu seu irmão Joffre e dessa vez, de maneira fatal. Joffre era o irmão mais querido de Nelson, que passou sete meses acompanhando o irmão no Sanatorinho de Correias, até que ele faleceu, em 16 de dezembro daquele ano. Nelson, abalado pela morde novamente se descuidou e em fevereiro de 1937 retornou ao Sanatorinho de Campos do Jordão. Logo no começo do segundo semestre, ele já estava de volta e novamente gordo. Em seu retorno ao “O Globo”, Nelson pediu para ser transferido, não aguentava mais escrever sobre esportes, sendo assim, Roberto Marinho mandou-o para “O Globo Juvenil”, um tabloide de histórias em quadrinhos. Mas, na verdade, Nelson queria escrever sobre ópera e com o apoio de Roberto Marinho, conseguiu convencer Alves Pinheiro de deixá-lo produzir também críticas de ópera. Para produzir seus textos de ópera, Nelson tinha que frequentar os espetáculos e essa foi sua porta de entrada para o teatro. Antes ainda de iniciar sua carreira como dramaturgo, aos 25 anos, Nelson marcou a data do seu casamento para 8 de maio de 1939, dia do aniversário de sua noiva, Elza Bretanha, que completaria 20 anos. Entretanto, em março, os sintomas da tuberculose voltaram a atingir Nelson, que, mais uma vez, foi para o Sanatorinho. Não foi fácil convencer a família da noiva a aceitar a união, visto que Nelson era pobre e tuberculoso, mas Roberto Marinho, mas uma vez intercedeu pelo amigo com todo o seu poder de persuasão. Dessa vez, Nelson levou ao Sanatorinho sua máquina de escrever e diariamente redigia cartas a Elza até que ele não conseguisse mais ficar em pé. Mais uma vez, os quatro meses de estadia de Nelson no Sanatorinho foram bancados por Roberto Marinho. O casamento só viria a ocorrer em 29 de abril de 1930. “Elza saiu de sua casa na Rua Miguel de Frias no Estácio, vestida normalmente para o trabalho. Trocou de roupa na casa de uma amiga. Nelson vestiu um terno de Mário Filho, que seria seu padrinho, e apanhou Elza. Foram ao juiz, casaram-se e saíram para comemorar, tomando uma média
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com torrada ‘Petrópolis’ na leiteria ‘Palmira’. E então - você adivinhou - voltaram para ‘O Globo Juvenil’. Cada qual sentou-se à sua máquina e trabalhou normalmente.” (CASTRO, Ruy 1992, p.147). Certo dia Nelson acordou cego. O médico diagnosticou uma infecção, porém, como não havia antibiótico naquela época, ele teve que tomar anti-inflamatórios, que não foram suficientes. Com o passar do tempo, a visão de Nelson foi voltando, mas nunca 100%. A deficiência estacionou em um ponto que Nelson enxergaria muito mal pelo resto de sua vida. Ele não queria usar óculos e chegava até a confundir os times dentro de campo. A necessidade de melhorar a renda do casal fez com que Nelson se sentisse inspirado para a produção teatral e, em 1941, escreveu sua primeira peça “A mulher sem pecado”. Nelson sempre buscava opiniões de amigos antes de levar a peça a uma companhia. Essa primeira peça de Nelson só viria a estrear um ano e quatro meses depois de ser escrita e para a surpresa de todos, ela não gerou nenhum impacto. Após “A Mulher sem Pecado” vieram muitas outras, 17 ao todo, e ao contrário da primeira, “Vestido de Noiva”, sua segunda peça, foi um enorme sucesso, sendo considerada um marco do teatro moderno brasileiro. Nelson escrevia a peça de madrugada, assim que chegava do jornal, às dez da noite. Escrevia um ato a cada dois dias, e em seis dias a peça estava pronta. “A plateia podia esperar por muita coisa, mas não pelo que transcorria diante dos seus olhos: 140 mudanças de cena, 132 efeitos de luz, vinte refletores, 25 pessoas no palco, 32 personagens.” (CASTRO, Ruy 1992, p.172). Tudo isso fez com que “Vestido de Noiva” ficasse marcado como uma das maiores obras do dramaturgo Nelson. Juntamente com as primeiras obras, veio seu primeiro filho, Joffre, que Nelson mal podia chegar perto, devido a recomendações médicas. Em 1945, Nelson trocou “O Globo” pela direção das revistas “O Guri” e “Detetive”, nos Diários Associados de Assis Chateaubriand. No “O Jornal”, Nelson encarnou Suzana Flag e escreveu o folhetim “Meu destino é pecar”. Ao todo, foram 38 capítulos que fizeram com que “O Jornal” fosse de três para trinta mil exemplares. Nesse mesmo ano, quando tudo parecia ir bem, a tuberculose voltou a acometer Nelson, que voltou para São José dos Campos, dessa vez com Elza - que estava grávida de Nelsinho -, Joffre - seu primeiro filho - e sua sogra, dona Concetta. Dessa vez, Chateaubriand arcou as despesas de Nelson. Nelsinho nasceu após quase dez meses de gestação, em 23 de julho, quando Nelson já havia sido liberado. A censura chegou até Nelson em 1946 proibindo “Álbum de Família”. Os censores nunca tinham visto nada tão indecente ou doentio, como diria Ruy Castro, em Anjo
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Pornográfico (1992). Em abril de 1948, estreou “Anjo Negro” outra peça de Nelson que gerou polêmica pelo seu conteúdo. Essa peça também foi censurada, mas Nelson apelou ao Ministério da Justiça e a Igreja Católica. Nesse período, o autor escreveu também “Senhora dos Afogados” e “Dorotéia”. Em um trecho da sua biografia, pode-se perceber o descuido característico de Nelson Rodrigues e sua despreocupação, que acabava gerando problemas financeiros:
Sua relação com qualquer espécie de documentos era patafísica. Nelson perdia sua carteira profissional; a custo tirava outra no Ministério do Trabalho; tempos depois achava a carteira original e ficava com duas; em seguida, perdia ambas; depois de tirar uma terceira via, achava as duas primeiras. E todas iam sendo carimbadas e anotadas por funcionários tão patafísicos quanto ele. Seu registro como jornalista profissional só aconteceu em 1950 - 24 anos depois que começara a trabalhar. E, quando se tratava de férias, Nelson enlouquecia os departamentos de pessoal: deixava acumular três ou quatro períodos; de repente, decidia tirar férias, acertava com o chefe da redação e ficava trinta dias em casa, todo pimpão. Mas esquecia-se de comunicar ao departamento de pessoal. Este então o descontava. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
Em 1950, Nelson deixou os “Diários Associados” e ficou um ano desempregado. Ele voltaria a trabalhar no jornal “Última Hora”, de Samuel Weiner, que seria lançado em 12 de junho de 1951, quando Nelson conheceria a sua maior fase de sucesso, com “A vida como ela é...”. A essa altura, Joffre, seu filho mais velho tornara-se tuberculoso. Ele teve alguns dentes extraídos, o apêndice extirpado, mas nessa época, já existia a estreptomicina, que Joffre tomou em inúmeras injeções, que o fizeram melhorar, por ora. “A vida como ela é...” foi uma proposta de Samuel Wainer a Nelson, só que com o nome de “Atire a primeira pedra”. A partir de então, diariamente, Nelson produziria crônicas baseada em qualquer fato da realidade, da área da polícia, de comportamento e outros. O chefe de reportagem lhe passaria as pautas e ele produziria. Entretanto, a partir do terceiro dia, Nelson começou ignorar as pautas e inventar histórias. Quando Samuel descobriu, uma semana depois, já era tarde demais, “A vida como ela é...” já era um enorme sucesso. Nelson conseguiu, através de suas crônicas, trazer a tona diversos temas polêmicos e com sua linguagem única, atingiu as diversas camadas da sociedade. Entretanto, como consequência, Nelson passou a ser conhecido como “o tarado”. O apelido não era tão injusto, já que seus textos eram quase sempre eróticos e ele vivia tendo casos
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fora do casamento. Durante esse período, Nelson escreveu “Valsa nº6”, “A Mentira”, “Viúva, porém honesta” e “Perdoa-me por me traíres” e “Boca de Ouro” que foram censuradas em 1957 e 1960, respectivamente. Em 1958 estreia “Os sete gatinhos” e Nelson, mesmo criticando o presidente Juscelino Kubitschek, vai até ele pedir emprego. O presidente até concede, mas Nelson não passa no exame de vista, então a vaga fica com sua mulher Elza. Em novembro desse ano, Nelson passou por uma cirurgia na vesícula e dois dias depois, acordou com os pontos estourados. Mais uma vez Nelson se via perto da morte. Em 1960, Fernanda Montenegro e seu marido, Fernando Tôrres, estreiam a peça “Beijo no Asfalto”, esta que obrigaria Nelson a abandonar o “Última Hora” e voltar ao “Diário da Noite”, onde daria continuidade “A vida como ela é...”. “Estava deixando um jornal em que trabalhara desde o primeiro número e no qual publicara, durante dez anos, cerca de dez mil histórias de ‘A vida como ela é... ’, num astronômico total de dez mil laudas - 300 mil linhas” (CASTRO, Ruy 1992, p.316). Nelson também começou a apresentar o programa esportivo “Grande resenha Facit”, na TV Rio e para isso, Lúcia deu uma melhorada no visual do “namorado”. No começo de 1963, Nelson separou-se de Elza, devido a sua grande paixão por Lúcia Cruz Lima. Lúcia era casada, tinha três filhos, separou-se do marido para viver ao lado de Nelson e pouco tempo depois, estava grávida. No Rio de Janeiro, Nelson homenageou seu amigo Otto Lara Resende com “Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária”. A peça ficou 5 meses em cartaz, mas Otto ficou profundamente irritado com a brincadeira. Conforme os anos iam passando, Nelson ficava cada vez pior fisicamente, talvez por isso, ninguém entendia como Lúcia, de apenas 21 anos, tinha se apaixonado por ele. Ruy Castro descreve Nelson da seguinte forma aos 49 anos:
Ninguém é exatamente velho aos 49 anos, mas Nelson aparentava muito mais. Era lento de gestos( acender um cigarro tomava-lhe uma infinidade), pesado, sedentário. Sua fala era uma espécie de mugido arrastado, a ponto de muitos pensarem que vivia bêbado - ele, que nunca pusera uma gota de álcool na boca. Quando se empolgava, a voz ganhava outra tonalidade e as sílabas quase se atropelavam, mas isso era raro, porque Nelson parecia carregar uma tristeza perene. Quando se sentava para escrever, os ombros caíam e ele, que não era baixo, encolhia. A visão dos suspensórios também não ajudava. O que pareciam traços de beleza na juventude, tinham sido devastados pelos abalos de saúde e pelo seu estilo de vida - o rosto magro e bem desenhado lembrava agora um
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buldogue. E Nelson era publicamente doente. Todos sabiam que fora tuberculoso e ele próprio encarregava-se de promover sua úlcera como se ela fosse Maria Callas. Era cardíaco, precisava se cuidar. Tinha ainda uma enxaqueca permanente, comum a toda a sua família. E sofria também de hemorróidas. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
Quando Daniela - a primeira filha de Nelson – nasceu, ele estava nas Laranjeiras e quase não chegou a tempo. Daniela nasceu prematura, com 1,5 quilos e com diversos problemas devido à falta de oxigenação no cérebro no momento do parto, o que também a impediria de andar ou realizar qualquer movimento. Em 1966, Carlos Lacerda criaria a editora Nova Fronteira e pediria a Nelson que escrevesse um romance. Com o incentivo de dois milhões de cruzeiros, Nelson escreveu “O Casamento”, o primeiro livro da editora. A época do lançamento do livro só não foi mais brilhante porque coincidiu com a morte de Mário Filho, mesmo assim, o livro vendeu 8 mil exemplares nas duas primeiras semanas de setembro de 1966. Porém, um mês depois, “O Casamento” era censurado pelo ministro da Justiça do Governo Castelo Branco. O livro só seria liberado em fevereiro de 1967. Ficou mais do que incomodado com a proibição e começou a planejar sua saída do “O Globo” para o “Correio da Manhã”. Mas, não foi necessário que ele saísse, porque o que o “Correio da Manhã” queria eram as “Memórias de Nelson Rodrigues”.
Quando aceitou escrevê-las, Nelson estava com 54 anos. Precoce talvez para ‘memórias’, não? Não, porque desses 54 anos, ele passara quarenta em redações. Era toda uma vida. Fizera parte dos jornais e revistas no berço, na plenitude e na morte. Atravessara todas as revoluções gráficas, estilísticas e empresariais da imprensa naquele período e, nem que fosse como coadjuvante, acompanhara de perto todas as transformações políticas do Brasil. Nelson conhecera de perto os poderosos e, ao mesmo tempo, era um homem identificado com o povo. Tinha muito para contar e sabia contar como ninguém. Ninguém podia ser mais plástico, engraçado e polêmico ao escrever. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
As memórias de Nelson estrearam em 1967, com um enorme sucesso, consolidando o que praticamente todos já sabiam: que ele era um grande escritor e exímio contador de histórias. Em 21 de fevereiro de 1967, o destino reservou mais uma desgraça para os Rodrigues. Paulinho, seu irmão, sua mulher, Maria Natália, e seus dois filhos adolescentes,
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Ana Maria de dezenove anos e Paulo Roberto de dezoito, foram soterrados quando seu apartamento desabou após uma violenta chuva que atingiu o Rio de Janeiro. A ditadura impôs sua maior rigidez no começo da década de 1970 e a partir daí, Nelson começou a lutar para tirar amigos da prisão, não só amigos, como seu filho Nelsinho, mais conhecido como “Prancha” pela guerrilha. Nelson era adorado pelos militares que não queriam desagradá-lo. Nessa época, Nelson separou-se de Lúcia, após oito anos de convivência, e voltou para a casa da sua mãe, apenas com um retrato de Daniela, mas não ficaria lá por muito tempo, visto que já havia convidado Heleninha para morar com ele. “Helena Maria (Heleninha, como a chamavam) tinha 22 anos - 35 a menos que Nelson. Era pequenininha, morena, vestia-se como alguém ainda mais jovem. Dava uma espécie de assistência a Nelson no jornal...” (CASTRO, Ruy, 1992, p.384). Nelsinho entrou para a clandestinidade, foi preso e Nelson passou a vê-lo muito pouco. Antes da prisão, Nelson havia intercedido a Médici, que esse deixasse seu filho sair do país. Por respeito, o pedido foi concedido, mas, “Prancha”, já muito envolvido na guerrilha, dispensou o agrado. Em um jogo de futebol em São Paulo, Nelson acompanhou Médici e perguntou a ele: “Presidente, o senhor me garante que, ao contrário do que dizem, não há tortura no Brasil?”, e Médici prontamente respondeu: “ Dou-lhe a minha palavra de honra que não se tortura.” Mas, todos, menos Nelson, sabiam que isso não ocorreria. Nelson só enxergaria a verdade quando encontrasse seu filho, completamente machucado na prisão e garantindo que fora muito torturado. Todos esses fatores em conjunto fizeram com que a saúde de Nelson fosse ficando cada dia mais debilitada. Em 31 de outubro, Nelson estava no Maracanã assistindo Flamengo x Santa Cruz quando começou a se sentir mal. Foi para a casa e começou a vomitar sangue: era a sua úlcera. As duas estavam perfuradas.
Nelson foi removido para a casa de saúde São José, mas não podia ser operado imediatamente - havia complicações no esôfago, pâncreas, pulmões e coração. O cirurgião, doutor Augusto Paulino, só o operou dois dias depois, na terça-feira. Mas Nelson insanamente fumou na quarta e sofreu uma broncopneumonia, uma parada respiratória e, três horas depois, um enfarte. Passou 24 horas respirando por um tubo endotraqueal. Quando o aparelho era retirado, tinha delírios provocados pela baixa oxigenação = dizia coisas geniais e outras sem sentido. E, durante esses delírios, Nelson, inconsciente, simulava estar escrevendo à maquina. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
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Nelson fora proibido de fumar, mas jamais respeitou a ordem médica e era assistido por uma enfermeira 24 horas por dia. Apenas 12 dias depois, Nelson voltou a passar mal, dessa vez com falta de ar e dormência no braço esquerdo. Foi diagnosticada insuficiência coronariana aguda e teve que ficar internado. Enquanto estava internado, Joffre pediu para que Heleninha deixasse a casa e ela simplesmente saiu, como se já esperasse. Em 1972, Milton, irmão de Nelson, faleceu graças a uma trombose cerebral, igual a do seu pai. Dona Maria Esther, mãe de Nelson, morreu aos 86 anos, em 1973. Há muito tempo estava paralítica e só saía da cama para uma cadeira de rodas. Nesse período, Nelson engatou um romance com Malu, viúva, bonita e professora de sua sobrinha Cláudia, filha de sua irmã Irene. Mas, o romance era secreto e Malu não apareceu ao velório de Dona Maria Esther, o que fez com que Nelson terminasse o namoro. Nelson voltou para o teatro após oito anos, em 1974 com a peça “Anti-Nelson Rodrigues”. Segundo Ruy Castro, “‘Anti-Nelson Rodrigues’ era como se nunca tivesse havido a pílula, os militares, os estudantes, os terroristas. E estava longe de ser uma peça ‘anti- Nelson Rodrigues’ como ele queria. Ao contrário. Ali estava o autêntico Nelson, explícito e com notas ao pé da página.” (1992, p.413). O escritor teve ainda que encarar muitos outros problemas de saúde. Uma fibrose no pulmão que causava bronquite crônica, insônia, provocada pela insuficiência respiratória, e a surpreendente aneurisma da aorta abdominal. Ele queria usar bombinha, mas era proibido pelo seu cardiologista, da mesma forma que continuava proibido de fumar. Ele ainda deveria emagrecer dez quilos. A aneurisma poderia arrebentar a qualquer momento e ele deveria ser operado. Viajou para São Paulo e a cirurgia ocorreu no Hospital Nove de Julho, porém, no dia seguinte, Nelson teve uma hemorragia interna e teve que ser novamente operado. Nelson ficou durante quinze dias delirando com insuficiências respiratórias e com sua irmã Stella sentada à sua cabeceira. “A partir de 1974, seu organismo foi um campo de combate entre a medicina e a morte.” (CASTRO, Ruy, 1992, p.414). De volta para o Rio, Nelson chegou roxo de cianose, quase sem respirar. Sua salvação foi a traqueotomia, mas quando o tubo era retirado, Nelson voltara a delirar. Ao ser liberado, a ordem, dessa vez, era oficial: tinha de parar de fumar. Ele acatou a ordem e passou a fumar oficialmente escondido. Em abril de 1972, menos de três meses depois, voltou a ser internado, dessa vez com arritmia ventricular grave, além da insuficiência respiratória. Os jornais já preparavam os obituários de Nelson Rodrigues. As longas
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internações tornavam impossível a escrita de Nelson e “Confissões” foi interrompida em 1975. Elza, primeira mulher de Nelson, voltou para casa em 1977, após 14 anos de separação. Em 1979, Nelsinho foi libertado em liberdade condicional e chegou a casa para ser pai. Ele respondera a quinze processos, inclusive um deles era de “crime de sangue”, mas “Prancha” nunca matara ninguém. Com 26 anos, ele foi condenado a 72 anos de prisão, que foram reduzidos a doze. Quando libertado, já havia cumprido metade da pena. A última peça de Nelson, “A Serpente”, foi escrita nesse mesmo ano. Em 1980, pouco antes da sua morte, Nelson ainda teve fôlego para se apaixonar por Ana Lúcia, a quem julgou “seu último amor”.
Para quem, como se disse, precisava viver em permanente estado de paixão, nem sempre uma mulher foi suficiente para a carga amorosa de Nelson. Ele jurou amor eterno a inúmeras mulheres, várias ao mesmo tempo, e provavelmente estava dizendo a verdade para todas. Tinha uma explicação para isso: ‘O amoroso é sincero, até quando mente’. (CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. 1992, p. 40).
Após muitas idas e vindas, Nelson faleceu às 8 horas da manhã do dia 21 de dezembro de 1980. Dez dias antes havia sido internado com um edema pulmonar e havia sido submetido a uma nova traqueotomia. Nesses dias, ele entrava e saía de coma. “Muitas vezes, durante aquele novembro e dezembro, os jornais seguravam seus fechamentos esperando a notícia de sua morte. Mas Nelson fazia de um fio de vida o trapézio para a ressurreição.” (CASTRO, Ruy, 1992, p. 419). E foi assim a vida toda, sempre em altos e baixos, Nelson aproveitava uma fagulha para fazer uma grande produção, que desafiava tudo o que os brasileiros já haviam visto. Ele resistiu até o último minuto. Na madrugada do dia de sua morte, ele suportou sete paradas cardíacas e o médico João Elias aplicou-lhe um marca-passo. Na manhã, ele morreu de trombose e insuficiência cardíaca, respiratória e circulatória, aos 68 anos de idade.
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5. Estética e Linguagem
5.1. Nelson Rodrigues e “O Casamento” Acostumado com as páginas de jornal ou ainda com os roteiros de teatro, “O Casamento” foi, de certa, forma uma novidade para Nelson Rodrigues. O livro, lançado em 1966, foi encomendado por Carlos Lacerda, proprietário do então jornal Tribuna da Imprensa e que começava a trabalhar no ramo editorial. Para seu objetivo, que era causar provocação, Lacerda não poderia ter pensando em alguém melhor. Nelson Rodrigues é fascinante e consegue, com maestria, invadir os tabus impostos pela sociedade e realmente promove uma grande provocação em seus leitores. Jornalista conceituado, cronista e dramaturgo, tido como o mais influente no Brasil e responsável pela implantação do teatro moderno no país, tinha um estilo feroz, sarcástico, acima de tudo polêmico. O que resumia Nelson Rodrigues era uma polêmica, poucos de seus colegas gostavam tanto de uma como o cronista pernambucano. Não por acaso, várias de suas peças foram censuradas por atacarem a moral e os bons costumes da sociedade brasileira, sociedade esta escrachada e posta às claras em suas próprias obras, muitas vezes tachadas de obscenas e imorais. Rodrigues também trabalhou com esporte, mostrou sua paixão pelo futebol e conseguiu transformar as crônicas esportivas, até então com pouca ou quase nenhuma graça. Em “O Casamento”, assim como nos romances que escrevia para serem publicados em folhetim diariamente nos jornais, e que, muitas vezes, conseguiam alavancar as vendas da publicação, Nelson Rodrigues deixa sua marca registrada. Provoca o leitor com uma temática complexa e, para alguns, constrangedora, critica a hipocrisia da sociedade e ainda satiriza toda a obra, se apresentando realmente como um gênio reacionário.
5.2. Resumo do Livro “O Casamento” é um dos maiores romances urbanos produzidos no país, de acordo com Arnaldo Jabor. A trama, que se passa na década de 1960, no Rio de Janeiro, tem como foco basicamente evidenciar a hipocrisia da sociedade, representada pela família de Sabino, um empresário bem sucedido, proprietário de uma imobiliária e casado com Maria Eudóxia. Toda a narrativa se dá praticamente nas 48 horas que antecedem o casamento de Glorinha, a filha predileta e caçula de Sabido. A expectativa para o casamento é grande, até
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que Dr. Camarinha, ginecologista e amigo da família, flagra o noivo de Glorinha, Teófilo, supostamente aos beijos com seu assistente no consultório, Zé Honório. Dr. Camarinha conta o que viu a Sabino e a partir daí se inicia um grande conflito: O pai não sabe se conta para filha, livrando-a da infelicidade de se casar com um pederasta, ou se fica calado para preservar o matrimônio, pois cancelar o casamento seria um prejuízo financeiro e moral. Sabino procura monsenhor Bernardo para conversar e, ao invés de obter uma resposta, acaba se afundando em lembranças de seu passado, além de situações comprometedoras do monsenhor. A trama segue e faz um resgate no tempo para recordar como Glorinha havia conhecido Antônio Carlos, o filho de Dr. Camarinha, que morrera jovem e marcara a vida de Glorinha. É nesse período que ocorrem diversos acontecimentos entre Glorinha, Antônio Carlos, Maria Esther, amiga de Glorinha, Zé Honório, o assistente de Dr. Camarinha, e também seu pai, que está leproso. Ao longo das cenas, cada vez mais as “máscaras” das personagens vão caindo e à crítica de Nelson a essa hipocrisia fica evidente. Há também um conflito familiar, entre Sabino, a filha, que está prestes a se casar, e a mãe. Mesmo assim, ao final, as aventuras e sentimentos proibidos são deixados de lado e o casamento ocorre naturalmente. Uma história de desejos proibidos, amores impossíveis, sexo, violência e culpas, superados pela aparência.
5.2.1. O livro censurado Como já foi dito, a temática de Nelson Rodrigues e principalmente sua linguagem eram provocantes. Aborda temas tabus e sempre critica os comportamentos sociais. Tal metodologia de trabalho fez com que várias obras de Rodrigues fossem censuradas, assim como ocorreu com o livro “O Casamento”. Já prevendo problemas com os censores, o livro lançado em 1966 trazia em sua capa uma tarja vermelha dizendo: “Leitura para Adultos”. Entretanto, não foi suficiente e no dia 14 de outubro do mesmo ano, o ministro da Justiça do Governo Castello Branco, Carlos Medeiros Silva, proibiu a circulação da edição, afirmando que “pela torpeza das cenas descritas e linguagem indecorosa” o livro atentava contra a organização da família. No dia seguinte, em sua crônica no Jornal O Globo, Nelson atacou duramente a decisão do regime militar, regime esse que, mesmo com as censuras, Rodrigues fazia questão de defender e elogiar. O livro “O Casamento” foi liberado novamente em abril de 1967.
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5.3. Características da Obra Dentre as principais características da Obra de Nelson Rodrigues, e especificamente em “O Casamento”, há uma clara crítica à sociedade, as instituições e a hierarquia social. Rodrigues deixa claro seu desprezo pela hipocrisia que direciona os comportamentos em nome das aparências. Outra característica que chama a atenção é uso frequente do erotismo, explorando as reações de uma sociedade do início do século XX que ainda via-se constrangida ao discutir questões como o sexo, o homossexualismo, o adultério, o incestíssimo, entre outras polêmicas. Além disso, para atrair leitores e prender a atenção dos mesmos, Rodrigues usava e abusava do humor, na maioria dos casos um humor cáustico, corrosivo, mas que com certeza atingia seu objetivo: provocar e incomodar, algo como sair da zona de conforto. Tais características, principalmente as duas primeiras, crítica e erotismo, indicam o aspecto realista da prosa de Nelson Rodrigues, mesmo em meio ao modernismo. Em certa oportunidade, inclusive, chegou a ser apontado como o novo Eça de Queiroz. Porém, mesmo se tratando de um estilo realista, o dramaturgo não se limitou a reproduzir o realismo do final do século XIX, mas sim, inovou e adaptou a tragédia grega para a "tragédia carioca", não hesitando em denunciar a sordidez da sociedade, assim como fez Eça de Queirós em suas obras.
5.3.1. Enredo e Linguagem Nelson Rodrigues e sua obra despertam sensações que vão do ódio à paixão. Transitam entre o fantástico e o deplorável. O fato é que a obra de Nelson Rodrigues, e especificamente “O Casamento”, não consegue passar despercebida perante o leitor. Sua linguagem, muitas vezes obscena e problemática quanto ao campo “moral” das palavras, é mais uma de suas provocações tentando derrubar de vez a imagem intacta de uma sociedade hipócrita, pervertida e que mesmo diante de tantas “práticas condenáveis” tenta manter a postura em nome da moral. É mais que claro a vontade do autor em trabalhar incansavelmente contra o senso comum. Sua escrita inclui espaços abertos, fechados, psicológicos e um posicionamento geográfico específico, justificando a eroticidade. Voltando a linguagem, é intencional o modelo indecoroso, que atenta contra a organização da família. É uma narrativa complexa, com conflitos sociais fortes e
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marcantes, fazendo com que os desejos, o sexo, a família, os segredos, os medos, o pai, a mãe, a filha e suas relações aconteçam em sua totalidade às vésperas do casamento. A estrutura linguística utilizada pelo autor, consequentemente, contribui e muito para o sucesso do enredo da trama. Além da combinação entre tempo e espaço, apontados abaixo, vemos que a construção realizada por Nelson Rodrigues, de critica a sociedade, provocação com o erotismo e seu humor carrasco, formam uma sequencia dinâmica, permitindo fluidez a narrativa, e, o principal, prendendo a atenção do leitor e o obrigando a ler o próximo capítulo – ver item X.X Tempo abaixo. O humor utilizado por Nelson lança mão de comparações para destacar acontecimentos que poderiam passar despercebidos. Esse humor, de palavrões e muitas vezes agressivo, é fundamental para prender a atenção do leitor. Isso sem dúvida provoca umas das marcas de “O Casamento”: Virar a página pensando na próxima. A construção do enredo se dá de forma tradicional, com a situação inicial, quando da expectativa do casamento, seguido da quebra da situação inicial, com a denúncia de que o noivo de Glorinha seria pederasta, passando pelo conflito, com a dúvida de Sabino acerca do que fazer, chegando ao clímax, com as confissões e condutas de Glorinha, Sabino e família, finalizando com “O Casamento” e a entrega de Sabino, que “assume a lepra”. É evidente que a análise do desenrolar da obra é construída através de aspectos positivos da mesma, sendo um consenso dos integrantes da equipe. Entretanto, um autor de tamanha polêmica e personalidade fortíssima, não deverá agradar a todos os seus leitores, certamente.
5.4. Tempo e Espaço
5.4.1. Tempo A trama central da narrativa se passa durante as 48 horas que antecedem o casamento de Glorinha e Teófilo. Nelson Rodrigues é feliz ao optar pela sequência basicamente cronológica, encadeando os eventos conforme se aproxima o grande momento do matrimônio. O modelo escolhido pelo autor contribui para a fluência do texto, já que, conforme o tempo passa, aumenta a angústia e tensão das personagens, principalmente de Sabino. Em determinado momento, Nelson faz um recorte na sequência cronológica para voltar ao aniversário de dezessete anos de Glorinha, oportunidade na qual conheceu
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Antônio Carlos, o filho de Dr. Camarinha. Posteriormente, também narra às aventuras vividas no dia seguinte, até a morte do rapaz. Neste período, por se aprofundar no fato, há a impressão de que a narrativa não transcorre de maneira linear, sendo que tal alternativa é um claramente um flashback. Após contextualizar, retorna a ordem e segue até o fim da trama. Desta forma, Nelson Rodrigues segue o estilo realista, não aderindo a corrente modernista que pregava o fim da ordem cronológica.
5.4.2. Espaço O plano de fundo do romance “O Casamento”, de Nelson Rodrigues, é o Rio de Janeiro em meio à década de 1960. O período é conturbado e o país passa por profundas transformações. Como já exposto no contexto histórico, a recente mudança na capital federal, o golpe militar e a implantação de um regime ditatorial estavam alterando drasticamente o cenário nacional. No Rio de Janeiro não fora diferente e a cidade despontava artistas, pensadores e novos comportamentos. A organização da sociedade ainda era conservadora, prezava pela imagem e pelos bons costumes, mesmo que vagarosamente mudanças já estavam em curso. Dentre tantas possibilidades, Nelson Rodrigues opta por enquadrar a hierarquização social, os costumes, os padrões, e é em cima de tantas regras sociais que ele estrutura sua trama, descontruindo, aos poucos, as posturas então sustentadas pelas personagens. É bom ressaltar que mesmo tendo seu livro censurado pela ditadura militar em 1966, Nelson Rodrigues era um defensor do golpe e do regime e não deslumbrava com bons olhos movimentos de esquerda, como se se percebia em suas crônicas, principalmente. Desta forma, no livro, é abordado especificamente a estrutura e a organização social, deixando de lado os conflitos vividos, destacando, é claro, que se trata de um romance, o que também explica tal opção do autor. Ao decorrer da narrativa, alguns espaços específicos são caracterizados pelo autor, como o escritório de Sabino, localizado no 12º andar de um aparentemente bem conceituado edifício. Além de destacar características marcantes da época, como o elevador de corda, ele reforça a ideia do “gabinete” de Sabino, o que ajuda a construir a ideia de um bem sucedido empresário, o que se repetirá em sua residência, palco, inclusive, de festas, como a de aniversário de 17 anos de Glorinha. Outro espaço presente na trama é a Igreja, e seu interior, como a sacristia, onde estão com certa frequência para dialogar com o monsenhor. Também são perceptíveis os padrões da época quando Sabino marca um
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encontro com Dª. Noêmia em um quarto de uma Senhora, localizado em um humilde condomínio. Por fim, o autor também utiliza como cenário ao final da trama uma praia deserta, no passeio de Glorinha e Sabino, integrando as características cariocas aos comportamentos das personagens.
5.4.3. Espaço Erótico e Psicológico O grande diferencial e característico quanto à questão do espaço em “O Casamento”, de Nelson Rodrigues, se dá na construção de um espaço erótico, que irá perfeitamente envolver as personagens e caracterizar a narrativa. O tema permeia o pecado e agita a sociedade, mesmo contradizendo as condutas. Vale lembrar que o livro fora considerado uma afronta, desmoralização e subversão do sistema de vida cristão e democrático, além de que a liberdade de manifestação não poderia atingir a instituição do casamento, sendo a obra censurada por cerca de um ano. Nelson Rodrigues cria um espaço erótico, no qual as personagens vão ao longo da trama desenvolver suas aventuras. Ao contrário do espaço físico, o espaço erótico está a todo o momento presente no psicológico das personagens, alimentando desejos e ações. Ou seja, há também, de certa forma, um amplo espaço psicológico, responsável por alimentar as condutas e que também é extremamente explorado pelo autor, principalmente para fazer uso de seu humor característico. Com isso, Nelson Rodrigues foi além do erótico e do libertino, mas utilizou esse “espaço” para apontar falhas de uma sociedade presa a tabus e dogmas impregnados socialmente. Além disso, vale destacar que o cenário retratado, de um erotismo até certo ponto excessivo, não fora forçado por Rodrigues, mas sim retratava a sociedade na época, que busca tais práticas e ações.
5.5. O Discurso Indireto Livre “O Casamento” não seria o mesmo se Nelson Rodrigues dispensasse o uso do Discurso Indireto Livre. Este recurso torna possível que o narrador teça uma verdadeira colcha de retalhos, a partir da qual conhecemos intimamente os personagens, utilizando em pequena e larga escala cada um dos seus traumas, pensamentos, desejos e neuroses. Mistura em um único parágrafo a reação de um personagem a um estímulo atual, a memória de algum trauma passado que volta a assombrá-lo e seus pensamentos, que vagam naturalmente.
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Neste sentido, podemos considerar que o evento de que trata o livro, o casamento da filha mais nova, tem o poder de desestabilizar e perturbar a sanidade de toda a família, mas quando são adicionados os dramas do homossexualismo, do desejo, da castidade, do adultério e do incesto, a caracterização minuciosa da confusão que se forma na mente deles é um dos aspectos que mais chama a atenção de qualquer leitor, sendo que chega a perturbar e incomodar, fato que explica a reação da sociedade na época em que o livro foi lançado. Em função de uma natural retomada de memórias, a véspera do casamento é recheada por episódios que significam muito aos personagens. Ocorre uma espécie de flashback em que eles revivem histórias passadas que podem ou não explicar um fato que ocorre neste dia. Na maior parte das vezes, os flashbacks ocorrem de maneira muito rápida, mas outras, como os episódios vividos por Glorinha e Antônio Carlos, o filho do Dr. Camarinha, são detalhados profunda e lentamente, fazendo com que a narrativa pareça ser apresentada de forma não linear. A descrição fragmentada dos perfis psicológicos das personagens também permite que o leitor termine o romance com algumas teses a respeito da história e de características implícitas dos personagens. São exemplos disso a interpretação das verdadeiras intenções de Glorinha na noite em que foi a praia deserta com o pai, assim como a sexualidade deste.
5.6. Perfis demasiadamente humanizados de personagem típicos
5.6.1. Monsenhor Bernardo A análise dos perfis das personagens permite que observemos a desmistificação de figuras que são até os dias de hoje respeitadas e sacralizadas, como acontece com os personagens Monsenhor Bernardo e o Doutor Camarinha. Sabino procura conselhos do padre com relação ao genro homossexual e assim somos apresentados a uma figura que difere muito do ideal que temos de um homem da igreja. Inicialmente o padre pede a Sabino um cigarro e chega a pensar e sentir vontade de fumar outro. Na narrativa, percebemos que até Sabino estranha esse acontecimento, pois é sabido que sacerdotes devem se manter longe de qualquer tipo de vícios. Em um segundo encontro, o padre chega a fumar três cigarros seguidos, ainda, ao desejar o quarto, desiste por preferir o prazer do ato escondido.
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O Monsenhor se mostra um padre que foge totalmente de qualquer protocolo ou educação quando fala de suas necessidades vitais e também do casamento, usando palavras de baixo calão, quando comenta a situação em que se encontra outra família que casaria a filha no mesmo dia em que Glorinha; fala sem escrúpulos tanto das peculiaridades e dificuldades do outro casamento quanto do matrimonio em geral e das necessidades vitais das pessoas. Para ele “o ato sexual é uma mijada!”. Quando Sabino o procura atordoado, precisando se confessar, o Monsenhor é rude e parece se divertir com a historia confessada e com o aspecto do homem, que se sente muito mal. Instiga o outro a continuar contando, mesmo percebendo que ele se esforçava muito e, quase que torturando Sabino, faz com que ele conte até o fim sobre quando viu, ainda criança, a mãe praticando onanismo. Novamente, o Monsenhor Bernardo deixa de lado qualquer protocolo e, comentando a postura da mãe de Sabino com palavras chulas para a época (no caso, a palavra masturbação), conta, como que em troca de uma informação, do dia em que uma menina se despiu em oferecimento a ele na igreja. De acordo com ele, a menina entrara dizendo que precisava conversar e, quando ele se virou, ela se despiu, tirando até os sapatos. Quando ele voltou, encontrou-a nua e, apesar de dizer que amava o noivo, ela dizia querer ser deflorada pelo padre. Ele contou que conhecia a menina desde muito nova e também a família e, como que dando a Sabino uma pista, tocou no nome de Glorinha logo depois. A palavra do padre quanto à medida que tomou com a menina só é confiável porque a própria Glorinha conta para Antônio Carlos e para Maria Inês a mesma historia, lamentando algumas vezes (e inclusive antes de fazer sexo com o garoto) que o homem que desejava não era para ela. No último minuto, Monsenhor Bernardo se recusa a fazer o sermão do casamento de Glorinha e Teófilo, pois, segundo ele mesmo, suas palavras seriam incendiárias e subversivas. A ideia central do sermão do padre era que somos todos leprosos, e nossas feridas precisavam ser assumidas, uma referência ao nosso verdadeiro ser. Ele diria que um casamento é, em essência, a junção das chagas da noiva e do noivo. O sermão seria coerente com o momento em que os personagens vivem, reprimindo seus desejos e escondendo seus atos numa moral falha, mas não caberia a um casamento. Neste ponto, fica evidente o sarcasmo de Nelson Rodrigues, como se o Monsenhor Bernardo estivesse, na verdade, debochando das outras personagens, como se soubesse de suas chagas.
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5.6.2. Doutor Camarinha e Família Quanto ao Doutor Camarinha, desde o início, tem seu caráter exposto de forma duvidosa. É apresentado aos leitores quando Sabino se recorda do último aniversário de Glorinha, quando o Doutor fica bêbado e fala sobre a pederastia, ainda sem revelar a história de Teófilo. A cena não corresponde com a imagem que a maioria das pessoas tem de médicos respeitáveis, ainda mais se considerarmos que Camarinha era médico da família há anos. Talvez o episódio em que o Doutor Camarinha se apresenta de forma mais humana, dispensando toda e qualquer idealização de um médico ginecologista é quando mostra atração por Glorinha e, ao examiná-la, tem vontade de violentá-la.
Glorinha estava na mesa, quieta, os olhos fechados. Ele teve vontade de avançar a cabeça por entre as pernas. O sexo de um rosa vivo de romã fendida. Ali, o cabelo era de um louro, de um louro, não, de um ruivo, sim, ruivo. Por um momento sonhou com uma posse, não uma posse consentida, mas violenta, cruel. Arrastando-a, nua, pelos cabelos. O seu desejo foi tão brutal que pensou no filho, o filho no necrotério, a cabeça enrolada e um olho aberto, parado de espanto. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Doutor Camarinha também tem sua relação com o filho exposta. A briga que eles tiveram um dia antes da morte de Antônio Carlos com a intromissão a esposa do médico é narrada e relembrada por ele em vários momentos. Sua relação com a esposa também apresenta problemas. Ela é descontente com o corpo e procura autorização do marido para fazer uma cirurgia plástica. Um pouco depois, enquanto Glorinha lembra a noite da sua festa de aniversário de 17 anos, é narrada uma cena em que o Doutor fala a menina que Maria Inês, ex-namorada de Antônio Carlos, não era suficiente para o garoto, pois nas palavras dele, não teria bunda. Alterado, ele ainda grita com Sabino, deixando claro que seu casamento não está feliz: “Está pensando que eu estou bêbado? Olha aqui, eu já disse à tua filha que esposa sem rabo estraga um casamento. Falo por experiência própria, entende? Por experiência própria” (Rodrigues. 1966, p.107) Os dois, marido e mulher, sofreram muito com a morte repentina do filho. Ela perdeu o juízo e foi internada, precisou ficar em uma solitária nua, pois rasgava as roupas do corpo, e ainda mexia e comia seus próprios dejetos. Já o Doutor, ainda visitava o
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túmulo do filho todos os dias antes do almoço, e repassava em sua cabeça a briga e a imagem do filho ensanguentado com frequência. O comportamento de Antônio Carlos dá a entender que morrer era sua pretensão. Durante o programa em que leva as meninas Glorinha e Maria Inês, ameaça várias vezes “meter o carro em um poste”, e ainda convida as duas para morrerem junto com ele. Pede que Glorinha cuspa em sua cara e também acredita que pode ficar louco como uma prima de Glorinha, que teve um ataque epilético durante o hino no colégio e teve a cor dos olhos transformada de castanho para azul. Ele simula várias vezes, enquanto acaricia Glorinha que está tendo o tal ataque, sentindo algo estranho, e que logo os olhos também ficariam azuis como os da prima de Glorinha. Seus pais, que não desconfiavam do episódio que antecedeu sua morte, seguiram se culpando pelo ocorrido. O Doutor Camarinha só conseguia se lembrar da bofetada que deu no filho porque soube que o menino largara mais um emprego, assim, ligou para conhecidos e desconhecidos, tomado por ódio de si mesmo, para contar que era um “filho da puta”. O enterro foi extraordinário, de um lado, a mãe que tinha ataques nada naturais, e de outro, o pai que dizia um só palavrão, o tempo todo e se referindo a si próprio. Quando Teófilo encontra Sabino para pegar seu presente de casamento, o jovem diz que Antônio Carlos também tinham uma fixação e que ele também era homossexual. Segundo ele, o Doutor Camarinha não tinha moral para questionar sua sexualidade, imaginando que ele havia contado a Sabino que o vira aos beijos com outro homem.
5.6.3. Noêmia e Xavier O aprofundamento psicológico e a própria trama possibilitam também que os leitores conheçam melhor a figura de Dona Noêmia, que no final do capítulo 6 deixa de ser uma simples secretária de Sabino, quando este a convida para um encontro. Até este momento, a personagem era apenas uma funcionária que era esmagada pelo patrão em dias de estresse. Sabino a humilhava por questões tolas como a forma como discava os números ao telefone, sendo ela a culpada até se a linha estava ocupada. Antes de começar a trabalhar na Imobiliária Santa Teresinha, Noêmia ficou um tempo desempregada e chegou a passar fome. Ficara sozinha depois que perdeu a mãe e, muito triste, pensava consigo que só não devia se matar, pois não teria quem pagasse um enterro ou chorasse sua falta. Um dia, conhece Xavier numa fila de ônibus; os dois iam para suas casas (quarto, no caso de Noêmia) no mesmo bairro. Ela ficou comovida quando
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Xavier ofereceu um espaço em seu guarda-chuva, pois estava chovendo no dia, e, muito carente, continuou a vê-lo mesmo sabendo que era casado com uma mulher doente e que se recusava a deixa-la. Noêmia ainda era moça antes de ter relações com Xavier, o que evidencia ainda mais a sua solidão e tristeza, em uma idade avançada. Com a possibilidade de se encontrar intimamente com o patrão, uma euforia toma conta de Noêmia. Ela se mostra totalmente submissa a ele e aos desejos dele, acariciando até seus sapatos como uma escrava e o comparando com Xavier, que agora ela considerar inferior. Noêmia imagina a reação de uma colega de trabalho ao contar do ocorrido e se delicia com o que acabara de acontecer com ela. No entanto, assim que terminam o ato sexual, Sabino volta a tratá-la de forma desprezível, e ela aceita triste novamente cada uma das humilhações ainda com esperanças de que o chefe volte a querê-la como parceira sexual. Ela conta a amiga do ocorrido como se Sabino fosse louco por ela, como se ter o patrão por um dia fosse uma grande conquista. Conquista essa que a leva a desprezar Xavier, como que com nojo dele e da mulher, que sofre de lepra. Xavier é um homem muito humilde que faz tudo para cuidar de sua esposa, que além de leprosa ficou cega. Ele sente vergonha de si mesmo como se ele fosse doente, e não a mulher, e é muito doce. Ele preza muito pelo amor de Noêmia. Quando começou a ser humilhado por ela, Xavier não entendeu e passou um bom tempo imaginando o que teria sido e lembrando também dos últimos momentos que os dois passaram juntos, quando estavam em perfeita harmonia. Ele tenta se reconciliar com ela, arrasado porque tinha acabado de ouvir de dois amigos que cheirava mal, mas não tem nenhum progresso. Ele é enxotado do escritório. O homem ainda pensa mais uma vez em voltar e implorar por Noêmia, mas algo dentro dele surpreende até a ele próprio. Ao entrar novamente no escritório ele afunda um punhal nas costas de Noêmia, sem saber se a amava ou odiava. Apesar de muito calmo, ele parece descontrolado e ainda a retalha na boca e no sexo. O crime aconteceu sem qualquer reação de espanto, medo ou luta e Xavier sai tranquilo, pensando no curativo da mulher, que ainda não fez. No caminho de casa, ele viu o mundo diferente. Como se ele, as pessoas, as coisas, os prédios já não fossem os mesmos. Pensava ser um assassino desconhecido no meio da cidade e tentava lembrar-se se Noêmia havia sorrido ou não ao se virar para ver quem entrou, antes de ser cortada pelo punhal. Sentia-se cada vez mais só, mas quando encontrou a mulher não era mais um assassino. Tentou cuidar dela, mas, convencida de que ele tinha uma amante, ela tentou
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convencê-lo a beijá-la e fazer sexo com ela. Tranquilo, Xavier pegou um revolver que tinha em uma gaveta e atirou no sorriso da esposa. Imaginou que uma multidão que preencheria o Maracanã estaria em sua porta para fazer perguntas e o acusar, então ele, que agora acreditava que Noêmia tinha morrido sorrindo, se matou também.
5.6.4. Glorinha Glorinha é dona de uma beleza que encanta a todos. A menina é observada onde quer que vá, por homens e também por mulheres. Possui um hálito sempre fresco e está sempre cheirando muito bem, o que faz sua companhia ser muito agradável a qualquer um. Além de muito bela, é muito gentil com todos. Amada aonde quem que vá, faz questão de conversar e mostrar-se sempre uma excelente garota, encantadora, a qualquer um com quem convive. Quando Glorinha aparecia lá (na imobiliária), ia de mesa em mesa, cumprimentando todo o escritório e sorrindo até para os contínuos. Chamava de ‘senhor’ o faxineiro de macacão. ‘Não é metida a besta’, diziam. Quanto ao contador, seu Baldomero, velho, quase oitenta, já com bisnetos, oferecia a face para o beijo. O diabo eram os rapazes, os moços da companhia. Depois que Glorinha passava, eles cochichavam entre si as obscenidades mais delirantes. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
A menina faz questão que o Doutor Camarinha saiba que não é virgem, fazendo com que ele a examine, como se quisesse que o médico soubesse que ela já havia sido deflorada e ainda por Antônio Carlos, filho dele. A aventura que viveu com Antônio Carlos depois que o conheceu em seu aniversário de 17 anos, e pouco antes que ele morresse, marcou sua vida. Ela ainda o visita no cemitério, principalmente na véspera de seu casamento. Depois de encontrar Camarinha no cemitério, ela revela que teve um caso com o garoto, e por isso ele resolve contar sobre a homossexualidade de Teófilo. O fato de o noivo ter beijado outro homem parece pouco importar à Glorinha, que parece estar pensando em Antônio Carlos. Apesar de sua aparência de moça delicada, Glorinha surpreende o leitor ao apresentar pensamentos considerados “impuros”. Como poderia a menina, logo depois de descobrir que o noivo pode ser homossexual, sentir atração por um português de bigode em um bar qualquer, imaginando todo o seu corpo nu? Este seu pensamento parece se opor totalmente àquela doçura que a menina dispensa a todos, mas neste ponto da narrativa, ela
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parece ter dupla personalidade. Se por um lado é delicada, bela, educadíssima, por outro demonstra desejar novas experiências, principalmente sexuais. Ela relembra a noite em que conheceu Antônio Carlos. Dançou muito com ele, enquanto ele a perguntava sobre sua sexualidade e a convidava para um programa no dia seguinte. No inicio se sentiu enojada com o rapaz, que tinha fama de mulherengo e que havia maltratado muito sua amiga, Maria Inês. Depois aceitou o convite que foi reforçado pela própria Maria Inês, que havia feito as pazes com o menino no fim da noite de festa. Antônio Carlos é um atrevido. Fica furioso quando Glorinha diz que não acredita no caráter dele e ameaça se matar batendo o carro em um poste, o que acaba ocorrendo no dia seguinte. Mas a rebeldia dele assusta e conquista Glorinha, que decide continuar o passeio e acreditar nele. O programa aterroriza Glorinha e Maria Inês, mas as duas meninas agiam como se não tivessem alternativas, a não ser estar ali com Antônio Carlos e Zé Honório enquanto este se vingava do pai. Depois, pressionadas por Antônio Carlos, elas ficam nuas e se beijam na boca. E apesar de terem começado unicamente por insistência do menino, elas continuam até que ele decide começar a beijar e acariciar Glorinha. Ela, que era virgem até então, se rende a um prazer que nunca havia sentido antes, se libertando de nojos que sempre teve, apreciando o ato mesmo com Maria Inês e Zé Honório os observando e falando com eles. Maria Inês tinha pressa e queria ir embora dali, e Zé Honório acabara de matar o pai de desgosto, fazendo-o assistir o coito do filho com outro homem. Ao voltar para o carro, a caminho de suas casas, todos agem como se o que ocorreu na casa de Zé Honório tivesse sido apenas uma ilusão, a não ser pelo fato de que as meninas negam o que fizeram, dizendo que não gostam de mulher e se mostram bravas uma com a outra. Como se o episódio fosse apenas uma escapada não programada de uma moral que as persegue, mas que é impossível de ser aplicada por muito tempo.
- Sua vaquinha! - Vaquinha é... Se ela dissesse – “sua mãe” – o rapaz ia bater-lhe na boca. Mas Glorinha para. Baixa a cabeça: - Talvez eu seja, nem sei. Não entendo mais nada. O que eu fiz hoje. Eu fiz coisas que... Sabe que eu tenho medo de ficar louca. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
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Só mais tarde, a menina volta a pensar no ocorrido mais naturalidade. De certa forma, enquanto sua mente vaga ao encontrar o pai, pensa como uma criança que acaba de aprontar algo que na realidade não teria problema algum.
Glorinha ria, conversava, brincava, como se não tivesse havido nada. ‘Se papai soubesse que eu fiz amor com Maria Inês.’ Sentam-se para o jantar. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Quando Antônio Carlos liga, no dia seguinte, Glorinha não faz questão de falar com ele, diz que nunca gostou do rapaz que não se interessa pelas loucuras dele. Diz também que ele deveria procurar tratamento psiquiátrico, considera um absurdo que o pai do garoto, que é medico, não tenha desconfiado de sua necessidade por um tratamento. Ela segue ignorando o desejo que sentiu por Antônio Carlos, e também o defloramento e a relação que teve com Maria Inês, como se toda a aventura já tivesse perdido a graça e não fosse interessante, sem se lembrar do que ocorrera no dia anterior.
Bateu com o telefone. Passou o resto da manhã lendo ‘A Historia de Carlitos’, que o pai lhe dera. Ainda perguntou a Eudóxia: - Mamãe, a senhora não achou ‘A Historia de Carlitos’ meio chata? O princípio é bom, a infância. Mas, depois, fica sem graça, não é? Lia e não pensava no próprio defloramento. Era como se a deflorada fosse outra e não ela mesma. E também outra a que se entregara a Maria Inês, a língua, a saliva, o ventre de Maria Inês. Depois virara para os pés de Antônio Carlos e os beijara, mordendo o dedo grande. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Quando descobre, por Maria Inês, que Antônio Carlos havia morrido e que havia batido em um poste, a menina não aguenta. Imagina também que se caísse de quatro ficaria com os olhos azuis e é preciso que a mãe, uma criada, vizinhas e o pai corram para acalmála, e estes não entendem o motivo de tanto pesar por um garoto que havia conhecido há apenas dois dias. No necrotério, ela parece ter descoberto um novo mundo. Enquanto a mãe chora por não aguentar observar as reações do Doutor Camarinha e o clima do lugar, Glorinha agora parece tranquila se lembrando da naturalidade da morte que, inevitavelmente, invade a vida de todos nós de uma hora para a outra. Sua reação é, portanto, a mesma que teve
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depois de se aventurar com os outros jovens no dia anterior: depois da euforia, veio uma calma estranha e impossível de se entender. Além da aventura vivida com Antônio Carlos e Maria Inês, um episódio mal contato com o Monsenhor Bernardo deixa dúvidas quanto ao caráter de Glorinha. Coletando os depoimentos do padre e também os da moça, que conta aos amigos e também ao pai que ama alguém que não é homem para ela, temos certeza de que Glorinha teria se despido para oferecer sua virgindade ao padre. A dúvida de Sabino, que reflete sobre este caso em todo momento desde que toma consciência dele, também é outra evidência de que Glorinha teria sido a menina de quem o Monsenhor falava a Sabino.
5.6.5. Sabino Ás vésperas do casamento da filha, Sabino tem cerca de 50 anos. É o diretorpresidente da Imobiliária Santa Teresinha, o negócio que sustenta a família. Dono de um corpo magro e um olhar que é ao mesmo tempo intenso, acariciador e triste, ainda impressiona várias mulheres, por se parecer “um desses pais nobres de Hollywood” (p.6). O personagem apresenta inúmeros traumas e obsessões. Uma delas aparece logo no primeiro capítulo do livro. Sabino tem um obsessivo pudor por ser magro, a ponto de não se despir na frente da mulher e, nesse momento pesaroso do seu dia, coloca-se diante do espelho reparando os traços magros do corpo de do rosto, sua “nudez de Cristo magro”. Ainda imagina que homens magros como ele não podem se dar ao luxo de amar nus ou amar no claro. Um trauma da juventude o levou a casar-se com Maria Eudóxia. Ao ser chamado de “bunda seca” em uma casa de mulheres, ameaça matar um dos seus companheiros e acaba chamando a atenção de uma das prostitutas. Mais tarde, Sabino volta à casa procurando por ela, enquanto pensa no pai com dispneia pré-agônica em seu leito de morte. Mas o nojo que sente não permite que ele consiga ter relações sexuais com a mulher. O asco da prostituta e a imagem do pai o pedindo que fosse um bom homem fizeram-no casar-se com Eudóxia, mulher que não ama. Maria Eudóxia se mostra o tempo todo como mulher que já se dedicou muito ao lar e ao marido. Na condição de mãe da noiva, passa o dia que antecede o casamento, muito ocupada com telefonemas e com assuntos que dizem respeito à filha, algumas vezes perde a cabeça com o marido, chegando a manda-lo “à merda” pela primeira vez em 26 anos.
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Sabino faz questão de seguir uma conduta exemplar com relação à sexualidade por meio de discursos úteis e públicos, moralmente corretos, se preocupando e reprovando a conduta do Doutor Camarinha (médico ginecologista da família), do Monsenhor Bernardo, de Eudóxia, de sua filha Glorinha, e de qualquer outro personagem que apresente conduta moral duvidosa em qualquer ação, seja pequena ou grande. Trata como delicados os assuntos que justificam o enredo, como desejo sexual, homossexualismo masculino e feminino, adultério, castidade, masturbação, celibato, exercício de poder e dominação sexual e incesto; ainda condenada aqueles que fogem à moral sexual imposta como norma, e se deixam se dominar por seus impulsos. Reprime inclusive expressões que considera “ordinárias”, e não permite nem que a mulher diga qualquer coisa na cama, fazendo o ato amoroso sempre em silêncio. No entanto, o homem que se diz e age como se fosse tão correto trai a mulher regularmente há dois anos em um apartamento de uma viúva que aluga justamente para este fim. Cometendo o adultério inclusive com Noêmia, sua secretária que sempre foi tratada com grosserias por ele. Sabino sente-se onipotente, devido ao dinheiro que possui (delira lembrando que tem um bilhão em dinheiro vivo) e ao sentir-se respeitado como é. Sente-se muito bem ao perceber que um novo boy se põe em posição de sentido quando ele se aproxima, além de maltratar Noêmia, deixando claro que não precisa dela, e que ela seria apenas uma empregada sem poder algum sobre ele, caso resolvesse chantageá-lo. Mas quando tem o presente casamento de 5 milhões rejeitado por Teófilo, sente-se a cada minuto mais frágil e mais velho, como se a sua onipotência deixasse aos poucos de existir. No entanto, a moral que o personagem faz questão de seguir não permite que ele tenha qualquer reação além de parabenizar o rapaz pelo gesto, mesmo sentindo que o rosto ardia como se tivesse levado uma bofetada. Transparecia conversar tranquilamente com ele, mas pensava que essa atitude só podia ser de um pederasta e que ele devia saber do cheque e devia ter premeditado uma reação, sem nenhuma sinceridade. Quando Teófilo sai, Sabino tem até a impressão de que o moço teria deixado no ar um cheio de esperma, que teria saído de sua boca de homossexual.
O genro entra, fecha a porta do elevador. Só então Sabino sente um cheiro estranho e retardatário. Aquilo que queria sentir no hálito do genro estava agora no ar, na parede, por toda a parte.
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Volta, lentamente. Só um pederasta rasgaria um cheque de 5 milhões. Exaspera-se. Não estava mais sentindo cheiro nenhum. Queria crer que o olfato pode ter fantasias, alucinações, como qualquer outro sentido. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Apesar de negar às outras filhas e à esposa, Sabino pouco se esforça em seus atos para esconder que o amor pela filha Glorinha é diferente. Ao saber pelo Dr. Camarinha da homossexualidade do genro, admite pela primeira vez na trama que seu amor por Glorinha ultrapassa aquele que dispensa às outras filhas.
-Doutor, o senhor sabe que eu não ligo para dinheiro. Mas compreenda, Dr. Camarinha. Esse casamento é tudo para mim. É minha vida. não pense que Glorinha é minha filha como outra qualquer. Não. Glorinha é outra coisa. Olha, Dr. Camarinha, vou lhe fazer uma confissão. Só gosto de Glorinha. Olha o médico e emenda: - Isto é, gosto também das outras. Claro. São filhas também. Mas gosto mais de Glorinha. Gosto e não adianta mentir. Se acontecesse alguma coisa a Glorinha, eu meteria uma bala na cabeça, na hora. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Sabino é sempre extremamente carinhoso com a filha, que responde com afetos na mesma medida. Os dois agem como se flertassem todas as vezes em que se encontram nas vésperas d”O Casamento” de Glorinha, e esta atitude é tomada com uma naturalidade que indica que a relação dos dois sempre foi assim. O modo como conversam, se acariciam e os pensamentos de Sabino com relação à filha podem, inclusive, levar o leitor a se esquecer que os dois são pai e filha, pois agem como namorados.
Sabino não se lembrava de Noêmia. E tinha medo que Glorinha o estivesse achando carinhoso demais. Mas quem seria a menina que ficara nua para o monsenhor/ ainda agora, com a filha os braços, deslizara a mão pelas suas costas. Se chegasse até às nádegas, e se as acariciasse, qual seria a reação da menina? Imaginou a menina, não como filha, mas como fêmea, fêmea nova. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
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Os últimos capítulos do romance revelam que Sabino é uma pessoa totalmente impulsiva sexualmente, insensível e volátil. Ele demora a aceitar a presença de Silene como demoiselle do casamento. Segundo ele, a menina epilética poderia estragar a cerimônia de Glorinha. Além disso, ele considera um absurdo que ela tenha sido deflorada aos 13 anos, mesmo isso tendo acontecido durante um de seus ataques, sendo o deflorador desconhecido. Mas, para sua surpresa, suas 3 filhas mais velhas o chantageiam porque seus maridos receberam apenas 1 milhão de presente de casamento, enquanto Teófilo poderia ter ganhado 5; elas contam a ele que sabem que quem fez mal à Silene foi Sabino, aquele que mais a julgava. A culpa e a chantagem fazem com que a presença de Silene como demoiselle seja uma exigência de Sabino que, ao se recordar de seu feito, sente-se culpado. Depois de maltratar Noêmia diversas vezes, ele decide demiti-la, pois ela, além de ter sido amante dele, tinha ouvido várias confissões no momento do ato sexual (como ele chamando por Glorinha e contando o episódio em que quando criança teve relações com um menino) e deixa claro que se lembrava de todas elas. No entanto, um súbito desejo o faz voltar a pensar na mulher com uma intensidade crescente. Primeiro, resolve ligar para ela, que ainda o espera no escritório, para se desculpar. Depois, muito drástico, já pensa que ela seria, na verdade, o amor de sua vida. No entanto, essa certeza repentina está baseada no fato de que ele sabia que Noêmia faria tudo por ele, sendo tão submissa quanto fosse possível.
Sabino acha que todo homem precisa ser adorado por alguém. Noêmia era esta adoração. Monsenhor entrou para se despedir. Sabino pensa que Noêmia seria o amor, primeiro e ultimo. Eudóxia não era o amor, não fora o amor. Ao passo que Noêmia seria capaz de beijar-lhe os pés como uma fanática. O encanto do mundo capitalista era a pobre diaba, dependente, mercenária semi-esfomeada. Como Noêmia. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Ao saber da morte de Noêmia, Sabino parece agir com frieza. Como se, novamente, só importasse que o casamento não fosse prejudicado. Na realidade, receber esta noticia quando sonhava tanto com Noêmia o deixou perturbado e em um verdadeiro luto. Ele foi solicito aos policiais que cuidavam do caso e pareceu entrar em um estado de profundo tédio durante a cerimônia. Vez ou outra dizia, sem razão, sem contexto e a qualquer pessoa que Noêmia havia morrido, mas que o importante era o casamento, como se estivesse em
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estado de choque devido ao teor da noticia. Assim que o casamento teve fim, Sabino se dirigiu à delegacia.
5.6.6. O Encontro na Praia deserta O que acontece quando Glorinha e Sabino se encontram na praia é incerto. É como se o narrador parasse, por um minuto, de expor o verdadeiro caráter das personagens, nos privando de saber as verdadeiras intenções de cada um deles. O discurso deixa de ser indireto livre e passa a ser direto. O pai se lembra do casamento da filha como se ela fosse morrer no dia seguinte, chega a imaginar que, entrando no elevador da Imobiliária, ela entraria em um caixão, sendo enterrada no outro dia. Por isso, os dois marcam um ultimo passeio. Neste encontro, Sabino explicita de forma conturbada suas intenções sexuais com a filha. Ainda no escritório, acaricia suas costas, tentando imaginar qual seria sua reação se passasse as mãos pelas suas nádegas (p.203). No caminho, os dois se tocam nos joelhos e flertam, enquanto Sabino lamenta a menina estar noiva, e ela cobra que ele conte todos os seus segredos. Os dois seguem rumo a uma praia deserta, pisam na areia e se sentam. Glorinha diz odiar e mãe e pergunta se o pai a preferia ou preferia Eudóxia. Neste momento, a descrição da cena dá a impressão de que Glorinha dizia odiar Eudóxia, pois ela se deitava com o seu pai. Mas depois, ela conta que a mãe, que dava banho nela há até pouco tempo, um dia a beijou. Ela diz que deseja alguém que não é homem para ela e o pai também diz que ama quem devia ser sagrada para ele. De repente, Sabino agarra a menina e a beija violentamente. Ela corre enquanto ele a observa de trás, culpando a garota por tê-lo seduzido. Analisando a obra como um todo, e não só o trecho em que esta cena é descrita, é possível que levantemos a possibilidade de que Glorinha não pretendia de fato seduzir o pai. A menina chega ao escritório, antes de sair para passear, quando Noêmia e Sabino estão brigando, trancados a chave. Noêmia chora e, quando interrogada por Glorinha se tinha relações extraprofissionais com seu pai, a mulher nega, mas não deixa de dizer que o considera muito mais que um chefe, que o venera. Diante desta dúvida, a menina pergunta ao pai sobre segredos, o levando a uma praia deserta, onde poderia contar somente a ela se teria ou não um caso com sua secretária.
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Além disso, quando menciona um homem que não pode amá-la, refere-se ao Monsenhor Bernardo, para quem se despiu na igreja, sem sucesso. Por este motivo, por gostar do padre, não dava a mínima sobre a sexualidade do seu noivo. Os dois, pai e filha chegam a casa. Toda a família está reunida com vizinhos e amigos, preocupados com Glorinha, que não costuma chegar tarde. Logo que encontra a mãe, a menina se reserva com ela e conta que o pai a levou a uma praia deserta e que tentou violenta-la. A mãe fica sem reação e, mesmo depois de saber do ocorrido, ignora:
- Minha filha, olha aqui. Não quero saber de nada. Sim? Não me conta nada. Deixa sair esse casamento. Depois, a gente conversa, está bem? (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
O fato de a mãe ignorar incesto, assim como Glorinha e, posteriormente, Sabino, é o aspecto da obra que mais revela a hipocrisia das personagens. Diante de todos os acontecimentos abordados, seria normal que todos ficassem abalados e optassem pelo cancelamento do casamento. Mas, ao invés disso, optam por dar continuidade a uma festa caríssima que teria a presença de personalidades importantes na época e a cobertura da mídia. Como se todos resolvessem esquecer seus pecados e insistissem que seguem uma postura moral perfeita, destacando-se na sociedade da época como família perfeita. Sobretudo, a felicidade da filha, que é uma preocupação primária de Sabino no inicio do romance, parece ser rebaixada diante da possibilidade de permanecer com uma falsa moral inabalável. O matrimônio seria mais um relacionamento simbólico, “de fachada”, da época. Visto que é impossível que a família tenha um final feliz verdadeiro depois de tudo o que acaba de ocorrer.
5.6.7. A sexualidade de Sabino Apesar de o personagem apresentar um impulso sexual muito grande, desejando Glorinha e Noêmia muitas vezes e muito intensamente, é possível levantar a tese de que Sabino, na verdade, seja homossexual como Teófilo. Logo no inicio da obra, um flashback mostra as lembranças de Sabino na noite do aniversário de Glorinha, ele parece ter muito pudor quando o médico fala sobre como a pederastia está infiltrada na sociedade. Como se estivesse assustado, Sabino diz que não concorda, recua e fala pouco.
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Enquanto tem relação sexual com Noêmia, ele conta a ela que aos 12 anos fora agarrado por um menino, quando foram tomar banho de rio no Trapicheiro. Sabino fica atônito de prazer, mas depois sente vontade de chorar, se recusando a continuar contando a mulher o fim da história e dizendo que não deveria ter contado.
Fala com a boca na sua orelha: -Uma vez, quando eu era garoto, eu e um menino domos tomar banho juntos. Banho de rio, no Trapicheiro. Eu tinha 12 anos e ele, 14. O menino era mais forte que eu. Tiramos a roupa. E, então, ele me agarrou. Para, atônito, de prazer. Era uma volúpia como nunca sentira. Noêmia deixa passar um momento. Pede, baixinho: -Continua. Sabino tem vontade de chorar: -Não conto mais! Não conto mais! Noêmia não diz nada. Ele repete, na sua obsessão que “ninguém sabe, ninguém sabe”. Não reconhece a própria voz: -Não devia ter contado. Não sei o que deu em mim, não sei. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
Depois, Sabino nega a historia, dizendo que era apenas uma fantasia. É difícil julgar o caso como real ou mentira, mas é inegável que a forma como Sabino conta esse trauma a Noêmia parece revelar uma grande ferida. Se, realmente, não passasse de uma fantasia sexual, seria muito fora dos padrões, pois ainda assim, estaria em evidência o fato de que Sabino tinha se excitado com a possibilidade de um garoto tê-lo agarrado com apenas 12 anos. Um possível prazer por meninos também se mostra quando Sabino acaricia a filha, Glorinha.
Numa angústia que era uma delícia, agarrou-a pelos braços. E disse: -Menininho! Havia entre os dois uma linguagem de diminutivos, mas era a primeira vez em que ele a chamava de “menininho”. Não menininha, não menina, mas menino. (...) Falou: -Você é meu menininho, é? Ergueu o rosto, petulante:
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-Sou. Menininho. Os dois achavam uma doçura cruel nessa troca de sexo. (RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 1966, p.48)
A hipótese de Sabino ser pederasta explicaria também sua obsessão por sentir o cheiro de esperma na boca do genro e, mais tarde, na praia com Glorinha, o aroma parece atacar Sabino e deixa-lo perdido. De fato, a interpretação desses ocorridos é complexa, pois é possível que todas as evidências sejam apenas mais uma fantasia de Sabino, que se mostra durante toda a obra uma pessoa repleta de peculiaridades no que diz respeito à sua sexualidade. No entanto, tratando-se de uma obra áspera como é “O Casamento”, é possível que a suposta homossexualidade de Sabino seja mais uma das brincadeiras de Nelson Rodrigues. Principalmente porque a personagem se mostra preocupadíssima com a sexualidade do genro.
6. Considerações Finais
6.1. Análise do Trabalho Em linhas gerais, é importante salientar, que nosso trabalho buscou focar a obra “O Casamento”, e a partir dela compreender a grandiosidade do trabalho de Nelson Rodrigues. Aliás, tratando-se de tão renomado autor, seria inviável abordarmos todas ou um número razoável de produções, já que isso poderia comprometer o aprofundamento que conseguimos com “O Casamento”. Também destacamos que trabalhar com a presente temática foi satisfatório, na medida em que, mesmo após mais de quatro décadas, ainda identificamos traços, na atual sociedade, de conservadorismo e hipocrisia, principalmente em questões como a legalização da maconha e do aborto, a união e o casamento homossexual, entre outros, sem questionar o mérito, mas apenas a necessidade do debate. Além do mais, foi gratificante aprofundar o contato com o trabalho de um autor extremamente irreverente, disposto a provocar o leitor com sua linguagem, criticar a hipocrisia social e mesmo assim construir um enredo atraente e envolvente, pouco presente nos dias de hoje.
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6.2. Conclusões Apenas reforçando o que já foi abordado, após a leitura de “O Casamento”, conclui-se que, definitivamente, ainda é possível identificar, nos dias atuais, estruturas semelhantes, guardadas as proporções, dentro da sociedade, na medida em que ainda existem grupos sociais preocupados com as aparências. O conteúdo é livre e oportuno e o entendimento do mesmo por parte do leitor é mais livre ainda, provocando o que chamamos ao longo do trabalho de desconforto. Também é possível afirmar que, com extrema habilidade, Nelson Rodrigues não apenas narra uma bem construída trama, mas é capaz de em pleno século XX desafiar a todos e apresentar o erótico e o subversivo, mostrando como uma aparente família acima de qualquer suspeita pode desfrutar-se da perversão sexual, do homossexualismo, do adultério e do incesto.
6.3. Dificuldades no Processo A construção dos estudos a cerca de “O Casamento” de Nelson Rodrigues provocaram ao longo do processo algumas dificuldades. A primeira encontrada, mais curiosa do que realmente temática, se deve a ausência do livro para ser adquirido nas principais livrarias. Na sequência, com o início da pesquisa, também se observou a escassez de material amplo e aprofundado a respeito da obra. Aliás, também como fato curioso, sequer resumos ou resenhas foram encontradas nos sites que normalmente são referência. Tais dificuldades, entretanto, foram superadas com a busca de materiais alternativos, como livros e entrevistas sobre o autor. Outra dificuldade observada foi nos caminhos escolhidos por Nelson ao longo da trama, para criar algo, ou mesmo para que o leitor fizesse sua interpretação. Com essa tática, alguns fatos da história não foram esclarecidos, e desta forma, a construção final estaria a cargo do leitor, que, por outro lado, encontra evidências espalhadas pelos capítulos que contribuem para determinada percepção. Por fim, o próprio tom polêmico de Nelson Rodrigues dificultou, algumas vezes, a contextualização de sua crítica. A opção pelo discurso indireto livre também exigiu atenção a todo o momento. Contudo, o grupo deteve comprometimento e conseguiu superar as dificuldades, trabalhando em equipe e chegando à reta final da produção satisfeito com o resultado obtido, com a certeza de missão cumprida.
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7. Bibliografia RODRIGUES, Nelson. “O Casamento”. 5ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. CASTRO, Ruy. Anjo Pornográfico. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. DANTAS, Nilton Cesar. Nelson Rodrigues e o espaço erótico no romance “O Casamento”. Ribeirão Preto, 2009. ARAUJO, Viviane Soares Fialho de. Relações de amor e de gênero em Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: UFRJ. Rodrigues, Nelson. Enciclopédia Itaú Cultural. Consultado na INTERNET em 28 de outubro de 2012. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=814 ALMEIDA, Rosana. “O Casamento”. Consultado na INTERNET em 28 de outubro de 2012. http://www.gazetainsonia.com/visualizar.php?idt=1376180 FRANCO, Marcella; SANTOS, Valmir. Nelson Rodrigues, o Eterno. Consultado na INTERNET em 02 de novembro de 2012. http://bravonline.abril.com.br/materia/nelsonrodrigues-o-eterno#image=173-td-nelson-1 BRANDÃO, Anderson Figuerêdo. Nelson Rodrigues: o gênio reacionário. Belford Roxo – RJ: UNIABEU, 2010. CLAUDIO, Ivan. Nelson Rodrigues, humorista. Consultado na INTERNET em 02 de novembro de 2012. http://www.istoe.com.br/reportagens/26231_NELSON+RODRIGUES+HUMORISTA Nogueira, Arnaldo. Nelson Rodrigues. Consultado na INTERNET em 02 de novembro de 2012. http://www.releituras.com/nelsonr_bio.asp
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9. Anexos
9.1. Pinga-fogo em O Cruzeiro Seção “Arquivos Implacáveis” de João Condé, em “O Cruzeiro”, janeiro de 1956. Nelson respondeu sobre o que gostava e o que não gostava.
Na coluna “gosto” escreveu:
Na coluna “detesto”, respondeu:
1. Minhas peças
1. Luar
2. Cigarro ordinário
2. Chicória
3. Música barata
3. Cumprimento
4. Criança desdentada
4. Varizes
5. Fluminense
5. Teatro dos outros
6. Filme de diligência
6. Samba
7. Mulher bonita e burra
7. Trabalho
8. Dramalhão
8. Psicanalista
9. Visitar cemitério
9. Sujeito inteligente
10. Estar só
10. Qualquer político
(CASTRO, Ruy, 1992, p.292)
9.2. Enquete na Manchete Em 1957, Nelson respondeu a uma enquete de “Manchete” a respeito da ‘mulher ideal’.
- Que tipo de mulher você prefere? A leitora de ‘Grande Hotel’ (Uma revista de fotonovelas). - O que nota numa mulher à primeira vista? A alma. - Qual a linha da moda feminina que mais aprecia? Não acredito em moda. - Que pensa dos perfumes na mulher? Prefiro o cheiro específico, nato, que cada mulher tem. - Qual a importância do físico numa mulher? Não me ocorre nenhuma vontade interessante. - Qual a qualidade que mais aprecia em uma mulher? A ignorância. - Qual o defeito que mais condena nela? Qualquer veleidade intelectual.
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- Tem necessidade de uma mulher ao seu lado? Sim. - Acredita na diferença intelectual entre os sexos? A mulher nunca precisa de inteligência. - Nos seus bate-papos diários depois do trabalho, prefere a presença dos homens ou das mulheres? Acho o homem extremamente desagradável. - Qual a fase que mais aprecia nas relações com a mulher: namorada, noiva, amiguinha ou ‘caso’? Sou admirador da namorada. - Considera que a mulher tem que ser uma boa dona-de-casa? Considero que a mulher só tem que ser dona - de - casa. - Acha que numa mulher não se deve bater nem com uma rosa? Questão de gosto.
(CASTRO, Ruy, 1992, p.294)
9.3. Entrevista ao Jornal Nacional Entrevista ao Jornal Nacional, com Cid Moreira e a repórter Teresa Cristina Rodrigues (filha de Augusto Rodrigues e prima de Nelson em segundo grau) sobre o processo de anistia de Nelsinho, preso há sete anos.
- Qual sua relação com seu filho hoje? Muita gente pensa e deseja que meu filho esteja brigado comigo. Nunca nos amamos tanto como agora.
- Existe uma contradição entre o Nelson Rodrigues pai - esmeradíssimo, sempre presente, apoiando o filho - e o Nelson Rodrigues escritor, autor, que é anticomunista, contrário às ideias do filho? Sou anticomunista. É preciso que o telespectador ouça isso. Sou democrata. Mas o sujeito não pode dizer ‘sou democrata’ sem o ridículo, inevitável, porque falar em democracia hoje, em qualquer lugar do mundo, fica engraçado. Porque você pega o comunista, ele se diz democrata tranquilamente, desafiando o teto que devia cair em cima dele.
- Como pai, você nunca se esquece de que é um cidadão brasileiro com ideias políticas tão definidas? Eu sou a favor da liberdade, como meu filho- que também é a favor da liberdade. Nós
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estamos de acordo em muitas coisas. Não estamos em outras. Mas isso não modifica nossa relação profunda. Eu talvez não sentisse tanto a condição de pai como agora, com tudo o que aconteceu e ninguém podendo fazer nada.
Como você explica que seu filho Nelsinho - vivendo com você, no seu mundo de ideias - tenha chegado a ideias tão opostas às suas? Sou a favor da liberdade. Acho a liberdade mais importante do que o pão. E ele também acredita na liberdade - só acredita na liberdade. Eu acho que ele tem incompatibilidades seríssimas com as ideias que os fizeram entrar na luta. Imagine o amigo comunista que fala em liberdade num país como a Rússia, em que o sujeito é internado num hospício, é amarrado num pé de mesa, de quatro, com um cuida de queijo Palmira. E os caras vêm falar de liberdade! É uma das piadas mais horrendas.
- A educação que você deu aos filhos - Nelsinho e Joffre - teria sido repressiva? Nunca na minha vida dei um cascudo nos meus filhos. Sou rigorosamente contra a pancada na educação. E a tortura é a suprema infâmia. A infâmia jamais concebida.
- Você acredita que o presidente Médici não sabia das torturas que estavam acontecendo naquele período? É como o diretor do jornal: a notícia escapa inteiramente à sua vigilância e ao seu controle. Numa imensa nação acontecem horrores. É uma ingenuidade atroz o sujeito pensar que o presidente sabe tudo, quando tem gente cujo trabalho é evitar que o presidente saiba de certas coisas.
- Como você se sentiu, como pai, ao saber que seu filho tinha sido torturado? Foi um choque tremendo.
- Você se sentiu impotente? Claro. O que eu poderia fazer? Você queria que eu brigasse com o tanque? Saísse no braço com o tanque? Eu era o sujeito mais impotente. Eu era um beija-flor.
(CASTRO, Ruy, 1992, págs.405 e 406)
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