Palau Literatura e Artes é uma produção dos alunos do 2º termo do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação da UNESP Bauru, da disciplina Técnica Redacional II – Impresso. Docente Responsável: João Eduardo Hidalgo Diagramador Responsável: Henrique Cézar
Assistentes: Paulo Beraldo e Julia Bacelar Repórteres integrantes do curso noturno: Aline Antunes, Higor Boconcelo, Camila Valente, Beatriz Vital, Danielle Demarchi, Laís Bianquini, Diego Gomes, Tiago Pavini, Giovana Cornélio, Isabela Hollouka, Guilherme Costa Fabiane Carrijo, Heloisa Kennerly, Isabela Giordan, Jorge
Salhani, João Pedro Ferreira, Henrique Cézar, Mauricio Daniel, Isabela Ribeiro, Thales Valeriani, João Victor Belline, Pedro Cardoso, Rafael Rodrigues, Vitor Augusto, Willy Delvalle e Letícia Ferreira. Repórteres integrantes do curso diurno: Agnes Sofia, Amanda Moura e Giovanna Hespanhol, Bianca Arantes e Tatiane de Sousa, Heloíse
Montini, Keytyane Medeiros, Isabela Romitelli e Nathália Silva, Maria Esther Castedo Valdiviezo, Mariana Spada, Caroline Braga de Lima e Moema Novais Costa, LÍGIA M. OLIVEIRA, Gabriela Lima e Mariana Caires, Victor Francisco Rezende e William de Moura Mariano Orima. Foto de Capa: João Eduardo Hidalgo
Destaques da edição Uma edição especial sobre artes, cultura, música e literatura
04 -UM ESPECIALISTA 06 - Tiê?.....tá EM BIOGRAFIAS
08 - “Noite mal dormida” 10 - São Paulo: terra da garoa, arte e ciência 12 - Os novos sucessos da Literatura Nacional 2 | Palau | Dezembro 2012
34 - Materialização da poesia de Manoel de Barros
36 - Jornalismo, apuros e rock n’ roll 14 - Os caminhos e os percalços do rock’n roll 16 - Redes Sociais: espelho da 38 - “Quem me dera pelo menos um momento juntar todo sofrihumanidade mento pra botar nesse chorin18 - Semeando Películas ho” 20 - Quem disse que Naumteria? 40 - Independência e rima, rima e independência 22 - Mito do Herói indígena
42 - Entre música e teatro 24 - SESC Bauru faz homenagem 44 - O sertão agora é tecnoa poeta Manoel de Barros logia 26 - Fotografia, pra que te quero?
46 - UM NOVO OLHAR À MOSTRA
28 - The show must go on
48 - “ Só a bailarina que não tem...”
30 - Bate papo sobre colagem 32 - Arte da esperança
50 - “A PIOR FORMA DA SOLIDÃO É A COMPANHIA DE UM PAULISTA” Dezembro 2012 | Palau | 3
entrevista MARCOS EDUARDO NEVES
UM ESPECIALISTA EM BIOGRAFIAS Marcos Eduardo Neves resgata um dos grandes figurões do Rio de Janeiro dos anos 40, o jogador-advogado Heleno de Freitas Por João Victor Beline O ídolo dos marmanjos, o herói de qualquer garoto e, ao mesmo tempo, o galã que toda jovem queria que a cortejasse. Mas, em plenos anos 40, namorar um jogador? Justificativa para mãe matar a filha, mas se fosse aquele, a mãe é que morreria, e de inveja. Homem estudado, formado em advocacia, de boa família, boêmio, irritadiço, boa vida, mas acima de tudo, craque de bola. Ímpar. Esse foi Heleno de Freitas, um dos maiores jogadores da história do Botafogo. O livro ‘Nunca Houve Um Homem Como Heleno’, da editora Zahar, retrata a vida intensa dele. De ídolo dos gramados, passando pela vida na alta sociedade, os diversos casos com mulheres, e o vício em cigarros, éter e lança perfume, até o fim da vida, sofrendo de sífilis e, consumido pela doença, morrendo em um sanatório. O autor Marcos Eduardo Neves é o responsável pelo desenvolvimento da fascinante história desse craqueproblema. Marcos tem 13 anos de jornalismo, com passagens por ‘Jornal do Brasil’, ‘Trip’, ‘Lola’ e ‘Placar’, entre outros, e 10 de literatura. Além desta obra, ele escreveu ‘Anjo ou Demônio – A Polêmica Trajetória de Renato Gaúcho’ (Gryphus, 2002); ‘O Maquinista – Francisco Horta e Sua Inesquecível Máquina Tricolor’ (Manaaim, 2009) e ‘Vendedor de Sonhos – A Vida e Obra de Roberto Medina’ (Melhoramentos, 2006). Marcos é também acadêmico da Academia Brasileira de Medalhística Militar e da Academia Brasileira de Literatura. BELLINE: Como surgiu o interesse pelo Heleno? MEN: Eu não sabia nada sobre o Heleno de Freitas. Tudo que eu sabia, como cara que gosta de futebol, é que o Heleno foi um craque do Botafogo, que jogou pela Seleção, fez 14 gols em 18 jogos, e morreu num manicômio. Era tudo que eu sabia. Aí, quando eu escrevi minha primeira biografia, sobre o Renato Gaúcho, eu pedi pra fazer o prefácio um jornalista, que morreu até agora recentemente, chamado Luiz Mendes. No prefácio, ele escreveu assim ‘Depois desse trabalho tão bem feito, quem sabe o Marcos escreve sobre o Heleno de Freitas, que foi meu contemporâneo, que eu vi’. E eu fiquei com aquilo na cabeça, Heleno de Freitas. Aí eu entrei no Google, coloquei ‘Heleno de Freitas’, vi que ele era do Clube dos Cafajestes, que ele era um galã, que ele era mulherengo, que ele morreu num manicômio, que ele era formado em direito. Aí eu comecei a ficar apaixonado porque o personagem 4 | Palau | Dezembro 2012
era muito denso, falei ‘Caramba, como ninguém escreveu sobre esse cara antes?’. BELLINE: E como foi o processo para reconstruir esse jogador e também o cenário? MEN: Para reconstruir o Heleno, eu co-
mecei na Biblioteca Nacional. Ela tem todos os jornais e revistas de todos os tempos, então eu fui pesquisar a carreira dele. A carreira dele foi de 1939 a 1951. Então você pegando, por exemplo, um ‘Jornal dos Esportes’ dia após dia, vai vendo o que ele fazia nos treinos, aí vinha a véspera de um clássico
e tinha uma matéria sobre a infância dele, quem era ele. Então, eu fui juntando dados através de vários jornais e revistas, pra depois buscar parentes e amigos dele, fãs que torciam por ele, pessoas que conviveram, mulheres que sonhavam com ele e, a partir daí, ver o que casava com o que eu sabia.
de 46. Eu acho que, naquele tempo, o jogador com 29, 30 anos já era velho. O Ademir estava no auge e ali, em 50, ao contrário de 46, o centroavante era o Ademir. Tem todo esse folclore de que, com o Heleno em campo, o Varela não ia dar tapa nos caras, o Heleno ia criar uma confusão, não ia ter volta olímpica, e isso pode até ser. Eu acho que a Copa era do Zizinho, ele ia ser o craque. Como Bebeto e Romário, em 94, a Copa foi do Romário, mas o Bebeto jogou muito. O Heleno poderia ser assim, um coadjuvante principal.
Daí, eu consegui reconstruir o Heleno. Quanto ao Rio de Janeiro, eu fiz a mesma coisa. Quando eu pegava um ‘Jornal do Brasil’, por exemplo, eu não me limitava a ir à parte de esportes, eu pegava uma coluna social, um caderno de política, e aí descobria o que é que estava acontecendo na conjuntura nacional, era época de guerra, na parte social, foi fundado o Copacabana Palace. Aí, a partir dos anos, eu fui criando, construindo o Rio de Janeiro, um Rio de Janeiro glamoroso que não volta mais, e reconstruindo a trajetória do Heleno. BELLINE: Sobre as pessoas, alguma foi muito especial nessa reconstrução? MEN: Em especial, teve o próprio Luiz Mendes, que cobriu a estreia do Heleno do Boca Juniors, e o Mazinho de Oliveira, que era do Clube dos Cafajestes. Em especial acho que esses dois, foram duas pessoas que me deram um cenário do Rio de Janeiro, um cenário futebolístico, que foram importantíssimos. BELLINE: Você acha que trabalhar com essa época romântica do futebol, que por mais que existam relatos, muitas vezes não se tem foto, ou mesmo vídeo, mistifica, cria um ídolo? MEN: Eu acho que sim porque, até hoje a gente vai falar sobre Zizinho, sobre Leônidas da Silva, sobre Heleno de Freitas, sobre Friedenreich, sobre Domingos da Guia, sem ver. Então, se surge um zagueiro, como o Dedé, do Vasco, por exemplo, que o pessoal chama de mito, e ele falha, todo mundo vê, e o Domingos da Guia não falhou. Então, eu acho que por não ver, você
não vê o erro, fica só com o sonho, então cria, sim, uma aura de santidade pra certos jogadores. Por exemplo, Zizinho era o ídolo do Pelé. Basta, não precisa mais. Dida era o ídolo do Zico. Quem viu o Zico já basta pra imaginar o que era o Dida. Agora, quem viu, vai poder contrastar. Muitos, por exemplo, que viram o Tostão, que era um grande craque, disseram que o Romário era melhor do que ele. Então, quem não vê cria essa aura de intocável. BELLINE: Eu pensei, pelo lado da importância do jogador, que o Heleno vem entre o Leônidas, figura muito marcante pela bicicleta e tudo o mais, e o Garrincha. O Heleno é das maiores figuras da caminhada do futebol brasileiro? MEN: O problema do Heleno é que ele não teve a chance de disputar a Copa do Mundo. Você falou do Leônidas, ele foi terceiro colocado e artilheiro da Copa de 38, Garrincha foi campeão e melhor jogador do mundo em 62. O destino foi tão cruel com o Heleno enquanto pessoa como profissional, pois ele não teve duas Copas. Em 42, ele teria 22 anos, em 46 ele estava com 26 anos, no auge, tininho, voando, tinha sido artilheiro do carioca... Ele podia nem ter sido campeão, mas se ele fosse artilheiro da Copa do Mundo, hoje em dia lá na Bulgária, um filho perguntaria pra um pai quem é o Heleno artilheiro de 46. Então, ele seria muito maior do que é.
BELLINE: O livro parece acompanhar a saúde do Heleno, começa de um jeito descontraído, gosto de se ler, e o final parece até doloroso, difícil de virar a página. MEN: Vou te contar uma história. Um amigo meu que é flamenguista, daqueles que só vê o Flamengo, comprou o livro, mais pra me prestigiar, só que eu sabia que o cara gostava de literatura. Então eu falei ‘Cara, por favor, dá um lida nesse livro’. Depois de três dias ele me ligou e falou ‘Marquinho, tô parando de ler o seu livro, estou sendo sincero, me desculpa’. Perguntei o porquê e ele disse ‘Porque esse Heleno é um escroto, metido, é Botafogo pra caramba, tá me dando nojo, se acha maior do que qualquer coisa. Eu não aguento mais esse Heleno!’. Eu pedi pra ele ler até o final e me dizer o que ele achava. Então, ele disse que só leria porque era muito meu amigo. Demorou mais uns oito dias e ele me ligou ‘Terminei o livro. Cara, você acredita que eu morri de pena daquele filho da mãe?’. Então acho que é isso que o livro dá. Você começa, ou vo-cê ama, ou você odeia o Heleno, mas você, no final, vai sentir pena dele. Você começa sorrindo e termina chorando, acho que isso é o legal do livro, não é um negócio linear. BELLINE: O Heleno, por mais que existam esses documentos, é uma figura distante. Você acha que o livro acaba tomando um caráter de ‘quase verdade’? MEN: Eu acho que o meu livro não é a minha visão, é o que eu apurei bastan-
te pra chegar à verdade. Se eu fizesse um ensaio sobre o Heleno eu, talvez, não fosse à Biblioteca e ia falar o que eu pensava de um sujeito letrado que se mete a jogador, e aí seria uma visão. Mas eu procurei não ter nem paixão e nem ódio, eu não procurei alegrar os parentes dele, eu botei coisas que os parentes não queriam que eu colocasse, que ele comia papel higiênico usado dos outros enfermos. Eu acho que eu cheguei ao que era o Heleno. Ao que o Heleno pensava eu não posso chegar, pois eu não o entrevistei, mas eu considero essa biografia muito séria. Hoje tem um grupo de neurocientistas na Suíça que pegaram o livro, traduziram, pra estudar que caso era o Heleno, se era psicose maníaca depressiva, o que era, pois eles acharam a história fascinante. Então acho que o meu livro é isso. O meu livro não diz que ele era um bipolar, aí sim é a minha visão, pois num dia ele te tratava bem, no outro te mandava à merda. Então, eu não sei o que é a verdade, mas eu dou todos os mecanismos para que as pessoas investiguem. BELLINE: Tem alguma história que mais te marcou do Heleno, ou que você acha que o retrata muito bem? MEN: Eu acho que é o início do livro. A parte de quando ele vai jogar contra o Fluminense nas Laranjeiras, e tinha o filme com a Rita Hayworth, ‘Gilda’, e todo mundo começa a chama-lo de Gilda, que a personagem da Rita era glamorosa, temperamental, milionária, bonita. Ele sai de si, baixa o calção, mostra o pênis pras sociais das Laranjeiras, meninas de família, aqueles caras de chapéu, gravata. Hoje em dia, se um jogador faz isso, é CNN pro mundo inteiro. Imagina isso em 1947, quarenta anos atrás. Então, é o sinal de loucura que, pelo Heleno ser temperamental, acharam que era só mais uma, que ele estava se excedendo. Acho que esse início do livro é a parte que ficou mais gritante que tinha ali um doente, que precisava de tratamento, e ninguém percebeu, porque era mais uma do Heleno.
BELLINE: Você acha que a Copa de 50 seria a dele, mesmo ele estando em decadência? Se ele ganhasse, veríamos a Heleno como Garrincha ou Pelé? MEN: Sinceramente, a copa dele era a Dezembro 2012 | Palau | 5
música
Tiê?.....tá
Fotos Isabela Ribeiro
Por Rafael Rodrigues da Silva “Ai Nóia, vamo comigo! Eu tenho medo de ir sozinha!” Essa é a grande merda de quando se cresce lendo histórias de super-heróis: você simplesmente não consegue dizer não a um rostinho bonito ou uma donzela pedindo socorro. Ainda mais ambos. Então, desse jeito tão bisonh – amente sem graça – o que eu saí de casa para ir em mais uma aula de enrolação e lero-lero na faculdade e acabei no show da Tiê no Sesc-Bauru. Que eu só conhecia de nome. O triste é pensar que essa nem é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece comigo. Local de encontro: ponto de ônibus perto do Tio Guerreiro. Bem na frente da faculdade, a pouco mais de 200 metros da sala que supostamente deveria estar caso não achasse tão simples e vantajosa a ideia de matar aula. Para ir num show! Quem poderia me culpar? Afinal, um verdadeiro jornalista deve estar por aí, solto no mundo, presente onde as coisas realmente acontecem, para ver, ouvir, cheirar, sentir os acontecimentos e relatá-los para o mundo! Ou, pelo menos, era isso que eu dizia para tentar me enganar. O fato é que eu sou preguiçoso e já matei aula por muito menos. MUITO menos mesmo. E, mais ou menos no horário combinado, eis que surge uma Isabela correndo pelo campus em direção ao ponto – ou Gonzo, como preferir. Não que eu consiga imaginar ela fazendo um jornalismo gonzo – ela não é covarde o suficiente pra isso – mas apelidos são coisas que te pegam, principalmente quando não combinam com você. Mais ou menos como o casamento. “Hey! Não precisa correr tanto! O ônibus ainda nem chegou!” “É que eu fiquei com medo que você já tivesse ido embora! Vem, minha mãe vai levar a gente.” Medo que eu fosse embora... eu só tava lá por causa dela! Mas dá pra (não) entender – afinal, cada um tem um medo mais estranho que o outro. Uns tem medo de aranha, outros de altura, alguns de agulha...e tem aqueles que tem medo de socializar com as pessoas e resolvem virar jornalistas e fazer justamente isso pro resto de suas vidas. Então, dá pra (não) entender. Mas, sem trocar muitas palavras, fomos para o carro e conheci a mãe dela. Não colocarei o nome nesse texto por uma questão de privacidade – e, lógico, não porque sou horrível com nomes e já tinha me esquecido de como ela se chamava nem cinco 6 | Palau | Dezembro 2012
segundos depois de sermos apresentados. É estranho conhecer a mãe de alguém – pra dizer o mínimo. O pai tudo bem, você sempre pode cumprimentar, fazer alguma piada ruim do tipo “sabe quando um advogado está mentindo? Os lábios dele estão se mexendo”, falar mal do Corinthians e se despedir combinando de tomar uma cerveja a qualquer hora – a não ser que o pai e-m questão seja o da sua namorada, onde no caso quanto mais tempo ele achar que você é uma pessoa séria e não um bêbado degenerado sem futuro que irá levar a filha dele pro “mal caminho”, melhor. Mas a mãe é sempre complicado. Nunca se sabe o que falar depois do “oi”, ou mesmo se deve falar qualquer coisa. O costume é responder sempre com algo monossilábico; oi, sim, aham. Mesmo as risadas são curtas, breves, como se houvesse uma culpa secreta em rir da piada. Acredito que não sou só eu que sempre que é apresentado à mãe de alguém se sente como um soldato que acabou de entrar na máfia sendo apresentado ao vizinho policial federal – não sabe se ri, chora, cumprimenta, sai correndo e na dúvida fica parado com aquela cara de bobo sem expressão repetindo um mantra mental de merda!merda!merda!mera!será que ele sabe quem eu sou e veio aqui me prender?merda!merda!merda!merda! ou algo do tipo.
Pelo menos eu espero que não seja o único a me sentir desse jeito. Já tenho problemas sociais demais pra descobrir mais um nessa altura do campeonato. Bem, mas lá estávamos os três: mãe, filha e eu. Num carro. De duas portas. Então, mesmo que eu achasse uma opção viável pular na calçada de um veículo em movimento constante de aproximadamente 60 km/h, aquela era uma opção inexistente, já que estava no banco de trás. “Mãe, você acha que eu devo levar a mochila ou só a bolsa da câmara?” “Câmara filha? CÂMARA?” “É mãe, câmara. Então, o que você acha melhor?” “Tanto faz.” “Mas daí se eu levar a blusa eu vou ter que ficar com ela pendurada na cintura...” “E?” “Aí mãe, pára! Que que o Nóia vai pensar te vendo falando assim?” “Que ela é divertida?” Risadas. Sem culpa. Uma mãe troll, quem diria? Gostei dela. Chegamos no SESC cerca de uma hora antes do show. Apesar disso, o espaço em frente ao palco já estava lotado, e não parava de chegar mais gente. Será que ela é tão famosa assim e só eu nunca ouvi falar dela? Conversando com a Isa, descubro que a música dela toca “na novela das seis...ou
das sete...não sei...a que tem a empreguete.” Aaaaaaaahhhhhh tá! Eu ainda tô boiando e não entendendo nada, mas tudo bem. Enquanto eu boio, a Isa trabalha. Anda pelo lugar, gravando a galera conversando e se amontoando em torno ao palco. E eu fico ali perdido, meio isolado da multidão, fazendo o que faço de melhor: encostar numa parede e ficar com cara de poucos amigos. Ela então volta, e me pede pra acompanhá-la até o lado de fora, pois queria gravar o caminho da entrada até o palco e não queria parecer uma louca andando perdida com a câmera na mão. Fazendo nada mesmo, a acompanho, e então somos dois loucos andando perdidos com a câmera na mão. Eu pergunto se não seria legal ela colher alguns depoimentos da galera, falando de como conheceram a cantora e o que esperam do show e tal. E aí ela me fala que tem vergonha. Você não precisa conhecer muito a Isa pra saber que, mais do que os longos cachos de seu cabelo ou seu belo sorriso, o que chama mais a atenção é a personalidade extrovertida, sempre falante, sorridente, pulando e correndo e gritando numa animação tão grande que às vezes parece até que se encheu de cocaína antes de ir pra aula. Então quando alguém tão extrovertida – e ainda por cima com experiência em documentários – me fala
que tem vergonha de chegar e falar com as pessoas... “Vem comigo” Num discurso dado para uma turma de formandos de arte no primeiro semestre desse ano, o escritor Neil Gaiman disse que, se você não se sente capaz de fazer algo, finja que é alguém que é capaz daquilo, e então aja como essa pessoa agiria. É um método estranho – principalmente porque funciona. E então, lá fui pro meio das pessoas, puxando a Isa por um dos braços, fingindo que era uma pessoa sociável e simpática. O que a gente não faz por essas mulheres... “Com licença. Perdão por estar atrapalhando a conversa de vocês, mas eu estou aqui fazendo um documentário sobre o show da Tiê, e gostaria de saber se vocês não poderiam falar do que acham dela e das expectativas para o show. Não precisa ser muita coisa, pode ser bem breve.” E, de repente, eu tinha saído da condição de mero curioso para diretor de documentário. Uma verdadeira ascensão meteórica na carreira. Principalmente por ser sobre um assunto que eu não conhecia nada, e tendo que enrolar nas perguntas pra que as pessoas não percebessem que estava totalmente perdido. O triste é que essa não era nem a primeira vez que isso me acontecia. E lá fomos nós pro meio do povo: eu abrindo caminho com porfavores e conlicenças, a Isa espalhando rodinhas de alternativos, indies, kitchs e cults cada vez que apontava a câmera para alguém. E as perguntas se seguiam: o que esperam do show? Onde vocês conheceram a Tiê? Acha que ela é uma boa mudança no panorama da MPB? E as respostas se seguiam: não sei. Não conheço ela. Vim aqui porque um amigo meu falou que é legal/porque vi falando bem no jornal/porque as pessoas falam bem na internet. De umas dez pessoas entrevistadas, apenas duas realmente conheciam a cantora. E uma delas tinha vindo de Botucatu apenas para ver o show! Incrível como as pessoas vão em eventos de artistas que elas não conhecem apenas porque ouviram alguém falar, ou porque o amigo vai. Mas quem sou eu para julgar? Eu também estava lá, e teoricamente dirigindo um documentário sobre o assunto... Ah, o nome da menina (era uma menina? Acho que era) que veio de Botucatu? Sei à. Nem perguntei. Não é porque eu finjo que sou um jornalista que magicamente me tornarei um jornalista competente. E daí veio aquela coisa que todo jornalista incompetente teme: a organização do evento. Depois que já tínhamos entrevistado várias pessoas, chega alguém do SESC e nos pergunta se temos permissão para colher as imagens. Não tínhamos – precisava permissão? Ele então nos pede pra falar com o Sammit – ou algo do tipo, o nome do cara era tão estranho que depois do terceiro hã? a gente simplesmente balançou a cabeça concordando e procuramos a pessoa que ele apontava – que era o responsável pelo
show. E lá fomos então falar com o tal. “De novo isso...olha, é não. Já falei com o pessoal do site várias vezes que a gente libera numa boa, é só entrar em contato com antecedência que a gente concede credencial fácil. Só que enquanto esse povo trabalhar com tudo em cima da hora a gente vai continuar negando. Pô, o show tá anunciado a mais de um mês! Dava pra ter mandado um e-mail pelo menos.” E então nos deparamos novamente com a 83,5a Lei de Newton – incompetência atrai incompetência, ou algo assim. Parece que não era só a gente que não fazia as coisas direito – o editor da Isa também. E não pela primeira vez. Então era isso. A gente desligava a câmera, via o show e ia embora, certo? Bem, não exatamente. Posso ser incompetente, mas ninguém pode me chamar de covarde (tá, tudo bem, de vez em quando – quase sempre – pode). Afinal, estávamos lá – uso o plural, mas na verdade apenas a Isa tava lá pra isso – cobrir o evento, gravar vídeos, tirar fotos e fazer o trabalho jornalístico de rotina, e era isso que iríamos – leia-se ela iria – fazer! Então, fizemos aquilo que se esperava que fizéssemos: nos embrenhamos no meio do povo, ela com a câmera na mão, filmando e tirando fotos como se nada tivesse acontecido, e eu logo atrás, na bituca, carregando a bolsa e de olho pra ver se ninguém da produção do evento se aproximava, para puxá-la pelo braço e levá-la sorrateiramente para algum outro ponto escondido. O triste é que essa também não era a primeira vez que eu fazia algo do tipo. E então, até o final do show, fui destituído de minha posição de diretor para virar segurança e contraregra. Essa carreira artística-jornalística
é mesmo uma verdadeira montanharussa... E o show? O show seguiu. Ela tocou umas músicas lá, o pessoal aplaudiu, nada muito fora do normal. Já o pós show... A gente já tava saindo do lugar quando o cara de nome esquisito parou na nossa frente e pediu pra ver a câmera. Num tom intimidatório, ele disse que percebeu que a gente tava filmando, apesar dele não nos ter concedido permissão, e que só sairíamos do local caso deixássemos ele apagar todas as imagens e vídeos da câmera. A Isa empalideceu, e ficou segurando a bolsa da câmera contra o peito, enquanto ele puxava a alça tentando tomá-la à força. Então, num movimento automático e sem pensar, aproveitei um momento de descuido e dei uma bela bica no saco do sujeito – e, como estava calçando botas, deve ter doído pra caralho (pra caralho, hã? Entenderam?). Então, antes que ele pudesse chamar ajuda, peguei a Isa pelo braço
e saímos correndo, subindo as escadas que davam para a rua e quase derrubando algumas pessoas que também subiam por ela. Corremos como dois esportistas natos, e não como os jovens preguiçosos e sedentários que somos, e só paramos umas duas esquinas pra frente, encostando num muro e bufando sem ar, olhando ao redor para ter certeza que não estávamos sendo seguidos. ...também não foi nada demais. Essa a parte aí de cima é a história que eu gostaria de poder contar pra vocês, mas a verdade é que ninguém nem mesmo se importou da gente ter gravado quase que o show inteiro, e não fizeram nenhum tipo de tentativa de nos impedir de sair. Mas uma coisa é verdade: não vou perder tempo falando do show aqui. O show pouco me interessa. O fato é que eu nem prestei atenção direito no show, e voltei pra casa com a mesma impressão que tinha quando cheguei. Quem é Tiê? Ela fez uma música pra novela? Ah tá...
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parâmetros do “NEW JOURNALISM”
“Noite mal dormida” Vitor Augusto Rodrigues Fávero Todos já estavam um pouco bêbados quando Edi resolveu tirar uma foto do grupo todo. Mariana resolveu que, junto com Saulo, deveria sair com a boca cheia de fumaça, então pegou o cigarro que Saulo fumava e encheu a boca. Não aguentou o gosto forte da fumaça e soltou antes de tirarem a foto. Saulo então pegou o cigarro e sugeriu que ele puxasse primeiro e, só quando fossem tirar a foto, Mariana tragasse. Ela se incomodou: - Eu consigo segurar mais que você. - Disse dando uma risada de quem se sente vitorioso. - Se você está dizendo... - Saulo estava se sentindo tão bem aquela noite que não tinha o mínimo interesse em perder tempo com conversas inúteis. Tiraram a foto e, algum tempo depois, Edi, Saulo e Giuliano sairam. Compraram 6 cervejas e atravessaram a avenida. No outro lado, uma árvore fazia sombra pra que eles pudessem ter privacidade. Acenderam um cigarro de maconha, Giuliano estava indignado: - Como vocês trazem essa menininha de condomínio pra cá? - Ele não tinha gostado do comportamento de Mariana no momento da foto. 8 | Palau | Dezembro 2012
- Giuli, ela é meio criançona mas é gente boa, cara, fica tranquilo. - Respondeu Saulo. A partir daí Giuliano começou a falar algumas coisas que não se fala para qualquer um. Ele parecia estar com todo o peso das hipocrisias da sociedade dentro de si. Dizia a todo momento que o mundo estava todo errado. O modo de vida, o trabalhar incansável, a alienação, tudo estava errado: - O sujeito passa oito horas trancado numa sala todos os dias da semana pra poder beber uma cerveja no sábado, comprar um carro no domingo e voltar pra prisão na segunda. E o pior, ninguém suspeita que isso esteja errado? Eu sou o louco de pensar assim? Saulo sempre havia admirado Giuliano por aquele seu jeito ácido de colocar as coisas na mesa. Ele sempre tinha opiniões fortes e bons argumentos. Estar com ele significava fugir de qualquer conversa cansativa. Ele gostava de pessoas assim, que trabalhavam seus conceitos, que pensavam além. Enquanto Saulo balançava a cabeça, Edi continuou: - E o duro é que todo mundo trabalha a semana toda pra nada, pra ter a ilusão de que elas são felizes
nos últimos dois dias da semana. Todo mundo é explorado, mas nada que uma cerveja no sábado não resolva. - Não sei, cara. Eu não vou dar certo nesse mundo, vou ter que arranjar alguma coisa pra fazer. - Dizia Johnie. Continuaram conversando e todos concordavam sobre uma coisa: o que leva o mundo a ser hipócrita é o jogo de aparências. Não importa que país ou cidade você more, uma pessoa sempre vai querer parecer melhor do que ela realmente é. Pra conseguir isso, é preciso fingir, agir artificialmente, conseguir a admiração dos outros através de atos forjados. E isso tornava o mundo extremamente hipócrita. Essa era a teoria dos garotos. Poderiam estar idealizando em alguns pontos, talvez estivessem certos em outros. - Hoje as pessoas tem vontade de rir mas não riem só para conseguir o respeito dos outros. Todo mundo sabe, cara. É só você chegar e ser bom com alguém que já vão te chamar de trouxa por trás. O que todo mundo quer e ser tratado mal, esse mundo tá podre. - Continuava Johnie. - O problema é que a nossa geração fuma e depois vai correndo pro espelho ver se os dentes estão amarelos. - Disse Saulo, numa analo-
gia que pareceu perfeita. Os garotos continuaram conversando por mais algum tempo e, quando o show já havia começado, resolveram entrar. O lugar era abafado, estava lotado. Giuliano passou a noite indignado, o comportamento de Mariana havia despertado uma angústia que ele sentia já há algum tempo mas que não comentava com ninguém. O vocalista Jimmy London já puxava a segunda música da playlist quando os garotos entraram. O grupo havia se separado, e provavelmente em aglum momento se encontrariam dentro do bar. Giuliano, fã do Matanza desde os 12 anos de idade, estava em seu décimo primeiro show da banda. Era um fanático daqueles que tem todas as músicas na ponta da língua. Achava o Matanza um grupo excepcional, cantando sobre a (falta de) transparência do ser humano, bebidas e drogas, aqueles cinco caras no palco passavam a energia necessária para que Giuliano vivesse melhor. Não era um garoto de rituais, mas todos as segundas tinha que começar o dia ouvindo “A arte do insulto”, caso não ouvisse, tinha a sensação de que a semana não correria bem. É difícil encontrar um show em que os seguranças tenham tanto
problema. Com o slogan sendo “músicas para beber e brigar”, o Matanza coleciona fãs que não levam desaforo pra casa e gostam de uma boa bagunça. Talvez daí viesse a natureza tão contestadora e empolgante de Giuliano. Já tinha meia-hora de apresentação quando os três garotos encontraram Edi e Mariana. A garota tentava a todo tempo puxar conversa com Giuliano, mas ele realmente não tinha tido uma boa impressão dela. Uma pena, pois apesar da infantilidade, ela era boa gente. Mesmo assim ela continuava tentando transformar as respostas secas de Giuliano em algum tipo de intimidade. Talvez o ser humano goste mesmo de ser tratado mal. Viu que não daria em nada, resolveu gastar seu tempo com Pedro, um ex-namorado que estava na festa e sempre estava disposto a passar longas noites com a garota. Eram quase quatro horas quando, ao terminar a penúltima música, o guitarrista Maurício Nogueira jogou a palheta na platéia. Aquilo foi animalesco, todos aqueles caras que estavam pulando em uma roda pararam e se atiraram no chão em busca da palheta perdida. A confusão foi tanta que Edi, Giuliano, Saulo e Johnie resolveram sair do recinto. Enfim ar puro. Do outro lado da rua, um trailer vendia hot-dogs. Cada um pegou o seu e rumaram para a casa de Edie - a mais próxima dali. No caminho, o ar fresco e a paz do silêncio anunciavam o fim de mais uma noite. Enquanto a cidade dormia, os garotos estavam em êxtase interno, às vezes esqueciam que momentos como aqueles faziam a vida valer a pena. Quando abriram a porta do apartamento em que Edi morava com mais dois amigos, uma desordem total. Nada muito diferente do que
eles haviam visto a noite toda. Migalhas de alguma coisa estavam ao lado de um maço vermelho de cigarro, uma
garrafa de vidro vazia em cima de um banquinho de madeira e um narguilé montado em cima de uma televisão.
Ninguém deu a mínima. Esticaram os três colchões na sala e dormiram um sono curto, mas merecido. E, se no dia seguinte fossem perguntados no trabalho, não mentiriam: - Apenas uma noite mal dormida.
Quem é matanza? O Matanza é uma banda brasileira criada em 1996, no Rio de Janeiro. Fazendo uma música que mistura punk, country e heavy metal, os integrantes ganharam o título de “countrymetal” para seu gênero musical. Suas letras procuram analisar tanto o falho modo de vida humano, o status, a falsidade, quanto a badernagem, as drogas e as mulheres. Johnny Cash é unanimidade entre todos os integrantes da banda, que acreditam na mistura de gêneros como fonte para a criação de boa música. No álbum de 2006, A ARTE DO INSULTO, os músicos misturaram sua música com a música Irlandesa, criando assim um álbum de sucesso e fazendo os céticos pensarem até onde essa “miscigenação de acordes” poderá ir. Dezembro 2012 | Palau | 9
arte
São Paulo: terra da garoa, arte e ciência Exposições que misturam a originalidade artística ao conhecimento científico são tendência na Cidade que respira cultura Por Guilherme Costa e Fabiane Carrijo Que a ciência e a arte são dois dos aspectos mais característicos da humanidade não é novidade. A ciência, como manifestação da capacidade do ser humano de pensar o mundo, entendê-lo e organizá-lo, é a célula máter e a própria representação máxima do pensamento objetivo. O cérebro evoluído de um Homo Sapiens Sapiens, aquele que pensa o que pensa, possibilitou essa característica única de nossa espécie, e também abriu as portas para uma outra: A manifestação artística. A externalização da subjetividade, através da pintura, escultura, escrita e outros tipos de atividades também é um traço notavelmente humano. Apesar de serem os dois frutos de nossa imensa capacidade criativa, ciência e arte parecem ser dois extremos. Para o senso comum, a objetividade de uma não tem relação com a subjetividade da outra. O que há em comum entre um matemático e um artista plástico? Para a maioria de nós, à primeira vista, nada. Porém, ao longoOlho do desenvolvimento da humanidade, esses dois aspectos estiveram profundamente relacionados, e hoje essa simbiose aparece como uma tendência e faz crescer o número de eventos artísticos com o tema nas grandes metrópoles culturais do mundo. No Mundo Londres, por exemplo, é uma das metrópoles culturais que há mais tempo investe nessa ligação, levando-a ao grande público. Uma de suas atrações é o Science Museum de Londres, inaugurado em 1851 pelo Príncipe Albert, e é hoje um dos principais edifícios do famoso bairro de South Kensington. Com galerias e exibições nada repetitivas o Science Museum tem como característica principal a modernidade de suas instalações e a interatividade proposta ao visitante a cada ala do museu e é exatamente essa característica que atrai e encanta seus 2,7 milhões de visitantes por ano. Além das atrações convencionais como a de exposições contendo fragmentos lunares, simulações da diferença gravitacional, um gerenciador digital de abalos sísmicos e até mesmo, um simulador de terremotos, o museu conta com a altíssima tecnologia de um cinema IMAX 3D que apresenta documentários e superproduções sobre temas como Mar Profundo, Monstros Marinhos, Tubarões, Insetos, Dinossauros, Forças da Natureza, Corpo Humano, Estação Espacial, e Viagem à Lua. 10 | Palau | Dezembro 2012
O Beijo (1985) – Alex Grey Várias dimensões do corpo humano representadas numa única pintura
Museu da Ciência de Londres
No Brasil Mais recentemente, a Cidade de São Paulo – que segundo especialistas em economia vem passando por um processo de transição de uma cidade industrial para uma metrópole cultural – também vêm recebendo iniciativas do tipo, que trazem à luz da arte aquilo que normalmente só se via em laboratório.
“A grande questão da arte é até onde o artista deve empregar técnica e até onde deve deixar sua criatividade fluir sem se prender a padrões ou medidas”. Em Julho deste ano, a Terra da Garoa recebeu o artista americano Alex Grey, durante o evento Visionary Art Show.
Alex é pintor e escultor, e trabalhou durante cinco anos na Escola de Medicina de Harvard, nos Estados Unidos, no departamento de Anatomia, estudando o corpo humano e preparando cadáveres para a dissecação. Também foi professor de anatomia artística e escultura de figuras durante mais dez anos na Universidade de Nova York. Mundialmente conhecidas, suas obras são famosas pelas representações do corpo humano à maneira de um “raio-x”; entretanto, não se limitam a isso. O artista propõe uma mistura de espiritualidade e ciência, examinando em detalhes a anatomia física e metafísica do ser humano. Muitas de suas pinturas mostram detalhadamente o esqueleto, o sistema nervoso, cardiovascular e linfático em várias “camadas”, incluindo outros aspectos da vida humana, como símbolos de várias religiões e elementos de contextos naturais, industriais, sociais e culturais. Além de trazer grande parte de seu acervo para exposição, o artista ministrou palestras e workshops sobre
estudos científicos, anatomia e proporções na arte, e falou sobre a técnica e inspiração. Para Alex, a arte conter a temática da ciência é algo natural, pois representa a vida, o homem, a natureza, que são regidos pelas leis científicas, e por mais que alguns artistas tentem se distanciar disso, é algo indiscutível. Entretanto, para ele, “a grande questão da arte é até onde o artista deve empregar técnica e até onde deve deixar sua criatividade fluir sem se prender a padrões ou medidas. Deve haver um equilíbrio entre esses dois pontos, para que a obra não seja somente um conjunto de pinceladas sem sentido ou, por outro lado, se torne uma representação de um cálculo frio e racional”. Mais recentemente, no mês de outubro, foi aberta no MASP a exposição “Luzes do norte - desenhos e gravuras do renascimento alemão”. Dentre as obras expostas, destacam-se as de Albrecht Dürer, gravurista, pintor, ilustrador, matemático e teórico de arte alemão responsável por levar o Renascimento para o Norte da Europa. Suas xilogravuras eram consideradas revolucionárias, e sua representação da natureza, da geologia, dos animais e das paisagens influenciaram cientistas e artistas do século XVI. Segundo Teixeira Coelho, curador do MASP, Dürer “foi o maior nome da gravura em todos os tempos até a chegada de Rembrandt, e foi a gravura que firmou seu nome internacional ainda em sua própria época (...) Seu grande aporte, por arbitrário que seja destacar um dentre vários, foi a originalidade da invenção, algo que se poderá verificar nesta exposição, de modo central embora não exclusivo, nas peças Santo Eustáquio, A trindade
Histórico Já na antiguidade, o escultor Leocarés já relacionava medidas matemáticas minuciosas a esculturas. Sua famosa estátua de mármore Apollo Belvedere, concluída no ano 300 a.C, foi redescoberta no Renascimento e durante vários séculos simbolizou a perfeição estética para europeus e ocidentais em todo o mundo. A escultura mostra o deus grego Apolo no momento em que derrota a serpente Píton, um monstro que aterrorizava a costa de Delfos. Hoje está exposta no Museu Pio-Clementino, no Vaticano.
A arte fractal é um exemplo contemporâneo da influência artística da ciência. O gênero, como o nome aponta, está relacionado aos fractais - formas ou conjuntos caracterizados pela auto-semelhança (pequenas partes da imagem são semelhantes à imagem inteira) e por uma infinita quantidade de detalhes, em todas as escalas. Para construir uma imagem do tipo, é necessário utilizar um computador para calcular algoritmos e representa-los através de imagens e animações. A imagem é uma das obras do artista fractal Scott Draves, que recentemente expôs seu trabalho em Nova York.
O Homem Vitruviano (1490) de Leonardo Da Vinci é talvez uma das representações mais emblemáticas do pensamento renascentista: As proporções corporais são precisamente calculadas. Além disso, a área total do círculo é idêntica à área total do quadrado (quadratura do círculo). Este desenho pode ser considerado um algoritmo matemático para calcular o valor do número irracional phi, chamada de razão ou proporção áurea (aproximadamente 1,618). Essa proporção está presente em diversos aspectos da natureza: no aumento do diâmetro das espirais numa semente de girassol, na proporção de abelhas machos e fêmeas de uma colmeia, nas medidas do corpo humano e no movimento das galáxias.
para se tornar uma cidade também cada vez mais humana. Juntos, esses pilares formam um excelente ambiente de exploração, experimentação, diálo-
go e invenção do nosso entorno e das nossas percepções, o que, sem dúvidas, gera um enorme potencial transformador.
O Rinoceronte (1515) - Albrecht Dürer representação e descrição do mundo natural
Mundo Material (1985-86) – Alex Grey Silhueta humana dentro da tabela periódica e rodeada por referências científicas
e o popular Rinoceronte, três de suas muitas obras-primas”. Teixeira Coelho, curador do MASP, aponta que Dürer “foi o maior nome da gravura em todos os tempos até a chegada de Rembrandt, e foi a gravura que firmou seu nome internacional ainda em sua própria época. [...] Dürer, porém, não se limitou a levar a Renascença para o Norte (da Europa): de igual modo, trouxe o germanismo para o Sul, sobretudo com sua contribuição em favor da melhor reputação da gravura. Seu grande aporte, por arbitrário que seja destacar um dentre vários, foi a originalidade da invenção, algo que se poderá verificar nesta exposição, de modo central embora não exclusivo, nas peças Santo Eustáquio,
A trindade e o popular Rinoceronte, três de suas muitas obras-primas”. Recorrendo ao conceito científico da polaridade química, ou de maneira mais usual, ao dito popular, ciência e arte não são como “água e óleo”. Os dois se misturaram, se misturam e continuarão a se misturar. Como diz o Professor da Universidade de Londres e escritor Arthur I. Miller, “no momento da criatividade não há barreira entre ciência e arte”. Por esse motivo, podemos esperar e devemos torcer para que São Paulo abrigue mais manifestações do tipo. Uma cidade com tantos problemas, porém tão rica econômica e culturalmente deve representar também esses pilares da criatividade humana,
Alex Grey em São Paulo
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literatura
Os novos sucessos da Literatura Nacional Por Danielle Demarchi e Laís Bianquini Feiras do Livro como a Bienal do Rio e de São Paulo ganham destaque nacional quando acontecem, enquanto Feiras realizadas em outros pontos do país nem sempre chegam ao conhecimento do grande público. Um exemplo é a Fliporto, Festa Literária Internacional de Pernambuco, já em sua oitava edição, que ocorreu em Pernambuco, na cidade de Olinda, de 15 a 18 de novembro, no Parque do Carmo. O evento tem como objetivo promover o intercâmbio literário, cultural, artístico e humanístico. É uma das maiores festa literária brasileira. Ela discute os novos caminhos da literatura contemporânea, a ampliação do ramo editorial e incentiva o hábito da leitura. A Festa Literária teve sua primeira edição em 2005 em Porto de Galinhas. Foi um evento de pequeno porte, patrocinado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e pela Infraero, chegando a custar, aproximadamente, R$ 50 mil. O autor homenageado foi Ascenso Ferreira, e contou com concursos literários de poesias e contos/crônicas via Internet. O público presente no evento foi em torno de 2.000 pessoas. Já sua segunda edição, no ano seguinte, dobrou seu público, e assim como a primeira, ocorreu em Porto de Galinhas. Nesse ano o homenageado foi Paulo Freire, além de Raimundo Carrero, que completava 30 anos de carreira literária. As novidades foram a Fliportinho e a inauguração da primeira biblioteca de Porto de Galinhas, iniciada com 3.000 obras, boa parte doada pelos próprios participantes do evento. Em 2007, o evento passou a ser realizado no Hotel Armação. Nesse ano, a Fliporto investiu no tema “Literatura latino-americana”. O público duplicou em relação ao ano anterior, agora 8.000 espectadores. O evento trouxe 40 autores de outros países. Em 2008, fortemente ligado ao continente africano em razão dos autores convidados o tema foi: “Trilhas da diáspora: literatura em África e América Latina”. No ano seguinte, em 2009, foi
abordada a “Literatura ibero-americana: interdependências e contemporaneidades”. Algumas mudanças ocorreram em 2010, depois de cinco edições em Porto de Galinhas, o evento ocorreu no Parque do Carmo, em Olinda, chegando a 60.000 pessoas durante os quatro dias de festa. O tema foi “Literatura e presença judaica no mundo iberoamericano”, e a autora homenageada foi Clarice Lispector, que era ucraniana, mas vivera parte de sua infância em Recife. Em 2011, a Fliporto repetiu o sucesso dos anos anteriores, agora com o tema “Viagem ao Oriente” e homenagem a Gilberto Freyre. O público obteve novo recorde: 80 mil pessoas durante os dias de festa. E finalmente esse ano, a Fliporto, novamente, no Parque do Carmo, Olinda, homenageou o dramaturgo, escritor e jornalista pernambucano Nelson Rodri-
gues, que faria 100 anos. O tributo ao escritor teve como tema “A vida é um espetáculo” e trouxe para seu público a magia do teatro nacional e internacional. Grandes nomes marcaram presença nessa oitava edição do evento, como o escritor e crítico literário José Castello, Mia Couto e Sônia Rodrigues. O evento contou ainda, com o biógrafo britânico, Barry Miles e com Cory Doctorow, jornalista e escritor canadense. Ariano Suassuna, escritor e dramaturgo, encerrou a festa com uma aulaespetáculo.
Aula-espetáculo com Ariano Suassuna
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Autores nacionais com livros recémlançados e sucesso recente também participaram da oitava edição da Fliporto, entre eles os escritores Raphael Draccon, Carolina Munhóz, Thalita Rebouças e Paula Pimenta. A carioca Thalita é a mais conhecida pelo público em geral, muito devido a suas participações em programas de televisão e em novelas como Malhação. A escritora atingiu a importante marca de um milhão de livros vendidos em 2011, com livros como “Fala sério, mãe!” na lista de mais vendidos do jornal O Globo e da revista Época, chegando a ter sete de seus livros publicados também em Portugal. O público-alvo dos livros de Thalita é juvenil, mas nada impede que pessoas de todas as idades se divirtam com eles. O mesmo acontece com os livros da mineira Paula Pimenta, que conquista fãs desde o lançamento de “Fazendo meu Filme 1: A estreia de Fani” em 2008. Pela primeira vez na Fliporto, a escritora analisou sua participação: “Minha participação foi ótima, teve um bate-papo com os leitores e em seguida uma sessão de autógrafos. Estava bem cheio, foram duas horas e meia autografando sem parar! Fiquei muito feliz com o carinho das minhas leitoras pernambucanas!”. Uma peculiaridade da autora pode ser observada durante a sessão de autógrafos, ela autografa seus livros com canetas coloridas, com cores semelhantes à cor da capa de cada um. Os livros de Paula Pimenta, lançados pela editora Gutenberg, fazem muito sucesso entre os jovens, que têm dado
Carolina Munhóz e Raphael Draccon: bate-papo na Fliporto
Paula Pimenta com fã na sessão de autógrafos
maior oportunidade para os livros nacionais. Assim como os de Paula, os livros do carioca Raphael Draccon conquistaram muitos leitores desde o lançamento do primeiro volume da série de fantasia Dragões de Éter, “Caçadores de Bruxas”. A série, publicada pela editora Leya, alcançou a marca de 150 mil exemplares vendidos e ganhou um box. O escritor foi o responsável pela indicação da série “Crônicas de Gelo e Fogo” de George R.R. Martin para a Leya, que hoje a publica no Brasil. Outra a apostar na fantasia foi a paulista Carolina Munhóz. A escritora lançou seu primeiro livro, entitulado “A Fada” em 2011 pela editora Novo Século. Em 2012, tornou-se mais conhecida pelo público devido ao lançamento de “O Inverno das Fadas”, publicado pelo selo Fantasy da editora Casa da Palavra. Esse selo tem como editor de Literatura Fantástica o próprio Draccon, que ganhou o cargo do grupo Leya Brasil. Dessa forma, Draccon e Carolina participaram juntos da Fliporto, lançando, respectivamente, o já citado “O Inverno das Fadas” e “Fios de Prata – Reconstruindo Sandman”. Os escritores nacionais foram prestigiados por muitos leitores na Fliporto, muitos aproveitaram a presença deles em Pernambuco para adquirir os lançamentos e garantir autógrafos nos livros já comprados. A escritora Paula Pimenta, uma das mais aguardadas pelos jovens leitores, recebeu muitos presentes e ficou feliz com a recepção dos fãs pernambucanos. Sobre isso, ela diz: “A recepção não poderia ter sido melhor, as leitoras estavam muito empolgadas e ganhei muitos presentes e cartinhas! É difícil falar o que mais me emocionou, as cartas sempre me comovem muito, pois as meninas abrem o coração, me contam histórias de como conheceram os meus livros, como eles as ajudaram a criar o gosto pela leitura... É muito gratificante”. Paula aproveitou sua participação para lançar “Apaixonada por Palavras”, coletânea de crônicas da qual a própria escritora é a protagonista. Sobre as vendas do lançamento a escritora afirma que suas expectativas foram superadas: “Eu estava muito apreensiva antes do lançamento porque as pessoas já me conheciam pelos
meus romances, mas é a primeira vez que eu lanço um livro de crônicas. Mas o livro está sendo muito elogiado, o que me deixa muito feliz.”
Presentes que Paula recebeu das fãs
Mesmo com o sucesso da série Fazendo meu Filme, já encerrada em quatro volumes, e do seu livro de
crônicas, Paula não pretende tirar um tempo para descansar, ao contrário, a escritora se dedica atualmente a escrita do segundo volume de sua série mais recente, “Minha Vida Fora de Série”, com lançamento previsto para 2013. Além disso, será lançada em dezembro a agenda “Fazendo meu filme: Diário da Fani”. A ideia partiu de pedidos das fãs, segundo Paula: “As minhas leitoras pedem que eu lance tudo dos meus livros. Mochilas, canetas, lápis, estojos. A agenda foi mais fácil, pois a própria editora dos meus livros pode viabilizar. É uma agenda diferente, meio livro mesmo, pois inseri um capítulo extra da história e também a cada começo de mês criei um texto diferente.”. Paula Pimenta aproveitou a oportunidade para encontrar outros escritores. “Conheci e revi alguns autores. Acho que ter contato com outros escritores é muito rico, pois trocamos experiên-
cias e conversamos sobre assuntos em comum. Nesse meio não existe concorrência e sim coleguismo. Ninguém deixa de comprar um livro de um autor por causa de outro. Somos todos do mesmo time.” Afirma Paula. A escritora pretende participar de outras edições, pois para ela a Festa Literária Internacional de Pernambuco possui um diferencial: “Acho que a Fliporto tem um charme que as feiras maiores não têm, um caráter mais intimista. Gostei também da variedade, pois não é só literatura, tem também gastronomia, música. Achei muito interessante!”. A participação dos novos destaques do cenário literário brasileiro nas Feiras do Livro de todo país é importante para incentivar a leitura e para a valorização do trabalho dos escritores nacionais, tão capazes quanto os estrangeiros.
Thalita Rebouças, Carolina Munhóz, Raphael Draccon, Paula Pimenta e outros
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Os caminhos e os percalços do rock’n roll
música
Bandas como Rockstrada e Distrito Bizarro superam as dificuldades em busca de reconhecimento e diversão Por Henrique Cézar e Maurício Daniel Nem futebol com os amigos, nem shopping com a namorada e muito menos cerveja com o primeiro que aparecer. Sábado a tarde é dia de trabalho para os quatro integrantes da Banda Rockstrada, natural de Socorro, no interior do estado de São Paulo, e que há nove anos anima o público de toda a região com shows e participação em festivais. O cenário do ensaio é a residência do vocalista e fundador da banda, Rafael Pompeu, em um dos quartos da casa que se transformou em um estúdio. Vitor Souza, o guitarrista, Jonas Pereira, o baixista, e Emerson Silva, o baterista, mais o anfitrião Pompeu, terminam de ensaiar as músicas que serão apresentadas no próximo show e o próximo ensaio já é marcado. Jonas é da cidade vizinha de Itapira e deve trabalhar no próximo sábado, Emerson começará na próxima semana a trabalhar em Campinas, no Banco do Brasil e as dificuldades para o próximo encontro só são superadas pela paixão e determinação em seguir fazendo rock’n roll. Após ir aos Estados Unidos no início dos anos 2000 para conhecer o músico Colin Hay, Rafael Pompeu despertou a vontade de montar uma banda e entrar de cabeça no mundo profissional da música. Em 2003, após alguns anos de shows solos em barzinhos, em uma inusitada carona, Pompeu conheceu aqueles que seriam os futuros integrantes da primeira formação da banda, que na época recebeu o nome de Freeway e apenas em 2006 foi batizada para Rockstrada. De shows em shows a banda foi ganhando proporção e espaço no cenário nacional. Logo em 2005 gravaram a primeira demo, intitulada “Da Estrada pra Estrada”, com dez músicas autorais, além de participação no programa Estúdio MTV. Em 2007 Rockstrada abriu o show da banda Spy Vs Spy, que na época contava com Colin Hay como vocalista, tendo ainda no show de abertura a participação especial de André Jung, ex-baterista do IRA! e com formação dos Titãs. “A gente vê um ciclo se fechando: comecei a tocar pelo 14 | Palau | Dezembro 2012
Vitor Souza, Emerson Silva, Rafael Pompeu e Jonas Pereira, integrantes da banda Rockstrada
cara (Colin Hay) e estou aqui abrindo um show dele”, destaca o vocalista Rafael Pompeu. Mas as parcerias da Rockstrada não pararam por aí. Também através de Pompeu, a banda construiu forte relação com Nasi, ex-vocalista do IRA! e toda a equipe da antiga banda, com participações especiais de Nasi em um show da Rockstrada em 2008 e também a realização da turnê “Tributo IRA” por todo o estado de São Paulo. Tanta bagagem fez com que em 2008 Rockstrada assina contrato com a gravadora independente No Meu Canto para a gravação do primeiro disco da banda. Depois de pausas para aperfeiçoamento de ideias e concepções a respeito da produção, o Disco Novo Caminho foi lançado em setembro de 2010 com 13 faixas autorais e participação especial de no-
mes de peso como Edgard Scandurra, André Jung e Michelle Abu, contando com a produção de Rodrigo Signorini. “Nós marcamos um show para lançar o disco dia 3 de fevereiro de 2011, em São Paulo, na Livraria de Esquina, e a gente ainda não estava com o disco mãos. A bolachinha só foi chegar dia 3 de fevereiro, quando metade da banda já estava no local do show e nós fomos buscá-lo na gravadora que ficava em Espírito Santo do Pinhal/SP. O produtor nos entregou os discos na estrada, ou seja, até nisso a estrada faz parte da banda”. Mas as conquistas e o reconhecimento da Rockstrada não são a única ótica do mercado da música no Brasil, principalmente para as bandas de rock. Mesmo atingindo a profissionalização em quesitos de equipamentos e conseguindo uma maior visibili-
dade na exposição do nome em relação às chamadas bandas de garagem, as dificuldades para dar sequência no trabalho e continuar tocando são enormes e, para Rafael Pompeu, até desestimuladoras certas vezes. “A batera que o Emerson toca custa R$ 12 mil, meu equipamento, por exemplo, meu amplificador, custa R$ 3 mil, a minha guitarra custa 3 mil reais, e você vai tocar em um show e o cara não que te pagar nem R$ 200 para a banda toda, ou seja, existe um desvalorização muito grande”, ressalta Pompeu. Outra dificuldade frequente segundo o vocalista é a concorrência “de certa forma desleal” daqueles que estão iniciando e ainda não possuem um arco de comprometimento e responsabilidades tão grande. Além disso, a falta de tempo dos integrantes para dedicação também passa a ser
Banda Distrito Bizarro, de Pirajuí, SP
“Nosso ‘objetivo’, se é que dá pra falar nisso, é apenas fazer um som. Temos músicas próprias, mas também colocamos muitas versões no nosso repertório, sempre com um toque de bom humor”. Distrito Bizarro
um entrave na medida em que todos precisam buscar outras atividades tanto para manter a banda, na aquisição de equipamentos e gastos com shows, como na sobrevivência pessoal. Para ele, essa dualidade, necessidades externas e dedicação à banda, é extremamente delicada, já que é necessário cuidado para não deixá-la em segundo plano. Vários quilômetros distante de Socorro (trezentos e oitenta, para ser mais exato), fica a pequena cidade de Pirajuí, SP. Vinte e três mil habitantes constituem sua população, com economia basicamente originada da produção cafeeira. Numa garagem de uma modesta residência, um grupo de amigos “castiga” seus instrumentos musicais e os ouvidos dos vizinhos. A casa é de Sílvio Bittencourt, baterista, e a banda é chamada de Distrito Bizarro. Não são apenas os quilômetros que distanciam a Rockstrada da Distrito Bizarro. Esta, formada por, além de Bittencourt, Rodolfo Matias (guitarrista solo), Valdecir Martins (baixo) e Mauricio Daniel (vocalista e guitarrista), está longe do profissionalismo da banda de Socorro. O baixista Valdecir explica: “apesar de termos
grande experiência com instrumentos e mesmo com outras bandas, mais sérias, nossas pretensões agora são bem menores”. Um exemplo que ilustra isto bem está nos equipamentos, pois segundo o músico, “nosso equipamento é barato, não tivemos grandes gastos com ele. A caixa de som para voz é improvisada, muitas vezes ensaiamos uma alguma emprestada de amigos. As guitarras são médias, a bateria tá toda quebrada”. Longe de descomprometimento por parte da Distrito, o que difere mesmo é a intenção: “nosso ‘objetivo’, se é que dá pra falar nisso, é apenas fazer um som. Temos músicas próprias, mas também colocamos muitas versões no nosso repertório, sempre com um toque de bom humor”. Acostumados a tocar para públicos modestos e sem remuneração, as principais oportunidades do grupo estão nos festivais, organizados geralmente por iniciativa de fãs e apreciadores. “A galera se junta, aluga um local, monta um esquema com várias bandas da região e
bota pra quebrar”, explica Valdecir, “os festivais são a nossa principal chance de tocar, nunca ganhamos um tostão furado”. No lugar de buscar conseguir um lugar no cenário tão disputado da
atualidade, os desejos da banda pirajuiense estão mais ligados à diversão: “é um passatempo apaixonante. Todos do grupo trabalham a semana inteira. Quando chega o final de semana, queremos mesmo é abrir uma cerveja e ligar os amplificadores no último para expulsar os demônios”. Bem mais modestas, as recentes conquistas da Distrito Bizarro falam por si só: “a coisa tá indo bem, tocamos em dois festivais de cidades maiores da região e ainda tivemos a oportunidade de nos apresentar em uma feira comercial de nosso município, com grande visibilidade”. Os planos para o futuro também são pouco ortodoxos “não temos previsão ou planejamento, só queremos tocar até o dia em que isso não tiver mais sentido. Quando acontecer, saberemos que é hora de parar”. Rockstrada e Distrito Bizarro podem até buscar objetivos diferentes, mas seguramente demonstram percorrer os mesmos caminhos, caminhos estes tão presentes na trajetória da banda socorrense e que sustentam o mesmo sonho e a mesma determinação de superar as dificuldades para continuar divertindo, conquistando e refletindo através do rock’n roll.
Rockstrada durante apresentação
Ex-vocalista da Banda IRA!, Nasi, apresenta-se ao juntamente com a banda Rockstrada
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literatura
Redes Sociais: espelho da humanidade Gil Giardelli lança livro sobre cultura digital Por Camila Valente e Beatriz Vital Em pleno século XXI e na famosa era digital, na qual estamos conectados 24 horas por dia e somos bombardeados por informações provenientes de diversas plataformas. Isso fez com que as pessoas mudassem suas maneiras de relacionamento, seus comportamentos, ou seja, o mundo mudou. Algumas pessoas viram nesse cenário uma oportunidade para estudar a web, abordando seus conceitos, benefícios e prejuízos para a humanidade. Gil Giardelli foi um deles. Um dos maiores especialistas brasileiros em cultura digital, com 14 anos de experiência na área, acaba de lançar o livro “Você é o que você compartilha - E-agora: como aproveitar as oportunidades de vida e trabalho na sociedade em rede.O lançamento do livro “Você é o que você compartilha” de Gil Giardelli, aconteceu no dia 07 de agosto, às 20h, na Saraiva Mega Store do Morumbi Shopping, em São Paulo. Programado para lançar seu livro em plena 22ª Bienal do Livro, Gil Giardelli recebeu inúmeros prestigiadores de seu trabalho, dentre eles amigos, familiares, admiradores e outros autores. Durante a Bienal, além de contar com uma maior divulgação e visibilidade de seu trabalho no estande da Editora
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Gente, Gil ainda lançou um concurso cultural denominado Post-it. Esse con-
curso gerou grande interação dos visitantes do estande e consistia em escrever uma frase relacionada ao livro e às redes sociais, as 10 melhores frases ganharam um exemplar do livro. Falando em concurso, o Postit não foi o único promovido por Gil e relacionado à sua obra. Antes do lançamento, Gil divulgou em sua página do Facebook um concurso cultural para a criação da capa de “Você é o que você compartilha”, o regulamento do concurso podia ser encontrado no seu blog e qualquer um poderia participar. O resultado foi divulgado no dia 19 de junho, na sua página do Facebook. O livro aborda aspectos atuais que só se tornaram viáveis através da web. O autor comenta por exemplo, o conceito de social good, o poder das conexões na criação coletiva, as vantagens do webempreendedorismo, além de ensinar os leitores a como fazer ativismo digital e cidadania on-line e como fazer negócios no mundo colaborativo. A obra aborda também um conceito que tem ganhado bastante popularidade, que é chamado de economia colaborativa, através das quais os processos de produção são dinamizados. Esse conceito é uma saída para o “desemprego tecnológico” que já havia sido anunciado por Cannes ainda
na década de 1930. Apesar de tratar das tecnlogias e das redes, Gil preferiu utilizar a plataforma impressa para a divulgação da sua experiência nas redes através do livro, que tem 270 keycodes através das quais ele dá voz à diversas pessoas, através de documentários, entrevistas, filmes etc. Rosana Zana é publicitária e lida com redes sociais o tempo todo. Para ela, ler o livro “Você é o que você compartilha” é tido como um dever. “Eu queria muito ler, porque já assisti a várias palestras do Gil Giardelli e ele tem uma visão muito humana de redes sociais, além de ser um especialista no assunto”. Economia colaborativa e inovação são os pontos chaves do livro, pois mostra uma visão diferente da função que as redes sociais têm e dá alternativas de bom uso desse meio de comunicação. “A economia colaborativa gera um engajamento de pessoas que compartilham conhecimento, causas e ajudam o próximo”. Ela também comenta um outro lado do livro que tem uma proposta de desconectar. “O autor fala sobre a importância de voltar à conversa nas fogueiras, que nada mais é do que o contato pessoal que não é dispensável. Hoje o ser humano passa mais tempo
da cura do câncer”. Nós vivemos a geração do distraído, onde as pessoas não conseguem fazer coisas básicas, como almoçar, jantar ou prestar atenção na televisão, sem ao menos olhar para o celular ou tirar uma foto no Instagram. Mas, isso tem cura e a sociedade já está se mobilizando para encontrar uma solução para os problemas causados pelo uso excessivo das redes. O Hospital das Clínicas, em São Paulo, já criou um departamento específico para cuidar de doenças oriundas de vícios na internet e nas tecnologias. Gil afirma que principalmente nas redes sociais, as pessoas passam por um efeito ‘proteus’, pelo qual todo mundo é bonito, todo mundo é rico e interessante, além de ninguém ter
problemas. Aquelas que conseguem amadurecer, despertar dessa infância na web, começam a praticar a webcidadania, a webpolítica, o webempreendedorismo, que são benéficos para a comunidade em que estão inseridas ou para a sociedade como um todo. Ele ainda comentou a questão da legislação na web, afirmando que a internet é genuinamente libertária e o ‘manual de boas maneiras online’ está sendo construído em tempo real. “O maior perigo da internet hoje é a privacidade, quando você não paga por algo no mundo digital, a mercadoria é você”. O conselho que Gil deixa é para sermos críticos em relação às informações da internet, que quase nunca são verdadeiras.
Sobre o autor Gil começou a carreira aos 14 anos como office boy e todo dinheiro que ganhava usava para aumentar sua coleção de selos, um hobby que mantém até hoje. Corre todos os dias “para esquecer os noticiários 24 horas, discursos e entrevistas sem pé nem cabeça e comoções mundiais instantâneas”. Abandonou a moto e passou a coordenar matinês para a juventude na famosa danceteria paulistana Up&Down. Em um salto, logo virou sócio de dois bares . Mas aos vinte anos entrou em crise existencial – não conseguia mais acordar cedo e atuar na área de desenho industrial, na qual era formado e resolveu ser monitor da XXIII Bienal Internacional de São Paulo. Isso durou quase um ano, o qual ele considera uma “pós-graduação” no mundo das artes. Acabou indo trabalhar em agências de comunicação internacional, onde descobriu o quanto o mundo é pequeno. Gil adora tudo o que faz, mas orgulha-se de ter ajudado no “startup” da chamada Casa Hope – Casa de apoio à criança com Câncer. Seu lema
de vida é: “Não podemos usar velhos mapas para descobrir novas terras”. Gil Giardelli é especialista no “Mundo.com”, com 14 anos de experiência na era digital. É professor nos cursos de Pós-Graduação, MBA, Miami Ad School e CIC – Centro de Inovação e Criatividade na ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing. Atua como CEO da Gaia Creative. Palestrante em mais de 700 eventos, como WebExpoForum, RioInfo, Fórum de Inovação RJ e em empresas e instituições Grupo Votorantim, Bradesco, VIVO, Rede Globo de Televisão, entre outras, Gil Giardelli se destaca e ganha fãs pelo mundo todo, mas principalmente no Brasil, devido ao alto nível intelectual e visionário que caracteriza suas palestras sobre mídias sociais. Como o profissional mentor das redes sociais no Brasil, há 13 anos definiu como seriam as redes sociais de hoje e defende seus ideais com a seguinte frase:“ A web é o espelho da nossa humanidade, por isso, você é o que você compartilha”.
Quando começou a se falar sobre mídias digitais, era utópico conectado do que conversando com a família em casa, por isso o autor fixa o contato pessoal como algo indispensável”. Há diversos tipos característicos de pessoas na internet e esses números ultrapassam a casa dos vinte. Existem aquelas que só reclamam, aquelas que acham tudo maravilhoso, entre tantas outras. “Somos avatares o
tempo todo”, disse o autor. Segundo Gil, as pessoas compartilham muitas coisas fúteis e desnecessárias, porque ainda estamos vivendo uma infância no mundo digital, e não sabemos como fazer. “Pode compartilhar a foto do cachorro, do amigo, mas tem coisas fantásticas a serem descobertas, como, por exemplo, uma rede de pesquisas para a descoberta
Hoje ele define, como no passado, outro conceito, avesso ao de 14 anos atrás, isso é possível para ele porque é um visionário que agora defende que devemos nos desconectar para o futuro das redes sociais. “Vivemos em uma Era que estamos extremamente conectados. Através de nossos smartphones, estamos 24 horas online. A informação está em todos os lugares e, por mais que tentamos fugir, ela não vai embora. Falo sempre da importância de se desco-
nectar, de parar para refletir e observar o ambiente. Isso tem uma razão. Estamos começando a negar a tecnologia extrema. Não queremos mais fazer parte das redes sociais digitais. As pessoas estão saindo do Facebook e do Twitter, cansaram de ‘amizades’ digitais. Somos humanos. Somos seres sociais. Temos a necessidade de tocar outras pessoas, olhar nos olhos de um estranho, dividir uma risada com amigos, dar um abraço de parabéns”. Dezembro 2012 | Palau | 17
cinema
Semeando Películas Mesmo com dificuldades, jovens plantam festival de cinema em Itapeva Créditos: Emiliano Hagge
Por Aline Antunes e Higor Boconcelo Muito mais que um entretenimento, o cinema é fonte de conhecimento e enriquecimento cultural, influenciando comportamentos e disseminando importantes ideais. Em 1995 comemorou-se o centenário da invenção dos irmãos Lumiére. A sétima arte foi celebrada mundo afora por ser a forma de lazer e engrandecimento da cultura entre os homens. No início, as telas apresentavam cenas do cotidiano e despertavam curiosidade entre o público. Máquinas como o quinetoscópio, inventada por Thomas Edison em 1894, chamavam a atenção dos espectadores e faziam com que na primeira década do século XX os cinemas já se tornassem uma grande atração. Desde o princípio foram estreitos os laços que uniam a produção dos recém surgidos estúdios cinematográficos e os acontecimentos que tomavam conta do mundo. Os anos da Primeira Grande Guerra foram retratados em obras dos países envolvidos, despertando o sentimento nacionalista daquelas nações. Imagens do então chamado ”Primeiro cinema” focavam o cotidiano e os grandes fatos, como mudanças políticas, reformas urbanas e acidentes de grandes proporções, por isso, acabavam por constituir uma grande fonte de pesquisa para os historiadores do período. Neste contexto, surgiam grandes grupos de pesquisa, dentro de importantes universidades européias e norte-americanas, que passaram a utilizar filmagens como fonte de documentação. Institutos de pesquisa renomados, como o National Geographic Society, além de belos trabalhos fotográficos sobre as várias paisagens do planeta, se preocupavam em produzir películas que retratassem, também, o próprio processo de pesquisa e levantamento de dados. Aos passar dos anos, mesmo com mudanças tanto na forma de produzir cinema como também no seu conteúdo e abordagem, a sétima arte ainda continua inserida dentro do campo de pesquisa como incentivador do estudo e busca de conteúdo intelectual. Com a leitura, análise de imagens e ferramentas utilizadas no cinema, o trabalho com essa linguagem contribui para o desenvolvimento da compreensão crítica do mundo e das novas tecnologias, beneficiando a formação do espectador. A cada exibição cinematográ18 | Palau | Dezembro 2012
Festival serviu como alternativa cultural para os quase 90 mil itapevenses durante cinco edições.
fica, novos olhares, sensações e experiências se renovam e se fortalecem. O cinema é capaz, assim, de dialogar com diversas outras expressões, tais como teatro, dança, música e artes plásticas. Foi com essa concepção que Rafael Primot, jovem mas cheio de experiência, decidiu criar um festival popular de cinema em sua cidade natal. Rafael nasceu em Itapeva, cidade do interior paulista localizada à quase 300 km da capital. Aos 15 anos mudou-se para São Paulo, onde alguns anos depois se formou em cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP. Em sua bagagem estão trabalhos com Antunes Filho, Monique Gardenberg e Jô Soares. Além de atuar, Primot dirige peças de teatro, já escreveu e dirigiu diversos curtas-metragens e agora está trabalhando em seu primeiro longa. Foi no ano de 2007 que colocou em prática seu antigo projeto. Nascia o Festival Pop de Cinema. Com grande aderência do público, o festival atingiu seu ápice de sucesso em 2011, quando acontecia sua quinta edição. Seu grande parceiro nessa batalha é Daniel Gaggini, também diretor cinematográfico. Os dois seguiram a frente do festival durante esses cinco anos lutando por patrocínio, apoios, e o principal: o público. Rodolfo Braga, o então representante do Festival Pop dentro da cidade de Itapeva, relembra um pouco
mais sobre a história desse importante evento. “O Festival POPular de Cinema de Itapeva nasceu pequeno, na casa de um dos organizadores, o Rafael Primot. Conforme os anos se passaram, a coisa cresceu compulsivamente. Com oficinas de fotografia e interpretação disponíveis a população, mostra de curtas e filmes nas praças... e por fim, a mostra competitiva de curtas, no qual o vencedor era eleito por voto popular”, conta. O artista é também guitarrista em uma banda de Rock. Com oito anos na estrada, Pink Big Balls tocou em todas as edições do festival. Rodolfo destaca a relação entre as duas artes. “Bom, na minha visão de músico, acho que o cinema e a música se completam. Mesmo na época do cinema mudo, o clímax da cena se dava com a música, mais tensa, leve, triste ou feliz, de acordo com a situação, tal um vídeo clipe feito pra uma música. São coisas que se completam perfeitamente”, afirma. É perceptível que Rafael Primot tenha atingido o ponto que realmente buscava. Diferente de muitos outros multiplicadores da arte, Primot acredita que o cinema pode atingir a população mais simples, e que a mudança em sua base é essencial. Comprovando o acesso dos alunos da rede pública de ensino itapevense ao festival, conversamos com Ana Raquel Cruz, professora que leciona Língua Portuguesa na cidade. “Como
professora, não há dúvidas de que um filme possa acrescentar no aprendizado de meus alunos, desde que haja planejamento e objetivo. Existem hoje várias estratégias que auxiliam o educador a ensinar seus alunos a assistirem filmes, pois a arte, para ter sentido, deve ser
“Existem hoje várias estratégias que auxiliam o educador a ensinar seus alunos a assistirem filmes, pois a arte, para ter sentido, deve ser sim estudada. Não basta apenas fechar as cortinas da sala de vídeo, “dar play” no DVD e, após o término, voltar para sala e aplicar questionários sobre o enredo” - professora Ana Raquel Cruz
A docente explica quanto o Festival Pop é importante para o desenvolvimento do intelecto, não só dos alunos, mas também dos professores locais e de toda população. “Felizmente pude iniciar meu olhar crítico para o cinema com um projeto implantado em Itapeva chamado Festival Pop de Cinema. As oficinas de criação e filmagem das quais participei permitiram um contato maior com o processo de criação de um filme, o que acarretou na valorização ainda maior de todo e qualquer produção audiovisual. Dentro das oficinas, tive noções básicas de produção e decupagem de
roteiro, planos de filmagem, nomes de grandes diretores, noções de direção de arte e fotografia e também todo o processo que envolve custos, apoios, patrocínios e afins”, relembra. Sobre suas percepções a respeito do elo entre cinema e educação, completa: “Acredito que o cinema é a educação feita para os olhos e ouvidos e é a partir dele que as pessoas podem expandir olhares sobre o mundo e suas múltiplas faces. Essa arte fez e ainda faz parte da minha formação humana e, consequentemente, transporto-a para a formação acadêmica e também para minha profissão”, afirma a professora.
Luz, Câmera e... CORTA! “Nem tudo são flores”. Ou então, “O sonho acabou”. Ambas as frases poderiam resumir o ano de 2012 e o Festical POPular de Cinema. Por falta de apoio por parte da prefeitura de Itapeva e de alguns dos antigos patrocinadores, a sexta edição fora cancelada. “Infelizmente, por conta da total falta de apoio da política e das empresas que poderiam ajudar a financiar o festival através de apoios e
Nota oficial
Todas as atividades do evento foram gratuitas
sim estudada. Não basta apenas fechar as cortinas da sala de vídeo, “dar play” no DVD e, após o término, voltar para sala e aplicar questionários sobre o enredo. Existe uma vertente de estudos chamada Letramento Cinematográfico que critica este método de ensino, e estimula o educador a buscar conhecimento e transmiti-lo de maneira que o educando saiba o conteúdo do filme, conforme seu contexto em que foi filmado, a visão do diretor, o roteiro, custos e patrocínios, etc. Tudo isso au-
patrocínios, hoje o festival corre sérios riscos de não acontecer. Uma grande perda pra nossa cidade”, lamenta Rodolfo Braga. Os mais envolvidos declararam-se órfãos do festival, demonstrando seu apoio ao evento e indignação em vários meios, principalmente nas redes sociais. Em nota oficial, publicada logo abaixo na íntegra, a Prefeitura Municipal de Itapeva manifestou-se em defesa das acusações.
xilia na formação crítica do sujeito, que automaticamente buscará filmes com maior conteúdo, por exemplo”, explica a professora. Ana leciona em turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental , e enfrenta diariamente as barreiras estabelecidas pelos alunos, “principalmente em uma cidade de interior, onde a cultura é pouco incentivada e a política do ‘pão e circo’, ou seja, a do entretenimento por si só, é muito difundida”, afirma.
A Secretaria Municipal da Cultura e Turismo de Itapeva vem a público através desta nota oficial se manifestar diante de rumores que circulam na rede social com relação a um suposto cancelamento da 6ª Edição do Festival POP de Cinema de Itapeva, cuja realização está agendada para o período de 20 a 24 de novembro de 2012. Cabe-nos informar que não recebemos nenhuma comunicação nesse sentido por parte dos organizadores Créditos: Emiliano Hagge
do festival, portanto desconhecemos a veracidade desta informação, que vem sendo objeto de manipulação de caráter eleitoreiro. Cumpre-nos esclarecer que, desde a sua primeira edição, o Festival Pop de Cinema de Itapeva recebe apoio e patrocínio da Prefeitura Municipal de Itapeva, através da Secretaria Municipal da Cultura e Turismo de Itapeva, e neste ano já renovamos o nosso compromisso de continuar apoiando este evento junto aos seus organizadores, na pessoa do cineasta Daniel Gaggini, com quem mantivemos contato pessoal há duas semanas. É inadmissível que atitudes inescrupulosas tentem denegrir a atuação da SMCT com insinuações e acusações que não condizem com a verdade. Itapeva, 19 de setembro de 2012.”
O público mais assíduo e os organizadores lamentam essa triste “pausa” do festival, e continuam buscando meios financeiros para sua execução, trabalhando incansavelmente para que isso ocorra o mais breve possível. Para acompanhar as novidades do caso e outras atividades dos organizadores, acesse a página do evento no Facebook: www.facebook.com/festivalpopdecinema A banda Pink Big Balls (foto) agitou todas as edições do evento com repertório predominantemente autoral.
Mais informações O público mais assíduo e os organizadores lamentam essa triste “pausa” do festival, e continuam buscando meios financeiros para sua execução, trabalhando incansavelmente para que isso ocorra o mais breve possível. Para acompanhar as novidades do caso e outras atividades dos organizadores, acesse a página do evento no Facebook: www.facebook. com/festivalpopdecinema. Dezembro 2012 | Palau | 19
música
Quem disse que Naumteria? Bateria da UNESP de Bauru chega ao fim do ano com mais desafios e compromissos Por Willy Delvale e Letícia Ferreira Um passo pra cá, outro pra lá. No repertório, música popular brasileira, Tim Maia, Jorge Ben Jor, reggae, funk paulistano e até “Gangam Style”! Tudo no ritmo do samba! Na última apresentação do ano do projeto de extensão Perspectiva da UNESP, a bateria do câmpus de Bauru, mais conhecida como Naumteria, se apresenta para uma plateia fixa de estudantes e outra que passa e para para poder assistir. É fácil observar, se olharmos para os presentes, que lá estão pezinhos de um lado para o outro, acompanhando o ritmo da música. “Será que eu serei o dono dessa festa?”, é um dos trechos que o grupo entoa no batuque, ao lado da exposição de livros à venda da livraria que fica do lado do palco em que esse apresentam, o espaço da cantina. Parece que são donos dessa festa mesmo... Porém, não apenas. Do Interunesp, de festas de casamento e formatura também. Eles são campões do desafio de baterias do Interunesp de 2008 e 2009, vice do de 2007, 2010 e 2011, terceiro lugar do campeonato deste ano, além de campeões do Interbatuc 2010. Neste ano, já realizaram quatro apresentações em casamentos. E ainda tem mais algumas festas pela frente. O nome da bateria, Naumteria, vem da descrença de seu potencial. No início, no ano de 2000, quando a ideia de criar uma bateria surgiu, os alunos pensavam em comprar os instrumentos do próprio bolso. Mas, não acreditaram que estes conseguiriam. Conseguiram. E não pagaram barato. Os preços constumam variar de 150 a 400 reais por instrumento. A resposta deles aos que não lhe deram crédito: Quem disse que “naumteria” (a bateria)? Pois é, teve. E, hoje, em média, cobram mil reais por apresentação. “Mas, a gente não visa muito o lucro”, defende Kirvis Marcos, o mestre da bateria. Ele explica que a bateria usa todo o dinheiro que recebe para a manutenção dos seus mais de 100 instrumentos. A Naumteria é recorrentemente convidada para se apresentar em formaturas e casamentos, organiza festas, e tem uma verba que a Atlética lhes destina anualmente – 3 mil reais, além do que ganham em campeonatos como, por exemplo, o Bloco Superbateria, a próxima competição 20 | Palau | Dezembro 2012
da que vão participar – R$ 1000 em caixa. Ela vai acontecer em Ilha Solteira. “Esse ano a gente vai ter uma nova fase da bateria”, anuncia Kirvis. Lá vão tocar 10 bateriais de campi da UNESP como o de São José do Rio Preto, Assis, e também de outras universidades, a exemplo da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) e da Universidade de São Paulo (USP). Foi através de apresentações em formaturas no ano de 2008 que a Naumteria começou a ficar conhecida. Desde então, a bateria passou a ter que ampliar seu repertório musical, ganhando um ar um pouco mais cult, sem deixar de estar a par do popular. “A gente teve que ir aprendendo. No último casamento, a gente entrou tocando o hino do São Paulo”. Para Kirvis, essa foi fácil! Afinal, ele como sendo um sãopaulino estava mesmo era num momento de hobby. Difícil foi tocar o samba enredo da Gaviões da Fiel, aquela diretamente ligada ao Corinthians, numa outra festividade! Para ele, tudo teve que ser mesmo muito profissional! Apesar do constante crescimento do grupo, muita gente nem sabe da existência da bateria na UNESP de Bauru. Mas, “toda universidade
tem uma”, esclarece Marcos. Quem são essas pessoas? No câmpus bauruense, antes quem majoritariamente integrava a bateria eram os estudantes da FEB (Faculdade de Engenharia de Bauru). Agora, a ampla maioria é da FAAC, a Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação, como Bruna Mantuan (Dalva), de 22 anos. Estudante de Relações Públicas, ela está no terceiro de graduação e primeiro de bateria. Desde 2009, não perdeu um Interunesp sequer. Participava da torcida da Febre Amarela e, neste ano de 2012, resolver ingressar na bateria. “Eu me achava meio descoordenada pra tocar. Mas, meu primeiro instrumento foi o ganzá, gostei e continuei”, conta ela. Para Bruna, a Naumteria acabou se tornando sua segunda família. Com a proximidade do Interunesp, “a gente ensaiava todo dia. Eu os via mais que minha própria família”. Mesmo sendo da FAAC, Bruna ainda é parte de uma minoria, porque a maioria é composta pelos alunos de Arquitetura. “Esse ano, os bixos (calouros) de arquitetura entraram em massa”, como enfatiza Kirvis. São estudantes. Ainda assim, “é comum verem a gente como um bando de baderneiros”, avalia ele.
Não é porque são fãs do barulho de um agogô ou de um ganzá que seus integrantes deixam de estudar. O próprio Kirvis, mestre da bateria, é prova disso. Atualmente, está cursando o penúltimo ano de um doutorado em Física. Ano que vem, ele vai defender sua tese e, por isso, vai deixar a Naumteria, da qual faz parte há quase 7 anos. O início foi em seu terceiro ano de graduação em Física. Na época, ele era metaleiro, de cabelo cumprido, “daqueles que pensavam que só rock
“é uma atividade que reúne os alunos do câmpus. Ela tem promovido o nome da UNESP pra fora”, avalia o presidente do Grupo da Administração do Câmpus da UNESP Bauru (GAC)
NO INTERUNESP 2012, TERCEIRO LUGAR NO DESAFIO DE BATERIAS
presta”, relembra Kirvis. Foi da paixão pela música e pela dificuldade em conseguir encontrar gente comprometida para montar uma banda que ele resolveu entrar na bateria. Uma mudança radical! Radical porque antes ele tocava violão clássico. “Quando eu entrei na bateria, eu tocava caixa”, lembra. Desde então, ele viu muita coisa acontecer, a fase áurea e a fase trash. A fase áurea é talvez a que a Naumteria vem vivenciando nos últimos quatro anos, com as já referidas vitórias e crescente número de convites para se apresentarem. A trash compreende alguns eventos nada áureos, como, por exemplo, a “restrição” a que a bateria foi submetida no câmpus, ainda dentro desse mesmo período. A Naumteria não pode ensaiar dentro da UNESP. Kirvis explica que essa “medida” foi tomada a partir da reclamação de um professor do Departamento de Informática, da Faculdade de Ciências. A tese apresentada pelo professor era o transtorno que o barulho causava ao câmpus. Para Kirvis, “o professor tem mais poder que qualquer um aqui dentro, infelizmente...”. É por isso que quem passa pelas entradas do câmpus nas terças e quintas, do meio-dia às duas, vê a Naumteria ensaiando debaixo de uma árvore, numa espécie de canteiro central da rua. Mesmo assim, tecnicamente fora do território do câmpus, reclamações de alguns professores não cessaram. Em julho, dois departamentos do câmpus enviaram solicitação ao Ministério Público para coibir a “barulheira”. Eles alegavam que os alunos precisavam estudar no horário do almoço. Mas, parece que não deu resultado. “Até agora, nada (nenhuma resposta do MP) constou aqui”, expõe Jair Manfrinatto, presidente do Grupo da Administração Geral do câmpus (GAC). Jair diz considerar um despropósito os alunos da bateria terem sido “jogados lá para fora”: “é uma atividade que reúne os alunos do câmpus. Ela tem promovido o nome da UNESP pra fora”. Ele revela que, apesar da preocupação dos professores desses dois departamentos em relação à dificuldade dos alunos de estudar na hora do almoço, os próprios alunos nunca efetuaram alguma reclamação massiva. E não só a UNESP tem se bene-
ficiado dessa promoção. Até um banco instalado dentro do câmpus acaba se beneficiando de alguma forma das apresentações da Naumteria. Observo que, durante a última apresentação do ano do Projeto Perspectiva, Cleberson Nierotka, funcionário de um banco instalado na UNESP, está ali, com os pés no ritmo da música. Entretanto, o proveito do banco vai além. É que ao lado de onde a Naumteria se apresentava, estava a mesa do banco em que ele trabalha. Ou seja, “(a apresentação) dá um destaque para o meu serviço. Fui liberado pela gente do banco para trabalhar aqui porque os alunos da Faculdade de Engenharia conseguiriam perceber que a carteirinha do banco estava pronta”. E perceberam. Kirvis, o mestre da bateria, já arranjou um substituto seu para o ano que vem. Vai ser o “Picanha”, estudante do segundo ano de Biologia. Qual o perfil do mestre? Para Kirvis, “é um cara que gosta muito de música! Aprende rápido. Vai ter que aprender a tocar todos os instrumentos. Porque como é que ele vai cobrar? Tem que saber cobrar”. Esse foi um dos pontos que ele próprio aprendeu como mestre na Naumteria: “Conviver com pessoas de todos os tipos. Eu era impaciente, eu cobrava muito. Meu jeito de ensinar mudou. Eu aprendi mais sobre liderança do que no meu curso de licenciatura. Bem mais!” É uma experiência que rendeu um emprego na AMBEV ao mestre que Kirvis sucedeu, Júlio, ex-estudante da FEB. Na entrevista de
EM MEIO AOS LIVROS, OS ALUNOS ESTILIZAM EM FORMA DE SAMBA CANTORES COMO TIM MAIA E PSY
emprego, lhe foi perguntado se ele já havia tido alguma experiência com liderança. A resposta: sim! De um grupo musical de mais ou menos 60 pessoas. Foi contratado. “Tem gente que tem a bateria como segunda prioridade e o curso como primeira. Mas, tem gente que tem a bateria como primeira”, explana Kirvis. No caso dele, é uma das primeiras. Acontece que, ao decorrer de seu dia, ele se divide entre suas prioridades de primeira instância, numa rotina que não tem uma hora certa. “Estou fazendo minha tese e, em seguida, já estou falando do Carnaval com o pessoal de Ilha Solteira. Meu dia tem em média 18 horas. Durante 4, eu passo
dormindo. 2, para comer... Isso quando eu não como em frente ao computador. A nossa geração é assim!” É uma geração agitada, multifuncional, de um pessoal flexível, que se adapta bem às mais diversas situações. Em salões de festas, casamentos, no palco do Perspectiva ou debaixo da árvore lá fora do câmpus, eles se apresentam e têm ensaios, toda semana. Para os que duvidaram, a resposta é: teria sim e muito!
“Conviver com pessoas de todos os tipos. Eu era impaciente, eu cobrava muito. Meu jeito de ensinar mudou. Eu aprendi mais sobre liderança do que no meu curso de licenciatura. Bem mais!”, expõe o mestre da bateria, Kirvis Marcos, que vai deixá-la ano que vem
DEPOIS DO INTERUNESP, FOI HORA DE EMPILHAR TODOS OS INSTRUMENTOS DENTRO DAQUELA SALINHA
DIFÍCIL DE ACREDITAR, NESTA PEQUENA SALA ESTÃO MAIS DE 100 INSTRUMENTOS MUSICAIS
O PROJETO PERSPECTIVA TRAZ EM SUA ÚLTIMA EDIÇÃO DO ANO A NAUMTERIA
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literatura e cultura Por Giovana Cornélio e Isabela Hollouka Uma índia com “os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longo que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso” e um índio com o espírito de um herói medieval. Assim foi descrito o povo indígena, primeiro dono das terras tupiniquins, pelos exploradores europeus. A literatura romântica em sua fase indianista buscou recuperar nosso passado histórico atravéz da idealização de um herói nacional brasileiro, o qual possui corpo de índio, jeito de índio e alma européia. No verdadeiro passado histórico brasileiro, o índio é o ser incivilizado e selvagem que foi encontrado habitando as novas terras descobertas. Os europeus impõem seus valores e crenças ao povo dominado. Os nativos são vestidos, catequizados e taxados como cultura inferior, iniciando já naquele momento o processo de desvalorização da cultura indígena. O mestre em história social Claudio Bertolli afirma que “todo o processo de colonização e catequização na verdade tinha o sentido de desqualificar toda a cultura, todas as tradições indígenas e substitui-las pela dos homens brancos. Então, já no período colonial se considerava errado, ridículo e inferior o que era a expressão cultural”. O reflexo de todo esse processo que pode ser visto hoje é o esquecimento e um afastamento cada vez maior da cultura indígena. Aos poucos tentá-se resgatar a auto estima e a valorização dessa cultura. A construção de um mito No Romantismo, o índio é representado pela primeira vez. O movimento artístico, figurado como contrário ao racionalismo e ao iluminismo, perdurou por grande parte do século XIX e buscava um nacionalismo através da dramatização das histórias dos homens, com amores trágicos e busca de ideais utópicos. A recuperação ou a construção de um passado histórico era um fator determinante para a criação de uma identidade da nação, para isso era comum que, por meio de grande idealização, fossem criados heróis nacionais. De acordo com o mestre em língua e literatura Aislan Maciera, a figura que instigava o orgulho nacional europeu era o cavaleiro medieval. Sinônimo de coragem, grande lealdade e generosidade, ele tinha origens nobres, responsabilidade no feudo em que morava e passava toda a trama envolvido em uma historia de amor utópica com uma mocinha, que o fazia passar por grandes perigos. Segundo o mestre, “Os escritores românticos brasileiros recriam a figura do herói nacional e, pela falta de um passado medieval no qual poderiam buscar sua inspiração, tomam a figura do índio como o herói nacional brasileiro.”. Desta forma, as tramas tipicamente românticas assumem este personagem brasileiro. 22 | Palau | Dezembro 2012
A índia Iracema foi representada por diversos artistas, dentre eles, José Maria de Medeiros
Mito do Herói indígena
Enquanto a literatura idealiza uma cultura indígena, a antropologia traz sua verdadeira visão Referência de autor que mais se apegou a esse padrão é José de Alencar. O escritor assinou O Guarani, obra em que o índio Peri faz de tudo por Ceci, filha de um fidalgo português. O índio a salva mostrando que, apesar de suas origens tem personalidade, comportamento e consciência de
cavaleiro medieval, sendo, inclusive, batizado como cristão. Por sua vez, a índia que assume o papel de heroína romântica é Iracema, também idealizada por José de Alencar. Através dessa obra, o autor explica poeticamente as origens de Ceará, sua terra natal, quando, na narra-
tiva, Iracema se encontra com Martim, que representa o colonizador europeu. O casal ainda tem um filho chamado Moacir, cujo nome significa “filho da dor”, que representa alegoricamente o nascimento da nação brasileira. A índia, que é filha de um velho pajé, era uma espécie de vestal
Crédito: Mariah Lima
Oscar Pereira da Silva é o autor de “Desembarque de Cabral em Porto Seguro”. A obra se encontra no Museu Paulista, no Estado de São Paulo.
A vencedora do 1º Concurso de Beleza Indígena foi a jovem Taynara Terena que, apesar de morar em área urbana, faz parte da comunidade indígena de Avaí. por ter a sua virgindade consagrada à divindade, pois guardava o segredo de Jurema, que era bebida mágica utilizada nos rituais religiosos. José de Alencar descreve a heroína como verdadeira divindade, uma vez que começa o romance com uma longa descrição que perdura por toda sua extensão. Logo no primeiro parágrafo, o autor conta sobre o nascimento da índia “além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte”. Segundo ele, a “virgem dos lábios de mel tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira”, além disso, seu sorriso era mais doce que o favo do jati, e seu hálito perfumado recendia no bosque mais que a baunilha. Alencar descreve também os movimentos de Iracema, em que mesclava harmonia, feminilidade e força. Ela corria e sertão e as matas mais rápido que “a ema selvagem”, com o pé gracioso e nu sobre a grama, descrita como “verde pelúcia vestia a terra com as primeiras águas”. Desmistificando Iracema “A intenção do escritor romântico era, na verdade, criar uma figura que representasse nossas origens e a escolha do índio como matriz principal de nossa nacionalidade não leva em consideração a realidade dos fatos históricos, mas sim aquilo que foi idealizado pelos relatos dos primeiros viajantes que aqui aportaram, com todo o etnocentrismo europeu.”, afirmou o mestre Aislan. Os primeiros viajantes, no entanto, vieram com caráter mercantil travestido de missionário, com a intenção de explorar as terras brasileiras
evangelizando os seres que haviam encontrado aqui. Desde então construiu-se a ideia de que o europeu seria mais evoluído por ser considerado civilizado, ao mesmo tempo em que a imagem do índio era construída como se ainda estivesse em processo de evolução, sendo bárbaros e incivilizados. Quando glorificamos a personagem de Iracema como um exemplo da beleza da índia brasileira, nos esquecemos que a sua história é mais uma dentre muitas em que o europeu acelera o “processo de evolução” do indígena que entra em contato com o homem branco e tenta se encaixar na sociedade, o que levou à ruina da cultura indígena. A europeização só foi alvo na Semana de Arte Moderna de 1922, mas a tentativa dos modernistas em revisitar e reconstruir a nossa história não teve sucesso permanente. Essa representação dos povos indígenas ainda tem espaço na mídia e no jornalismo brasileiros, e ainda estão fixadas na mentalidade da população. Buscando a reconstrução da identidade Todo o processo de montagem e construção dessa imagem do índio gerou nas referências das pessoas confusão e inversão de valores. “Grande parte da sociedade enxerga o indígena como atrasado, retrógrado, como pessoa que deveria tentar se encaixar em padrões europeizados e americanizados de sociedade, e não consideram a riqueza de sua cultura e as bases de sua etnia”, afirma Aislan. Bertolli ainda completa que essa desqualificação da cultura implica na frequente desumanização do ser, que pode ser vista nas agressões físicas sofridas pelos índios. Uma vez classificadas e vistas como inferiores, as tribos indígenas absorvem esses conceitos e perdem suas origens e auto estima. Pequenos contatos com os índios já são suficientes para perceber a dimensão e gravidade da situação, assim como dizem Isabela Ribeiro, estudante de jornalismo, e Mariah Lima, relações públicas e produtora cultural. Isabela visitou a aldeia Ekeruá, na cidade de Avaí, e, ao conversar com mulheres da tribo, foi informada que poucas crianças da aldeia sabem falar a língua materna da tribo. O ensino das tradições e raízes dos Ekeruás
Indiozinho de Xingu.
já não é mais passado como antes. Já Mariah teve contato com os povos do Xingu em dois momentos, no Encontro de Culturas Tradicionais, realizado em 2011 na Chapada dos Veadeiros, Goiás, e na Cúpula dos Povos na Rio+20, realizada neste ano no Rio de Janeiro. Segundo ela, em ambos os encontros pode-se notar insegurança, autorrepreensão e desconforto frente aos “homens brancos”. “Reparei no olhar inseguro, principalmente, das mulheres de meia idade e seus filhos. Essas reparavam em cada olhar curioso dos viventes do espaço e demoravam um pouco até ficarem um pouco mais a vontade com a presença do estranho. Penso, fruto da desvalorização dada pelo individuo”. Ainda completa que ela mesma se sentiu desconfortável com os olhares de estranheza que os índios receberam na Rio+20. Campanhas e eventos vêm sendo feitos para tentar reverter essa situação e recuperar a identidade e autoestima dos índios, como aconteceu na cidade de Bauru, no dia 23. Foi realizado na cidade o 1º Concurso de Beleza Garota Indígena Paulista. Foram inscritas 33 índias e mestiças de cinco etnias diferentes para disputar um contrato de um ano com a agência Mega Model. O evento foi organizado pela Associação das Mulheres Indígenas do Centro Oeste Paulista (Amicop) e dividido em três etapas de desfiles. A primeira com traje esportivo composto de short e camiseta do concurso, a segunda com figurino social e, por último, as meninas desfilaram conforme reza a tradição de cada etnia, ou seja com os acessórios e
pinturas de sua preferência. Segundo Bertolli, esses concursos ilustram a nova fase que as comunidades indígenas do Brasil e do mundo todo estão. “Esse novo momento, que é o da pós- modernidade, implica na recuperação de identidade . Durante séculos o indígena acabou em contato com o branco sentindo vergonha d si mesmo. Hoje nós observamos que há uma tentativa de recuperação dessa autoestima, que está na renovação dos poderes tribais, da religiosidade indígena e também da beleza. Historicamente se colocou que o modelo de beleza é o ocidental branco e o indígena,por não se enquadrar diretamente naquilo, era considerado como errado”. Entretanto, ao analisar a forma como o evento ocorreu e seus objetivos, podemos concluir que a realização deste é, no mínimo, contraditória. Isto porque pretende-se resgatar a admiração na beleza indígena através de padrões ocidentais. A exemplo disso, as primeiras fases, em que as meninas tiveram que desfilar com trajes esportivos e sociais, não comuns na tradição indígena. Além disso, o espírito de competição e os desfiles não seguem um padrão de conformidade com as culturas indígenas. O colonizador certamente marcou o mundo indígena com uma mudança significativa tanto na consciência do próprio índio, quanto na forma como a civilização passou a vê-lo. Talvez a realização desse tipo de evento seja a prova de que esta cultura, apesar das tentativas de resgate que tem se tornado comum, dificilmente voltará a ser o que era. É difícil dizer o que será do mundo indígena, no que quis respeito a seus traços culturais e também no seu prestígio na sociedade. Desfile da índia Raquel Terena , da aldeia Erekuá. Crédito: Jupira Terene.
Dezembro 2012 | Palau | 23
literatura
SESC Bauru faz homenagem a poeta Manoel de Barros Poemas do artista serão expostos até o dia 2 de dezembro FOTO: Tiago Pavini
Por Diego Gomes e Tiago Pavini O SESC de Bauru está apresentando as obras do poeta Manoel de Barros, em exposição intitulada “Olhos de Barros: a poesia de Manoel”. A exposição teve início no dia 15 de setembro, e vai até o próximo domingo (2). O nome da exposição se refere ao objetivo do evento, que é fazer as pessoas enxergar o mundo do mesmo modo que Manoel enxergava enquanto fazia seus poemas. No espaço em que estão os trabalhos de Manoel, o público pode interagir com as artes. Na saída da exposição, existe um canteiro onde os visitantes podem deixar suas próprias poesias, sendo que as melhores serão selecionadas e enviadas para o próprio Manoel de Barros. Não há restrição com relação ao público em que frequenta o local, sendo que todas as idades podem ir apreciar os poemas. Muitas escolas já foram contemplar as obras do artista. Hendy Monteiro tem 25 anos de idade, e está no terceiro ano de artes na UNESP. Ela foi uma das selecionadas para auxiliar na orientação dos visitantes durante a exposição. Segundo a estudante, Manoel de Barros é um artista único. “Ele é um cara reservado, mora na fazenda. Não gosta de tecnologia, faz tudo a mão, nem máquina de escrever ele utiliza. Quando alguma editora quer produzir um livro com seus poemas, precisam pegar os papeizinhos que estão soltos”. Ela ainda disse que todos os selecionados pelo SESC precisaram assistir ao documentário sobre o poeta, que se chama “Só dez por cento é mentira”, de Pedro Cézar. “É difícil encontrar informações sobre a vida dele. Dez por cento é mentira, o resto é inventado. Gostei muito do documentário e recomendo”. É importante ressaltar que Manoel de Barros ainda está vivo, com 96 anos de idade.
Recluso por opção, o quase centenário, vive em uma fazenda, onde dela tira o seu sustento e sua expiração. Sua poesia tem cheiro de folha, tem gosto de chuva, tem som de gorjeio, e tem textura de chão de terra batida. 24 | Palau | Dezembro 2012
SESC apresenta poemas de Manoel de barros.
O SESC Bauru está localizado na Avenida Aureliano Cardia, 6-71. A exposição pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 13h às 21h30. Nos sábados, domingos e feriados, a exposição ocorre entre as 9h e 18h. A entrada é franca. Corredor negro e gavetas A entrada para a exposição é um corredor negro, com algumas frases de poemas de Mano el iluminadas no
chão. Segundo Hendy, as pessoas são “obrigadas” a olhar para baixo, sendo que um dos temas preferidos do poeta era relacionado ao chão. A exposição tem uma sala onde é possível escutar a voz de Manoel recitando alguns de seus poemas. Em outra ala da exposição, há uma parede com várias gavetas, onde dentro de cada uma estão objetos (a maioria de barro) com um poema. A interação do público com as obras é um dos atrativos da exposição.
Como tudo começou A ideia de fazer uma homenagem ao poeta não é recente. Há cerca de um ano e meio, o SESC Bauru queria realizar uma exposição voltada para a área de literatura, com ênfase em poemas. Como muitos funcionários do SESC conheciam e gostavam do trabalho de Manoel de Barros, decidiram homenageá-lo. Ademais, o SESC Bauru é pioneiro em realizar uma grande exposição sobre
FOTO: Tiago Pavini
Dentro das gavetas estão poemas de Manoel.
as obras do poeta, sendo que nem mesmo a sede do SESC de São Paulo havia feito algo parecido.
A palavra que define bem Manoel de Barros é simplicidade. O poeta ainda prefere o bom e velho lápis como instrumento de escrita, nada de computadores, teclados, maquinas de escrever, etc. Segundo Gabriela Navarro, uma das organizadoras do evento, a exposição provavelmente deverá ter continuidade em outra cidade. “Agente acredita que ela é itinére, mas não temos ainda a definição de onde ela irá. Mas com certeza ela deve ir para outras cidades”. Os artistas que participaram da montagem e da construção da exposição são de cidades de todo
o estado, e apenas um era bauruense. Gabriela ainda disse que havia uma certa insegurança com relação à resposta do público. “Agente ficou um pouco inseguro, por exemplo, com a ocupação do espaço pelas crianças, pois pensávamos que elas ficariam perdidas. Mas o retorno foi ao contrário, por causa da interatividade, dos cacarecos, coisas que elas não estão habituadas. Até mesmo com as poesias”. Com relação às pessoas mais idosas, Gabriela disse que muitos se emocionaram ao ver a exposição, pois se lembraram da infância. Quem é Manoel de Barros? Manoel Wenceslau Leite de Barros, 95 anos, mais conhecido apenas por Manoel de Barros, é um dos grandes poetas brasileiros ainda vivos. Mas muito além de estar apenas “vivo”, Manoel é hoje uma das poucas pessoas no mundo que realmente optaram por viver. Já ganhou diversos prêmios por seus trabalhos, incluindo 2 prêmios “Jabuti de Literatura”, um em 1989, na categoria Poesia, como o livro O guardador de águas, e um 2002, na categoria livro de ficção, com o livro O fazedor de amanhecer. Longe das grandes cidades,
no mato, mais precisamente em Campo Grande – MS. É lá onde reside e também de certa forma se esconde o poeta. Recluso por opção, o quase centenário, vive em uma fazenda, onde dela tira o seu sustento e sua expiração. Sua poesia tem cheiro de folha, tem gosto de chuva, tem som de gorjeio, e tem textura de chão de terra batida. Manoel Barros usa o que há de mais singelo na natureza para preencher seus pequenos bloquinhos de anotações, e depois de algumas anotações, e de algumas palavras “juntadas”, faz-se nascer então, pela ponta do lápis preto do autor, mais uma nova poesia. Bom com as letras, mas péssimo em trabalhar. Durante toda a sua vida, Manoel de Barros, fez de tudo para não trabalhar, chegou a até mesmo “trabalhar” para que não deixasse isso acontecer. Sua vida sempre foi o campo, foi lá onde nasceu, e é lá que o poeta espera morrer. Trabalhou muito pouco durante a vida, e quando trabalhou, foi pro obrigação dos pais; o próprio diz não levar jeito para a coisa, então depois que conseguiu fazer com que sua fazenda lhe gerasse renda, através do trabalho árduo, claro, Manoel largou mais que depressa o trabalho duro , e se dedicou exclusivamente a aquilo que realmente sabe fazer... Poesia.
Além de uma definição, que servirá apenas para embelezar as páginas de algum livro teóricochato, sua poesia traz em si sua própria essência, seu próprio objetivo, e sua própria definição... Arte. Foto: Diego Gomes É possível ouvir a voz de Manoel nas “conchas”.
“Eu comprei o ócio. Ai é que eu pude ser o vagabundo profissional que eu sou agora.” A palavra que define bem Ma-
noel de Barros é simplicidade. O poeta ainda prefere o bom e velho lápis como instrumento de escrita, nada de computadores, teclados, maquinas de escrever, etc. Nem mesmo utiliza cadernos comprados, o que ele usa em vez disso, são bloquinhos que ele mesmo faz em sua fazenda. Outra escolha que o poeta fez, além da de não usar computadores, foi a de não dar entrevistas, ou pelo menos dar o menos de entrevistas possível. A dificuldade de se entrevistar Manoel de Barros é tanta que, o pouco que se sabe sobre sua biografia, é através de seus próprios livros e histórias, e mesmo assim, não se pode afirmar nada, pois de acordo com suas histórias, Manoel já teria morrido 17 vezes. Particularmente acredito que isso deva ser mentira, não acho que ele tenha morrido mais do que 6 ou 7 vezes apenas. O poeta define sua arte como “vanguarda primitiva”, ou seja, sua poesia cultua a superioridade do estilo de vida simples, do estilo de vida “primitivo”. Mas muito além de uma definição, que servirá apenas para embelezar as páginas de algum livro teórico-chato, sua poesia traz em si sua própria essência, seu próprio objetivo, e sua própria definição... Arte.
“Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
Só dez por cento é mentira “Um documentário sobre a vida de Manoel de Barros foi lançado em 2007. O longa (Só dez por cento é mentira) leva o nome de uma frase do Poeta: ““Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”. O documentário mergulha na biografia inventada e nos versos fantásticos de Manoel, e traz a luz, através de uma linguagem visual inventiva, da dramaturgia, dos recursos ficcionais e das representações gráficas alusivas, o universo espetacular do Poeta. Só Dez Por Cento é Mentira ganhou os prêmios de melhor documentário longa-metragem do II Festival Paulínia de Cinema 2009 e os prêmios de melhor direção de longa-metragem documentário e melhor filme documentário longa metragem do V Fest Cine Goiânia 2009. Dezembro 2012 | Palau | 25
fotografia
Fotografia, pra que te quero?
Projeto “O Olhar Através das Lentes” da UNESP de Bauru incentiva jovens do ensino fundamental a lidar com a arte fotográfica
Fotos: Isabela Ribeiro
Por Isabela Ribeiro e Thales Valeriani É difícil afirmar uma data exata para o surgimento da fotografia, já que desde a Antiguidade o homem estuda a fixação de imagens em suportes. Mas, considera-se que a primeira fotografia foi tirada 1826 por Joseph Nicephore Nièpce, um militar francês com fascínio por registros visuais- só que o próprio “fotógrafo” não considerou a sua experiência bem sucedida, uma vez que só era possível identificar borrões. Atualmente, as máquinas fotográficas conseguem tirar fotografias com uma resolução invejável em diversas condições, mesmo quando elas não são favoráveis. Porém, mais do que aplicar técnicas de fotografia, é necessário desenvolver a sensibilidade do olhar, interpretar, selecionar a imagem, e, por fim, escrever com a luz, ou seja, fotografar. Pensando nisso, alunos do primeiro ano de jornalismo da UNESP Bauru, orientados pela Professora Dra. Loriza Lacerda de Almeida, foram a duas escolas, sendo uma pública e uma particular, buscando ensinar técnicas de fotografia às crianças, mas principalmente buscando o olhar de cada uma delas sobre o mundo, através do projeto “O Olhar Através das Lentes”. Com o entendimento de que as tecnologias estão cada vez mais baratas e acessíveis e que por isso a fotografia deixou de ser algo exclusivo dos fotógrafos profissionais e passou a fazer parte do cotidiano, a oficina se propôs a ensinar crianças e jovens como fotos e vídeos podem transmitir informações e expressões artísticas, mesmo através de câmeras embutidas nos telefones celulares mais simples. Aliás, como diz o ditado: “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A oficina do projeto, que se iniciou em agosto e teve seu encerramento em novembro de 2012, contou com aulas teóricas e práticas, recebeu fotógrafos profissionais, ensinou sobre o trabalho de fotógrafos famosos, sobre técnicas de iluminação, enquadramentos, como trabalhar as cores, além de questões subjetivas como interpretação e comunicação através da foto. Os alunos puderam treinar o olhar, experimentar novas formas de fotografar, de interpretar e enxergar o mundo. Paulo Junior, 11 anos, aluno do ano sexto ano do Colégio particular Uniesp, afirmou, “antes eu tinha vergonha de tirar foto de mim, eu gostava de tirar só de ambientes”. Ele também contou que esta foi a sua primeira experiência com a fotografia “eu nunca tinha feito curso de fotografia. Antes eu achava que não tinha o que fazer com a foto para ela ser melhor. Fotografia é uma arte”, concluiu. 26 | Palau | Dezembro 2012
“Eu achava que não tinha o quê fazer com a foto pra ela ser melhor. Fotografia é uma arte.”Paulo Junior, aluno de 11 anos do colégio Uniesp Aceitação Algumas das impressões que ficaram nos participantes do projeto: “Eu amei porque aprendi coisas que nem sabia que dava para fazer com a câmera. Não sabia que podia ir além do olhar na câmera e clicar” Laura Rodrighero, 11 anos, Colégio Uniesp “Antes eu via a fotografia apenas como um momento congelado, mas agora eu vejo que a foto tem sempre uma mensagem, uma pergunta. Eu lembro que tínhamos que tirar fotos de coisas boas e ruins para o projeto, e eu percebi bastante coisas muito boas e muito ruins que eu nunca tinha parado pra ver, isso ajudou bastante na observação, na concentração”. Sara, 11 anos, Colégio Uniesp “Eu vi que eu gostei de tirar foto, que eu acho interessante, e vi que a profissão de jornalista também é interessante, a gente interpreta a foto de um jeito mas ela pode ter vários significados.” Luiz Vitor, 14 anos, Núcleo de Ensino Renovado “O projeto foi bem especial, principalmente para mim. Ás vezes eu tirava
uma foto do nada e eu me achava boba, eu vivia excluindo minhas fotos. Minha visão mudou, agora quando eu olho para a foto eu vejo: nossa! O céu está legal, isso está legal, o enquadramento, as cores, tudo. O olhar sobre as coisas pra mim mudou. Eu acho que eu me descobri melhor nesse projeto, meu olhar é mais profundo sobre tudo.” Bárbara, 13 anos, Núcleo de Ensino Renovado “Gostei muito do projeto pois me fez interagir mais com a turma. Antes eu só conversava com as minhas amigas, e a partir do projeto eu começei a conversar com todo mundo da sala. Antes eu só via o mundo do jeito que era aqui, para mim, através desse projeto eu pude abrir minha mente para o mundo.” Julia, 13 anos, Núcleo de Ensino Renovado
Inclusão e aproveitamento O projeto acaba realizando uma inclusão dos alunos com a cultura, no caso, fotográfica. É uma das formas de inteirá-los e envolvê-los em uma das artes, de modo dinâmico, divertido e que deixa aquele gosto de “quero mais”. Ao diminuir a barreira que, infelizmente, ainda há entre a Universidade Pública e a cidade na qual ela está inserida, as oficinas abriram portas para jovens que muitas vezes nem pensam em fazer uma faculdade ou curso técnico, seja por motivos financeiros, falta de apoio da família ou pouca perspectiva.
Quando universitários se propõem a levar experiência, transmitir conhecimento e debater propostas, a educação acontece de forma mais ampla e proveitosa.
“Ás vezes a gente tira foto de um amigo que já morreu ou da família reunida e então podemos lembrar dessas coisas pra sempre.” Tainá, 13 anos, Núcleo de Ensino Renovado.
Antes eu via a fotografia apenas como um momento congelado, mas agora eu vejo que a foto tem sempre uma mensagem, uma pergunta”- Sara, 11 anos, aluna do colégio Uniesp.
A aceitação dos alunos foi grande, mas não podia ser diferente. As escolas precisam de mais parcerias com as universidades públicas, e o contrário também é verdadeiro, já que nesta via de mão dupla o estudante universitário aprende a trabalhar com pessoas de diversos tipos, que pensam de modos diferentes, a lidar com contra tempos e a agir de forma dinâmica. Há uma contribuição
para um profissional mais dinâmico. Pós Projeto A intenção dos voluntários do projeto “O Olhar Através das Lentes” é confeccionar um documentário para registrar todo o processo de aprendizado e produção visual das crianças, além de exposições de suas fotos, in-
spirados pelo documentário indiano e estadunidense “Nascidos em Bordéis”, de Zana Briski e Ross Kauffman, o qual conta a história de uma fotógrafa que passou a ensinar fotografia para filhos de prostitutas na Índia. Tanto o documentário, quanto as exposições, estão previstos para o primeiro semestre de 2013.
Contribuição Positiva
Turma da fotografia
A professora de língua portuguesa do Colégio Uniesp, Oeni, contou como o projeto contribuiu positivamente para a sua matéria: “Quando soubemos da parceria nós achamos interessante, visto que precisamos despertar nos alunos esta sensibilidade através do olhar. Para as aulas de língua portuguesa foi enriquecedor, pois como nós trabalhamos com textos, não só escritos mas visuais, as crianças puderam trazer as fotos para sala para discutirmos sobre elas. A duração foi pequena, talvez se o projeto fosse um pouco
Flores e pôr do sol
mais extenso nós poderíamos colher mais frutos e eles seriam mais multiplicados, mas do projeto em si os alunos gostaram, ficaram entusiasmados, alguns tiveram resistência para tirar as fotos, mas depois foram se envolvendo e acabaram tirando. Os professores também se motivaram, no inicio do projeto nós participamos, e, particularmente, eu começo a ver de forma diferente as imagens. Tenho uma preocupação quando vou tirar foto, essa parada do olhar para coisas da vida, daquilo que é realmente importante. O projeto valeu, acredito que as meninas (projetistas) devem continuar a desenvolver este projeto, pois muitos benefícios serão colhidos, e aqui as portas estarão abertas a hora que elas quiserem, de acordo com nossa disponibilidade, nós vamos dar este momento para que elas possam usufruir, pois sabemos que é um trabalho sério. Parabéns à equipe, à orientadora, a qual eu tenho o prazer de conhecer. Foi bom para todos nós. Precisamos disso, precisamos olhar através das lentes, parar e observar através das lentes. O olhar diz tudo, a foto hoje em dia é você se expressar, é você ter esse olhar e poder ver e daí fazer uma análise, uma crítica, uma reflexão. A foto para mim hoje é isso, além da técnica. Algumas técnicas eu aprendi e coloco em prática na medida do possível, e fica legal, porque sai daquela foto que nós estamos acostumados onde fica todo mundo arrumadinho. Hoje, não, o legal é o espontâneo, e tirar várias fotos. Antes havia aquela preocupação de tirar uma foto só. Mas hoje você tira, se não valeu essa, se não está no momento , você descarta, tira outra. A frequência também é interessante, quanto mais você pratica, mais você educa o seu olhar, você tem um olhar diferenciado para as coisas.” Dezembro 2012 | Palau | 27
espetáculo
The show must go on O espetáculo Galpão das Ilusões faz releituras de musicais famosos e chama a atenção à cena teatral brasileira Por Heloísa Santos Isabela Giordan João Pedro Ferreira Jorge Salhani O Teatro Municipal de Bauru estava cheio às 19h40 de uma forma que poucas vezes foi vista. Ali se reuniam estudantes, famílias, idosos, crianças. Todos haviam levado um litro de leite mais cedo, quando compraram o ingresso ou assim que chegaram. Alguns liam o folheto com a sinopse e créditos da produção . O zum zum zum das conversas não parava, sendo às vezes difícil de escutar ao intelocutor, mesmo que este estivesse ao lado. O espetáculo que todos esperavam ver era o intitulado O Galpão das Ilusões. Os cartazes por onde alguns se informaram do evento eram um tanto confusos quanto ao verdadeiro tema e atos que estavam por vir. A expectativa e barulho iam crescendo conforme as 20h se aproximavam. Mais gente chegava. Um grupo de jovens usando roupas coloridas tentavam vender seus ingressos sobressalentes. O piso superior do Teatro estava apinhado de tal forma que era difícil andar. O calor aumentava. O vento fresco de fora entrava pela varanda impotente.
Jorge Salhani
Cats abre o Galpão das Ilusões.
lastimoso, Firuli se deita para dormir. É então que os gatos surgem. Eles se enrodilham, espreguiçam, pulam e cantam. Se tratava de uma releitura do musical Cats (1981), que ficou em cartaz na Broadway por dezoito anos e escrito pelo inglês Andrew Lloyd Webber. Dos becos e da escuridão onde Senhoras e Senhores! interagem e compartilham das mesma Às 19h50 as portas do au- histórias, os gatos surgem no palco. De ditório foram abertas. Rapidamente, roupas coladas, majoritariamente esas pessoas encontraram seus lugares. curas, as atrizes dançam e ronronam, Quinze minutos depois, as luzes se causando confusão no protagonista, apagaram e uma porta perto do lado que não entende o comportamento direito do palco se abriu. Gritos vindos dos gatos. do interior do cômodo que a porta es Estava aí uma prévia do que condia puderam ser ouvidos. O circo seria o espetáculo: um apanhado de iria fechar. Todos ficaram sem em- outros espetáculos. Dentre os musicais prego. A coisa tá feia, meus amigos. adaptados durante a obra, estavam Um palhaço saiu (ou entrou, depende alguns do mais importantes e conhecida perspectiva) pela porta. Andou por dos já produzidos. A cada ato podiam um tempo de um lado para o outro. ser vistos figurinos totalmente diferO semblante era descaído, derrotado. entes, enredos que mesclavam a obra Por cima do ombro, um pedaço fino de original ao Galpão das Ilusões e várias madeira com uma trouxa amarrada na músicas: das mais lentas às mais acelponta. Um clichê de quem se retira. eradas. Os musicais, porém, tinham O palhaço, que sabemos se um aspecto em comum: todos se enchamar Firuli graças ao folheto da sin- trelaçavam com a história do palhaço opse, sai de cena. É projetado um filme Firuli. nas cortinas do palco, ainda cerradas. Dirigido por Robert Wise e No filme, Firuli anda o que lançado em 1965, o musical A Noviça parecem ser quilômetros em uma linha Rebelde é o musical seguinte apresende trem. É uma forma de transpor os tado. O original se passa na Áustria e limites do palco para a história con- conta a história da noviça Maria, desde tinuar. Sincronizado com o filme, o os seus dias de convento até quando palhaço reaparece, agora no próprio sua família deixa o local onde mora, palco, como que saído da projeção. pois exército nazista ocupado a cidade. As cortinas se abrem e o espetáculo Na versão feita para Firuli, as canções exibe seu cenário: um galpão cheio de são adaptadas ao nosso idioma matermóveis, como que um quarto muito no, o português, e contagiou a platéia, grande, com roupas penduradas em especialmente as crianças presentes. todos os lugares e sujeira. “I’m singing in the rain, just Depois de um monólogo singing in the rain...”. É fácil lembrar 28 | Palau | Dezembro 2012
desta música e de Gene Kelly a performando. Sendo um dos musicais mais conhecidos, Cantando na Chuva não ficou de fora dos atos do Galpão. De capas amarelas e um número de sapateado, os atores representaram muito bem o musical norte-americano de 1952, que teve Stanley Doney e o próprio Gene Kelly como diretores. Dorothy, Espantalho e o Homem de Lata fizeram sua aparição. Os atores encenaram os personagens de O Mágico de Oz, musical de 1939 adaptado do livro homônimo de L. Frank Baum. O enredo principal, que acontece no Kansas, se baseia na história da menina Dorothy que desaparece durante uma tempestade e encontra vários companheiros durante o tempo que está fora de casa,
como o sem-coração Homem de Lata. Na versão para o público bauruense, Dorothy emociona e ganha coro da platéia com a música Somewhere Over the Rainbow. Galpão das Ilusões ainda contou com interpretações de Hair (1968) e seus hippies, Sweet Charity (1966) e o seu clima de cabaré e Chicago (1975), do mesmo diretor do anterior, Bob Fosse, com toda a sensualidade da belíssima e sedutora Velma. Bastidores A ideia para um musical de primavera surgiu com a jornalista Tainá Goulart, 21, quando, em janeiro desse ano, começaram os preparativos para o show. “Já no começo desse ano, uma amiga minha e eu propomos pra nossa professora de Ballet, do Centro de Dança Corpo Livre, de fazer um musical, ela topou na hora e o Galpão nasceu” relembra a jornalista e bailarina. Após a ideia inicial, a correria para roteiro, cenário, atores e ensaios começou. Com o roteiro pronto, produzido por Tatiane Pompei, que além de roteirista também interpretou Maria de “A Noviça Rebelde” durante o musical, o próximo passo era decidir as coreografias e o canto. “Os primeiros ensaios começaram em janeiro com aulas de jazz de musical para podermos nos familiarizar com o estilo de coreografias e músicas” conta a estudante de direito Natália Delasta, 19, que já faz parte do mundo do ballet desde criança. Toda a coreografia foi feita por Merene Lobato, que precisou adaptar os passos de dança dos musicais envolvidos no espetáculo e, além disso, transformalos em um só show. Tainá também conta que uma das maiores dificuldades era intercalar Tainá Goulart
Musical Chicago e toda sua sensualidade também marcam presença.
o canto na apresentação. Para isso foi convidada a regente do CPP de Bauru Patrícia Di Carli para a preparação vocal e de canto dos bailarinos. Tudo isso em um espaço de 10 meses, que foi o suficiente, para criar um belo espetáculo, repleto de jazz, gatos e passos de dança. “Euforia e alegria por saber que foi maravilhoso, e ver que o que trabalhamos e ensaiamos durante o ano valeu a pena, os aplausos finais sempre são gratificantes e o cansaço do corpo nessa hora nem existe mais” relembra Natália sobre o dia que fez parte das ilusões doce palhaço Firuli. A música que conta uma história Apesar do que muita gente pensa, os musicais não “estão” na moda, e sim “são” moda constante há muito tempo na indústria cultural. A explosão desse gênero nos últimos tempos, apenas reflete o leque maior de opções e espaços disponíveis para a produção cultural. Ora, um exemplo recente disso é o sucesso da série de televisão Glee, que apresenta números músicais em todos os seus episódios. Ou então, o sucesso que a releitura brasileira de Hairspray, dirigida por Miguel Falabella, inspirada no filme de 1988 do diretor John Waters. Entretanto, mesmo com toda sua importância histórica e atual, musicais não são assuntos constantemente abordados e discutidos com profundidade nas salas de aula do curso superior de artes cênicas, como contam Jacylan Castilho, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Laís Castro, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pesquisadoras na área artística. Isso leva a uma discussão sobre a atual grade curricular dos cursos de artes cênicas, já que os musicais possuem total ligação com o teatro. Segundo Jacylan Castilho, o musical pode ser considerado um espetáculo teatral, e trata-se de uma estética específica nas artes cênicas, que utiliza predominantemente as canções e movimentação física (dança, teatro físico) para apresentar uma ficção (estória). E não deixam de estarem presentes todos os elementos de um espetáculo teatral, como os visuais (cenário, figurinos, iluminação, adereços), o texto (letras das canções, diálogos), a presença do ator e sua movimentação. E a qualidade dos musicais como arte tem transformado a ponte “Broadway-Hollywood” cada vez mais comum. Desde os tempos de “Noviça Rebelde”, que estreou nos palcos em 1959 e foi adaptado para o cinema em 1965, se transformando em um grande sucesso, vencedores de vários prêmios Oscar, incluindo melhor filme e melhor diretor. Temos também o exemplo de “Hair” (1968 na Broadway e 1979 no cinema) e o mais recente “Mamma Mia!, que estreou em Londres em 1999 e ganhou adaptação com a atriz Meryl Streep em seu papel principal em 2008. Laís Castro coloca que essas adaptações para o cinema são totalmente válidas. Ela explica que o que muda é a linguagem: “A linguagem te-
atral é “ao vivo”, a cada dia é um novo espetáculo, esse é o grande diferencial do teatro.” Castilho adiciona considerar que “toda passagem de uma mídia para outra - teatro para cinema, literatura para teatro ou dança, etc. - é válida e deve ser vista como uma nova obra.”, já que a linguagem é outra, mesmo que tenha a mesma história e criadores. Para Jacylan, um musical pode fazer refletir, divertir, emocionar como qualquer outro espetáculo cênico, mas “o diferencial é que ele requer um aparato técnico (canto e dança) mais exigente que a maioria dos outros gêneros”. E Firuli parece, ao fim da peça, ter entendido o caráter conquistador e emocionante da música combinada com o teatro. Ele se reergue, dessa vez com as esperanças renovadas de salvar o circo de onde fazia parte. Otimista, anuncia que levará a música aos espetáculos e, assim, inovará a forma de fazer circo, e, porque não, de encarar a vida. Com música fica tudo melhor.
Da redação para os palcos
Apesar do que muita gente pensa, os musicais não “estão” na moda, e sim “são” moda constante há muito tempo na indústria cultural.
• Como foi o processo de escolha de atores para este musical? Isso não aconteceu como de costume no universo musical, ao invés de audições nós escolhemos alunos da academia de dança. O palhaço Firuli, foi o ator Renato Crisóstono, precisávamos de alguém com experiência para o papel.
Aos 22 anos, a jornalista e bailarina Tainá Goulart deu vida a três personagens na peça musical “Galpão das Ilusões”. E conta alguns detalhes dos bastidores de sua experiência nos palcos. • Quando e por que você decidiu participar de teatro/musicais? Comecei a me interessar por musicais no meio de 2011, minha amiga sabia da minha voz e me incentivou a conhecer melhor. Sempre fui artista, de não ter vergonha e falar na frente de todo mundo. • Qual a sensação que dá após uma apresentação de um musical, como o ‘Galpão das Ilusões’? Senti eu posso mais, que eu posso, talvez, dar certo como profissão. E agora, quero correr atrás de aulas pra aprimorar e manter essa delícia de sensação pós- apresentação.
• Como foi feita a escolha de figurino? Figurino nós mesmos fizemos. Aconteceu o mesmo com os cenários, cada um trouxe alguma coisa, mas o pai de uma
das professoras ajudou muito construindo várias coisas para o musical. • O que foi mais difícil durante os ensaios? O mais complicado foi a parte do canto. Nós chamamos a preparadora vocal Patricia De Carli, regente do coral do CPP de Bauru, para nos ajudar. Foi muito sacrifício, mas valeu a pena! • Qual sua parte favorita deste musical? Acho que foi um baita desafio pra cantar e dançar ao mesmo tempo, sem contar que os personagens eram bem diferentes. Em Chicago, eu fazia o papel da Velma, uma mulher sensual, que andava quase sem e do nada tinha que mudar pra Dorothy, do Magico de Oz. Mas, como eu gosto de desafios, foi muito legal! • Qual seu musical favorito? Posso dizer, como gosto muito de cantar, que os meus musicais e musicas favoritas são: Wicked, Anything Goes e Spring Awakening (O Fantasma da Ópera) que tive a oportunidade de ver na Broadway, uma experiência inesquecível. • Qual é a sua opinião sobre a atual situação dos musicais no Brasil? Acho que eles deveriam ser mais incentivados no país, tanto produção quanto a apreciação. Adoro os talentos brasileiros como, por exemplo, Saulos Vasconcelos, Claudia Raia, Sara Sarres e muitos outros. Jorge Salhani
O Mágico de Oz fecha o espetáculo. Ao fundo, atores de Cantando na Chuva e A Noviça Rebelde fazem coro.
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arte
Bate papo sobre colagem Por Pedro Cardoso Bricolagem da colagem. Simples assim. É desse modo que Sonia Magalhães ganha a vida ao fazer o que mais tem paixão em sua vida – colagem. Além de artista plástica, ela é professora de artes e ilustradora – essa última atividade, aliás, é a que demanda mais tempo de Sonia. Há uma infinidade de métodos de ilustração, como cartuns, charge, caricatura, histórias em quadrinhos, dentre tantas outras. Entretanto, o caminhado optado pela artista foi a colagem – umas das vertentes ilustrativas mais interessantes de se admirar, uma vez que possibilita um grande leque de experimentação e mistura de elementos, de modo a criar uma obra divertida, informal, bem humorada e que requer um pensamento crítico. Agora, presenteio os leitores com uma agradável entrevista com Soninha (sim, além de tudo aquilo que já falei, ela exerce outra função – a de tia. Minha tia. Com vocês, Sonia, Soninha, Sô, ou qualquer outro nome que desejar alcunhá-la. Conversa com Sônia Magalhães, artista plástica, professora de artes e ilustradora. - Qual a história que envolve a arte da colagem? No que consiste sua(s) técnica(s)? Há alguma complexidade envolvida no processo? A colagem é uma linguagem plástica. A colagem é uma atitude, um recurso técnico e também um conceito que o artista lança mão ao realizar a seu trabalho. Vou contextualizar um pouco, para você, a história da colagem, e o momento em que emerge com uma força enorme sobre a cultura ocidental. Vai parecer um “papo cabeça”, mas acho muito bonita essa trajetória, e às vezes não damos conta dela. Os artistas Picasso e Braque são os primeiros a afixar um pedaço de material estranho à superfície da tela de uma pintura. Isso acontece quando trabalham nas obras da fase cubista, por volta de 1912. Eles colam papel de parede, ticket, pedaço de jornal, fragmento de objeto, corda, etc. A partir desse momento a colagem passa a ser utilizada pelos principais movimentos artísticos das vanguardas do início do Séc XX, no cubismo, no dadaísmo, no surrealismo, etc. É que depois da invenção da fotografia, as questões que norteavam as artes plásticas se transformaram muito rapidamente. E com a chegada do cinema, da psicanálise, do marxismo, da vida moderna, tudo isso contribuiu para uma percepção da fragmentação do mundo exterior e interior do indivíduo. O dia a dia do artista, do criador, do pensador está mergulhado nesse universo, e sua maneira de ver o mundo acabar por ser refletida 30 | Palau | Dezembro 2012
João do Rio-Ediouro, 2012
nas obras concebidas nesse período. A colagem, enquanto conceito, passa a ser utilizada praticamente por todas as manifestações artísticas, o cinema, a literatura, o teatro, a música, a arquitetura, etc. É fundamental lembrar também da importância e do impacto da primeira guerra mundial sobre a vida, a arte e a cultura daquele período. Sobre o que é a Colagem, o poeta uruguaio Lautréamont resume perfeitamente: é o encontro fortuito de uma máquina de costura e um guarda-chuva sobre uma mesa de dissecação! E o artista alemão Max Ernst dirá que “a técnica da colagem é a
exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente provocado por duas ou mais realidades estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado, com um cintilar de poesia que resulta da aproximação dessas realidades.”Etimologicamente, a palavra collage é um derivado do verbo francês coller, que significa colar, pegar, aderir. Existe uma quantidade enorme de termos que vem a reboque do termo colagem: Collage, papier-collé, montagem, ready-made, fotomontagem, photocollage, assemblage, rollage, etc. Quanto a complexidade do processo de execução, acredito que é uma linguagem que pode ser feita tanto de maneira muito simples, apenas com um tubinho de cola branca e papéis variados, até utilizar recursos mais elaborados e complexos. Para fazer a colagem, podemos utilizar materiais muito baratos, encontrados no nosso entorno, o que facilitaria sua aplicação nas escolas, mas para isso seria necessário uma melhor preparação do professor, estudando muito bem a história da colagem e desenvolvendo propostas inovadoras de utilização da linguagem. Na 30° Bienal de Artes Plásticas, “ A Iminência das poéticas”, que está atualmente em cartaz na cidade de São Paulo, podemos encontrar uma quantidade enorme de obras que utilizam a colagem como recurso plástico. Fato que confirma a força dessa linguagem nos conceitos da arte contemporânea.
Revista Vida Simples [Detalhe], Editora Abril, 2010
- Como você se aproximou da colagem? Morei na cidade mineira de Ouro Preto nos anos 1980, estudei na Fundação das Artes de O.P. (FAOP), uma ótima escola pública, com aulas de gravura, desenho, pintura, escultura, história da arte, entre outras disciplinas artísticas. Durante um exercício na aula de composição, dada pelo professor Carlos Wolney Soares, utilizamos papéis recortados como um recurso para o desenvolvimento da proposta, mas naquela aula, me apaixonei pelos papéis recortados, pela colagem – e nunca mais deixei de fazê-la até hoje, passados quase trinta anos. Muito tempo depois, me lembrei que também tive um grande estímulo “colagístico”, quando, na adolescência, morei na casa da minha tia Ercília, que era professora primária e tinha um baú cheinho de revistas e recortes, além de uma infinidades de imagens as quais ela utilizava para fazer diários de classe e todo tipo de cartazes para ser utilizados em aula ou na escola. Eu bebi muito daquela fonte ao fazer meus trabalhos escolares recortados e colados. Também levei comigo, alguma daquelas imagens, é claro, já iniciando assim uma espécie de acervo pessoal. Acho engraçadas essas duas historinhas que acabo de te contar. Para mim, são uma mostra de que a gente nunca sabe de onde vem os estímulos, por isso é bom que venham em abundância, e venham sempre. - Como você transita entre a arte e a ilustração? Existe essa diferença? Acho que existe essa diferença, mas acho difícil explicar como isso funciona. Basicamente o trabalho artístico tem questões que surgem na medida que o trabalho vai se desenvolvendo, vai amadurecendo. Essas questões são, por princípio, inerentes a obra e ao artista. Elas surgem de uma demanda interna de um sujeito, que é o artista. Já a ilustração surge de uma demanda externa. A ilustração tem um vínculo forte que já é dado logo de cara: O texto e o livro. É um trabalho que tem questões muito específicas, que tem a ver com “lugares” e “meios” bem definidos: a editora, o autor, o texto, a história, o livro, o leitor... E o trabalho do ilustrador será participar do objeto-livro, criando uma conversa, um diálogo, entre texto e imagem. Acredito que a capacidade de estimular a imaginação é um dos pontos fortes da literatura. E que a ilustração não pode “estragar” isso colocando uma imagem redundante ao lado do texto, tirando assim a oportunidade do leitor de fruir a obra, dentro dessa potencialidade da linguagem escrita. Por isso, procuro tomar cuidado de não tirar do leitor a possibilidade de usar a própria imaginação. Daí, ao conceber as ilustrações de um livro, penso em imagens que ampliam as referências do texto, dialogando com esse, criando quase um espaço paralelo, abrindo a percepção geral. - Você é adepta também da cola-
Neste trecho da história o rapaz recebe a visita de um primo em sua casa. Optei por fazer uma composição fragmentada utizando desenhos, papéis variados, selos de Portugal, e duas imagens de casas retiradas do antigo dicionário ilustrado LELO, de origem portuguesa. Procurei criar a atmosfera que é narrada no texto, sem ser explícita nem linear, conforme disse anteriormente a você, esta uma questão que procuro sempre levar em conta ao criar as imagens: dialogar com o texto procurando abrir a percepção. - Pode ser observado na colagem acima um verdadeiro mix de formas e texturas( a imagem de uma senhora retratada em pose aristocrática sobreposta à indumentária de cores vivas e à linhas geométricas, expressando uma visão informal e bem humorada da obra. Você se inspirou em alguma obra ou em algum artista especificamente para compor
a ilustração? O que representa cada elemento visual? Como se deu o processo de sobreposições? Respostinha: Esta ilustração foi feita para o livro “Muito Pano pra Manga” de autoria de Maria Amália Camargo pela editora Girafinha em 2008, e lançado numa edição da Fashion-week no prédio da Bienal. O texto é muito engraçado e faz trocadilhos com termos e expressões do universo da moda e das roupas. Foi a primeira vez que fiz colagens digitais para um livro, capturando muitas imagens pelo scaner e depois compondo a ilustração pelo Photoshop. Optamos por utilizar esse mix de “texturas” tiradas de moldes de costura, de tecidos, etc., e essa mulher foi copiada de uma boneca “dress-me-doll” que tem roupas de papel pra gente vestir. Mais uma vez procurei não ser linear, e sim remeter ao universo da moda, com um jogo e um estranhamento lúdico.
Ilustração do livro Muito Pno pra Manga de Maria Amália Camargo
gem digital? Quais os prós e contras de ambas e qual sua preferência? Sim, sou super adepta da colagem digital. Mesmo porque acho que a atitude de todos diante do computador é muito próxima da colagem. O ctrl+c e o ctrl+v que utilizamos o tempo todo é recortar e colar, não é? O conceito da colagem está mais arraigado no cotidiano do que podemos perceber. E, de fato, ali com a mão na massa, com as ferramentas digitais, a colagem está em casa...nasceu pra isso. Quanto ao aspecto estético da colagem digital, acho que inúmeros artistas trabalham muito bem utilizando o computador. No meu caso, especificamente, gosto de realizar os dois tipos de colagem, tanto manual quanto digital. Mas percebo que se não ficar atenta, a tendência pouco a pouco é só ir fazendo digitalmente. Daí, sempre que possível procuro trabalhar manualmente, para não perder a destreza. Talvez com o tempo seja considerado um trabalho digamos assim... raro ( risos). - Você acredita que cada tipo de trabalho requer um direcionamento distinto , e portanto, apenas um tipo de elemento, ou não, um mix de cada tipo numa mesma obra é uma proposta mais visualmente interessante? Para cada livro que faço penso num universo de imagens e recursos visuais muito específicos para aquela obra. Cada obra pede um tipo de “pegada” diferente, daí os recursos dos quais lanço mão, terão a ver com o repertório do que já fiz, do que venho experimentando e do que ainda quero experimentar. Todas as vezes que inicio um novo projeto, quero fazer algo novo, algo diferente do que já fiz. E acho que nunca faltará territórios novos para serem experimentados. E tudo isso dentro do universo da colagem, sempre.
- Como é feita a técnica de sobreposição de diferentes papéis, estampas e texturas numa colagem? Tem a ver com os elementos estéticos do trabalho, com a composição plástica, a combinação de cores, o efeito visual. Às vezes, tem a ver com os elementos conceituais do trabalho, por exemplo, se tiver uma determinada imagem importante para ser utilizada e ela for encontrada sobre um papel muito fino, ou de cor forte ao utilizar esse material, terei que compor todo o conjunto.
Revista Bons Fluidos Editora Abril, 2008
Algumas obras de autoria da artista e seu comentário a respeito delas -Na ilustração intitulada “O barão assinalado”, há uma espécie de jogo entre selos e imagens da “casa grande”, a qual simboliza diretamente a posição de um barão na sociedade. Qual a proposta da ilustração? Existe relação do título com a epopéia “Os Lusíadas”, de Camões? Respostinha: Esta ilustração pertence ao livro “O Barão Assinalado: portugueses no Brasil” de autoria de Luiz Maria Veiga, editado pela ed SENAC em 2004 e pertence a “série imigrantes”. É um livro juvenil que trata da relação de um rapaz que torce para a Portuguêsa ( a Lusa) e se infiltra na torcida Corinthians, para dar “azar” ao adversário. Numa confusão que acontece no estádio, por causa de um grito de Golllll fora de hora ... ( risos)... ele conhece uma garota Corintiana. Eles começam a namorar e o rapaz a leva para conhecer a família de origem portuguesa, seus costumes e principalmente sua culinária.
O barão assinalado-Sonia Magalhães
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arte e história
Arte da esperança Muitos julgam que o esperanto é uma língua morta, mas além de ser um dos mais falados do mundo, ela detém uma cultura única e universal. Por Agnes Sofia
No ano em que foi fundada, a Liga já lançou a primeira edição da revista Brazila Esperantisto, que circula até hoje.
“Falar uma língua estrangeira é romper uma fronteira. Falar muitas é romper várias. Falar o Esperanto é querer romper todas de uma vez“. (Affonso Romano de Sant’Anna) Estamos no final do século XIX. O jovem Ludwik Zamenhof vive na cidade de Bialystok, uma das maiores do Império Russo, e em que menos de meio século, assistiu a um impressionante aumento populacional. Por causa disso, vários povos se misturavam: judeus, russos, alemães, todos eram obrigados a viver juntos, o que gerava uma grande tensão. Ludwik observava bem isso na escola. Além das barreiras impostas dos idiomas, havia as diferenças culturais, o que geravam constantes brigas e outras manifestações xenofóbicas. Inconformado com a situação, Ludwik, já na adolescência, começou a idealizar um idioma que fosse neutro e que soubesse integrar todas as culturas mundiais. Segundo a professora Maria Nazaré Laroca, da Universidade Federal de Juiz de Fora, ele colheu as raízes do idioma dos demais que eram falados na sua região, além do latim e do hebraico, aprendidos na escola e de forma autodidata: “Etimologicamente, portanto, pode-se dizer que o léxico do Esperanto é semelhante ao das línguas indo-europeias, enquanto sua estrutura gramatical aproxima-o das línguas orientais, como o turco, classificadas como aglutinantes”, explica a especialista brasileira em esperanto. Popularidade Após 18 anos de existência, o esperanto teve a oportunidade de testar sua popularidade na França, em 1905, no Primeiro Congresso Internacional 32 | Palau | Dezembro 2012
de Esperanto. O evento contou com 600 participantes, vindos de diversos países, e ajudou a popularizar o idioma, que logo obteve grande repercussão a ponto de, durante as décadas de 30 e 40, os nazistas tentarem bani-la da Alemanha, acusando-a de ser uma “língua perigosa”. Segundo Eurípedes Alves Barbosa, vice-presidente da Liga Brasileira de Esperanto, o idioma chegou no país
em 1907, quando a instituição foi fundada: “Os primeiros brasileiros envolvidos com o Esperanto eram homens cultos e respeitados pela sociedade da época. Eram escritores, professores universitários, jornalistas, ocupantes de importantes cargos públicos. Entre eles, encontrava-se o escritor e fundador da Academia Brasileira de Letras, Medeiros e Albuquerque”, ele conta, orgulhoso.
Mitos de uma identidade própria Por se tratar de um idioma criado, e que não pretende substituir nenhum, o esperanto sofre, até hoje, algumas barreiras, além da perseguição imposta aos nazistas aos falantes da língua( os três filhos de Zamenhof foram assassinados). Muitos pensam que o esperanto é uma língua dos espíritas; tal pensamento se deve, principalmente, ao fato da religião possuir muitas publicações brasileiras no esperanto. Para Laroca, o principal diferencial da língua, para que ela continue atraindo grupos fiéis de falantes e artistas, é sua capacidade de organização: “A comunidade esperantista, se reúne em encontros reais e também virtuais na Internet (presente nas mais comuns redes sociais como o twitter e facebook, por exemplo) e participa de simpósios, seminários, congressos, atividades culturais, artísticas, religiosas e festivas de lazer e turismo, sendo uma verdadeira comunidade de prática”. No Brasil, um outro exemplo que mostra o potencial do esperanto para a quebra de fronteiras é a importante no país é a BEJO(Organização da Juventude Esperantista Brasileira).Ela foi criada para representar os jovens esperantistas, e atualmente, o presidente é Rafael Zerbetto. Ele conheceu o idioma quando cursava física na Unicamp, e após se decepcionar com o curso, se permitiu a aprender coisas novas, o que o levou a se apaixonar não só pela língua, mas pelo próprio estudo da linguagem: “Eu odiava gramática antes, mas depois passei a gostar, e isso me deu confiança para cursar estudos literários, sendo que atualmente faço mestrado na área”, conta. Rafael também é editor da revista Momenton!, mantida pela BEJO. Antes a revista era impressa e semestral, mas recentemente ela se tornou um blog, em que o público pode participar enviando textos em esperanto: momentonbejo.wordpress.com. Saluton a arte esperanta E finalmente, como criar uma cultura singular a um idioma sem nacionalidade?Pelo visto, isso é possível, e ocorre desde que o espe-
ranto surgiu, a começar pelo próprio Zumenholf: afinal, seu primeiro trabalho em esperanto foi traduzir o Velho testamento da Bíblioa para o idioma que acabara de criar. E no Brasil, aos poucos, tradutores começam a aparecer. Laroca lembra, por exemplo, o trabalho de Paulo Sérgio Viana, médico de formação, mas que hoje é um dos principais intelectuais esperantistas brasileiros. Graças a ele, autores como Machado de Assis agora estão no idioma de Zumenholf. A música possui também possui seus representantes. Um exemplo é Flávio Fonseca. Reconhecido no país, ele criou uma carreira internacional embasada no esperanto, que conhece desde criança(ver entrevista). Zerbetto lembra a importância
cultural do esperanto. Ele próprio também tem uma rádio, cuja toda programação está no idioma: “o esperanto é uma ponte para outras culturas. Através dele tive contato com literatura e música de diversos países. Também há muita música e literatura original em esperanto, eu mesmo faço parte da equipe da Rádio Muzaiko, que transmite música, entrevistas, notícias diárias, programas de humor, etc. 24h por dia pela internet (www.muzaiko.info). Alguns escritores cujas obras foram escritas em esperanto chegaram até a ser indicados para o prêmio nobel de literatura, como o poeta escocês William Auld”. Fica então um convite para conhecer esse idioma simples, mas rico em diversidade!
Entrevista: Flávio Fonseca Conheça o músico brasiliense que deu um tom original a um idioma que por si só já é criativo. Takton significa tempo, compasso, em esperanto. Composta por um grupo muito variado em idade, é uma banda reconhecida por sua diversidade musical. Seu mentor, Flávio Fonseca, é um músico engajado. Além do Takton, possui outros projetos, todos eles marcados por um ousadia sem precedentes: o uso do esperanto nas músicas cantadas. Confira a conversa com o brasiliense. Como conheceu o idioma Esperanto e há quanto tempo é fluente no idioma? Conheço desde criança, pois vários parentes meus falam o idioma, em especial meu avô materno, Délio Pereira de Souza, fundador de uma editora especializada em livros em Eo (Editora Lorenz), e seu irmão, meu tio-avô, Nelson Pereira de Souza, ex-presidente da Liga Brasileira de Eo. Certamente foram minha maiores influências. Fluente mesmo me tornei em 1980, quando fiz um curso na universidade UniCeub, em Brasília, onde na época eu estudava jornalismo. Como surgiu a ideia de usá-lo no seu trabalho musical e como foi a repercussão do público? Na verdade foi o que me impulsionou a fazer um curso sério e aprender direito: usá-lo na minha música. Na época eu estava começando minha carreira musical (cursava também Composição e Regência em outra universidade, a UnB, e já tinha alguns shows no currículo), e vislumbrava ali uma oportunidade de divulgar meu trabalho no exterior. Além disso, achava a sonoridade da língua muito bonita. A repercussão, naturalmente, foi mais no exterior, pois quase não canto em Esperanto no Brasil - a não ser em eventos fechados, como congressos e seminários de Esperanto. Fui levado pelo movimento esperantista a fazer shows em vários países que eu dificilmente visitaria de outra forma, como Finlândia, Dinamarca, Rep. Tcheca e Cuba. Tive públicos maravilhosos, tanto em tamanho (cerca de 2.500 pessoas em Praga) quanto em receptividade (o show mais comentado na mídia, dentre todos os artistas de várias nacionalidades que se apresentaram numa Semana Cultural em Helsinki). Além disso, fiz alguns discos em Esperanto que tem sido regularmente tocados em rádios da China, da Hungria, da Polônia, da França, entre outras. Os principais álbuns foram Aerlumo (tradução do disco Luz do Ar) e Simbiozo (originalmente composto em Eo, em parceria com o poeta Geraldo Mattos). Graças a esse tipo de divulgação, recebo muito contato de ouvintes através da internet. Para você, qual é a importância da relação do esperanto com a cultura em geral? Total. Além da malha formada mundo afora, que facilita a divulgação de qualquer produto cultural, o Esperanto é um grande escudo contra o imperialismo cultural, na medida em que protege as línguas nacionais e favorece a igualdade de condições linguísticas em comunicações internacionais. Dezembro 2012 | Palau | 33
“olhares de Barros: a poesia de Manoel
Materialização da poesia de Manoel de Barros Exposição utiliza recursos audiovisuais para apresentar a poesia e a essência da obra do escritor
FOTOS: GIOVANNA HESPANHOL
Por Amanda Moura e Giovanna Hespanhol Os 95 anos de idade que, para muitos, pesam a ponto de transformar a forma de ver o mundo em monótona e sistemática, parecem ter efeitos contrários ao poeta Manoel de Barros. Com quase um século de vida, o mato-grossense transmite à sua obra literária o encantamento com as coisas simples e as minúcias da natureza e do cotidiano. Apresentando estes e outros aspectos da poesia do escritor, o Sesc Bauru abriga desde setembro uma exposição que explora uma estética simbólica e minimalista, buscando em todos os elementos, levar o público ao universo de Manoel de Barros. “Olhos de Barros: a poesia de Manoel” é o centro das atrações da Área de Convivência. Projeto criado pela “TG3 Comunicação”, a exposição conta com a participação criativa de Elaine Rosa, Stúdio 2B, Horácio de la Rosa, Juliano Silva, Mazzon Gil, Nanda Ribeiro, Néia Pereira, Rafael Modesto, Ricardo Valzoni, Zé Gambelli e videomakers convidados. Completando a equipe, há monitores que, imersos nesse mundo literário, servem como guias, facilitando a compreensão da vida e obra desse grande poeta brasileiro. A exposição encanta o visitante logo por sua fachada. Excertos de poemas de Manoel de Barros dispostos nas paredes, bem como elementos naturais representados por troncos de árvores, permanecem até o dia dois de dezembro como convite, uma provinha do que o interior da exposição o aguarda. Tranquilidade, paz, esperança. Somos tomados por tais sentimentos já caminhando pelo breve túnel que nos leva à sala em que a obra de Manoel de Barros encontra-se materializada. As palavras do sábio poeta estão por todos os lados - inclusive pelo chão. Elemento este que serve de inspiração e ponte de partida para as composições dele.
“Não víamos a poesia só no papel, foi possível tocar, ouvir, viver a poesia”, estudante
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A mesa, repleta de blocos de anotações e lápis, mostra o quão simples é a poesia de Manoel de Barros
Ihanna Barbosa sobre a exposição. Para complementar o cenário, era possível ouvir ao fundo uma trilha de efeitos da natureza. Em uma das paredes, ao abrir gavetas de diferentes modelos, desvenda-se ainda mais sobre a vida do poeta. Versos, fotos, objetos e até mesmo narrativas sonoras com a própria voz dele compõem a mostra. Ao público, ainda foi destinado um espaço para depositar mensagens. Gabriela Navarro, membro da equipe SESC, é também uma das organizadoras da exposição. Segundo ela, o projeto vem sendo acalentado há aproximadamente um ano e meio. “A ideia partiu de um interesse de vários técnicos da unidade pela obra do Manoel de Barros e fato do poeta estar vivo ainda. Ele é um grande poeta brasileiro, mas ainda um pouco esquecido pelos estudantes do ensino formal”, afirma. Navarro acredita, ainda, na importância de iniciativas como essa para enriquecimento do cenário cultu-
ral da cidade. “Bauru não tem muitos espaços expositivos. Essa é uma exposição que estamos muito gratos de realizar porque ela está usando várias linguagens, usando as artes visuais para falar de poesia, de literatura”, conta.
A exposição atraiu um público bastante variado. A monitora Thais Rossito informou que a mostra contou com a presença desde estudantes do colegial até crianças que, devido à dificuldade de entendimento, eram atraídas pela parte lúdica e sensorial.
Na exposição era possível perceber o quanto a natureza influenciou os poemas de Manoel de Barros
Segundo ela, os jovens compreendiam melhor a complexidade da montagem. “Tínhamos várias atividades para eles fazerem ao longo da visita, mas havia aqueles que deixavam de fazer outras atividades para ficar olhando a exposição”, afirma. A estudante Ihanna Barbosa esteve presente na exposição e saiu de lá encantada. Ela não conhecia as poesias de Manoel de Barros, mas depois da experiência ficou curiosa pela obra do escritor. “Eu achei a exposição muito interessaste por trazer a experiência de enxergar as coisas de forma diferente, não víamos a poesia só no papel, foi possível tocar, ouvir, viver a poesia”, conta. O interesse que a exposição despertou na estudante e em muitos outros visitantes faz parte de um objetivo intrínseco a qualquer exposição: o de promover o que se apresenta. Porém, o professor de literatura Marcelo Bulhões encontra na situação o que classifica como uma “faca de dois gumes”: “Por um lado, este tipo de evento pode ser uma escada, que faça as pessoas saírem do local querendo ler e conhecer mais de determinado autor. Mas por outro lado, pode acontecer um falso envolvimento com a poesia, as pessoas visitam e acham que isso basta”. O professor exemplifica dizendo que “é um pouco daquela ideia do sujeito que compra uma coleção de Machado de Assis e acha que tem Machado de Assis em casa, mesmo que fique anos sem ler”. Bastidores de uma exposição Como muitos imaginam, não é fácil organizar uma mostra de tal gabarito. São muitos os obstáculos para montar um ambiente tão agradável e rico em detalhes. Cada peça da iluminação ou efeito sonoro requer um cuidado especial. Se algum deles, por qualquer que seja a razão, apresenta problemas, é necessário que a equipe reponha prontamente – uma vez que o espaço é aberto à visitação por quase todo o período de funcionamento do SESC. Outro inconveniente pelo qual a organização passou foram o sumiço ou roubo de alguns objetos que compunham o cenário. Dentre eles, logo na abertura da exposição, podíamos encontrar uma chave e um relógio nas estantes, como forma de materialização dos versos de Manoel de Barros. No entanto, esses artefatos não estão mais presentes. De acordo com Thais Rossito, o trabalho para reportar os itens desaparecidos ou quebrados é intenso. Todos os fins de semana, a equipe se reúne para a listagem, a fim de obterem reposição o mais rápido possível. “Livre para o silêncio das formas e das cores” Nascido em Cuiabá em 1916, Manoel de Barros é advogado, fazendeiro e poeta. Sua infância foi marcada pelo contato direto com a natureza: brincava no terreiro em frente de sua casa ou perto de uma lagoa, sempre de pés descalços. Não gostava de estudar, até conhecer as obras de padre Antônio Vieira. Seu primeiro poema foi
Cada novo elemento atrai para o “mundo de barros”, as gavetas reúnem poesia e objetos carregados de simbologia.
escrito aos 19 anos.
Tem paixão pela palavra antes mesmo dela significar, afinal, não somos nós quem significamos as palavras? O poeta ganhou reconhecimento internacional ao ser premiado em Portugal, Espanha e França. No Brasil recebeu o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, oferecido pela Academia Brasileira de Letras ao seu livro “Compêndio para uso dos pássaros”. Em 1969, ganhou o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática expositiva do chão” e, em 1997, o “Livro sobre nada” recebeu o Prêmio Nestlé, de âmbito nacional. 1998 foi o ano em que o Ministério da Cultura concedeu a ele o Prêmio Cecília Meireles (literatura/poesia). A calmaria que Manoel demonstra em suas poesias, propondo a união com a natureza, contando entre versos que “entender é parede”, e deve-se procurar “ser árvore” se enquadra também em sua personalidade no âmbito literário. Embora a cronologia considere-o modernista, ele foge a tais denominações e, durante boa parte de sua carreira, preferiu certo anonimato, define-se orgulhoso e, principalmente, tímido. Seu estilo é peculiar, realiza combinações incomuns de palavras, atribuindo novos sentidos ou mesmo criando neologismos. Tem paixão pela palavra antes mesmo dela significar, afinal, não somos nós quem significamos as palavras? Sempre em busca da liberda-
de, encontrou nas palavras uma oportunidade. “Poesia é voar fora da asa”. Quem são os novos poetas? Organizar uma exposição que evidencia um poeta levanta a questão dos papéis da literatura e da poesia para as pessoas atualmente. Os promotores de cultura organizam com mais frequência eventos voltados para a música, o cinema ou mesmo o teatro. Mas, por quê? O Brasil sofreu e ainda sofre com grandes taxas de analfabetismo e baixa instrução escolar. Esta base perpetua em inúmeras gerações o desconhecimento do mundo da literatura, ou, por questões de condições financeiras, a impossibilidade de acesso. Criada esta “cultura da não leitura”, a mudança pode acontecer de maneira muito gradativa. Houve um tempo em que se lia muito mais poesia no Brasil, mas não era necessariamente a população “comum”. Escrevia-se para grupos específicos e “mecenas”. Porém, além do fator social arraigado, há também o lado dos que buscam poesia e sentem falta de encontrar a expressão presente na atualidade. O professor de literatura, Marcelo Bulhões, afirma que são pou-
cas as editoras que dão espaço para a poesia no Brasil e este fenômeno vem das últimas décadas. Existem poetas publicando em revistas específicas, mas a maioria das atenções do leitor ainda concentra-se no gênero da prosa de ficção ou na fronteira entre ficção e não ficção. O panorama da poesia é desanimador e o incentivo a ela é mínimo. O professor discorre a respeito do tema: “Quando se pergunta qual é o maior poeta brasileiro vivo, as pessoas falam de Ferreira Gullar, ou mesmo de Manoel de Barros. Mas eles são pessoas mais velhas, de geração anterior. A obra do Ferreira Gullar, por exemplo, foi publicada na década de 1960. Parece que há um problema nisso: Quem são os novos poetas?”. A observação de Bulhões e o contexto literário brasileiro levam à reflexão: Afinal, convive-se com uma geração e em um tempo em que a poesia dá seus últimos suspiros, auxiliados pelos versos de poetas de outrora ou os tesouros de hoje encolhem-se em gavetas e desktops, enquanto seus donos suam para garantir o sustento, já que “poesia não dá dinheiro”?
Os bilhetes deixados pelo público mostram a interação com a mostra.
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Fotos: Tatiane de Sousa
skatista prestes a se tornar profissional quando na sua primeira competição profissional destruiu seu joelho. Como já havia saído da escola, sem completá-la, e não sabia mais o que fazer, ele começou a tocar.
“Nos primeiros anos, não me importavam em ir nas gravadoras ou fazer shows, era apenas alguma coisa para fazer.”
Da esquerda para a direita: Erik Tresselt no baixo, Christer Engen na bateria e Øystein Greni no vocal e na guitarra.
mais rock n’ roll
Jornalismo, apuros e rock n’ roll As bandas BigBang e Garotas Suecas se apresentam no Sesc Bauru Por Bianca Arantes e Tatiane de Sousa Quarta-feira, 21 de novembro de 2012. Faltando poucos minutos para as 21 horas, a organização do Sesc Bauru estava terminando os últimos ajustes para receber a banda norueguesa BigBang e a banda paulistana Garotas Suecas. Enquanto o público conversava e se ajeitava, o palco se enchia de fumaça e luzes coloridas deram lugar a iluminação anterior. O show deveria começar logo.
Os caras do iceberg Quando os noruegueses da BigBang entraram no palco e começaram a tocar, o público levantou das mesas e se aproximou do palco. Alguns se sentaram no chão, outros ficaram em pé. Mais pessoas foram se aproximando e a plateia se tornou heterogênea, composta por jovens, crianças e idosos. Alguns tinham ido ao Sesc para ver os 36 | Palau | Dezembro 2012
shows, outros estavam ali e resolveram parar. A energia que os integrantes da BigBang passavam logo conquistou o público, que riu das brincadeiras do vocalista Øystein Greni. BigBang é considerada a maior banda de rock da Noruega e está em sua segunda turne no Brasil, onde apresenta seu oitavo ábum Epic Scrap Metal, além da coletânea em CD To the Mountains, que reúne sucessos de sua carreira.
“Brasil é o paraíso para nós, é muito diferente, é quente. É realmente um sonho se tornando realidade.” Ao final do show, as repórteres foram em busca de uma entrevista com a banda, mas havia uma complicação: a entrevista teria que ser conduzida em inglês. O baixista Erik Tresselt negou a entrevista timidamente, disse que preferia que o vocalista fosse o
entrevistado, pois falava melhor. Já o bateirista Christer Engen, sumiu assim que desceu do palco. O vocalista? Estava cercado por fãs. Quando chegamos até Øystein, ele foi simpático e concordou em conceder a entrevista, mas pediu para falarmos com o produtor e esperarmos um pouco até aquilo acabar. Mas a banda Garotas Suecas já subia ao palco, por isso concordamos em nos dividir. Eis que a banda reúne suas coisas e some. Ir ou não atrás? Ficamos nessa dúvida até que aparece um funcionário do Sesc e nos aconselha a ir atrás da banda. Quando chegamos na porta do camarim, surge o produtor da banda nos procurando. O alívio que ele demonstra ao perceber que a entrevista seria conduzida em inglês é pálpavel. No camarim Øystein nos espera, mas não há sinal dos outros integrantes da banda. O vocalista nos explica que os três começaram a tocar juntos há doze anos. Mesmo antes dessa formação, Øystein começou a tocar, pois era um
A ideia de vir ao Brasil surgiu com a ajuda de dois amigos que já moravam aqui há muito tempo. Um deles, que já havia sido produtor da banda na Noruega, começou a tocar músicas da BigBang em festas e, percebendo que as pessoas gostavam, convidou a banda para vir tocar no Brasil. BigBang já esteve em terras brasileiras fazendo sua primeira turnê por aqui em 2011, com shows em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e São Carlos. Sua música, segundo o vocalista, é inspirada em todo o tipo de coisas. “Eu escuto todos os tipos de música, porque meu pai é um músico e possui muitas gravações, muita soul music, blues music, a velha música negra americana.”, explicou Øystein. Em relação a escrever músicas, a inspiração vem das coisas que acontecem na vida ou coisas que assistem em filmes ou leem em livros. O trio já conquistou quatro prêmios Grammy: dois de Melhor Artista de Rock (em 1999 e 2007); um de Revelação (1999); e mais um de Melhor Música (2000), por “Girl From Oslo”.
O roque tem tudo O relógio já marcava quase dez horas quando a banda Garotas Suecas subiu ao palco do Sesc Bauru. Com a plateia já aquecida pelo som dos noruegueses e pelas latas de cerveja consumidas até então, o sexteto chegou com todo vapor para apresentar o resultado de seu primeiro álbum, Escaldante Banda. Com um pouco menos de timidez após a primeira entrevista, logo no início do show procuramos alguém que pudesse intermediar nossa conversa com a Garotas Suecas. Sentado ao lado do palco, expondo discos e camisetas da banda, estava o produtor. Era com ele mesmo que iríamos falar. Tiramos algumas fotos do show e lá fomos nós. O produtor da banda cedeu rapidamente ao nosso apelo e pediu para que ficássemos por perto, pois assim que os integrantes falassem com os fãs, eles estariam disponíveis para nós. Ele só não imaginou que demoraria tanto... Sesc encerrando suas atividades, administração gentilmente nos expulsando. Faltava pouco para onze
horas. Explicamos que a banda iria falar conosco, “coisa de cinco minutos”, e já sairíamos. Passava das onze quando finalmente iniciamos nossa conversa com os integrantes da banda. Desculparam-se pela demora explicando que tiveram que recolher os instrumentos, pois o Sesc também os estava expulsando. Reanimadas pelo objetivo alcançado, nem lembrávamos mais da longa espera. A banda de rock paulistana conta com Guilherme Saldanha no vocal, Fernando “Perdido” Machado no baixo, Tomaz Paoliello na guitarra, Matheus Prado na percussão, Nico na bateria e Irina Bertolucci nos teclados. Simpática, a Garotas Suecas nos contou um pouquinho de sua história. Entre amigos e conhecidos, a banda teve seu início em 2005. Conforme os integrantes chegavam, a identidade da banda se formava. Irina, a única mulher da banda, foi a última a abraçar a ideia.
Mas, com o tempo, tudo muda e as influências também. Atualmente, a banda busca elementos nacionais para compor sua música. Tim Maia, Rita Lee e Raul Seixas são alguns dos ícones brasileiros que trazem inspiração aos instrumentos do sexteto. Apesar disso, a soul music, o blues e a música negra americana como um todo são considerados a raiz da sonoridade da banda.
“No começo a gente era um pouco enxerido, a gente era radical.”
Durante o show, ficamos curiosas ao perceber que a banda utilizava instrumentos que fugiam do tradicional, como teclado e percussão. Resolvemos perguntar, então. Eles afirmaram que cada fase da música deles exige diferentes tipos de sonoridade, sem contar que a banda gosta da ideia de ter opções e poder utilizar instrumentos que tragam novos tons ao rock da Garotas Suecas. O cansaço refletido nos rostos de todos que estavam presentes nos fez perceber que era hora de encerrar a entrevista. Parabenizamos a banda pelo ótimo show. Desejaram-nos boa noite. Depois de todo o esforço recompensado, realmente seria uma ótima noite. Corremos para sair do Sesc antes que os seguranças fossem embora.
Três anos após sua formação, a Garotas Suecas venceu o prêmio Aposta MTV. No VMB (Video Music Brasil) 2009, foi indicada à categoria banda/artista revelação. Já no VMB do ano passado, concorreu nas categorias melhor capa (desenhada por Greg McKeighan) e clipe do ano (com a música “Banho de Bucha”). Até hoje, com sete anos de estrada e quatro turnês nos Estados Unidos, a banda possui três EP’s, um álbum lançado e outro no forno. Em meio a diferentes influências musicais, como The Sonics, MC5 e Lou Reed, a banda inglesa Rolling Stones sempre foi uma das principais referências da Garotas Suecas. “A gente fez um show de Stones esse ano que foi meio a realização desse ciclo pueril”, conta Irina.
“As tintas da nossa aquarela são os instrumentos.”
Da esquerda para a direita: Irina, Perdido, Nico, Guilherme (centro), Matheus e Tomaz.
Em meio a fumaça, Øystein não se intimida e manda ver nos solos de guitarra.
Faltava pouco mais de trinta minutos para meia-noite e o táxi já estava nos esperando.
O Sesc Bauru fica na avenida
Aureliano Cardia, 6-71. Mais informações pelo telefone (14) 3235-1750 de terça a sexta, das 13h às 21h30; sábado, domingo e feriado das 9h30 às 18h
O toque da percussão faz toda a diferença na música da banda.
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mpb
“Quem me dera pelo menos um momento juntar todo sofrimento pra botar nesse chorinho” A canção Chorinho de Chico Buarque embala as gerações e inspira jovens talentos da música, que buscam na junção de suas composições com o ritmo do choro, criar uma arte para continuar inspirando e semear a genuína música popular brasileira Por Heloíse Montini Alma brasileira O choro é a canção genuinamente brasileira. Nasceu no Rio de Janeiro, em meados do século XIX, com grupos de pessoas que se reuniam com seus instrumentos, formavam uma roda, criando um som que vinha da alma. Sem possuírem uma ordem correta dos instrumentos, os músicos compunham seguindo ritmos inspirados em danças europeias, como a polca, e batidas africanas. No inicio Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Anacleto de Medeiros, destacaramse como grandes nomes do choro, considerado primeira música popular brasileira. Aos poucos, o gênero foi tomando forma, especificando seus instrumentos e estilo, até chegar aos grandes compositores, mestres do choro do século XX, como Pixinguinha, que deixou um grande legado como compositor e instrumentista.
valorizados que os grupos nacionais. Nova geração Como uma luz no fim do túnel, cinco jovens, oriundos de bares paulistas, se encontraram, devido à sua paixão pelo choro e formaram, em 2008, o grupo Choro Moço. Die-
go Lisboa, com apenas 30 anos, é o mais velho do grupo, o que prova que estilos musicais não tem idade. Ele conta que o grupo surgiu justamente pelo fato de todos tocarem choro anteriormente, em bares paulistas, onde está acontecendo, segundo Diego, um renascimento do choro.
Controvérsias e esquecimento O nome possuí controvérsias, não tendo os pesquisadores chegado a um acordo quanto a sua origem. Ele pode ser assim conhecido pela sensação de melancolia transmitida, ou pode ser devido aos choromeleiros, músicos do período colonial, ou ainda pode derivar do xolo, baile organizado pelos escravos das fazendas. Hoje o choro ficou um pouco esquecido, deixado de lado diante da invasão de novas músicas para encher a programação de rádio e a invasão de grupos estrangeiros, muitas vezes mais
Diego Lisboa, com apenas 30 anos, é o mais velho do grupo, o que prova que estilos musicais não tem idade. 38 | Palau | Dezembro 2012
foto: Rose Tóffoli e Mariana Chiarella No canto esquerdo, Lucas Silva, atrás, Wesley Ferreira, Deni Domenico, Matheus Motta e, sentado na frente, Diego Lisboa
Diego Lisboa toca sax e flauta. Deni Domenico toca cavaco. Lucas Silva, pandeiro. Matheus Motta toca o violão tradicional de seis cordas e Wesley Ferreira, o violão de sete cordas, essencial na execução do choro. Instrumentos muito diferentes que quando se unem criam uma mágica que embala o público. O grupo foi formado para tocar em um casamento. Por exigência da noiva, eles fizeram um vídeo que, estando na internet, se espalhou, agradando a quem com ele entravam em contato. A partir daí o grupo passou a se apresentar em várias escolas de São Paulo, até o dia em que um espectador na plateia era o dono de uma editora, que trabalha com Chico Buarque. Ele convidou o grupo para gravar um CD com músicas do Chico, totalmente financiado pela editora. Com esse CD, o grupo aumentou sua repercussão, passando a se apresentar em SESCs, indo, inclusive, para a Europa em uma turnê. Mente aberta Quebrando preconceitos, quem não conhece o estilo, logo em seu primeiro contato a partir da execução, feita com paixão pelos rapazes do Choro Moço, cria um vínculo com a música que jamais partirá, e certamente incentivará outros tantos, até chegar àquilo que o grupo mais deseja: a massificação do choro. Fugindo de paradigmas, o termo não é aqui utilizado em seu sentido deturpado, mas sim, seguindo o raciocínio de espalhar música verdadeiramente brasileira para o povo brasileiro. Diego confessou que o seu maior desejo é ter o choro tocado tanto quanto um sertanejo univer-
“Você entra em uma padaria lá e tem um cara arrebentando no piano”
sitário. “Nossa meta é essa”, afirmou, “qualquer coisa, nesse caminho, para engrandecer o choro, para a gente, vai estar super legal”. Cultura ignorada No Brasil, faltam valorização e incentivo do ministério da cultura para o desenvolvimento e manutenção da manifestação artística, sendo as condições mínimas e as dificuldades, como a burocracia, enormes. Segundo Diego, o incentivo está apenas em artistas já consagrados, deixando os novos, principalmente os instrumentistas, esquecidos, “jogados” no canto. Em outros países, a situação de músicos independentes é completamente diferente, havendo maior participação do governo. Tal atitude permite que a música instrumental passe a fazer parte da cultura da população, transformando música clássica, por exemplo, em algo tão banal quanto é o sertanejo no Brasil. Diego comenta da experiência que teve na turnê pela Europa, comparando a distancia entre a valorização do artista no Brasil e em qualquer país europeu. “A música instrumental no Brasil esbarra em mídia, tem rádio que proíbe de tocar música instrumental”, colocou Diego, como uma das
“A galera está indo porque está começando a ter moçada jovem, mulher bonita, gente bonita, então está virando baladinha”
foto: Arquivo/AE
Pixinguinha, o maior nome da música popular brasileira.
dificuldades da manifestação do choro no Brasil. Outra grande dificuldade da atividade é a financeira. “Não é uma atividade que você pode contar com remuneração”, segundo Diego, “às vezes você vai tocar choro por esporte”. Mesmo o público tendo crescido, há dias em que o grupo toca para si e para o dono do bar. Ele lamenta também o fato de ser um mercado escasso, principalmente de músicos jovens. Em contra partida, na Europa a “música boa é banalizada”, nas palavras de Diego, “você entra em uma padaria lá e tem um cara arrebentando no piano”. Para ir à Europa, a banda teve que custear a viagem, já que não houve interesse por parte dos consulados em auxiliar a banda. No entanto, lá
eles conseguiram o dinheiro necessário, com caches. E agora, eles pretendem voltar, tendo recebido convites dos países por que passaram durante a turnê em 2011. A grande questão é: até quando o ministério da cultura e a grande mídia irão negligenciar gêneros da MPB? O Brasil também precisa de democratização musical! E eu gosto de... E a inspiração para seguir com o trabalho vem de diferentes pontos dentro do grupo, possuindo cada membro seu segmento favorito dentro do choro, sendo algo bem eclético. Não é que cada um goste de algo específico, mas sim que, mesmo gostando de tudo, cada um tem sua
preferência. Deni, por exemplo, gosta mais do trabalho que dialoga com o Chico Buarque, tendo sido ele quem selecionou o repertório. Wesley toca com artistas famosos dentro do choro, como Altamiro Carreiro. Matheus é o cara mais clássico, enquanto Diego se classifica como o cara mais popular, e o Lucas apresenta, da mesma forma, um repertório mais alternativo. Das cinzas O choro está renascendo nos bares paulistas. “A galera está indo porque está começando a ter moçada jovem, mulher bonita, gente bonita, então está virando baladinha”, afirma Diego. Considerando-se a ambição do grupo de “fazer do choro uma música de massa”, como coloca Diego, tornalo uma música “banal” que é ouvida e pedida tanto quanto um rock, um sertanejo ou um funk, o aumento do público em bares é algo positivo, já que é dessa forma que nascem grandes nomes da música. ´ Hoje o choro pode não estar presente no cotidiano das pessoas, mas com o esforço do grupo e a divulgação do próprio público que os aplaude em pé ao término das apresentações, em um futuro próximo o choro voltará ao gosto do povo, como quando começou, sendo tocado em rodas de trabalhadores e em reuniões informais da alta elite, já que o choro, como legitima música brasileira, atinge a todos os públicos, sem preconceitos. E, ao contrário do que diz a letra de Chico, que a cada dia que passe a praça fique mais cheia.
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estilo
Independência e rima, rima e independência
Hip hop bauruense mostra que o interior também tem voz, beats e spray Marcelo Cabala
Mais do que música, spray e rimas, o hip hop é uma das mais verdadeiras e importantes ferramentas de crítica social e cultural em nosso país ração nas raízes da periferia, ou pela revolta em relação a problemas políticos e sociais, é o retrato crítico da sociedade que compõe o hip hop paulista, que preza assuntos como os descaso do governo em relação a alguns segmentos sociais e outras mazelas da região e do país.
Por Keytyane Medeiros, Isabela Romitelli e Nathália Silva
Ao som da batida os b.boys rodopiam no chão. Bonés de aba reta, calças largas, um sorriso estampado em cada um dos rostos. As rimas são rápidas, mas deixam claras críticas a problemas sociais e ao sistema. Parece cenário de um filme americano, mas acontece aqui mesmo, no Brasil, onde o hip hop começa a ganhar força. É a manifestação de um movimento que não se limita ao setor musical, trata-se de atitude, vestimenta, responsabilidade social e arte de rua.*** O movimento norte-americano surgiu na década de 1970 como uma reação aos problemas sociais enfrentados pela periferia, causados, em boa parte, pela indiferença dos governantes em relação a este setor da cidade. Nesse sentido, a música, a dança e a pintura passaram a ser utilizadas como meio de concentrar as energias evitando que fossem empregadas em ações ilícitas e prejudiciais aos próprios jovens. Além de despertar o interesse desses em querer conhecer, aperfeiçoar e expandir a cultura de suas comunidades. O processo criativo envolve o conhecimento da realidade, de história e do engajamento. Desse modo, é promovida a conscientização e a inserção 40 | Palau | Dezembro 2012
social dos indivíduos. No Brasil, o Hip Hop surgiu na década de 80. Entretanto, ainda não existiam movimentos que retratavam exatamente a cultura como um todo, porque até aquela época o termo Hip Hop era praticamente desconhecido. O grande expoente até então era a febre chamada Break Dance. Mas foi através do rap que a cultura hip hop se difundiu e fortaleceu, tendo o grupo Racionais MC’s como pioneiro do estilo. O grafite também tem fundamental importância na disseminação do movimento no Brasil. Também através do grafite, houve uma maior difusão do hip hop, que através dos traços criativos da arte de rua tenta fazer instigar a reflexão sobre problemas da periferia e a realidade urbana. O movimento, já consolidado no país, cresce a cada dia mais, e se manifesta de diferentes formas de acordo com a região. É possível, por exemplo, identificar duas grandes vertentes do movimento, a paulista e a carioca. Embora não se possa generalizar, colocando os dois modelos como polos opostos de um mesmo movimento, é necessário reconhecer que a consciência social, manifestada em ambas as vertentes, possui diferentes focos. No Rio, além da mistura de gêneros musicais, a qual ocorreu desde o início no rap carioca, as rimas e as demais
abordagens artísticas, que destinamse a questões como a legalização da maconha, fazem do o rap carioca mais acessível, atingindo um público mais heterogêneo. Artistas como Marcelo D2 e Gabriel, O Pensador, e sua grande aceitação pública e aparição na mídia desde o início são prova clara dessa realidade. Em São Paulo, nos versos de rappers como Criolo e Racionais MC’s, e nos muros grafitados por artistas tais quais Mundano e Osgemeos, o tema é outro. Seja através da busca de inspi-
“Bauru City” Dentro do panorama paulista, destaca-se o movimento hip hop que desenvolve-se em Bauru, localizada a 326km da capital. Nos últimos anos, surgiram na cidade artistas que têm conquistado muito espaço no cenário nacional, como Dom Black, Thigor Mc e Coruja BC1. O rap bauruense é um dos mais socialmente engajados do interior paulista. A cidade, que tem cerca de 350 mil habitantes possui grandes disparidades sociais que são representadas através das canções. Um exemplo claro dessa preocupação pode ser notado na elaboração do documentário A praga do Século, que está sendo produzido pelo rapper Thigor MC em parceria com Dom Black. O filme deve trazer a história de jovens e adultos que se envolveram com o crack e com o uso excesso de drogas. Já CorujaBC1 ainda é um garoto, mas já alcançou grande destaque Ariane Teodoro
Keytyane Medeiros
Há a descentralização do fazer cultural em detrimento da indústria fonográfica
regional. Chegou inclusive a participar da Rinha de Mc’s, campeonato organizado por Criolo para premiar os melhores repentistas. Em outubro de 2012, Gustavo de Sousa, ou simplesmente Coruja, lançou sua primeira mixtape e a realização deste trabalho é um exemplo da força independente do movimento hip hop na cidade. O CD foi produzido pelo Ponto de Cultura Acesso Hip Hop, coordenado pelo produtor e agente cultural Renato Moreira e foi totalmente escrito, mixado e gravado pelos rappers que trabalham na
O movimento hip hop em Bauru é uma construção que parte de diversas pessoas e organizações
instituição. Com relação ao Hip Hop produzido na cidade, Coruja afirma que “o movimento hip hop em Bauru é uma construção que parte de diversas pessoas e organizações. *** Em 2012, a cultura de rua passou por um boom, já que cada vez mais estão surgindo oportunidades para os mcs e grafiteiros locais.” Entre os dias 15 e 18 de novembro deste ano aconteceu a II Semana Municipal de Hip Hop. O evento foi uma realização do Ponto de Cultura Acesso Hip Hop e o Somos1 Produções Coletivas e ocupou espaços como a antiga Estação Ferroviária, os vãos e auditórios do Teatro Municipal e a sede do Enxame Coletivo.. Ao representar a realidade de sua comunidade e do mundo em que vive, o jovem de apenas 18 anos já sente a responsabilidade de produzir um tipo de arte que é capaz de fazer com que as pessoas se identifiquem com ela. “Falo coisas que podem acrescentar à vida das pessoas. Tento passar meus erros e meus defeitos, para que as pessoas se identifiquem.” Coruja, que é acompanhado de perto pelo Ponto de Cultura Acesso de Hip Hop afirma que juntos, o “trabalho vai além do show, é um trabalho de militância”. Em parceria com outros institutos e organizações, o Ponto de Cultura articula praticamente todas as atividades bauruenses que dizem respeito ao hip hop. Além da Semana do Hip Hop, houve também o Fórum Re-
Conrado Dacax
gional de Hip Hop e o Sarau Urbano, ambos organizados e articulados pelo Ponto. Aliás, é importante ressaltar que o Ponto de Cultura Acesso Hip Hop é o unico do gênero na cidade. Sobre o funcionamento da instituição, o coordenador Renato Moreira afirma “somos aglutinadores. Unimos jovens com vontade de fazer arte e profissionais com recursos para a produzir e divulgar esse material.” . Dessa forma, um dos carros chefes de reivindicações típicas do hip hop acaba sendo atendido de maneira prática e democrática. Há a descentralização do fazer cultural em detrimento da indústria fonográfica*** que, muitas vezes favorece apenas artistas pop ou românticos. O movimento hip hop em Bauru vai além dos rappers, aqui há Lais Semis
Trata-se de atitude, vestimenta, responsabilidade social e arte de rua também um grande número de beatmakers, produtores e grafiteiros. Há inegavelmente um grande número de grupos de rap como é o caso do Além da Rima, Tijolo Crew e Mentes Blindadas. Entre os beatmakers mais destacados estão o Felipe Canela e Thigor MC, ambos do Ponto de Cultura. Grafiteiros como L7m e Fino são bauruenses e já conseguiram certa repercussão nacional. L7m já teve seus murais expostos em galerias de Bauru, São Paulo e Lisboa. O Festival Canja 2012, organizado pelo Enxame Coletivo em setembro, conseguiu explorar bastante a arte de rua em seu evento. Em quase todos os horários da programação havia alguma atividade voltada para o hip hop, fosse na forma de oficinas de beatmaker, grafite ou breakdance, fosse em apresentações musicais. No fim de semana de encerramento do Festival, o Coletivo trouxe vários grupos de hip hop para Bauru, entre eles o Z’África, Kamau e Escambo Periférico, todos de São Paulo. Mais do que música, spray e rimas, o hip hop é uma das mais verdadeiras e importantes ferramentas de crítica social e cultural em nosso país***. Seu caráter marginal comprova que muitas das questões levantadas pelas letras das canções fazem parte de uma realidade que muitas vezes não é interessante mostrar. O hip hop é a prova de que o conhecimento e a excelência produtiva não são exclusivas da academia. A arte, tem em si mesma o potencial inovador capaz de dar voz aos segmentos sociais que, em geral são tratados com descaso ou indiferença, mostrando que a periferia também é capaz de reclamar o seu espaço. Dezembro 2012 | Palau | 41
música e teatro
Entre música e teatro Se hoje Bauru se destaca, um dos principais motivos são as atividades culturais. O ano de 2012 nunca esteve tão cheio de sons, imagens e apresentações. Maria Esther Valdiviezo A cultura abraça as mais variadas expressões do homem. Sem ela, quem diria que a arte poderia conferir a sociedade percepções acerca de si mesma? Hoje existe vale cultura, programas de incentivo para as atividades culturais e projetos de estímulos que, de uma maneira ou outra, incentivam a continuação e massificação de um produto não tão conhecido. Nesse sentido, podemos dizer que no interior paulista há uma receita fazendo sucesso. Bauru, conhecida pelo lanche que lhe dá nome, já faz parte de um circuito cultural importante. O ano marcado para o fim do mundo com certeza lhe rendeu boas memórias e levantou o nome da cidade frente às outras do interior, se destacando por realizar as mais variadas atividades e projetando novas. Desde o teatro, com apresentações infantis ou adultas, shows de artistas nacionais e internacionais e surgindo como referência musical, Bauru cedeu espaço a projetos diferentes e de qualidade. Teatro – A relação público e artista não poderia ser melhor. Nessa troca de emoções, novas e velhas atrações fizeram parte da agenda cultural bauruense. Entre elas, há destaque para o primeiro festival de artes cênicas de Bauru, FACE. Realizado pelo grupo teatral Protótipo Tópico, o evento era
gratuito e foi feito em vários locais da cidade. Um dos palcos foi a Praça da Paz, escolha proposital. Segundo Fabio Valério, integrante do trio teatral, a desinstitualização do teatro para novos lugares onde o contato com público possa ser maior foi a ideia. Desde o bêbado, o visitante ou as crianças que frequentam a praça puderam assistir a apresentação. Para isso o humor deu a graça à tragédia na apresentação de “A Guerra de Piterovit”. Estamos de volta ao passado, no final da Segunda Guerra Mundial e o clima não poderia estar mais tenso. Apesar de soar como um tema duro para tratar, o grupo Protótipo Tópico conseguiu dar outro olhar. Era a quinta vez que a peça se apresentava, mas cada uma tinha algo especial. Com o intuito de trazer a tona cenas de guerra, a guerra que se queria demonstrar era outra. Segundo Fabio, as cenas cotidianas representavam uma batalha que todos nos lutamos diariamente e que é a mais difícil. Outra atração foi sucesso nos palcos do SESC Bauru. Talvez uma das histórias mais conhecidas do mundo, “Romeu e Julieta” nunca havia ganhado adaptação mais ousada. Onde deveria reinar a tristeza e o drama, foram os risos que ocuparam o espaço. A musica clássica foi deixada de lado em alguns momentos e ganhou lugar o axé, rock e até a musica eletrônica. Interpretado somente por homens, mais precisamente quatro, a peca teatral “R&J de Shakespeare – Juventude
Na apresentação, os palhaços fizeram rir quando o mais comum era o choro. A guerra do cotidiano foi o tema central. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
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Quem estava por perto não resistiu a curiosidade de saber porque haviam armas e a interação entre público e atores foi essencial. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
Interrompida” deu outra imagem ao clássico inglês. A peça é de autoria do norteamericano Joe Calarco, sendo adaptada por Geraldo Carneiro e dirigida por João Fonseca. Entre os atores que reviveram o romance histórico estão: Felipe Lima, João Gabriel Vasconcelos, Pablo Sanábio e Geraldo Rodrigues. A releitura se passa quando os amigos dentro da rígida sala de aula decidem ler o romance de Shakespeare. Cada um toma vários papeis ao mesmo tempo e dão pitadas do humor jovem a peça com direito a apelos mais vulgares. Já para as crianças, a atração principal foi a peca “E se as historias fossem diferentes?” no teatro do SESC Bauru. “O príncipe, então, pediu a mão da linda princesa em casamento que, por sua vez, já estava apaixonada pelo seu valente salvador. Eles, então, se casaram e viveram felizes para sempre!”. Quantas vezes ouvimos esse bordão ao final das histórias infantis? Milhares, talvez, toda nossa infância. Afinal, será mesmo que esse é o final da história? Foi isso que a Cia Truks de Teatro encenou, contando o que acontece depois do sonhado final feliz. De um jeito dinâmico e criativo, o ator Henrique Sitchin seduzia a plateia com seus personagens e desenhos que iam diretos para um telão ao seu lado, criando histórias que não eram somente para os baixinhos, mas também para os pais. Segundo Henrique, a criança
tem o diferencial de mergulhar naquilo que faz ou vê, se entregando as histórias, acreditando nas fantasias dos contos, mas uma hora os problemas reais aparecem e esse lado que ele quer mostrar. Assim, novos diálogos surgiam e o que podia ser contado em uma conversa formal, se transportou para o palco através das histórias. Música – Shows marcaram presença em Bauru. Trazendo música popular, internacional e regional, as atrações foram ícones nos palcos. Foram orquestras, shows individuais e festivais musicais que estiveram presente, dando oportunidade para novos artistas e ao público algumas apresentações foram gratuitas. O que será que acontece se juntarmos o Cinturão de Órion, a catuaba, um samba de black, cartuchos de vídeo games e uma pitada de gentileza? A mistura deu certo e o resultado foi o CD “Coisas Que Não Se Fabricam Mais” da Comunidade Azougue. Suas músicas trouxeram um ritmo dançante e envolvente ao palco. Com a maioria dos integrantes vindos da terra dos bonecos gigantes e do frevo, a Comunidade Azougue percorreu mais de 2000 km para divulgar seu primeiro CD no SESC Bauru. Nomes como Jorge Ben, Bob Marley e Nelson Gonçalves influenciaram o grupo que fez questão de colocar vinis desses artistas na capa do CD. Na hora de escrever as músicas,
A releitura do romance inglês, Romeu e Julieta, foi destaque teatral em Bauru, contando com atores reconhecidos. (Foto: Divulgação)
inspirações surgiram de modo até irônico. “Estava no ônibus e um cara me disse “Essas gringas são muito chatas, só querem pegar negão! Não querem saber de branquelo”. Respondi que ele deveria se pintar de preto! E ai já sai com a ideia para compor a música “Quero me pintar preto”, conta Fred Caiçara, vocal da banda . Vindo do outro lado mundo, é a banda francesa Et Hop. Não tem voz nem vida própria, mas faz parte da banda e pode emocionar milhares de pessoas. Esse é o sexto integrante da banda francesa Et Hop, mais conhecida como Super 8. A câmera é usada pelos integrantes para fazer filmagens
Foto 4: Princesas, príncipes e sapos, tantos personagens ganharam vida na voz da interpretação do único ator, Henrique Sitchin. (Foto: Cia Trunks)
main Quartier, que contou que primeiro a musica é feita e depois a filmagem, alem disso disse que gosta muito da relação entre a musica e o filme ou outra coisa e a ideia de mixar os dois foi para fazer algo diferente, dar outra denotação a musica. Como atração principal, a cantora Tiê ganha destaque no ano de 2012. “Foi só piscar o olho.” Essa foi a rapidez com que a paulistana Tiê ganhou destaque. Já no segundo CD, “O Coração e a Coruja”, a cantora é considerada promessa no cenário da música brasileira. Conhecida por composições suaves e um tanto quanto tristonhas, a cantora surpreendeu os bauruenses na apresentação no SESC de Bauru. Cantou desde o clássico rock “Seven Nation Army” ao “Tchu Tchá Tchá.” Quem esperava por um show calmo, se enganou. Tantas foram as atrações que absorveram o público bauruense, que escolher entre os mais variados sons seria pecar. O resultado foram plateias
Romain Quartier, além de tocar o trompete, também é quem filma e compõe para a banda. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
lotadas que compareceram aos shows sem se importar com o clima de Bauru. O incentivo a cultura deve permear a fim de criar e oferecer a população a maior variedade possível de arte, e assim, perceber que essa é outra alimentação essencial, a cultural.
Henrique Sitchin brinca com os personagens, atraindo todas as idades para um mundo mais real do que aparenta ser. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
que são projetadas durante o show. Através de cores saturadas e imagens antigas, a cronologia de uma história é relatada como se estivéssemos vendo um filme. E a trilha sonora não poderia ser melhor. Com sax, trompete, guitarra, baixo, clarinete e tantos outros instrumentos, o jazz groove vinha com tom dramático e com seu sentido literal, sentir a musica com encaixe total. E os responsáveis são Romain Quartier, Nicolas Pujos, Pieree Bauzerand, Pierre Pollet, Juan Favarel e Claire Hugonnet que estavam no Brasil pela primeira vez. Quem produz os filmes é Ro-
Com influências do samba, afrobeat, sons pernambucanos e batucadas irresistíveis a banda apresentou um som único. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
Com jazz e projeções da câmera Super 8, o grupo Et Hop traz uma mistura inédita dessas duas artes no SESC Bauru. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
Pela primeira vez em Bauru, Tiê cantou sucessos do primeiro e novo CD. (Foto: Maria Esther Valdiviezo)
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literatura
O sertão agora é tecnologia As plataformas digital e literária entram em confluência no projeto do SESC de Bauru que traz Grande Sertão: Veredas em um jogo de videogame Por Mariana Spada e Lígia Oliveira Como um livro empilhado em uma estante da biblioteca, o jogo aguarda os curiosos dedos das crianças que entram no salão. Os olhos atentos não perdem um detalhe e, com o tocar de algumas teclas, a história simplesmente começa. Riobaldo decide por contar os episódios que o sertão o deixou viver e mais algumas miudezas que cercam seus pensamentos. Os jovens interlocutores folheiam as páginas dos livros, há pouco dentro dos alforjes, e compreendem as mensagens que passa o narrador. “Ave, vi de tudo, neste mundo! Já vi até cavalo com soluço... – o que é a coisa mais custosa que há”. Riobaldo, de fato, tem um mundo todo a compartilhar. E as crianças continuam prestando atenção, inquietas. Em João Guimarães Rosa, está todo o foco desta cena. As crianças, desassossegadas, alternam a vez para participar da brincadeira. Até parece um pouco difícil de acreditar. Cinquenta e seis anos após lançamento, o livro Grande Sertão: Veredas, do ilustre autor, ganhou contornos em uma nova e atraente plataforma: a digital. Esta transitoriedade entre os meios já não é incomum, a relação próxima entre literatura e cinema, por exemplo, está mais do que corriqueira, ela é quase natural. O inusitado deste projeto se fundamenta na infrequente união entre literatura erudita e o universo dos videogames. O salão de entrada do SESC de Bauru, agora, é tomado como o lugar onde as páginas do livro se transformam em gráficos dos jogos eletrônicos. As crianças lamentam por não conseguir terminar a fase, os pais chamam para irem pra embora.
A interativa jornada de Riobaldo é gratuita. Os jogadores iniciantes ou até mesmo os mais experientes podem tentar se aventurar pelo sertão até o dia 30 de dezembro deste ano, de terça a sexta, das 13h às 21h30. Em sábados, domingos e feriados, o SESC também abre as portas para esta inusitada diversão, das 9h30 às 18h.
“A iniciativa visa aproximar o público leigo da Literatura e despertar a paixão por essa linguagem artística” (OS BASTIDORES DO SERTÃO DIGITAL) OS BASTIDORES DO SERTÃO DIGITAL: A exposição foi criada para o Circuito Sesc de Artes, realizado inicialmente em São Paulo - em julho deste ano. Passado este Circuito, os módulos estiveram em cidades interioranas como Catanduva, Ribeirão Preto, Sorocaba, Santo André e agora chegou a Bauru. O projeto cenográfico é de criação da TG3 Comunicaçao e o conteúdo interativo do jogo é do Estúdio Usina Animada - animação,design e vídeo. Gabriela Navarro, respondsável pela área de Literatura do SESCBauru afirmou, em entrevista a esta reportagem, que no caso da exposição da obra de João Guimarães Rosa, a junção de um texto literário de tamanha complexidade e riqueza como Grande Sertão: Veredas à tecnologia, “visa aproximar o público leigo da Li-
“É necessário completar as palavras, com o auxílio do livro, para passar de fase”
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“O jogador precisa manter a atenção entre a tela e o livro”
teratura e despertar a paixão por essa linguagem artística”. Dessa forma, a interação de todos os públicos com o que há de melhor na Literatura brasileira pode ocorrer de maneira simples e natural, a medida que vai crescendo o interesse pelas próximas fases e pela sequencia da história contada na tela e no papel. “É uma forma de envolver o público à Literatura sem que ele ofereça barreiras”, conclui Gabriela. O LIVRO AGORA É TOUCH Depois de escolhida uma das telas, o videogame educativo começa: logo de início, na imagem de apresentação, nos deparamos com a frase de impacto “Viver é muito perigoso. Mire. Veja. O senhor vá: alguma coisa, ainda encontra. O sertão é mais. O sertão é mundo”. Com linguagem semelhante a utilizada por Guimarães Rosa em sua obra, as “Regras do Jagunço” são explicadas detalhadamente, medindo a coragem do jogador em seguir em frente. Aceito o desafio, a seta “enfrente” ironicamente lança o leitor e jogador no sertão. “Sertão é sozinho. Sertão é
dentro da gente.” Para prosseguir no jogo, é sempre necessário tocar a tela, ficando atento às possibilidades de interatividade com figuras do cenário e algumas palavras que sugerem um caminho a ser seguido.
“Tocar os personagens ou modificar peças do cenário também podem ser a chave para continuar seu caminho, assim como uma batalha de pistola em pleno sertão. “ (O LIVRO AGORA É TOUCH) Uma vez inserido na interface do jogo literário, o participante deve
que ela possa parecer”.
“O livro Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, é transportado para as telas de videogame”
escolher entre as três opções de destino: Mapa do Sertão - faça seu destino, Jornada de Riobaldo - Destino Conselheiro e Cartucheira - o destino decide. Se a opção de traçar seu próprio destino for a escolhida, o jogador deve seguir um mapa, lendo trechos da obra e completando as palavras faltantes com o auxílio do próprio livro. Mas na vontade de chegar ao ponto final do mapa, o jogador pode pegar um atalho e cair em uma das pegadinhas do jogo. Se um jogador mais cuidadoso escolher os conselhos de Riobaldo, terá como vantagem algumas dicas acerca de seu destino, ao longo da narração do próprio personagem. Mas assim como no sertão, a aparente vantagem pode ser prejudicial no jogo, levando o participante a tomar atitudes erradas e perder o rumo. Porém, escolhida a cartucheira, a sorte estará lançada: “Role e engatilhe o tambor. Deixe o destino”. Nesta opção, o caminho do participante no sertão é escolhido a esmo, e a frase de game over “Viver é muito perigoso. O senhor perdeu o rumo”, torna-se mais certa. Nas três formas de jogo, a plataforma se foca basicamente no mesmo formato: a partir da leitura de trechos do livro, é necessário completar palavras com o auxílio de um exemplar em papel e com um teclado aberto na tela; tocar os personagens ou modificar peças do cenário também podem ser a chave para continuar seu caminho, assim como uma batalha de pistola em pleno sertão. CULTURA É MAIS. CULTURA É MUNDO. Grande Sertão: Veredas se tornou um clássico da literatura moderna brasileira e a singularidade da obra permitiu, também, o reconhecimento mundial. O plano estético da narrativa se destaca em meio as diferentes esferas de cultura: a erudita e a popular. A iniciativa digital aproxima mais uma esfera destas duas, a cultura de massas. Arlindo Rebechi Jr., doutor em
literatura brasileira, evidencia que a opção pela reunião do erudito e popular dentro da obra representa a visão de mundo do intelectual brasileiro. Está aí a originalidade. “Sendo o livro uma ação circunscrita aos limites dessas duas esferas, esse projeto já contempla, ainda que de forma tangencial, uma problematização desses dois universos”, reforça Arlindo. “A meu ver, a terceira esfera teria a ver com o diálogo que o projeto faz com o mundo dos videogames e as formas dos processos de circulação e recepção de sentidos numa sociedade em que a cultura de massa, de certa forma, formaliza gostos e interesses dos mais jovens”, completa ele.
BRINCADEIRA SÉRIA Um dos públicos que mais se interessaram pelo jogo literário foram as crianças. As frases aleatórias na estrutura da exposição, as cores fortes e principalmente as telas de computador serviram como um atrativo aos olhares curiosos. Em excursão escolar ou acompanhadas de seus responsáveis, as crianças não pensam duas vezes antes de escolher um lugar e tocar as telas. Mara Regina Teixeira de Andrade se mostrou muito interessada e satisfeita com o jogo literário, ao acompanhar o filho pequeno, Miguel Bruschi de Andrade, pelos caminhos do sertão. A mãe de Miguel disse considerar “uma iniciativa ótima, por incentivar a leitura de maneira lúdica” e ainda pelo jogo chamar a atenção das crianças para a Literatura. Miguel, que encontra-se em fase de alfabetização, disse gostar muito do jogo e, apesar de gostar “mais ou menos” de livros, declarou ler os trechos na tela e procurar as palavras a serem completadas com o auxílio do papel. Apesar de parecer muito animado com o jogo, Miguel não pensou duas vezes ao dizer que “videogame ainda é mais
legal”. “ROLE E ENGATILHE O TAMBOR” A iniciativa do SESC em transportar uma das maiores obras de nossa literatura para o mundo contemporâneo da tecnologia promove a queda das barreiras que separam a Literatura daquele público que não se atrae pelo tradicional. Além disso, o despertar do interesse das crianças para o mundo literário através de uma tecnologia que eles já nasceram inseridos, só tem a contribuir com o aprendizado. Guimarães Rosa, grande nome da literatura brasileira é sempre muito bem vindo como construção cultural de pessoas de todas as idades, das mais tradicionais às mais “modernas”.
“O principal motivo é fazer com que o leitor mais jovem possa integrar sua forma de recepção tão moderna a outro tipo de narrativa, a literatura”(CULTURA É MAIS. CULTURA É MUNDO.)
“Tal como o sertão, a literatura está em toda parte” (CULTURA É MAIS. CULTURA É MUNDO). Um ressalva há de ser feita. Segundo o professor os mais pessimistas julgariam o caso como uma forma de sobra de Guimarães, que não seria a narrativa em sua integridade, mas apenas lampejos dela, o que significaria a dissolução do universo da palavra. O professor discorda, afirmando a valilidade da iniciativa, cujo “principal motivo, sem dúvida, é fazer com que o leitor mais jovem, tão acostumado ou quase só acostumado ao universo das narrativas midiáticas, possa integrar sua forma de recepção tão moderna a outro tipo de narrativa também moderna e necessária à humanização de cada um, a literatura”. Seria uma forma de aproximar os universos infantil e escolar de forma interativa. Arlindo completa: “Isso quer dizer que, no fundo, tal como o sertão, a literatura está em toda parte. Precisamos descobri-la, por mais escondida
“O stand do jogo conta com três telas, cada uma com um alforje contendo um exemplar do livro”
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cinema
UM NOVO OLHAR À MOSTRA Evento privilegia arte na construção cultural
Seu Arlindo Vai a Loucura. Fonte - Divulgação FestCine Maracanau
Caroline Braga de Lima e Moema Novais Costa Dos dias 22 a 25 de novembro foram exibidos quinze curtas-metragens no Auditório do SESC de Bauru. A Mostra Novas Fronteiras foi composta por obras de produção universitária da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os filmes foram exibidos quinta e sexta - feira a partir das 19:30 min e no final de semana às 17:00. A mostra já foi apresentada em 46 | Palau | Dezembro 2012
outras cidades do estado de São Paulo. Os quinze curtas foram divididos da seguinte maneira: quatro exibidos na quinta, quatro na sexta, três no sábado e novamente quatro no domingo. Cada universidade também teve maior destaque em cada um dos dias. O primeiro dia do projeto contou com dois filmes da USP, o segundo com dois da UFSCar e o último com dois da UNICAMP. O terceiro dia foi balanceado, com um filme de cada universidade. Diogo Costa Pinto, cineasta graduado pela UFSCar e curador da
mostra, explicou que os filmes foram assim separados a fim de resgatar a complexidade de linguagens, e ao mesmo tempo buscar potencialidade de conteúdo, narrativa e técnica. Outro objetivo da mostra foi por meio de uma rede de parceria com unidades do SESC SP, promover os produtos audiovisuais de realizadores que, caso não houvesse essa iniciativa, provavelmente não conseguiriam grandes exposições para seus trabalhos. Apresentando um novo olhar O primeiro filme exibido no sábado foi A Estória da Figueira, produzido por
Júlia Zakai da USP. Trata-se de uma adaptação do conto luso-brasileiro de mesmo nome, que conta a história de uma menina órfã de mãe que mora
Os três filmes se preocupam em mostrar tanto na estética, quanto no tema, algo diferente do usual [...]
com o pai e tem como únicas companhias a vizinha e o jardineiro. Sentindo falta de uma figura materna mais presente, a garota insiste para que seu pai se case com a vizinha. Depois de certa resistência, ele acaba cedendo, mas a vida de todos muda depois do casamento. Seguindo a proposta da mostra que é apresentar um novo olhar, o filme explora o lado macabro da cantiga infantil. Para atingir esse objetivo, Zakai utilizou cores frias, efeitos de fumaça e planos abertos. O ambiente rural e isolado, as roupas de época e a maquiagem também ajudam a compor o clima de tensão. Apesar de ser muito imagético e ter excelente fotografia, o filme é complementado pela trilha sonora, que realça os sons ambientes. O curta recebeu os prêmios de “Destaque em Contribuição Artística”, “Destaque em Expressão Cultural” e “Destaque Cachaça Cinema Clube” no Festival Brasileiro de Cinema Universitário, 2º Lugar no Júri Popular do Festival Brasileiro de Cinema Universitário, Prêmio do Público no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, todos em 2006. Em 2007 recebeu Melhor Fotografia de Filme Estudantil no Festival Semana ABC. O segundo filme foi Seu Arlindo Vai À Loucura de Raoni Reis, aluno da UFSCar. O curta narra a história de Seu Arlindo, um idoso que esta comemorando as bodas de ouro com a esposa Benedita. Durante a festa, ele acaba refletindo a respeito da sua condição em relação à mulher, que está sempre alegre e disposta, enquanto ele necessita do auxílio de um andador e de um aparelho de surdez. Outros dois personagens apresentados e que também aparecem como opostos são suas filhas. Uma é casada, tem filhos e está sempre séria, e a outra, troca várias vezes de namorado e é sorridente. Em comparação com os outros filmes apresentados no dia, Seu Arlindo Vai À Loucura aparenta ser mais leve, pois a linguagem é mais próxima do convencional, lembrando a construção de novelas, e traz no elenco atores conhecidos como Mauro Mendonça e Rosamaria Murtinho. O olhar diferente aparece na temática do idoso, que é pouco abordada nas produções artísticas, na construção do que seria o pensamento de Seu Arlindo e no trabalho com as sonoridades do filme.
Evangelista da UNICAMP e também apresenta um novo olhar sobre outro tema pouco abordado: o suicídio. O filme é um relato de um homem à rádio CBN que, ao ser questionado sobre o fato mais memorável de Luziânia, Goiás, se lembra de um homem que suicidou ao ficar preso em um prédio em chamas. À medida que ele vai narrando, aparecem na tela imagens de diferentes formas de suicídio. O autor apresenta uma nova perspectiva sobre o tema, levando o público a refletir sobre as causas e consequências desse ato. O destaque da construção cinematográfica é para a trilha sonora, que é preenchida pelo depoimento do homem e poucas intervenções de efeito. As imagens são basicamente cenas montadas, mescladas com filmagens feitas nas ruas da cidade, sem focalizar um agente específico. O filme foi selecionado para participar do Festival de Cannes em 2012. Os três filmes se preocupam em mostrar tanto na estética, quanto no tema, algo diferente do usual, utilizando diversas técnicas. O primeiro filme seria mais imagético e o terceiro mais sonoro. O segundo filme une a imagem ao som, sem destacar demais um ou outro. Apesar de serem produções universitárias de baixo custo, as três apresentam boas qualidades técnicas e se destacaram na área. O que o público tem a dizer Segundo Diogo Costa Pinto, o projeto pretende ser o mais abrangente possível, atingindo frequentadores e não frequentadores do SESC. No terceiro dia do evento em Bauru, o público foi pequeno, no entanto, os poucos que assistiram aos filmes, tiveram coisas boas a dizer da mostra e da iniciativa. Luciana Ferreira Ângelo mora em São Paulo onde costuma frequentar eventos desse tipo, e ficou impressionada com as poucas pessoas presentes. A psicóloga achou os três filmes distintos, dando destaque para o segundo – Seu Arlindo Vai Á Loucura – pois envolve uma temática próxima de sua atividade profissional, abordando
a relação do medo, mas fazendo certa paródia. Isso acontece também com o terceiro – Aqueles que Andam pelo Fogo – considerado por ela o mais denso. Quanto ao novo olhar proposto pela mostra, Luciana comparou os curtas da UFSCar e da UNICAMP, dizendo que o da última apresenta uma linguagem mais reconhecível e é o menos diferente dos três. Em contrapartida, a produção de São Carlos chama a atenção pela sua linguagem. Maykell Araújo Carvalho, professor de educação física, também esteve em visita à Bauru. Ele disse que mesmo não sendo uma linguagem com a qual o grande público esteja acostumado, é interessante e merecedora de divulgação. Dos filmes apresentados, Maykell destacou dois: o da UFSCar, que trata de uma questão mais comum e próxima aos telespectadores, embora não deixe de ser complexa e não deva ser banalizada, e o da UNICAMP, que aborda um assunto ainda visto como um tabu pela sociedade e, por isso, mais difícil de ser trabalhado. O professor afirmou que os curtas conseguiram transmitir um novo olhar, porém o público para esse tipo de produção ainda está em formação e por isso a Mostra teve baixa audiência. Para ele, essa deficiência reforça a importância de eventos como esse na formação de uma cultura consumidora de filmes que fogem das produções americanas. Maykell sugeriu que, para auxiliar nesse processo, seria interessante trazer junto com os filmes, os produtores e diretores para dialogarem com o público.
“A temática e a linguagem convencionais são, na verdade, espelhos de um modelo fechado de cinema”
As Novas Fronteiras O curador da Mostra, diz que a iniciativa do projeto surgiu da preocupação por expandir a cena cultural, tornando-a mais rica e veiculando obras além do modelo comercial, com linguagens que visam simplesmente atrair o público. Ressalva, porém, que já existe um nicho de espectadores que procuram por eventos que valorizam a cultura e os artistas como essências do produto final. Diogo afirma que o processo de criação é o ponto focal da mostra, na qual público e realizador compõe um sistema de trocas e experiências que permitem o conhecimento de outro tipo de cinema produzido no Brasil. Por esse motivo, os filmes apresentado não se inserem no modelo tradicional. “A temática e a linguagem convencionais são, na verdade, espelhos de um modelo fechado de cinema”, afirma o curador. Essas produções fechadas não existem como produtos culturais que pretendem dialogar com o público ou disseminar um conteúdo denso. Ele ressalta que sublinhar a importância e riqueza das obras alternativas é fundamental. Outra proposta da Mostra era a inserção das novas mídias nas produções cinematográficas contemporâneas. Diogo afirma que o cinema dialoga em tempo, conteúdo, narrativa e linguagem com essa nova experiência de interação entre público e audiovisual, mudando a velocidade da interação e de comunicação, elementos chaves para as novas fronteiras do cinema e da percepção de expressões culturais. A Mostra Novas Fronteiras foi uma iniciativa que privilegia a arte na construção cultural. Abrindo espaço para jovens diretores, Diogo Costa e o SESC possibilitaram que o público – por menor que esse às vezes fosse – prestigiasse obras honestas, cujo objetivo é contar uma história, fazer refletir e não puramente entreter. A Mostra acabou, mas o público que procura esse tipo de produção continua em Bauru e aguarda ansioso pelo próximo projeto.
Em comparação com os outros filmes apresentados no dia, Seu Arlindo Vai À Loucura aparenta ser mais leve, pois a linguagem é mais próxima do convencional O último curta foi Aqueles Que Andam Pelo Fogo, dirigido por Luciano
Cena de A Estória da Figueira. Fonte - Divulgação
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dança
“ Só a bailarina que não tem...”
A magia do ballet encanta os palcos bauruenses Por Gabriela Lima e Mariana Caires
“Procurando bem todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina e tem piriri, tem lombriga, tem ameba, só a bailarina que não tem.” (Ciranda da Bailarina) Quando Chico Buarque de Holanda e Edu Lobo fizeram a canção da Ciranda da Bailarina, com certeza se embasaram na vida de quem se dedica ao ballet clássico. Por trás das rimas, os compositores expressaram quão diferente é a rotina de uma pessoa que escolheu se dedicar a esse tipo de expressão artística. A bailarina clássica parece viver longe das situações corriqueiras que atordoam o cotidiano das “pessoas comuns”. Porém, é difícil viver só de ballet no Brasil. O Collant, a sapatilha e a meia calça dividem espaço com a roupa de outros trabalhos nas bolsas dos bailarinos. O sonho de se profissionalizar e ter a vida sem preocupações cantada na Ciranda da Bailarina está distante da maioria dos que praticam, mas enquanto estão nos palcos, os artistas se sentem em verdadeiras caixinhas de música.
“Teve escarlatina ou tem febre amarela, só a bailarina que não tem” Ciranda da Bailarina Quem acompanha de perto a rotina das meninas que se sustentam graciosamente nas pontas dos pés, sabe que a beleza perfeita está somente em cima dos palcos com as cortinas abertas. São horas de ensaio para conseguir o movimento perfeito, aulas e mais aulas que ajudam aperfeiçoar a técnica, métodos dolorosos de alongamento para a linha corporal ficar mais bela e, é claro, muita dor nos pés. I ATO - O início O ballet chegou ao Brasil em 48 | Palau | Dezembro 2012
Foto de Damir Yusupov. Svetlana Zakharova interpretando Kitéria em Dom Quixote no teatro Bolshoi.
1927 e aos poucos o país ganhou fama e espaço no universo artístico mundial. A vinda da bailarina russa, Maria Olenewa, para o Rio de Janeiro foi um marco para a dança brasileira. Ela criou a Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal, a primeira do gênero do Brasil e, consequentemente, uma das mais influentes. O Brasil parecia acompanhar diretamente o ballet europeu, que na época era muito mais desenvolvido em virtude das técnicas russas e francesas que até hoje são estudadas. A dança foi atração no IV Centenário da capital paulista e a partir disso, entrou para os calendários culturais. As coreografias passaram por um abrasileiramento com os toques coreográficos do tcheco Vaslav Veltchek, que entrou para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1939. O técnico criou danças baseadas no nosso folclore com a trilha sonora de Villa Lobos, como exemplo, a coreografia Uirapuru. O aperfeiçoamento do ballet brasileiro
é constante. Temos a escola de ballet Bolshoi, uma das mais fortes do método russo do mundo. Também são realizadas em todo território nacional, competições que estimulam os jovens bailarinos a seguir essa carreira. O Youth America Grand Prix (YAGP), por exemplo, é uma competição que classifica os melhores bailarinos para se apresentarem em Nova York concorrendo a uma bolsa de estudos fora do Brasil. II ATO – Desenrolar A cidade de Bauru, localizada no interior do Estado de São Paulo, teve sucesso ao apoiar o ballet clássico em seu plano de cultura. No ano passado, se concretizou a Companhia Estável de Dança da cidade, um projeto da Secretaria Municipal de Cultura. O grupo foi formado em 21 de setembro de 2011 pela Lei nº 6.119. Coordenada por Sivaldo Camargo, a Cia conta hoje com oito bailarinas entre 14 e 20 anos. O despertar
do gosto, a sensibilidade e a prática da dança são os objetivos da Companhia. Em março do ano que vem, a Cia terá mais uma audição de seleção de bailarinas, buscando alcançar o número total de 16 dançarinas. Sivaldo Camargo revela em entrevista a seguir como aconteceu a criação do grupo e o processo de fortalecimento. III ATO - Grand Finale Para entrar na Companhia Estável de Dança de Bauru, Ana Beatriz, Gabriela, Geovanna, Isabela, Julia, Mayara, Natalia e Thainá provaram sua vontade e capacidade passando por um processo de seleção. Quem definiu as melhores bailarinas foram Camila Puppa e Farley Ferenze, profissionais com notório saber na arte residentes fora de Bauru. A escolha do elenco aconteceu em três etapas: a primeira tarefa foi uma redação tematizando a dança. Depois, as candidatas partiram para uma aula técnica e então, o úl-
Prefeitura de Bauru
Entrevista REPÓRTER - Como foi a concretização da Cia Estável de Dança? SIVALDO - A Cia de Dança de Bauru iniciou seu processo há alguns anos. Depois de muitas correções feitas pela Câmara Municipal e pela administração pública, chegamos a um formato que é o que está acontecendo hoje, foi colocada pelo prefeito reeleito Rodrigo como prioridade para 2012 na área da cultura, esperamos para 2013 ampliar o quadro de bailarinos e trabalhar com a elaboração de novos espetáculos. R- Como é o trabalho da Divisão de Ensino às Artes em relação ao ballet? S- Ela oferece um curso regular com duração de oito anos, com iniciação a partir dos sete anos, para ingressar no curso é preciso passar por avaliação técnica. Também oferecemos cursos livres de ballet a partir de 7 anos.
Cia Estável de Bauru. Na foto, os entrevistados Gabriela Passy (quinta bailarina da esquerda para a direita) e Sivaldo (o primeiro homem à esquerda).
timo passo foi uma apresentação de solo livre ou de repertório. Uma delas é Gabriela Passy, que cursa jornalismo na Unesp de Bauru. As participantes da Companhia Estável recebem uma bolsa no valor de R$375,26. Para Gabriela, “a ideia de receber, ao invés de pagar, para fazer o que mais gosta é um fator que pesa bastante na vontade de fazer parte do grupo”. Além da bolsa, elas recebem todo o material de trabalho, como sapatilhas, collants, meias. As meninas treinam de segunda a sexta durante três horas e ainda participam de workshops e ensaios extras, que completam a grade necessária de 20 horas. Perguntada por nós se a rotina exigia muito delas, Gabriela foi enfática “Poxa, são QUINZE horas de aula por semana! Tem que realmente gostar muito, ter muita dedicação e amor pra aguentar”. A Companhia de Ballet de Bauru já fez montagens de ballet clássico e contemporâneo. No dia 1 de setembro, aconteceu a estreia do grupo nos palcos, como conta Gabriela. “Dançamos duas coreografias. A primeira foi uma montagem de ballet clássico do Sérgio Bruno, chamada Nuit Verdi, na qual havia um pas de deux, um pas de trois e um pas de catre, além da abertura e do grand finale (música de Giuseppe Verdi). A segunda foi uma montagem de contemporâneo maravilhosa do coreógrafo Arilton Assunção, chamada Sentir-se-á, com música de Rachmaninoff.”. “Só quem já esteve no palco sabe como é o frio na barriga de quando a cortina abre, você lá, no escuro,
R- Como a Companhia se enquadra no plano da Secretaria de Cultura? S- A Cia. está totalmente inserida na política cultural da administração. Temos como meta democratizar o acesso ao ensino do ballet na comunidade, representar a cidade de Bauru em festivais e mostras de dança além de contribuir de forma direta na formação de bailarinos profissionais. R- Como foi a estreia da Companhia? S- Foi muito interessante, trabalhamos com 2 coreógrafos convidados, profissionais reconhecidos internacionalmente e que adoraram trabalhar com as bailarinas de Cia. de Dança, a estreia foi emocionante para todos nós. R- Quais são os próximos espetáculos? S- A Cia. se apresenta dia 30/11 às 16:30 h, no Teatro Municipal, encerrando as atividades dos Pontos de Cultura, projeto de Ministério da Cultura e da Prefeitura de Bauru. No dia 06 de dezembro às 20:30 h, no Teatro Municipal, apresentaremos um espetáculo inédito na cidade de Bauru, a Companhia Estável de Dança se apresentando junto com a Orquestra Municipal, com convites gratuitos distribuídos uma hora antes do espetáculo.
A tcheca Maria Olenewa
só na expectativa... E ainda mais numa estreia. É uma sensação única. Acredito que quando eu for mais velha e olhar para trás, pra esse momento, vou me sentir muito orgulhosa de ter feito
parte da primeira geração da Cia Estável de Bauru.” Assim como um escritor sonha em ver seu livro publicado e um músico deseja levar sentimento a quem ouve seus sons, uma bailarina também quer seguir a vida vendo o brilho nos olhos de seu público. Para Gabriela não é diferente, a futura jornalista aspira con-
tinuar sentindo a energia que o palco traz, e quem sabe, de maneira profissional. “Não vou mentir: o sonho de ser bailarina profissional existe, mas, ao mesmo tempo sei que é um desafio muito grande. É um caminho difícil pra quem escolhe trilhar, e, sinceramente, ainda não sei o que o futuro reserva pra mim”.
Pas de deux, de trois, de quê?? Aqui vai um “dicionário” para os lei-
gos no ballet: Pas de deux, de trois e de catre são danças em conjunto. Pas de deux (dois em francês) é uma coreografia em par, pas de trois (três) é em trio e consequentemente, pas de catre é uma dança com quatro integrantes.
Estreia da Companhia Estável de Bauru no Teatro Municipal da cidade em 1 de setembro
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literatura
“A PIOR FORMA DA SOLIDÃO É A COMPANHIA DE UM PAULISTA” Exposição Nelson Rodrigues 100 anos celebra o centenário do ícone da literatura brasileira no SESI-SP Por Victor Rezende e William de Moura Ela estava inquieta. As pulseiras de prata em seu braço não cessavam o tilintar. “Ainda bem que eu trouxe blusa”, disse a mulher de meiaidade, puxando assunto. Seus traços denunciavam sua ascendência nipônica. Em seu florido vestido de cetim azul, a excêntrica senhora, de conversa fácil, manifestava suas preferências culturais: a dança, a literatura e o teatro. Não poderia encontrar-se em melhor lugar. Aguardava ansiosamente, junto a outras doze pessoas, a abertura da exposição. O domingo, 25 de novembro, amanheceu frio e nublado em São Paulo. Este clima se acentuava na Avenida Paulista, por volta das dez horas. Havia todo tipo de público esperando na fila do Centro Cultural FIESP Ruth Cardoso. Pessoas das mais diversas idades, etnias e orientações, reunidas ali com um único propósito: apreciar a trajetória de um dos maiores expoentes da literatura, da dramaturgia e do jornalismo nacional, Nelson Rodrigues. RECIFENSE CARIOCA Natural de Recife, capital pernambucana, Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 23 de agosto de 1912, como o quinto filho, no que viriam a ser quatorze. Mário Rodrigues, seu pai, ex-deputado federal e jornalista, foi-se para a então capital da República, o Rio de Janeiro. A esposa, Maria Esther, que havia permanecido no Recife, não tardou a reunir seus pertences e, ao lado dos filhos, seguiu o marido. Empregado no Correio da Manhã, seu pai conseguiu firmar-se na cidade. Tendo chegado ao Rio aos três anos de idade, Nelson foi moldado pelos ares locais, tornando-se um recifense com alma carioca. O dia-a-dia de sua vizinhança, na Zona Norte do Rio, é parte essencial da sua inspiração como escritor. Escreveu desde os 13 anos para o jornal de seu pai, A Manhã. Em seguida, escreveu para o Crítica, outro jornal fundado por seu pai, após o insucesso do primeiro. A tragédia familiar logo o acometeria, na forma do assassinato de um de seus irmãos, Roberto Rodrigues, e na subsequente morte de seu pai, que suprimia a culpa com o álcool. Outras tragédias viriam, Nelson passaria 50 | Palau | Dezembro 2012
Marcia Ramalho
por muito – opressão governamental, miséria pessoal e até mesmo duas tuberculoses – antes de tornar-se o ícone que hoje conhecemos.
“Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou, e sempre fui, um anjo pornográfico.” ANJO PORNOGRÁFICO O SESI-SP promove até o dia 16 de dezembro a exposição Nelson Rodrigues 100 anos, que conta com um acervo raríssimo das obras deste, distribuído num limitado espaço de 140 m². Se todos conhecessem a in-
timidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém, assim fomos recebidos pela ruidosa voz do curador Ruy Castro que, por meio de alto-falantes, recita as emblemáticas frases do autor centenário ao longo da mostra. Escritor e jornalista, Ruy é o autor de Anjo Pornográfico, a biografia de Nelson lançada em 1992. O percurso da exposição inicia-se com uma série cronológica de imagens do autor em momentos distintos, retratando vários momentos de sua vida e de sua carreira. Em seguida, somos surpreendidos pela figura de um cadáver coberto por um lençol branco
sob uma maca, referência direta à peça Vestido de Noiva, de 1943, que revolucionou o fazer teatral no Brasil. Em outra foto, tirada no estádio do Maracanã, encontramos o fanatismo exacerbado de Nelson pelo Fluminense, time para o qual escreveu crônicas antológicas. Suas contribuições começaram no Jornal dos Sports, falando sobre esportes em 1936. Desde então, não parou mais. Publicou em Correio da Manhã, O Jornal, Última Hora, Manchete Esportiva e Jornal do Brasil, entre outros. Também é destacada, por meio de outra foto, a participação de Nelson na primeira mesa-redonda de futebol da TV Globo, Grande Resenha Facit, exibida entre setembro de 1966 e janeiro de 1971. Prosseguindo, encontramos prateleiras repletas das primeiras edições de suas obras literárias. Mais fotografias do ícone aparecem, mostrando desde seu engajamento político – num protesto contra a censura em 1968 – até a sua atuação na peça Perdoa-me por me Traíres, passando pelo canastrão apreciando moças em seus biquínis, no calçadão de Copacabana. MAGNUM OPUS As frases ressoantes da ambientação sonora, bem como as expressões registradas no mural e tudo o que se segue, delineiam o autor incisivo e
Talita Camargo
Amicucci Gallo
O Fluminense era o time pelo qual o coração de Nelson pulsava.
As memoráveis frases rodriguianas soam como ditados.
incômodo que revelou A Vida como Ela É. A mais reconhecida obra do autor, uma coletânea das publicações em sua coluna no Última Hora, foi adaptada para os mais diversos meios. Estreou em 1950 e tornou-se um sucesso popular, uma vez que Nelson escrevia falando diretamente a seu público. Ao longo dos contos, pode-se perceber um estilo rodriguiano, no qual elementos retornam frequentemente, ideias são reiteradas e personagens são constantemente revisitados. A amplitude das histórias de ciúme, conflitos morais, inveja, adultério e morte proporcionaram toda sorte de adaptações: programas de rádio, filme, peça de teatro e série de televisão. Inseridas em dois monitores estão digitalizadas raras edições de fotonovelas baseadas em A Vida como Ela É, de 1960. Pressionando nossos indicadores contra a tela, podemos folhear virtualmente os contos O Justo e Véu de Noiva. E, um pouco mais à frente, a ampliação de outra célebre narrativa pertencente à mesma coletânea: A Dama do Lotação. A história que baseou o conhecido filme homônimo protagonizado por Sonia Braga ganha evidência no quadro que ocupa quase toda a parede.
“O amigo traí na primeira esquina. Ao passo que o inimigo não traí nunca. O inimigo é fiel. É aquele que vai cuspir na cova da gente.” DO SOBRENATURAL AO COTIDIANO A exposição convidou um
antigo parceiro de Nelson no jornal O Globo, o ilustrador Marcelo Monteiro, para recriar dez personagens rodriguianos, pela primeira vez em cores. Emoldurados no corredor estão, entre outros, Gravatinha, a Grã-Fina das Narinas de Cadáver e o célebre, ainda que terrível, Sobrenatural de Almeida. A criatura responsável por todos os infortúnios das partidas de futebol, especialmente contra o Fluminense, era uma figura recorrente nas crônicas de Nelson, como neste trecho de A Volta de Sobrenatural de Almeida: “Trepando numa cadeira, em plena redação, o Sobrenatural de Almeida bate no peito: ‘Fui eu! Eu!’. Alega o abominável indivíduo que, aproveitando a ausência do Gravatinha, sentou-se na alma tricolor. Eu ouço e calo. Ou por outra, faço-lhe a pergunta: ‘E domingo?’ Sobrenatural de Almeida dá uma gargalhada satânica: ‘Entre o Botafogo e o Vasco, estou escolhendo minha vítima. Hei de beber o sangue de alguém.’” Mais a frente, podemos vislumbrar imagens de encenações memoráveis do dramaturgo, como Vestido de Noiva, montada em 1943 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e dirigida pelo polonês Ziembinski (1908-1978) e Beijo no Asfalto, escrita a pedido da protagonista, Fernanda Montenegro, em 1960. Segundo o professor de Língua Portuguesa e Literatura da UNESP de Bauru, Marcelo Magalhães Bulhões, pode-se dizer que Nelson Rodrigues é o maior nome da literatura dramatúrgica brasileira e que, além disso, “com Vestido de Noiva, a modernidade finalmente chega ao teatro brasileiro”. Por meio de mais um recurso multimídia – aparelhos de reprodução de áudio e fones de ouvido – os visitantes podem ouvir os contos O Monstro e A Noiva da Morte, ambos provindos do disco de vinil de A Vida como Ela É. Na última instalação de Nel-
son Rodrigues 100 anos, adentramos um espaço diferenciado do restante da exposição. Numa sala escura, adornada com cortinas negras, pudemos vivenciar o cotidiano de Nelson Rodrigues. Trata-se do filme Fragmentos de Dois Escritores, do diretor João Bethencourt (1924-2006), onde encontramos Nelson em sua vida domiciliar – ainda de pijamas, fazendo a barba –, em seu trabalho – escrevendo seus textos na redação de O Globo – e participando de uma mesa-redonda sobre futebol na TV Rio, aos 56 anos de idade. Esta rara película de 9 minutos foi encontrada pelo historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Fico, no Arquivo Nacional dos Estados Unidos. O motivo do filme ter sido encontrado em território norte-americano se dá pelo fato deste traçar um paralelo entre o nosso autor e o dramaturgo estadunidense Edward Albee. LEGADO HONRADO Ao final da exposição, chegamos ao foyer do Teatro do SESI São Paulo e encontramos uma reprodução magistral de uma primeira página do
jornal Última Hora, adaptada com trechos da obra de Nelson e produzida por outro ex-colega deste, o artista gráfico Hélio de Almeida. Nelson Rodrigues 100 anos presta homenagem ao grande ícone de nossa literatura, após seu falecimento em 1980, aos 68 anos. Compreendendo as expectativas daqueles que já o conhecem bem e instigando a vontade daqueles que ainda o querem conhecer, a mostra honra o legado icônico. Os recursos multimídia empregados pela exposição refletem a aura daquele que foi um dos autores mais adaptados, para os mais diversos meios. Embora as máximas rodriguianas sejam válidas ainda na atualidade, contestamos aquela que nomeia esta reportagem: afinal, ali no coração paulista, estaria Nelson Rodrigues se sentindo só? SERVIÇO A exposição está localizada até o dia 16 de dezembro no Térreo Inferior do Centro Cultural FIESP – Ruth Cardoso, na Av. Paulista, 1313 – em frente ao metrô Trianon-MASP – e pode ser conferida todos os dias, das 11h às 21h, com entrada até 20 minutos antes do fechamento. Grupos podem agendar visitas através do telefone (11) 3146-7396, de segunda a sexta-feira, das 10h às 13h e das 14h às 17h. A classificação indicativa é livre. Chico Nelson
Nelson Rodrigues, sempre acompanhado de seu cigarro e o do cafezinho
Dezembro 2012 | Palau | 51
Uma produção dos alunos do 2º terno de jornalismo da UNESP dezembro 2012