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Sinto muito
from Quando escapa
by hns2020
Gabrielle Peixoto
O pôr do sol começa no horizonte. Os raios quentes que restam avermelham minhas bochechas e iluminam o bilhete em minhas mãos. A brisa fria do fim do verão balança meus cabelos, dá cambalhotas nas folhas e intensifica o voo dos pássaros. As buzinas da avenida dão som ao vazio da minha mente, eu suspiro e sorrio. Sinto. Depois de tanto, sinto! Sinto amor e paz, sinto tudo e mais um pouco.
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Percebo as crianças correrem no parquinho, os velhinhos jogando xadrez, e uma senhora alimentando os pássaros. Sinto em mim uma mistura dos verbos de estado: sou presente, estou aqui, pareço bem e permaneço firme. Agora, já não é difícil, sei que consigo. Sinto minha vitalidade. O sangue correr nas veias. Os dedos dos pés gelarem. Tudo enquanto o sol se põe.
Sinto. E como é bom sentir, como é bom perceber em amplitude. Antes, tudo parecia cinza; e, agora, floreiam pequenos brotinhos de cor.
Não, não foi uma visita ao parque que me reviveu, fui eu mesma. Aprendi que, para tudo, basta entender, aceitar e ressignificar. Pode parecer fácil falar, ainda mais quando não sei o que se passa com os outros... É, não mesmo, mas sei de tantas outras coisas.
É estranho me sentir assim, como se eu não tivesse esse direito. Fecho os olhos com força e me recordo da tua voz cantando pra mim. Uma lágrima cai, e tenho que me lembrar que tudo bem sentir medo, e tudo bem também me sentir novamente. Tudo bem ser como for, tudo bem doer. Mas não devemos deixar que a dor se torne a única realidade. É preciso sentir,
realinhar e aceitar. É preciso voltar aos eixos. Isso faz parte do todo também.
Olho o relógio, levanto-me do banco, deixando lá o bilhete e dou um gole no café frio que sobrou no meu copo. Você ama café frio. Despeço-me dos pássaros, dos idosos e das crianças. Atravesso a rua, pego o crachá e subo de elevador. Dou uma batida leve na porta e entro. Sorrio e sinto meu estômago gelar. Seguro sua mão e sinto paz. Sei que tudo vai ficar bem, independentemente de como, ficará tudo bem.