
2 minute read
A águia
from Quando escapa
by hns2020
Bruna Scorsi
Era uma águia, mas nunca pôde voar. Cresceu em um lar de pequenos pássaros, dos mais diversos, sequer chegou a conhecer sua verdadeira família.
Advertisement
Nesse zoológico, no qual vivia, sempre ouvira de seus cuidadores frases como: “Onde já se viu um pássaro como você, querer sair voando por aí?”, “Você é apenas uma atração”, e, com o tempo, fora acreditando... Outrora ouvira “Ela é tão feia! Desengonçada, com uma cara tão infeliz” porque, de fato, estava. Nascer para ser tocada, arrumada, exibida, comparada, e ainda ter de ser sempre tão amigável e educada, não é para qualquer ave. Caso estivesse muito amuada ou desanimada, seus cuidadores deixavam-na sem comida, para que aprendesse a se portar como uma respeitável e admirável rapina. Cortavam suas garras - que serviam de equilíbrio durante sua estadia em solo -, claro, tudo em prol da beleza... afinal, a ave deveria parecer frágil.
“Você deve acasalar, uma fêmea deve seguir seu instinto selvagem”, diziam os machos de sua espécie.
No zoológico havia um horário no qual as crianças podiam interagir com os pássaros. Era seu papel entreter, surpreender, espalhar graciosidade por onde passava. Ver aquelas crianças felizes a fazia se sentir útil e amada, bom, pelo menos por um curto momento de seu dia.
Durante os momentos em que ficava liberta de sua gaiola para entreter seu público, notou, vindo ao norte, uma grande águia. Era como ela, mas, ao mesmo tempo, completamente diferente. Ela era
livre. E, segurava em seu bico, o próprio alimento que caçara. De cara ela julgou a rapina que voava: “Como pode ter a audácia de voar assim? E ainda caçar sua própria comida?!”. Por um instante, pensando consigo mesma, se gabou por ter alguém para alimentá-la.
Dias se passaram e a águia parecia cada vez mais desmotivada. Como seu cuidador havia ficado doente, colocaram uma substituta em seu lugar. A moça parecia compreendê-la melhor do que qualquer um e tratava-a de um jeito que nunca presenciou antes.
Em uma manhã de sábado, o zoológico havia fechado, mas a moça estava lá, pontualmente, para sua alegria.
A ave notou que a mulher não havia mais aparado suas asas, e percebeu que conseguia planar sobre o seu galho mais baixo. Com o tempo, foi incentivada a voar e, finalmente, respirar o ar puro fora da gaiola, que era pequena demais para o seu tamanho. Ela caiu e, certa vez, chegou a precisar de curativo. Mas enfim, aprendeu a voar. A sensação de liberdade era incrível! A águia podia, agora, ver o zoológico de um novo ângulo. Tudo ficou mais colorido e interessante, mas quando voltava ao seu lar, ouvia a zombaria das outras aves. Ficara tão chateada que desistira de voar por alguns dias.
Então, notou que sua gaiola havia sido aberta por sua nova cuidadora, pensou: “Seria isso um engano?”. Por seu semblante, parecia que não... a ave olhara no fundo de seus olhos e viu-a assentir. Era sua chance. Ela abriu voo e sentiu a liberdade percorrer seu corpo, pensou nas outras aves e, em vez de desanimar, apenas desejou que todas pudessem um dia ser livres para voar por onde quisessem. Pois, depois que se aprende a voar, não se quer mais viver presa em uma gaiola.