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por thaís santos lopes
Will Smith no papel de Will, protagonista da série Um Maluco no Pedaço (Fresh Prince of Bel-Air). Suas roupas coloridas foram tendência na moda hip-hop nos anos 90, devido ao sucesso da série. Foto de Archziner.
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Desde o início da história, o tipo de roupa que você usa define algumas coisas sobre você como profissão, classe social, lugar onde vive, entre outros. Na contemporaneidade, a moda passa a ter como propósito expressar a identidade do indivíduo, mas continua manifestando identidades coletivas e delimitando grupos e movimentos sociais de uma forma mais complexa.
Um desses movimentos é o hip-hop, movimento que nasceu em comunidades negras e latinas dos EUA e abrange o rap, break dance e o graffiti. No Brasil, o movimento surgiu em meados dos anos 80, na estação São Bento, em São Paulo. Ao mencionar a moda hip-hop, também conhecida como streetwear, determinado estilo e vestuário vem à mente, provavelmente bonés de aba reta, camisetas de basquete e calças largas, entretanto esse estilo não se resume a apenas isso. Assim como a moda em geral, a moda hip-hop evolui com o movimento em si e conforme o cenário sociopolítico-econômico do país, como maneira de resistência.
Num dos episódios mais esperados do podcast Podpah, comandado por Igão e Mítico, Mano Brown fala sobre sua carreira e trajetória, mencionando como era a moda no hip-hop brasileiro nos anos 80. Sendo um dos pioneiros do rap brasileiro, Brown explica que os integrantes do movimento precisavam aderir determinado corte de cabelo e roupas que eram usados por pessoas de classe mais alta, pois, ao se consolidar um estilo típico do hip-hop, aqueles que usavam essas roupas eram alvos de violência policial e discriminação. “O sistema engoliu. Morreu de tudo quanto é jeito que você imaginar, o sistema engoliu. E os que sobreviveram mudaram o código de roupa”, desabafa Mano Brown.
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Foto: Cut Out + Keep
Foto: Post Kulture/Divulgação
Grupo Run DMC, grupo de hip-hop considerado ser a ponte entre a velha escola e a era moderna do hip-hop. Foto: Getty Images.
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Capa do álbum “Nada Como Um Dia Após o Outro Dia” dos Racionais MC’s.
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Coleção Avuá, do Laboratório Fantasma, marca do rapper brasileiro Emicida e seu irmão, Emerson Fiote. A coleção da grife foi apresentada na SPFW44. Foto de Marcelo Shoubhia /FOTOSITE.
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Essa realidade fez com que a moda fosse se transformando e novas tendências foram estabelecidas. Apesar disso, ao ser questionado se essa escolha era consciente ou por estilo, Mano Brown acredita que foram ambos e que isso é típico da moda: “A moda fez isso, pra você ver que o instinto de sobrevivência faz a moda girar”. E a moda girou, mudou e se transformou. A trajetória da moda hip-hop desde o seu início, nos anos 80, até os dias de hoje é marcada por diversas transformações no estilo típico do movimento, ainda assim mantendo um pouco de suas origens.
Durante as décadas de 80 e 90, a moda hip-hop no Brasil variou bastante tanto por ter sido o início do movimento no país quanto pelas questões de sobrevivência e resistência já mencionadas. Cabelo raspado, pizza na calça (customização em que se costurava um tecido, em formato triangular como uma fatia de pizza, de cor ou estampa diferente na barra da calça boca de sino, outra peça muito presente na moda da época) e camisetas largas era o estilo predominante do hip-hop durante sua origem. A década de 90 foi o período que o hip-hop passou a ganhar cada vez mais notoriedade no Brasil, principalmente na cena musical com artistas como Racionais MC’s e Dexter, o que ajudou a desmistificar algumas ideias negativas que eram atribuídas ao movimento. Nesse momento, o que dominava a moda eram calças largas, jaquetas coloridas, bandanas e bonés, além de roupas esportivas.
A virada do milênio também marca outras transições do estilo. Mantendo as mesmas tendências dos anos 90, nos anos 2000, as calças já tipicamente largas se tornaram mais baixas, os conjuntos esportivos (com calça e casaco de moletom) de marcas como Nike e Adidas, acompanhados de tênis das respectivas grifes. Já a década de 2010 tem como principal estrela o boné de aba reta, embora ele estivesse presente desde o início do movimento. Na época, a moda hip-hop estava num período de auge e a popularização do gênero musical contribuiu para a recepção da massa. Além do boné, os cordões de ouro e camisetas com estampas gráficas retornam aos holofotes de uma forma mais despojada e moderna.
É durante esse período de extrema popularização do hiphop e do streetwear que a moda do segmento passa a evoluir e se transformar cada vez mais rapidamente. As tendências atuais da moda dentro do hip-hop são cada vez mais plurais e acompanham as mudanças sociais, como as discussões de gênero e sexualidade, que têm se tornado mais complexas. Roupas consideradas femininas, como saias e vestidos, vêm sendo adotadas nos últimos anos por rappers como Young Thug, que declarou já declarou que a maior parte de seu guarda-roupa é composto por roupas femininas, pois vestem melhor e ficam mais próximas ao corpo. Além disso, atualmente as típicas calças largas estão sendo deixadas de lado e calças mais justas ganharam espaço, ainda que, no passado, fossem vistas como uma peça menos masculina e associadas a homens gays de maneira pejorativa.
Outras tendências em alta nos últimos anos no hip-hop são o minimalismo e o monocromático. O estilo all black (“todo preto”), antes muito típico da West Coast dos Estados Unidos, se tornou muito popular, principalmente combinado a calças cargo, coletes semelhantes a coletes à prova de balas, fivelas e bolsos grandes, remetendo uma estética militar. O minimalismo normalmente se combina ao estilo monocromático, composto por conjuntos de moletom ou esportivos numa cor só, comummente cores neutras como bege, marrom, preto, entre outras.
Apesar disso, mantém diversas características constantes, como a apropriação de marcas de luxo, o uso de acessórios que transmitem a ideia de ostentação como correntes com pingentes vistosos, brincos e anéis de ouro, etc., além do conforto e função utilitária sempre são levados em conta. A moda no hip-hop, assim como em outros segmentos, evolui e se transforma conforme seus arredores políticos e sociais, por ser um movimento muito discriminado e apropriado por aqueles que oprimem os integrantes desse grupo social. A roupa e a maneira com que os membros do hip-hop se impõem revela muito sobre seus ideais como indivíduos e como parte dessa comunidade, pois como Mano Brown diz na música Vida Loka II, dos Racionais MC’s: “Miséria traz tristeza e vice-versa / Inconscientemente vem na minha mente inteira/ Na loja de tênis o olhar do parceiro feliz/ De poder comprar o azul, o vermelho/ O balcão, o espelho/ O estoque, a modelo, não importa”.
Transmitir sucesso e riqueza enquanto mantém suas tendências de origem na moda é uma das principais formas de resistência do hip-hop, comumente criminalizado e associado à pobreza pela sociedade, devido suas raízes na comunidade negra. Vestir-se bem se torna uma atitude que quebra os paradigmas do racismo e da segregação de classes, pois a moda é política.
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Young Thug para Dazed de Outono/2015. O rapper revelou usar roupas femininas por se ajustarem melhor a seu corpo, sem se importar com o julgamento alhaeio. Foto de Haley Weir.