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Mêncio e Xunzi e a o conceito de autonomia moral na
Conf Cio
Confúcio propõe um modelo de sociedade ideal, que corresponde, grosso modo, ao que ele pensava ter existido séculos atrás, quando tudo parecia funcionar adequadamente, graças aos conselhos esclarecidos de governantes sábios e ao auxílio tranquilizador oferecido pelo Céu generoso. Uma Idade do Ouro mítica, contemplada por Confúcio, de forma respeitadora e cheia de admiração, durante a qual o dao, o Caminho dos Reis Sábios do passado, esteve presente no mundo. A Idade do Ouro da história chinesa, maravilhosamente descrita nos Clássicos e particularmente no Shijing [ 詩经 ] (Clássico das Odes) assumiu-se como um exemplo do que deveria ser olhado com um sentimento de pesar e uma profunda, e quase religiosa, devoção. A contínua referência à antiguidade implicaria o investimento total da riqueza de conhecimento e valores que o homem teria acumulado durante esse período feliz: [ 周监於 二代,郁郁乎文哉 ! 吾從周 ] “O Zhou”, como Confúcio afirma “é resplandescente na cultura, havendo antes dele o exemplo das duas dinastias anteriores. Eu sou pelo Zhou”.13 Confúcio tornou-se o intérprete e arauto desses mesmos valores, o aparentemente perdido dao; [ 溫故而知新,可以為師
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矣 ] “Um homem é digno de ser um professor se chegar ao conhecimento do que é novo e conservar fresco na mente o que lhe é familiar”14 Infelizmente este equilíbrio social foi-se dissolvendo, mas poderia ainda ser recuperado. Como Confúcio disse: [人能弘道,非道弘人] o homem que pode fazer o Caminho grande, não é o Caminho que faz o homem grande”.15 Assim quem teve a educação certa e se tornou graças à sua educação, um junzi [君子], um homem superior à média, um verdadeiro cavalheiro, uma pessoa exemplar [君子務本,本立而道 生] “devota os seus esforços às raízes, já que uma vez as raízes bem assentes, o Caminho crescerá a partir daí”.16 Os sábios do passado são reconhecidos como tendo o mérito de ter compreendido o dao, o Caminho. O dao, o princípio regulador do mundo, dos homens e das coisas, pode, por conseguinte ser aprendido e transmitido. Transmitir o dao é a missão de que Confúcio foi investido. Foi o dao dos homens mais do que o dao do Céu que lhe interessava. Confúcio tinha o devido respei- to pelo mundo divino, mas mantinha também uma distância conveniente.17
Mas será realmente possível aprender o dao? É uma tarefa que cada um pode assumir ou será desígnio de eleitos? Confúcio tentou dar respostas convincentes a estas questões e às suas numero. sas implicações. E é este o ponto a partir do qual, de acordo com a minha interpretação do desenvolvimento do antigo confucionismo, as duas principais correntes do pensamento confucionista derivam. Elas correspondem às correntes a que mais tarde Mêncio e Xunzi respectivamente aderiram: a doutrina do ren (humanidade, benevolência, virtude) e a doutrina do li [禮] (ritos, normas tradicionais de conduta ritual).
Confúcio defendia que o amor e o sentido do dever para com a família (primeiro os pais, depois os irmãos mais velhos e por aí adiante) eram sentimentos naturais ao homem. Afecto e respeito dentro da família eram para Confúcio valores fundamentais, os alicerces de um sentimento mais amplo que irradia para a esfera externa, em direcção ao próximo. Atribuiu grande importância a este sentimento, que ele chamou ren. Ren assumiu o papel da maior virtude e foi considerado um todo que englobava todas as qualidades morais presentes no coração do homem, característica distintiva do homem que implicava a noção de bondade inata. Este ponto de vista foi partilhado por Mêncio18 e depois dele por muitos outros confucionistas.
É na relação com os outros que a condição de virtude máxima se torna concreta e se manifesta, tornando-se num profundo sentimento de humanidade, comportamento que é inspirado pela mais ampla compreensão possível e benevolência para com os outros. Isto não é um ideal estático. Antes é dinâmico, e envolve todo o processo de crescimento interior do indivíduo. É um caminho longo e difícil, não obstante, essencial se o indivíduo realmente se quer integrar no contexto social.
A família, por isso, assumiu o papel de paradigma da vida moral do homem e de modelo social. De acordo com esta opinião, a vida social era preenchida com uma estrutura complexa de obrigações, assente em normas específicas, o li, que é geralmente traduzido por “ritos, acção ritual, cerimónia, etc” ou “convenções morais, normas de conduta, etiqueta, decoro, normas de comportamento tradicional etc.” Estas obrigações, que remetem à ordem encontrada na natureza e no universo atribuem a cada um lugar e papel específicos. Deste modo uma relação directa foi estabelecida entre o mundo do homem e o sobrenatural. Um respeito rigoroso pelas normas garantiria a cada indivíduo uma posição definida dentro da família e da sociedade. A importância do li foi enfatizada por Confúcio não só devido aos benefícios materiais evidentes que derivariam da sua correcta aplicação, mas acima de tudo na medida em que fornece um modelo de vida em conformidade com os desígnios celestiais.
Foi graças a Confúcio que o li adquiriu o significado de normas e convenções rituais capazes de garantir o comportamento individual a par com uma observância total da herança cultural tradicional. A natureza social e religiosa das normas tradicionais da cerimónia ritual foi exaltada pelo nível de solenidade que lhes era concedido, que lhes dava uma aura de santidade profunda, respeito e temor. Não foi por acaso que Confúcio afirmou que o homem deve [出門如見大賓,使民如承大
祭] “em público portar-se como se esti- vesse a receber em sua casa um convidado importante, lidar com o homem comum como se praticasse um grande sacrifício”.19
Xunzi[荀子] (310-219 a. C.). Desenho a carvão e aguarela de Lei Chi Ngok.
Outrora a música e a dança, que eram elementos essenciais precedidos pelo apuramento do carácter de cada um, nas cermónias sagradas, assumiram um papel fundamental na vida social. Como num ballet artístico e bem dirigido, o mestre designa cada homem, de acordo com uma coreografia pré-determinada, um papel específico, indicando as posições precisas e atitudes. Cada actor tinha de desempenhar o papel que lhe tinham distribuido, tão escrupulosa e solenemente quanto possível. A função do mestre podia ser comparada à de um director muito cui-