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DEUS EX MACHINA

1- Natural e imperfeito

(Ir à lua e voltar. Amarar. A Inteligência Artificial, em rota de colisão com a humanidade como ainda a conhecemos. Conhecíamos. “Ground control to Major Tom”: Volta.)

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TENHO O Cristo da bisavó Etelvina no congelador. Depois eu explico.

O ser humano, na sua maravilhosa, tanto quanto exasperante, imperfeição. Que será sempre, mais ainda do que preferível, digna de ser reequacionada como primordial e essencial. Essa natureza, que sofre o sério risco de ser preterida pela sua filha mais perversa, a IA. Inteligência artificial. Falando de imperfeição, penso como se leva uma vida a amadurecer uma certa tolerância para com a imperfeição do outro. Mas também, se houver sabedoria, com a nossa. Essa que nos assinala como humanos cheios dos desafios de um cérebro atormentado pelos sentimentos e emoções, que geram contradições, fraquezas e imperfeições que queremos burilar, ou de que nem temos uma percepção nítida.

O suor, que é humano.

O suor, o seu odor e o da adrenalina, do medo, coisas humanas reprimidas e disfarçadas por debaixo de perfume, óleos e antitranspirantes. A imperfeição embaraçosa do humano demasiado humano.

O que nos distingue, pois, é na verdade aquilo que conseguimos tolerar ou passar a tolerar e odiar e continuar a odiar. Detestar, digo. Um sistema de valores que se perfila em rede por detrás de tudo e que reflecte as nossas decisões, senão todas, porque somos imperfeitos, pelo menos a maioria delas. E é o que nos faz diferentes. Uns dos outros. O que aceitamos mesmo sem tolerar ou gostar, o que admiramos e acalentamos, aquilo que é alvo da nossa rejeição, aquilo que permitimos que nos mude e que deixamos mudar em nós. Um sistema de valores que tem uma grande componente emocional a temperar aquela outra, racional, que é ética ou moral. E há o olhar dos outros.

Mas voltando ao início, penso como somos, dos seres naturais, o mais artificial desde que abrimos os olhos para o mundo. Teatrais, especulativos e manipuladores, em diálogo com outros seres, tão cor- ruptos como nós, que se desvanecem por um sorriso, mais tarde por um elogio, um favor. Que estão sempre em diálogo proveitoso ou não, redefinindo regras à medida que nos tornamos gente, interagimos, demolimos convicções. Reformulamos até, parte daqueles que nos antecederam e deixamo-nos imbuir da moeda afectiva que gera memórias, trocas, dependências e perdas.

Ganharíamos muito na observação de determinadas estruturas sociais entre os animais. A noção transmitida nos genes que gere cada atitude. A obediência cega ao bem comum para o qual uma comunidade trabalha em conjunto, sem rebelião nas coisas mais essenciais. mas somente me surge este pensamento num momento em que corre o vento de uma catástrofe em que mergulharemos todos sem excepção, e que finalmente, aniquilando o que temos batalhado cegamente por adquirir usurpar ou diminuir, no nosso pior ângulo, um po- der gerado na ânsia por este ou por uma dimensão económica em crescendo. E, no final, para ricos e pobres de qualquer género, nem credos nem fasquias sociais sobreviverão à simples destruição do que nos é comum e que estamos a destruir avidamente, o ecossistema de que dependemos sem outras demonstrações de status que não a da simples viabilidade. Terra. Calcamos firmemente os pés a produzir pegada. Um dia, a nossa memória sem casa, dirá: estivemos aqui. Que é como quem diz que é possível haver sequer memória, quando das pegadas se perder o rasto.

Mas talvez não seja. Temo que nos estejamos a extinguir na nossa cega noção do imediato. E assim, pergunto que sentido faz cada pequena batalha que travamos por cada objectivo afinal insignificante… Ficou por chegar a ideia de Deus, tal como a da Inteligência artificial. Mas, parte de uma tetralogia ou talvez pentalogia, esta crónica, continua…

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