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Analectos
na-se um rebelde. Se uma pessoa não benevolente é demasiado desprezada pelos outros, torna-se um rebelde.”162
8.11. O Mestre disse: “Se uma pessoa de talentos ainda mais admiráveis do que os do duque de Zhou for arrogante e mesquinha, tudo o resto em si não é sequer digno de nota.”
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8.12. O Mestre disse: “Não é fácil encontrar estudantes que estudem por três anos sem que o seu pensamento não se volte para um salário oficial.”
8.13. O Mestre disse: “Estabeleçam um compromisso honesto para com o amor ao estudo e sejam dedicados até à morte ao serviço da correcta Via. Não entrem num país em crise e não se instalem num país que esteja em revolta. Façam-se conhecer quando a Via prevalece sob o Céu, mas permaneçam escondidos quando não for assim. É uma desgraça permanecer pobre e sem estatuto quando a Via prevalece num reino; é uma desgraça ser rico e aristocrata quando assim não acontece.”163
8.14. O Mestre disse: “ Não façam planos de um cargo que não seja o vosso.”164
8.15. O Mestre disse: “Na abertura do grande músico Zhi e no seu crescendo, na peça “O Grito da Garça”, há uma inundação de música que enche o ouvido!”
8.16. O Mestre disse: “Ser ambicioso sem rectidão, ser ignorante e não mostrar respeito, ser ingénuo mas sem boa fé — não compreendo que existam pessoas assim! ”
8.17. O Mestre disse: “Estudem como se não conseguissem abarcar tudo e como se temessem perdê-lo.”165
8.18. O Mestre disse: “Quão majestosos foram Yao e Shun – que reinaram em tudo sob o céu sem fazerem qualquer esforço.”166
8.19. O Mestre disse: “Quão grande foi Yao enquanto soberano! Quão majestoso! Só o Céu é deveras grande e apenas Yao o tomou como seu modelo. Quão vasto foi – o povo não conseguia encontrar as palavras adequadas para o elogiar. Quão sublime foram os seus feitos! Quão brilhantes foram as suas obras culturais.”167
8.20. Shun tinha apenas cinco ministros e tudo sob o Céu era governado de forma correcta. O rei Wu disse: “Tenho dez ministros que ordenam o mundo correctamente.” Confúcio disse: “Como diz o ditado: ‘O talento humano é algo difícil de encontrar’. E não será mesmo verdade? Foi no tempo de Tang e Yu que houve maior abundância de ministros talentosos. No caso do rei Wu, havendo uma mulher entre eles, só se pode falar verdadeiramente de nove ministros. Os Zhou, com dois terços do mundo na sua posse, continuaram a submeter-se e a servir a Casa de Yin. A virtude dos Zhou pode ser considerada como a suprema virtude.”168
8.21. O Mestre disse: “Quanto a Yu, o rei-sábio, nada tenho a apontar-lhe. Era simples na alimentação e bebida e, no entanto, generoso na sua devoção aos deuses e aos espíritos dos seus antepassados. Usava roupas simples, mas era opulento nas cerimónias; vivia nas mais humildes circunstâncias, mas colocou toda a sua força na construção dos canais de drenagem e irrigação. Em Yu, não descubro nenhum erro.”169
Notas
154. Tai Bo era filho mais velho de GugongTanfu, o antepassado dos monarcas da dinastia Zhou, que teve outros dois filhos Zhongyong e Jili que, por sua vez, foi pai do que viria a tornar-se no rei Wen. Isto porque Gugong teve a premonição de que o filho de Jili seria um homem extraordinariamente culto e virtuoso e, por isso, quebrou a tradição de passar o trono ao filho mais velho e entregou-o ao seu filho mais novo, Jili, na condição deste o passar por sua vez a Wen. Sabendo das intenções de seu pai, Tai Bo abdicou à sucessão e, juntamente com o seu irmão do meio Zhongyong, exilouse voluntariamente nas regiões do sul da China. Segundo os antigos relatos, Tai Bo teve de recusar a sucessão três vezes, já que Jili, também um homem virtuoso, não queria afastar o seu irmão mais velho do trono e por três vezes tentou dissuadilo. Três vezes porque este é o padrão ritual: devemos recusar uma dádiva três vezes antes de a aceitar. Tudo isto foi tratado em privado entre os irmãos, e o facto de Tai Bo não ter feito nenhuma demonstração pública da sua própria virtude é, segundo Confúcio, o que o torna verdadeiramente virtuoso. O rei Wen conseguiu dois terços do que viriam a ser as terras da dinastia Zhou, sem necessidade de combater, mas foi o seu filho, rei Wu, que destronou definitivamente a dinastia Shang por meios militares.
155. Zhang Shi comenta: “Se alguém compreende o que vem primeiro e o que vem por último na Via dos homens, então pode ser respeitoso sem ser exasperante, cuidadoso sem ser tímido, corajoso sem ser indisciplinado, e íntegro sem ser inflexível, e assim transformará o povo e fará com que a sua virtude regresse à plenitude.” Os ritos têm a capacidade de modelar as acções, não as deixando cair no defeito, nem no excesso. A segunda parte desta passagem refere-se à capacidade de influenciar o povo pelo exemplo, o principal aspecto da teoria política de Confúcio.
156. Aqui está em questão a piedade filial. No Livro da Piedade Filial diz: “O corpo, o cabelo e a pele são um presente dos pais – não se atrevam a permitir que sejam maltratados”. Só agora, perto da morte, é que Mestre Zeng pode ter a certeza de ter sobrevivido à vida sem desrespeitar os seus pais. A ode exprime a ansiedade em manter a piedade filial e também servir como um aviso aos seus discípulos.
157. Estas parecem ser as últimas palavras de Zeng Zi. Zhu Xi comenta: “A questão é que, embora não haja nenhum lugar onde a Via não esteja presente, a pessoa exemplar deve focar a sua atenção apenas nestas três tarefas. Elas representam o essencial do cultivo de si e constituem a raiz do bom governo.”
158. O amigo é Yan Hui, o discípulo favorito de Confúcio. Jiang Xi comenta que “ao elogiar assim o seu amigo, Mestre Zeng afirma que ele próprio ainda não é capaz de agir de tal forma”.
159. Kong Anguo comenta: “Assumir a benevolência como uma tarefa pessoal é um fardo pesado - não há nada mais pesado. E parar apenas quando a morte nos leva é uma longa jornada - não há nada mais pesado”.
160. Trata-se de uma síntese do cultivo de si. Bao Xian considera que “o cultivo de si deve começar com o estudo das Odes”. Mas Mêncio comenta: “A substância da benevolência é servir os pais; a substância da rectidão é obedecer aos mais velhos; a substância da sabedoria é compreender a benevolência e a rectidão e não as esquecer; a substância da conduta ritual é a regulação e o adorno da benevolência e da rectidão; e a substância da música é a alegria que se tem na benevolência e na rectidão. Uma vez que tal alegria nasce, ela não pode ser contida. Uma vez que não pode ser contida, então começa-se inconscientemente a dançar com os pés e acena-se com os braços marcando o tempo.” Podemos concluir que o cultivo de si se completa numa sincera fruição, o que, de algum modo liberta da “carga pesada” que Mestre Zeng descreve na passagem anterior.
161. Refere-se à Via. Segundo o pensamento político de Confúcio, quando o governante é virtuoso, o povo segue o seu exemplo e por isso pode “ser induzido a percorrer a Via”. Ora o povo pode não compreender as razões que regem o seu comportamento, mas seguem o exemplo. Já governar pelos castigos (como fazem os legistas) leva a que, segundo Zhang Ping, “quando as pessoas comuns tomam consciência destas sanções preventivas, simplesmente conceberão formas mais inteligentes de as evitar.” Noutra linguagem, o exemplo modela, pela benevolência, o inconsciente colectivo do povo; enquanto os castigos despertam no povo a necessidade de compreensão, a consciencialização e a desobediência. Mas será que o Mestre não reconhece no povo a capacidade de compreender a Via? Cheng Yi comenta: “Ao estabelecer o seu ensino, não era que o Sábio não tivesse esperança de que fosse amplamente compreendido pelo povo. No entanto, o povo não podia ser levado a compreendê-lo. Só podia ser obrigado a segui-lo.”
162. Para o Mestre, cada um deveria aceitar as condições materiais em que se encontra pois para a pessoa exemplar a riqueza não deve ser importante, como é dito em 7.12., 7.16., e referido no exemplo de Yan Hui em 6.11. A segunda parte da passagem invoca o perigo de criticar demasiado os outros, ao invés de os tentar reformar.
163. Estes conselhos sobre o modo como lidar com a condição concreta da sociedade têm sido seguidos por numerosos políticos ao longo da História, na medida em que se retiram de cena quando entendem que não existem condições para exercer o poder, preferindo uma espécie de exílio voluntário até a situação se modificar e o que entendem ser a Via volte a ser predominante no país. Nas duas frases finais surge, por um lado, a ilusão de que haverá reconhecimento do mérito se a Via for seguida; e, por outro, uma crítica aos que se aproveitam de momentos de desordem e corrupção para acumular riqueza e conseguir títulos.
164. Esta frase, na sua aparente simplicidade, tem profundas consequências. O que aqui é claramente dito é que não se deve propor ideias ou pretender ser protagonista de algo que ultrapasse a posição que no momento se ocupa. Mêncio afirma: “É um crime para aqueles que se encontram numa posição baixa discutir assuntos acima da sua posição” Mais à frente, em 14.26., Zeng Zi comenta: “Os pensamentos das pessoas exemplares não vagueiam para além dos seus postos.”
165. Li Chong comenta: “A aprendizagem envolve trabalho árduo em vez de benefício material e, em si mesma, não é o tipo de coisa que se ama naturalmente ou em que se sente alegria. É por isso que é fácil tornar-se negligente ou indolente nos estudos. Por conseguinte, é preciso estar apreensivo porque se nunca alcançará a plenitude e sempre com medo de perder o que já foi atingido”.
166. Os comentadores dividem-se entre os que entendem que a frase é referida à chegada ao poder dos dois reis exemplares e os que consideram que se refere ao exercício concreto do poder. Mas talvez, em ambos os casos, os comentadores tenham razão, pois as duas leituras são complementares. Por um lado, Yao e Shun chegaram ao poder sem que o tenham desejado, conspirado, guerreado ou por hereditariedade: tudo terá acontecido por mérito próprio, na medida em que lhes eram reconhecidas inegáveis capacidades para o mando, assentes na sua virtude. Por outro, terão sabido escolher ministros competentes, o que lhes permitiu retirar-se do exercício concreto do poder, dedicando-se sobretudo aos aspectos rituais da realeza e servindo de exemplo enquanto governantes realmente virtuosos.
167. Este elogio ao rei Yao centra-se na comparação com o Céu e na vastidão da sua acção criativa. Se o governante exerce uma acção comparável à do Céu, isto é, criativa, tal implica que o povo terá um papel semelhante ao da Terra, isto é, receptivo.
168. As pastas dos cinco ministros de Shun eram Obras, Agricultura, Instrução, Justiça, e Florestas e Pântanos. Tang e Yu eram outros nomes de Yao e Shun. A declaração do rei Wu é retirada do “Livro dos Documentos” (Shijing). Segundo Legge, a mulher referida deveria ser a mãe ou a mulher do rei Wen. Quem, apesar de controlar dois terços do mundo, se submeteu ainda aos Yin (Shang), foi o rei Wen. O seu sucessor, rei Wu, ao derrotar definitivamente os Yin, é considerado o fundador da dinastia Zhou. Bao Xian comenta: “O rei Zhow dos Shang era dissoluto e indisciplinado, enquanto que o rei Wen se tornou no Conde do Ocidente e possuía a sábia Virtude. Dois terços do mundo voltaramse para Zhou e, ainda assim, o rei Wen continuou a adiar e a servir os Shang. É por isso que podemos dizer que Zhou representa a suprema virtude”. No Comentário de Zuo afirmase, talvez com ironia, que o rei Wen soube esperar pela altura própria.
169. Yu, soberano lendário, domesticou as águas, tornando o país habitável. O Mestre atribui-lhe as qualidades que ele mesmo não cessa de elogiar: frugalidade, piedade filial, exemplar mando e apropriada conduta ritual.