Revista Conecthos 11

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11 REVISTA DO HOSPITAL DONA HELENA

DUAS VISÕES PARA A TELEMEDICINA

Especialistas da Anahp e do CRM/SC refletem, em entrevista e artigo, sobre o possível advento deste recurso, que objetiva ampliar o acesso da população ao atendimento médico

INSTITUCIONAL: NOVOS EQUIPAMENTOS & AGENTES DA ALEGRIA 5 MBA é alavanca para a carreira 6 O USO DE ROBÔS NA MEDICINA 12 “Jogos sérios” fazem bem para a saúde 16 INOVAÇÃO E SOLUÇÕES QUE VÊM DAS STARTUPS 20 Vacine-se contra o mal das fake news 24 DIÁLOGOS 28 Como engajar os pacientes no tratamento 36 CONHEÇA A NOVA DIRETORIA DA SBB/SC 40



Nesta edição

Accredited by Joint Commission InternationalTM

Associação Beneficente Evangélica de Joinville/Hospital Dona Helena Rua Blumenau, 123 Centro – Joinville/SC CEP 89204-205 (47) 3451-3333 www.donahelena.com.br Revista Conecthos é um projeto do IDHEP – Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa – Núcleo Editorial ISSN: 2358-8217 Circulação: maio de 2019 Coordenação geral: Carlos José Serapião Conselho editorial: Ana Ribas Diefenthaeler, Antonio Sérgio Ferreira Baptista, Gizele Leivas Editores associados: Bruno Rodolfo Schlemper Jr., Christian Ribas, Maria José Varela, Fernando Hellmann, Nelma Baldin, Euler Westphal, Wladimir Kümmer, Paulo Henrique Condeixa de França, Mirelle Finkler, José Carlos Abellán (Espanha), José Luis Fernández Fernández (Espanha) Jornalista responsável: Guilherme Diefenthaeler (reg. prof. 6207/RS) Produção: Mercado de Comunicação Edição: Guilherme Diefenthaeler Reportagem: Marcela Güther, Ana Ribas Diefenthaeler e Guilherme Diefenthaeler Diagramação: Fábio Abreu Fotografia: Assessorias de imprensa e banco de imagens Impressão: Tipotil Indústria Gráfica Tiragem: 2 mil exemplares Redação: contato@mercadode comunicacao.com.br Realização Associação Beneficente Evangélica de Joinville/Hospital Dona Helena Apoio Sociedade Brasileira de Bioética/Regional Santa Catarina Os artigos publicados correspondem à opinião de seus autores, não expressando o pensamento da direção do hospital. Todas as informações são de responsabilidade dos autores. Direitos reservados. Proibida a reprodução integral ou parcial.

Uma das notícias de maior repercussão, neste ano, para quem trabalha na área da saúde, ocupou as manchetes da imprensa brasileira já na primeira semana de fevereiro, com o anúncio da resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que regulamentaria a realização de consultas, exames e cirurgias a distância. A medida viria normatizar, no país, a prática da telemedicina. Quinze dias depois, o mesmo órgão tomava a iniciativa de revogar a resolução, acatando ponderações de conselhos regionais para a necessidade de ampliar o debate sobre o alcance da telemedicina, em aspectos que poderiam afetar a segurança do paciente, por exemplo. O novo prazo para receber manifestações vai até 31 de julho. A Revista Conecthos foi ouvir duas opiniões balizadas para refletir sobre o tema. Uma entrevista exclusiva com o presidente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), Eduardo Amaro, e um artigo assinado pelo presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM/SC), Marcelo Linhares, demonstram que a tecnologia deve ser vista como importante ferramenta de apoio à prática médica – mas jamais “tirar o médico da beira do leito”. Também nesta edição, duas reportagens enfocam ângulos da inovação na área da saúde, falando da expansão da robótica e do trabalho de startups que se dedicam a buscar novas soluções para problemas candentes no dia a dia do cidadão. Outra pauta aborda o impacto (negativo) das chamadas fake news nas campanhas de vacinação.

4 Nossa palavra 5 Novos equipamentos no CDI 6 MBA estimula evolução na carreira 8 “Estamos na contramão”, afirma presidente da Anahp 12 Robótica na medicina 16 “Jogos sérios” são boa ferramenta para a saúde 20 Startups: usina de soluções 24 Antídotos contra as fake news 28 Diálogos bioéticos 36 Especialista aborda a “experiência do paciente” 40 A coluna da SBB/SC


Nossa palavra

Transhumanismo, a opção por um super-homem. Utopia já disponível? Carlos José Serapião

Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)

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omper de uma vez por todas com o “velho humanismo”? Despedir-se, mesmo, da humanidade do homem? Desaparecer com a fronteira entre humano e máquina? Tais são os componentes de um debate que se apresenta entre os que discutem a questão do “pós- humano” ou “transhumano”. Ligadas aos progressos das tecnologias avançadas, essas questões são fulgurantes: convidam a reler, o mais rápido, as reflexões dos filósofos das ciências, que recomendam fazer bem a diferença entre os avanços das ciências e as ideologias que os acompanham, quase sempre, como verdadeiros passageiros clandestinos nesses ditos “progressos”. É preciso conviver com as ideologias sem demonizar as ciências e as técnicas que se encontram verdadeiramente instrumentalizadas. As neurociências informam, a todo momento, avanços que se transformam em vedetes midiáticas, afirmando que pesquisadores refletem sobre a “possibilidade” de fabricar, ao menos parcialmente, um cérebro artificial que seria constituído por miríades de microprocessadores capazes de possuir “comportamento emergente”, substituindo os neurônios.

Aceitando-se a ideia de que o cérebro nada mais fosse do que uma complexa conexão de circuitos neuronais, surge a utopia do “cyborg” um homem “melhorado” e sem o fardo do seu “corpo”. Tais correntes do pensamento promovem, desse modo, uma nova utopia tecnológica, uma utopia de substituição, após a ruína das grandes ideologias políticas, que nos perseguiram, nos assustaram e até nos seduziram. A máquina coloniza o homem pouco a pouco, o penetra, completa, aprimora, e, quem sabe, no limite, o abole. Se aceitarmos a ideia de fabricar “homens e mulheres” tecnologicamente melhorados, reintroduzindo de maneira sinistramente “ingênua” a possibilidade da existência de super-humanos, restaria imaginar o que se faria com os “normais”? Convidamos nossos leitores a refletir sobre todos esses termos que estão destacados por aspas, porém, ao mesmo tempo, oferecemos a esperança dos sorrisos despertados pelos nossos voluntários, atuando como autênticos agentes da alegria, ao lado do pragmatismo demonstrado nos demais e excitantes temas desenvolvidos por competentes especialistas.


Institucional

Alegria nos corredores

Pelo 13º ano consecutivo, o Hospirrisos toma conta dos corredores do Hospital Dona Helena. A trupe de voluntários que atuam como palhacinhas e palhacinhos, especialmente preparados para levar conforto e alegria aos pacientes internados – e a seus familiares –, foi acrescida de novos integrantes, interessados em doar parte de seu tempo e energia para quem precisa. Durante dois meses, a equipe de artistas passou por treinamentos específicos para se apresentar em uma instituição de saúde. O projeto Hospirrisos – Agentes da Alegria é realizado em parceria com a Studio Escola de Atores, e se consolidou no âmbito do programa de humanização da instituição, o Pró-Humano, formalizado em 1996. “Não existe explicação para a emoção que sentimos ao entrar nos quartos dos pacientes e conseguir, em alguns minutos, fazê-los esquecer um pouco da doença, de suas dores, do local aonde estão”, diz Osmar Cisz, 47 anos, no Hospirrisos há três. Quando não está dando vida ao palhaço Policarpo, Osmar trabalha como coordenador de manutenção na empresa Volani Metais. “Uma das escolhas mais certas que fiz na minha vida foi a de ser voluntário desse maravilhoso projeto”, completa Osmar, garantindo que, se depender dele, o Policarpo ainda vai percorrer os corredores do hospital por muitos anos.

Tecnologia em alta no CDI A permanente modernização, visando ao bem-estar do paciente, é diretriz do Hospital Dona Helena. Recentemente, dois novos equipamentos foram incorporados ao Centro de Diagnósticos por Imagem (CDI): um tomógrafo, chamado Somatom Definition AS+, e um aparelho de hemodinâmica, o Artis Zee Floor, ambos da marca Siemens. A ideia é garantir imagens médicas com a menor radiação possível e a melhor qualidade diagnóstica. Coordenador do CDI, o radiologista Gilberto Hornburg registra que a novidade permite que a instituição possa se manter na vanguarda, nesse campo. No novo tomógrafo, softwares ajudam a reduzir em até 60% os índices de exposição à radiação – além de proporcionar diagnósticos muito mais precisos, devido à alta resolução das imagens. Ferramentas fornecem maior precisão nas intervenções cirúrgicas guiadas por tomografia, caso das biópsias – além de proporcionar a realização de exames pediátricos otimizados, como destaca o físico médico Marcus Bortolotto, acrescentando que o equipamento se mostra ainda mais eficaz em aplicações como o estudo de cálculos urinários, gota e estudos vasculares. “O tomógrafo tem capacidade para fornecer imagens realistas, se-

melhantes às dos livros de anatomia, mostrando com clareza os resultados”, completa. O novo equipamento de hemodinâmica incorpora o que há de mais moderno nesse campo. Além de assegurar menor exposição sem comprometer a qualidade da imagem, permite realizar angiografia rotacional 3D. Essa técnica viabiliza estudo mais detalhado da complexa anatomia vascular e facilita os tratamentos endovasculares, nos campos da cardiologia, neurologia e cirurgia vascular/ angiologia. “Implantes de stents, outras próteses e angioplastias são realizados com mais precisão, rapidez e segurança, trazendo grandes benefícios ao paciente”, detalha Gilberto Hornburg.


Formação

Uma marca nos bons currículos

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a busca incessante por qualificação, o MBA se tornou um dos programas mais populares em formação gerencial do Brasil. A sigla (Master of Business Administration, ou Mestre em Administração de Negócios) é quase imprescindível nos currículos profissionais. Pesquisa bancada por empresas de recrutamento de executivos evidencia: o número de candidatos que citam um MBA ao pleitear contratação cresceu mais de 150% em dois anos – e, nos últimos 20, a oferta de cursos de pós-graduação que levam essa nomenclatura se multiplicou em diversas áreas. Há MBAs em saúde, comunicação e semiótica, gastronomia e, claro, um leque enorme envolvendo facetas da gestão empresarial. Órgãos acreditadores e revistas especializadas publicam, periodicamente, rankings de cursos e escolas, aferidos em pesquisas que eles próprios realizam, com o objetivo de dimensionar os aspectos objetivos relacionados ao MBA. Entre esses, aumentos salariais, promoções, carreira e empregabilidade. O chamado MBA clássico foi criado nos Estados Unidos há cerca de 60 anos, com o propósito de cultivar em seus participantes uma visão mais abrangente sobre negócios e gestão. No caso norte-americano, o modelo é indicado para profissionais de administração com alguma experiência, que já ocupam ou têm interesse em assumir um cargo de gestão. No Brasil, esse tipo de curso começou a aparecer no final dos anos 1980 e acabou designando também outras especializações. São pós-graduações que podem surgir em qualquer campo e servem para aprofundar conhecimentos e habilidades específicas. Esse sistema serve tanto para profissionais com experiência quanto para recém-formados. “Um MBA clássico ou uma especialização podem ser ótimos para o currículo, desde que o curso faça sentido profissional”, afirma Paulo Bivar, da Kinp Recursos Humanos, recrutadora de São Paulo. O aprendizado do MBA começa na gestão da própria escolha por este ou aquele caminho de aprofundamento profissional.

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MBA em saúde é opção em Joinville Gestão da Qualidade, Ética e Equidade em Saúde é o título do MBA que estreia em julho deste ano e prossegue até dezembro de 2020. Com 35 vagas disponíveis, o curso, em Joinville, é uma iniciativa do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (Idhep), em conjunto com a Faculdade Ielusc e o Consórcio Brasileiro de Acreditação. O MBA, que tem aval da Sociedade Brasileira de Bioética, regional de Santa Catarina, Associação dos Hospitais de Santa Catarina (Ahesc) e Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde (Fehoesc), é aberto a todos os profissionais ligados à saúde. “Quere-


O MBA se tornou um dos programas mais procurados para formação gerencial no país

mos atender às necessidades de aperfeiçoamento de graduados nas diversas áreas do conhecimento que atuem na saúde – com especial ênfase na formação e aprimoramento de futuros diretores, líderes técnicos e administrativos das instituições”, explica o coordenador Carlos José Serapião, idealizador. Entre a graduada equipe de professores, estão a doutora Maria Manuela Pinto Carneiro Alves dos Santos, superintendente do Consórcio Brasileiro de Acreditação, o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Bruno Schlemper Junior, e Roberto Luiz D´Ávila, doutor em Bioética e ex-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM). Dos temas que embasam o curso, destaque para gestão em saúde e meio ambiente, segurança do paciente e tecnologia da informação.

Estudar é fundamental Em todos os setores e em diferentes níveis, formação sistemática e constante aprofundamento são marcas registradas nas equipes

do Hospital Dona Helena. Atuante na área de educação continuada, a enfermeira Alcina Maria de Oliveira Claudino é autora de significativa pesquisa sobre segurança do paciente – tema que foi a inspiração de seu trabalho de conclusão no MBA em Gestão Hospitalar, “A Efetividade de Notificação de Evento Adverso”. Maria Alcina tem, hoje, o desafio cotidiano de vivenciar in loco a aplicação das Metas Internacionais de Segurança e participar efetivamente do processo. “É satisfatória a percepção de que a adoção de algumas medidas estratégicas impacta positivamente no bem-estar dos pacientes”, sublinha. Já a enfermeira Francine Ludka, que integra a Equipe Multidisciplinar de Cuidados Paliativos do HDH, concluiu, em dezembro de 2018, o Curso de Oncologia e Cuidados Paliativos pela Universidade Positivo. “A formação vai auxiliar no processo de abordagem e acolhimento, permitindo um trabalho uniforme junto à enfermagem, para um olhar atento ao paciente, e não à doença”, interpreta Francine, que atua ao lado de médico, farmacêutico, nutricionista, fonoaudiólogo, assistente social, psicóloga e assistente espiritual. A coordenadora de Comunicação e Marketing, Gizele Leivas, recebeu certificação como especialista em Marketing pela Universidade de São Paulo (USP), após concluir MBA com duração de dois anos. Graduada pela Faculdade Anhanguera, Gizele tem pós-graduação em Marketing e Pesquisa pela Universidade Gama Filho (RJ). Em seu trabalho, adota o marketing como meio para integrar e potencializar políticas de relacionamento da instituição, tendo como alvo uma maior integração entre equipes clínicas e administrativas, de forma que possam promover o bem-estar e o melhor atendimento ao paciente.

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Reflexão

“Ser contra a telemedicina é um retrocesso”

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residente do Conselho de Administração da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), o médico pediatra Eduardo Amaro afirma, nesta entrevista à Revista Conecthos, que o debate em curso sobre a adoção da telemedicina no Brasil vai trazer “inúmeros benefícios” para a sociedade e profissionais de saúde, contribuindo para ampliar o acesso da população ao atendimento médico. Amaro é diretor do Grupo Santa Joana, de São Paulo. Pós-graduado em Administração Hospitalar e Sistema de Saúde pela Fundação Getulio Vargas (FGV), atuou como professor-assistente de Medicina na área de Neonatologia pela Faculdade de Medicina de Santo Amaro. Qual o posicionamento da Anahp sobre o possível advento da telemedicina no Brasil? Nossa rede hospitalar, privada e pública, e nossos médicos estão prontos para essa mudança tão significativa no modelo de atendimento? Para a Anahp, a telemedicina é um avanço e uma importante ferramenta na área da saúde, que pode trazer inúmeros benefícios à sociedade e aos profissionais da saúde. A associação entende que a telemedicina facilita e agiliza a troca de informações, auxilia no atendimento aos pacientes em locais remotos e com pouca estrutura médica, permite o acesso a especialistas em qualquer local do país e fora dele, além de ser importante plataforma de capacitação da classe médica, pois possibilita o acesso aos grandes centros de referência em saúde. Porém, sua implementação deve ser estudada e detalhada. A telemedicina seria, basicamente, um caminho para ampliar o acesso da população ao atendimento médico? Esse é um recurso utilizado por vários países e vem para somar,

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“Os pacientes têm pleno direito à privacidade. Caberá aos conselhos de medicina e demais órgãos regulatórios a tarefa de elaborar fundamentos e normas, que sejam respaldados de acordo com a necessidade” e não substituir o profissional. O Brasil, de fato, é país continental, e essa tecnologia poderia ajudar em uma segunda opinião, no acesso a especialista em locais com baixa distribuição de profissionais e de difícil acesso. Já em 2012, durante o Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp), o professor Antônio Martos, do Centro de Trauma de Miami, compartilhou sua experiência com o uso da telemedicina como aliada para discutir casos de trauma por videoconferência. Eles utilizavam o recurso em diferentes situações – desde condições extremas, como guerras e catástrofes, até durante as aulas com os residentes. Naquela época, Martos trouxe alguns dados muito interessantes que corroboram a importância desse recurso para o nosso setor, como a melhora do desempenho dos residentes, redução do índice de infecção hospitalar, redução de erros na triagem em condições de catástrofes, entre outros. A telemedicina é um instrumento de resolução e não de captação. O objetivo dessa tecnologia não é tirar o médico da beira do leito, mas oferecer apoio e suporte. Enfim, ir contra esse avanço é um retrocesso. Estamos caminhando na contramão do resto do mundo.


Como garantir a privacidade do paciente, na administração de seus dados, à medida que o atendimento será remoto e o médico terá acesso a essas informações de onde estiver – em casa, no hospital ou no consultório? Os pacientes têm pleno direito à privacidade. Caberá aos conselhos de medicina e demais órgãos regulatórios a tarefa de elaborar fundamentos e normas, que sejam respaldados de acordo com a necessidade desse tipo de atendimento, assim como sua fiscalização. Na resolução suspensa do Conselho Federal de Medicina, os dados médicos estão classificados como sensíveis, segundo a Lei Geral de Proteção de Dados, portanto, necessitam de proteção diferenciada. O fato de o Brasil ainda ter uma estrutura precária de transmissão de dados, via internet, pode ser um obstáculo para a consolidação do modelo? Como driblar esse tipo de dificuldade? A tecnologia está em constante evolução. A qualidade da internet também está evoluindo e chegando para mais cidadãos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país fechou 2016 com 116 milhões de pessoas conectadas à internet, o equivalente a 64,7% da população com idade acima de 10 anos. Ou seja, muitas pessoas conseguem vencer a barreira de acesso e têm à disposição orientações de saúde – que nem sempre são as mais indicadas ou melhores. Precisamos trabalhar com o cenário real do país, com as ferramentas que temos. Embora nossa transmissão de dados não seja a melhor do mundo, podemos utilizá-la para orientar um paciente em regiões de difícil acesso ou como suporte para análise de exames. É uma tecnologia que nos possibilita um atendimento mais amplo e profissional, garantindo qualidade e segurança aos pacientes.

“O objetivo desta tecnologia não é tirar o médico da beira do leito, mas oferecer apoio e suporte. Estamos na contramão do resto do mundo”

Uma reclamação comum da parte de pacientes é a pouca empatia de muitos médicos na hora das consultas. Isso não seria um problema ainda maior com a telemedicina? A telemedicina não tira a importância do atendimento presencial de um médico, ela é uma ferramenta de apoio do profissional da saúde. Com esse conceito esclarecido, entendemos que a relação médico-paciente terá novas plataformas de interação. Acredito que os profissionais devam ter treinamento para realizar um melhor atendimento, como o cuidado no uso de linguagem acessível, entender a usabilidade do meio tecnológico, entre outros pontos relevantes. Mas cabe aos médicos e pacientes estabelecer os limites nessa relação para que seja produtiva e saudável a ambos. Como a Anahp avalia os avanços da gestão hospitalar no Brasil e quais os maiores desafios atuais neste campo? A gestão hospitalar no Brasil evoluiu muito nos últimos 20 anos. A própria abertura de capital estrangeiro na saúde foi impulsionadora dessa profissionalização. Hoje, grande parte dos hospitais possui um modelo de governança bem implementado e adota metodologias para ampliar a eficiência de processos e da qualidade e segurança do paciente. Há polos de excelência no ramo hospitalar, no Brasil, em regiões como Sul e Sudeste. Como multiplicar esses êxitos por todas as regiões de nosso país continental? Na minha percepção, isso já acontece. Além de Sul e Sudeste, o Nordeste, por exemplo, é um polo muito importante de saúde. Mas é claro que, com uma política de incentivos mais clara e menos buro-

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Procedimento via telemedicina: para a Anahp, sistema “facilita e agiliza a troca de informações” crática por parte do governo para investimentos, seria fantástico para ampliarmos esse cenário.

adotar um parâmetro internacional reforça o nosso compromisso com a qualidade – e quem ganha com isso é o paciente, é o nosso sistema de saúde como um todo.

Que análise o sr. faz da implementação de sistemas de qualidade certificada por institutos internacionais em hospitais brasileiros? Qual o impacto dessas normatizações para o paciente? A acreditação é uma ferramenta importante para ampliar a qualidade e segurança da atenção ao paciente. Além disso,

Uma preocupação crescente é a questão da bioética, nos mais diferentes campos da saúde. Qual sua leitura a esse respeito? Bioética é uma discussão complexa, que perpassa diferentes temas relacionados à saúde, e a tendência é que essa discussão fique cada vez mais presente, à medida que evoluímos e inovamos em tratamentos, novas drogas, maior expectativa de vida etc. O debate sobre a bioética é uma consequência do processo evolutivo.

“Precisamos trabalhar com o cenário real do país, com as ferramentas que temos. Embora nossa transmissão de dados não seja a melhor do mundo, podemos utilizá-la para orientar um paciente em regiões de difícil acesso” 10


Aprofundar o debate é fundamental O presidente do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM/SC), Marcelo Linhares, escreveu artigo para a Revista Conecthos a partir da reabertura das discussões sobre a implementação da telemedicina, determinada pelo CFM, com prazo para recebimento de propostas até 31 de julho.

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o tempo de Hipócrates, pai da Medicina, já se dizia que o adequado tratamento ao paciente exige “olhar, escutar e tocar” o indivíduo. Entre médico e paciente, há que existir uma relação de proximidade e confiança, pilar insubstituível de qualquer processo de tratamento. Não é de se estranhar, portanto, que em todo o Brasil os médicos tenham se mobilizado para participar da formulação da nova norma que irá regulamentar a telemedicina. A tecnologia é ferramenta cada vez mais importante para a prática médica e a preservação da saúde de milhões de pessoas. Hoje, o diagnóstico é mais preciso, as intervenções são menos invasivas, a oferta de medicamentos é maior. Fechar os olhos para as inúmeras possibilidades que a tecnologia oferece seria negar o óbvio. No próprio Estado, temos iniciativas extremamente bem-sucedidas que envolvem a telemedicina, como no convênio entre a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Secretaria de Estado da Saúde. A trilha da inovação é um caminho sem volta e esse fato deve ser celebrado. O desafio, então, é bastante claro – ainda que complexo. Qual a melhor maneira de conciliar os avanços tecnológicos com a garantia de um atendimento qualificado,

“A trilha da inovação é um caminho sem volta e esse fato deve ser celebrado” individualizado, humanizado? Não há máquina que substitua o humano. O médico segue sendo o profissional preparado para olhar e escutar o cliente, com técnica, conhecimentos, experiência, empatia e sensibilidade. Ao mesmo tempo, como algo complementar, nunca excludente, a tecnologia é ferramenta capaz de aumentar a segurança do trabalho realizado. Outro ponto fundamental: o profissional de saúde é ator importante para garantir o adequado equilíbrio entre avanços tecnológicos e ética. Afinal de contas, foi o médico, não uma máquina, que assumiu o compromisso de garantir a preservação da saúde da população. Não por acaso, quando, a pedido dos conselhos regionais, o Conselho Federal solicitou contribuições de médicos de todo o país para a discussão do assunto, houve inúmeras colaborações. Em Santa Catarina, promovemos um forum e colhemos sugestões enviadas por profissionais de várias cidades pelos canais oficiais da entidade. Agora, caberá ao CFM debruçar-se sobre essas sugestões e formular um novo texto para a resolução que trata do tema. A saúde é o bem maior de todo o indivíduo. Encontrar as melhores opções para promover o acesso a tratamentos e preservar o bem-estar das pessoas é mais que compromisso – é obrigação de todo profissional da área. Mas os avanços devem ser analisados com muita cautela, a fim de que o relacionamento médico-paciente, vital para o trabalho médico, seja preservado.

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Tecnologia

Robôs revolucionam métodos cirúrgicos

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cirurgia robótica saiu da ficção e já é adotada em diversos campos da saúde. Surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 1990, e, desde lá, mais de 4 milhões de pessoas no mundo foram operadas com auxílio da tecnologia. O Brasil começou a empregar essa ferramenta em 2008 e realizou cerca de 5 mil intervenções. Ao todo, mais de 40 consoles (que compõem os robôs) estão instalados por aqui, segundo a Strattnner, que comercializa o equipamento no país. Em Santa Catarina, o Hospital Santa Isabel, de Blumenau, consagra-se como o primeiro do Estado a disponibilizar o sistema Da Vinci para cirurgia robótica. Além desse, há sistemas em apenas outros dois hospitais do Sul do país. O Da Vinci foi criado pela Intuitive Surgical, em 1998. A cirurgia pioneira com o robô ocorreu no mesmo ano: foi um bypass coronário, na Alemanha. Até que o avanço robótico chegasse à sala cirúrgica, foi um longo caminho. Os primeiros robôs a aparecer nas cirurgias remetem ao início da década de 1980, utilizados para auxiliar em cirurgias ortopédicas e realizar biópsias neurocirúrgicas. Os sistemas robóticos cirúrgicos foram desenvolvidos pelo Pentágono, nos Estados Unidos, para permitir o tratamento a distância de soldados feridos. O projeto não foi adiante, devido a limitações tecnológicas e dilemas éticos. A era da robótica moderna só se iniciou com a intervenção da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa). Posteriormente, a tecnologia foi trazida ao público. Em 2000, o Da Vinci foi aprovado pela Administração de Alimentos e Drogas (FDA), nos EUA, para cirurgia laparoscópica. Nesse mesmo ano, em Paris, registrou-se a primeira prostatectomia radical (retirada do câncer de próstata) pelas “mãos” de um robô. Atualmente, o sistema Da Vinci é o único do gênero no mercado. O Hospital Santa Isabel adquiriu o Da Vinci Si, uma das três gerações do sistema. O aparato possui quatro braços: em um deles, está a câmera com imagem em 3D, e, aos outros três braços, acoplam-se pinças com movimentos

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360° que podem ter ajustes até dez vezes mais precisos que a mão do ser humano. Cada movimento mínimo do médico no console dos braços do robô é conduzido pelo equipamento, ignorando tremores normais das mãos humanas. O recurso permite cirurgias mais complexas e melhores resultados. Para comandar qualquer procedimento por meio do robô, o cirurgião precisa ser especializado e credenciado. Pedro Trauczynski, especialista certificado pelo Intuitive Surgical no Santa Isabel, coordena o Programa de Cirurgia Robótica do Santa Isabel e é membro da diretoria executiva da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (Sobracil). O profissional já faz cirurgias robóticas no Hospital Santa Catarina, em São Paulo.


Mais precisão e segurança

Tanto o Santa Isabel quanto o Santa Catarina integram a Associação Congregação de Santa Catarina, que estruturou seu programa de cirurgia robótica no hospital paulista em 2018. Já são mais de 10 pacientes operados pelo especialista desde o início do programa. As cirurgias foram de oncologia, no aparelho digestivo, correção de defeitos da parede abdominal e cirurgias pélvicas de endometriose. “A partir deste ano, no Santa Isabel, teremos mais médicos de diversas especialidades habilitados, e uma facilidade logística otimizada para disponibilizar a tecnologia a pacientes de Santa Catarina”, ressalta Trauczynski. Para tal capacitação, os médicos buscam treinamento específico, promovido pela Intuitive Surgical em suas áreas de atuação. Entre as especialidades cirúrgicas beneficiadas pela tecnologia, estão urologia, cirurgia geral, proctologia, ginecologia, cirurgia cabeça e pescoço, torácica, pediátrica e cardíaca. “Cirurgia geral, urologia e ginecologia são as principais demandas. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2018, aproximadamente 90% das prostatectomias ocorreram por via robótica”, sublinha o médico.

A robótica permite cirurgias complexas minimamente invasivas. O paciente tem a cirurgia realizada com mais precisão, menor chance de hemorragias e sangramento e recuperação mais rápida, com menos dor. Os braços robóticos são controlados pelo cirurgião, através de um conjunto de joysticks e pedais. O médico consegue ter maior amplitude e angulação dos braços robóticos, que oferecem sete graus de liberdade. Alcança cavidades impossíveis de se chegar com as mãos, e obtém melhor campo de visão, com imagens 3D, ampliadas entre dez e 15 vezes. Isso proporciona ao cirurgião a execução de procedimentos que teria grande dificuldade por via laparoscópica ou cirurgia aberta. “Com pequenas incisões, colocamos dentro do abdome portais e pinças com diferentes funções e um sistema óptico de alta definição em 3D. Essas pinças e óptica são conectadas aos braços do robô. Na mesma sala cirúrgica, fica localizado o console por meio do qual o cirurgião controla os braços robóticos e a captação de imagem. Portanto, o robô não opera sozinho, e nem existe ainda essa possibilidade”, esclarece Trauczynski. As vantagens ao cirurgião também são importantes, como melhor ergonomia, melhor campo visual, maior precisão e segurança. Segundo Fernando Bray, membro do núcleo de cirurgia robótica do Hospital Santa Catarina, também certificado pela Intuitive Surgical, as pinças robóticas são altamente responsivas aos movimentos do cirurgião e permitem eliminar qualquer tremor ou fadiga das mãos do pro-

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fissional. “Para os cirurgiões, é confortável operar sentado, ainda mais com uma imagem excepcional, principalmente nas cirurgias grandes”, comenta o médico, que utiliza o Da Vinci Xi. “Observamos um ganho em relação à laparoscopia, principalmente em cirurgias pélvicas. Como a pelve é estreita, há enorme dificuldade em trabalhar com pinças retas. A angulação proporcionada pela pinça robótica traz um ganho de campo cirúrgico.” Bray aplica a técnica, por exemplo, em cirurgias de endometriose intestinal, câncer de reto, de prolapso de reto, oncológicas pélvicas e em casos de hérnias de hiato. A maior parte das cirurgias robóticas no país se dá no campo urológico. Não à toa, o primeiro robô a entrar em ação no país foi para o Hospital Sírio-Libanês (SP), para uma cirurgia de próstata. “É mais utilizada em procedimentos cirúrgicos de alta complexidade, que exigem mais precisão, como a prostatectomia radical”, comenta o urologista Fábio Lepper, que faz parte do corpo clínico do Hospital Dona Helena. Ele também atua no Hospital Sírio-Libanês e Hospital 9 de Julho, ambos em São Paulo (SP), onde opera pacientes de Joinville e região que se interessam pelo procedimento. Credenciado internacionalmente pelo Intuitive Intuitive

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Surgical e fellow em cirurgia robótica e laparoscopia pelo John Hopkins Hospital (EUA), o profissional realiza, em média, duas a três cirurgias robóticas por mês. Além da prostatectomia radical, Lepper frisa que há uma gama de cirurgias laparoscópicas na urologia que podem ser feitas via robótica, tais como nefrectomias (para retirada de rins) e cistectomias (retirada da bexiga).

O maior obstáculo é o financeiro Fábio Lepper observa que a cirurgia robótica é um caminho sem volta na medicina. O maior obstáculo para sua difusão no Brasil ainda é financeiro: um robô em média custa na faixa de U$ 3 milhões, quase R$ 12 milhões. “Outra questão é a manutenção, periódica e preventiva. Você precisa de uma equipe treinada, altamente especializada. Tudo demanda investimento”, reitera. “Os Estados Unidos estão um passo adiante, tentando cada vez mais deixar os robôs com menor tamanho, mais fáceis de manusear junto à mesa cirúrgica,


“Em dez anos, muita coisa irá mudar. Teremos novas marcas de robôs, novos concorrentes, uma interface que nos leve para dentro da cirurgia.”

Fernando Bray

inseridas nos programas de residência médica e sociedades voltadas às especialidades. Ao mesmo tempo, dissemina-se a cirurgia robótica em congressos das diversas áreas cirúrgicas envolvidas”, analisa. Porém, no campo da pesquisa e estatísticas, há muito o que fazer. “Seria fundamental termos essa análise. Apesar de ter um custo mais elevado de procedimento, a redução de complicações, menor tempo de internação, melhores resultados cirúrgicos e retorno precoce às atividades laborais, certamente levaria a um menor custo global às fontes pagadoras”, observa. Fernando Bray entende que, no longo prazo, haverá maior acesso à tecnologia. “Neste ano, foi criado o centro de treinamento da plataforma Xi da Intuitive Surgical na cidade do Rio de Janeiro. Uma conquista que vai impulsionar ainda mais a robótica no Brasil. Os hospitais brasileiros da rede privada já enxergam a cirurgia robótica como ponto estratégico no mercado”, observa.

O futuro da medicina

Cada movimento mínimo do médico é realizado pelo equipamento, ignorando tremores normais das mãos humanas e proporcionando ainda mais precisão

com menos braços. Mais barato, mais leve, mais prático, mais acessível.” O especialista Pedro Trauczynski assinala que, em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, a demanda é maior em hospitais. “O conhecimento e a certificação em cirurgia robótica devem ser gradualmente

Segundo Trauczynski, a robótica, a médio e longo prazo, deve agregar melhores resultados aos pacientes, nos mais variados segmentos, principalmente com a inserção da inteligência artificial à robótica, que também deve beneficiar os médicos assistentes. “Maior segurança, uniformização dos resultados, interatividade e troca de conhecimentos de cirurgiões ao redor do globo em tempo real levarão à otimização do processo assistencial. A importância do médico, da relação médico-paciente e da essência do ser humano nunca deixará de existir. A saúde integral do indivíduo é resultante de interações ambientais, socioculturais, da mente, do corpo e da espiritualidade. Esse é o grande alicerce. O avanço tecnológico vem apenas com o propósito de otimizar ainda mais o cuidado à vida humana”, prospecta o especialista. Bray não imagina o robô substituindo o cirurgião. Mas frisa que é preciso que o cirurgião se adapte às mudanças. Até porque não é um treinamento fácil, e requer dedicação para o aprendizado de novas técnicas. “Em dez anos, muita coisa irá mudar. Teremos novas marcas de robôs, novos concorrentes, uma interface que nos leve para dentro da cirurgia, como se estivesse operando dentro do paciente, com facilidade e mobilidade ainda maior, mais precisão”, vislumbra. “Temos que usar a tecnologia ao nosso favor e ao do paciente.”

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Serious games

O potencial dos jogos para promoção da saúde

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ão é brincadeira: a maior parte dos games produzidos no Brasil pertence à categoria denominada “jogos sérios” – aqueles que são utilizados, por exemplo, para saúde, educação e campanhas de conscientização. Entre 2016 e 2017, foram 874 lançamentos do tipo, contra 785 voltados ao entretenimento. Na saúde, a aplicação dos jogos sérios vem se fortalecendo entre atividades para reabilitação, por meio de tratamentos como fisioterapia, psicoterapia e terapias cognitivas; prevenção, promovendo a prática de exercícios físicos e de memória; tratamentos com o público jovem; e, ainda, diagnósticos, via consultas mais amigáveis e divertidas, com maior colaboração dos pacientes. Em Joinville, a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) mantém laboratório de referência nacional para jogos digitais no campo da saúde. Trata-se do Larva (sigla para Laboratory for Research on Visual Applications), do Departamento de Ciência da Computação (DCC). Existente há 17 anos, foi o primeiro grupo de pesquisa do setor. Desde 2004, dedica-se aos jogos sérios. “Naquela época, percebemos uma movimentação muito grande da indústria de games no Brasil, com simpósios e eventos científicos. Foi uma necessidade, para ficarmos mais próximos dos interesses dos estudantes”, conta Marcelo da Silva Hounsell, professor do DDC da Udesc, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (DT-CNPq) e membro do Larva. Hoje, o laboratório tem cerca de 35 integrantes, entre acadêmicos, professores, mestrandos, doutorandos, estagiários e voluntários. O primeiro jogo sério assinado pelo Larva foi o “Sherlock Dengue”, em parceria com a Vigilância Sanitária de Joinville. Além de auxiliar no combate à dengue, o objetivo foi promover pesquisas sobre ensino e aprendizagem. Desde

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lá, games com outros objetivos foram criados. Entre suas funções, constam o desenvolvimento cognitivo, de força e controle motor, exercício do equilíbrio estático e dinâmico e reabilitação respiratória. Em média, a concepção de cada jogo leva um ano e meio, um trabalho que abrange diversas áreas. “Os jogos sérios são normalmente jogos digitais que, ao contrário dos comerciais, para entretenimento, são customizados de acordo com as limitações do público-alvo”, explica Antonio Vinicius Soares, fisioterapeuta especialista em neurorreabilitação, que atua há cerca de dez anos junto ao Larva para a criação dos games focados em reabilitação, realizando testes para utilização em escolas clínicas universitárias. Esse tipo de jogo adota o princípio do biofeedback. “Eles detectam um sinal fisiológico (força muscular, equilíbrio, respiração, temperatura corporal etc.), processam a informação e expõem ao paciente na forma de um sinal visual e/ ou auditivo”, detalha o fisioterapeuta.


A maior parte dos jogos lançados no Brasil é voltada a temas como saúde e educação; aplicações vão da reabilitação à prevenção e diagnósticos, com consultas mais amigáveis ao paciente Soares está à frente do recém-criado Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Promoção da Saúde, que agrupa os cursos dirigidos à área na Faculdade Ielusc, em Joinville. “Os jogos sérios estão sendo aplicados em pacientes que vêm participar de pesquisas. Com o tempo, após avaliar o bom funcionamento e segurança do jogo, nossa ideia é estender o uso ao atendimento rotineiro da escola clínica da instituição”, informa. Uma das vantagens dos jogos sérios é que o paciente fica mais focado ao game em si – experiência prazerosa e lúdica –, e não ao treino de uma determinada função da reabilitação, resultando em um comportamento mais espontâneo. Além disso, o profissional destaca a maior atenção e motivação do paciente. “A reabilitação é cansativa, maçante, exige repetição. Um processo lento e longo, que dificulta a adesão. Quando existem recursos tecnológicos que trazem entretenimento com princípio terapêutico como base, isso acaba sendo mais natural e motivador”, explana. O fisioterapeuta observa um enorme potencial em centros de reabilitação, hospitais e para uso domiciliar. “Encontramos mais aplicações vantajosas na reabilitação neurológica e geriátrica. São pacientes que habitualmente apresentam déficit de força, alteração de equilíbrio, na coordenação.” Para Hounsell, da Udesc, a área merece incentivo, até por contemplar vários segmentos. “Na universidade, fazemos cursos anuais de capacitação, gratuitos, com profissionais que já empregam a tecnologia, e aos que se interessem pelos jogos sérios para exercitar habilidades cognitivas básicas”, informa.

Do equilíbrio à respiração Ao todo, são oito jogos criados pelo Larva, baseados na psicomotricidade, ciência que se destina ao aprimoramento físico, de coordenação do corpo, para potencializar o desenvolvimento cognitivo e comportamental. São jogos ativos, conhecidos como “exergames”. Geralmente são utilizados com algum equipamento de captura de movimento, seja uma webcam (na maioria dos casos) ou outro dispositivo (como kinect, prancha ou soprador). Um dos exergames que nasceram ali foi o “Dance2Rehab” (D2R). Criado com a participação de fisioterapeutas e psicopedagogos, é voltado à reabili-

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Nas fotos, o trabalho do Larva, laboratório da Udesc, em Joinville, que desenvolve jogos sérios para várias finalidades

tação motora e cognitiva. Inicialmente utilizado em pacientes com derrames cerebrais devido ao AVC, foi adaptado para crianças com deficiência intelectual, como as portadoras de Síndrome de Down. O jogo não requer que se segure um dispositivo e é capaz de reconhecer gestos. O jogador tem que observar o mundo virtual criado na tela e interagir no momento certo com o movimento certo. Dessa forma, sua atenção e observação são aguçadas. O D2R reconhece diferenças de lateralidade, pontua de forma diferente para cada lado do corpo e tem tempo máximo de interação. O jogo foi usado pelo Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (Naipe), da prefeitura de Joinville, para um grupo de crianças com Síndrome de Down. Também está sendo aplicado em 23 escolas públicas, para crianças com deficiência. Outro game idealizado pelo Larva com o Naipe é o “MoviLetrando”, para auxílio à aprendizagem pré-silábica de crianças com Síndrome de Down, exercitando também a coordenação motora, atenção e propriocepção (capacidade de reconhecer a localização espacial do corpo). Utilizando a webcam convencional, os movimentos do jogador são interpretados pelo computador para interagir com objetos virtuais. No jogo, é mostrado um conjunto de letras ou números. O jogador pontua ao tocar a opção correta, de acordo com a imagem de uma letra de referência que aparece no topo da tela e é reproduzida em áudio. As letras podem variar em tamanho, forma e cor. Num determinado momento, não se vê mais a imagem de referência, sendo emitido somente o som da letra, o que aumenta o nível de dificuldade. A população idosa também já foi contemplada com jogos. O “Sirtet K3D” é um

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deles. “Invertemos a lógica do Tetris [Sirtet é Tetris de trás para frente] para exercitar o equilíbrio em idosos institucionalizados”, explica Hounsell. O jogo foi concebido com o objetivo principal de prevenir e diminuir o risco de quedas. Recorre ao dispositivo Kinect para imergir o jogador no ambiente do game, permitindo que ele controle um avatar, movendo braços e pernas para tocar ou desviar de blocos. O jogo, criado com profissionais da Faculdade Guilherme Guimbala (FGG), da Associação Catarinense de Ensino (ACE), já foi utilizado em idosos da Instituição Bethesda e em espaços como Associação de Pais e Filhos Excepcionais (Apae) e Núcleo de Pesquisas em Neuroreabilitação (Nupen), do curso de fisioterapia da FGG-ACE. Há outras novidades no caminho. O Larva está trabalhando nos projetos do “I blue it”, para reabilitação respiratória, utilizado com um dispositivo de sopro e respiração, no “João e Maria contra a bruxa Guloseima”, para prevenir a obesidade infanto-juvenil, em fase de testes, e em um game de iniciação musical para crianças em fase de pré-alfabetização ou com Síndrome de Down, além de outros jogos para aprimorar a lateralidade. O laboratório está produzindo softwares para processamento dos dados gerados pelos jogos, com a finalidade de auxiliar no laudo do profissional da saúde que o aplica. “Esse talvez seja o maior diferencial de nosso grupo de pesquisa: os jogos são feitos pensando em propriedades métricas. Cada um gera um banco de dados. Queremos que esse banco possa ser acessado remotamente”, revela Soares. “Assim, estenderemos o uso dos jogos a um número maior de pacientes, aumentar o número de sessões, reduzir custos. É a chamada telerreabilitação, um campo da telemedicina.”


“Encontramos mais aplicações vantajosas na reabilitação neurológica e geriátrica” Antonio Vinicius Soares, fisioterapeuta

“Exergames” na educação física “O videogame é uma das maiores atividades de entretenimento, sendo fundamental a possibilidade de realizar exercícios físicos a partir dele”, ressalta César Vaghetti, da Escola Superior de Educação Física (Esef) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele é um dos idealizadores e professores responsáveis pelo Exergame Lab Brazil, laboratório que funciona desde 2017 dentro da Esef e que utiliza os exergames como ferramenta pedagógica para conteúdos da educação física. No laboratório, são selecionados jogos já existentes no mercado. As escolhas são feitas a partir de análises de potencial e necessidade. “Fazemos pesquisas para verificar potenciais, em relação à precisão de movimentos, a quanto cada jogo pode contribuir na educação física das escolas, se é fiel aos movimentos para uma iniciação esportiva ou promove gasto calórico etc. E também pensamos nas necessidades de cada grupo de indivíduos em que os games são aplicados”, detalha. Integram o laboratório quatro professores e oito alunos, de

cursos de educação física e terapia ocupacional. Recentemente, a UFPel abriu até uma disciplina optativa intitulada “Exergames”. Uma das vertentes do programa é mobilizar alunos de graduação, principalmente dos cursos de licenciatura e bacharelado em Educação Física, para conhecer as potencialidades da realidade virtual e dos videogames, com a finalidade de uso pedagógico ou para atividade física. O grupo atua em oito escolas públicas da cidade de Pelotas (RS). Segundo o professor, existem inúmeras possibilidades para ensinar um novo esporte ou contribuir para o aprendizado de uma modalidade já trabalhada com os alunos. Porém, os desafios são evidentes em relação ao modelo tradicional. “O problema está na educação física escolar enquanto disciplina que ainda não tem espaço na escola. No ensino de um esporte coletivo, por exemplo, não se aprende os fundamentos, história e técnicas antes da prática. Às vezes, as aulas ficam no âmbito de recreação. Trazemos uma ferramenta nova e não há uma cultura para que ela seja incorporada”, avalia. No laboratório, os exergames também são aplicados para observar as questões relacionadas ao equilíbrio dos idosos, e na promoção da saúde. O programa atende, desde o final de 2018, outro grupo da comunidade: 30 adultos com deficiência da Associação de Pais e Amigos Jovens e Adultos com Deficiência (Apajad), de Pelotas. São pessoas com Síndrome de Down, paralisia cerebral e autismo que vão ao laboratório realizar exercícios físicos em um ambiente virtual. O projeto é denominado “Gamepad”. Entre outras iniciativas do Exergame Lab Brazil está a aplicação de um exergame de ginástica para pacientes de risco cardiometabólico em um hospital universitário.

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Inovação

Soluções das startups para a saúde

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nipresente no jargão corporativo atual, o modelo de negócio batizado de startup é comum há décadas nos Estados Unidos, mas só aportou no Brasil por volta do final dos anos 1990, embalado pela bolha da internet – que foi quando surgiram inúmeros empreendimentos de base digital. Hoje, o perfil das startups não se restringe à tecnologia, ainda que tenham em comum a busca de produtos ou serviços inovadores, gerados a partir de uma ideia diferenciada e com alto potencial de lucratividade. Ao lado da inovação, a Associação Brasileira de Startups (Abstartups) pontua como atributos dessa categoria a escalabilidade (atingir grande número de usuários a custos relativamente baixos), a repetibilidade (reproduzir a experiência de consumo de seu produto ou serviço de forma relativamente simples), a flexibilidade e a rapidez (com estruturas enxutas e autonomia). Elas já são 10.635 no país, segundo levantamento da Abstartups. O cômputo é quatro vezes maior que o registrado seis anos antes, sinal do quanto o modelo é promissor. Há startups em incontáveis segmentos, até onde a imaginação empreendedora pode alcançar, com lugar para cervejarias artesanais e empresas que criam sistemas de compartilhamento de patinetes ou bicicletas – entre tantos exemplos mais ou menos inusitados. Dado que o alvo dessas firmas está em encontrar boas sacadas para questões do cotidiano, naturalmente que a área da saúde tem presença marcante. O Startup SC, iniciativa do Sebrae, selecionou 50 nomes de quatro cidades – Florianópolis, Blumenau, Chapecó e Joinville – para aderir ao programa de capacitação. Das dez joinvilenses, cinco apresentaram projetos no ramo da saúde, como aplicativos e plataformas online com ferramentas de gestão para clínicas. Esse nicho de startups ganhou até apelido específico: são as healthtechs. Na visão do coordenador do Startup SC, Alexan-

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dre Souza, tais empreendimentos estão contribuindo para melhorar o cenário brasileiro da saúde, notadamente desafiador. “São tecnologias que podem aprimorar o atendimento aos usuários de serviços de saúde público e privado, dar mais precisão aos diagnósticos, ao tratamento e, principalmente, à gestão de procedimentos”, evidencia Alexandre. Ao mesmo tempo, diz, startups vêm introduzindo tecnologias de ponta, como inteligência artificial, big data, machine learning e análise preditiva, que permitirão, em escala, qualificar a operação de hospitais, clínicas, secretarias municipais e estaduais. De acordo com o executivo do Sebrae, as perspectivas para quem vai por esse caminho são “bastante promissoras”. O diretor de saúde da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), Walmoli Gerber, ressalta que Santa Catarina é o Estado com maior densidade de startups do Brasil, conforme estudos recentes. “Também somos referência em tecnologias para a saúde, pela organização e qualidade dos nossos produtos e serviços, globais e com potencial inovador”, enaltece Gerber, calculando em perto de 300 as healthtechs brasileiras. “Em 2016, a Revista Forbes divulgou dados sobre o mercado financeiro norte-americano, especificamente, e o setor de healthcare se mantinha líder de investimentos em ações, o que pode virar tendência em nosso país. Mas, para isso, temos que criar alguns facilitadores e um ambiente propício, pois a burocracia, as dificul-


Jornada de Inovação, em Joinville, atraiu 116 inscritos, com projetos voltados à “ciência da vida”; na página anterior, Danilo Abreu (à esq.) e Wagner Valente (à dir.), gestores do Dona Helena, que atuaram como mentores do Jedi dades de registros e de entendimento por parte do Estado protelam a entrada de novas tecnologias.” Mesmo com a ressalva, o executivo não tem dúvidas quando observa “uma corrida por entender esse mercado e adotá-lo sem receios dentro de grandes hospitais e corporações”. A ascensão das healthtechs em eventos de inovação é outro sinal verde. No final do ano passado, a multinacional francesa de tecnologia Alcatel-Lucent Enterprise (ALE) veio conferir o pique do polo catarinense e promoveu, em São José, Gran-

de Florianópolis, a primeira edição das Américas de sua maratona de desenvolvimento de softwares, intitulada Rainbow Hackathon. Em meio a 70 projetos dedicados à educação, transporte, mobilidade, governo, serviços ao cidadão, agronegócio e indústria, foram três boas ideias para a saúde as escolhidas. A florianopolitana Soho Labs, campeã, apresentou a solução Ciclix, um sistema de gestão e rastreamento de recursos hospitalares. O prêmio foi nada menos que um treinamento das equipes da startup na França, sede da multinacional.

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Equipes das startups DBM e UpFlux: inovação para melhorar a qualidade de vida do brasileiro

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Projetos para a “Ciência da Vida” Com inspiração no título “Ciência da Vida”, a Secretaria de Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Sepud) e o Conselho Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação promoveram, entre fevereiro e março deste ano, a 1ª Jornada de Empreendedorismo, Desenvolvimento e Inovação (Jedi). O evento, que teve patrocínio do Hospital Dona Helena, atraiu 116 inscritos, com 55 projetos selecionados. Os três aprovados são obra de startups abrigadas no Inovaparq, incubadora da Universidade da Região de Joinville (Univille): Upflux, Medibridge e Biotech. Agregando possíveis reparos nos projetos, indicados pelo time de mentores, ao longo dos dois fins de semana de apresentações e capacitação, as startups agora vão atrás de financiamento para tirar as ideias do papel. “O evento já nasceu robusto, bem estruturado, e foi elaborado a várias mãos, com atores do ecossistema de inovação”, conta o diretor executivo da Sepud, Fabiano Dell Agnolo. Segundo ele, havia sido identificada uma lacuna entre programas iniciantes de empreendedorismo, como o Startup Weekend, e o estágio mais avançado de crescimento e


aceleração. A Jedi busca preencher esse gap, e possibilita aos empreendedores evoluir e amadurecer seus projetos rapidamente, ficando mais preparados para aportar investimentos e crescer. “Um dos pilares da Jedi é gerar novos negócios, com a pegada de solucionar problemas relevantes para a sociedade, e a saúde é um dos temas mais importantes nesse sentido”, detalha o executivo. Dois gestores do Dona Helena – Wagner Valente, de Tecnologia da Informação (TI), e Danilo Abreu, gestor médico – acompanharam 1ª Jedi de ponta a ponta, no papel de mentores. Valente interpreta essa oportunidade como fundamental para refletir uma forma diferente de buscar resultados. “Estar abertos a pensar fora da caixa e desenvolver parceiros inovadores proporciona uma simbiose perfeita”, sintetiza. “Muito importante compartilhar as dificuldades do dia a dia das instituições e, assim, buscar soluções mais rápidas e assertivas aos nossos processos e, consequentemente, gerar uma experiência ao cliente.” Para Danilo Abreu, a inovação tem o poder de transformar os sistemas de saúde: “O valor da inovação em saúde está diretamente relacionado a novas tecnologias, mas também à inovação organizacional. Nesse contexto, vai além de melhorar a performance do sistema: promove integração social, desenvolvimento econômico e aumento da competitividade”.

CONHEÇA OS PROJETOS VENCEDORES DA 1ª JEDI Sete das 32 startups incubadas no Inovaparq, situado na Univille, operam no universo da saúde. Para o gestor do parque, Marcelo de Borba, a importância desse campo é inegável: “Por ser uma área em que as pesquisas atuam na fronteira da ciência, há a possibilidade de inovações impactantes e que gerem alto valor agregado”. Veja um breve perfil dos três projetos aprovados na 1ª Jedi: “Inovar pode salvar vidas” Com oito clientes em fase de execução, a UpFlux idealizou uma plataforma cognitiva que aplica Inteligência Artificial para avaliar o fluxo de cuidado do paciente em relação a protocolos e diretrizes médicas. “Nossa proposta de valor é ajudar operadoras de saúde e hospitais a aprimorar a eficiência operacional, atuando com mais segurança, qualidade e sustentabilidade, evitando inconformidades e desperdícios”, sintetiza Garcia, inspirado pelas perspectivas da inovação na saúde: “Pode salvar vidas e melhorar a qualidade de vida”. “Equipamentos mais eficientes e acessíveis” A MediBridge desenvolveu um eletrocardiograma com custo reduzido, móvel, integrado ao sistema de gestão do hospital, com pré-diagnóstico e conectividade. “Nossa missão é tornar mais acessíveis e eficientes os equipamentos médicos”, aponta Ronny Gieseler, mestre em engenharia biomédica e um dos sócios da startup, que saiu motivado da 1ª Jedi: “Os feedbacks de médicos, enfermeiros e gestores valeram mais do que seis meses de pesquisa de mercado”. Membrana biorreabsorvível para queimados Tratamento de queimados e lesão por pressão é a finalidade da inovação apresentada pela startup DBM Eletrotech. Chamada de Biotech, é uma espécie de membrana biorreabsorvível, capaz de substituir, temporariamente, a pele humana e regenerar lesões cutâneas. Daniel Kohls, um dos gestores, relata que a startup aperfeiçoou o processo de obtenção de membranas eletrofiadas. A eletrofiação, técnica de obtenção de fibras de dimensões nanométricas por meio de soluções poliméricas, proporciona o aumento da área superficial e elasticidade da membrana devido ao pequeno diâmetro das fibras, representando uma vantagem na aplicação na engenharia de tecidos. As pesquisas com as mantas desenvolvidas pela DBM, especificamente para recuperação de queimados, já validadas in vitro, encontram-se em fase de ensaios e validação in vivo, após a liberação pelo conselho de ética em pesquisa.

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Saúde pública

Vacine-se contra as fake news

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specialistas garantem que a nova era da comunicação pode promover verdadeiras revoluções em poucos minutos. Mas, se usadas para objetivos contrários ao bem comum, podem, sim, causar sérios danos sociais. As chamadas fake news, por exemplo, têm provocado grande alvoroço: trazem enorme impacto a campanhas eleitorais, difamam pessoas, desmontam projetos sérios, espalham o terror. O portal do Ministério da Saúde reserva uma seção exclusiva para combater as notícias falsas – e disponibiliza até um número de Whatsapp, para receber informações virais e checar sua veracidade: (61) 99289-4640. Uma dessas fake news, que ganhou força nos últimos anos, é a de que algumas vacinas – mais especificamente a chamada tríplice, contra sarampo, caxumba e rubéola – poderiam causar autismo nas crianças. Estudo realizado em 1998 chegou a aventar a possibilidade de relação entre a vacina e o autismo – mas logo foi considerado, pela comunidade científica, seriamente falho, sendo retirado da revista que o publicara. Apesar de ter sua licença revogada, com seu trabalho sendo desmentido, o médico Andrew Wakefield, autor da pesquisa, persiste como ícone nos grupos antivacinas. “Não há qualquer evidência de ligação entre essa vacina e os transtornos autistas”, garante o infectologista Luiz Henrique Melo, do corpo clínico do Hospital Dona Helena. Ainda que visto como pouco relevante, até agora, no Brasil, o movimento antivacinação, nascido na França no início do século passado, conquista cada vez mais espaço e adeptos na América do Norte e Europa. Tanto que foi incluído pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em seu relatório sobre os dez maiores riscos à saúde global em 2019. Numa lista em que figuram vírus mortais como os do ebola, HIV, dengue e influenza, a “hesitação em se vacinar” foi acrescentada porque “ameaça reverter o progresso feito no combate às doenças evitáveis por meio de vacinação”.

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Segundo dados da ONU, a vacinação é uma das formas mais eficientes, em termos de custo, para deter doenças. Ela atualmente evita de 2 a 3 milhões de mortes por ano, e outro 1,5 milhão poderia ser barrado se a cobertura vacinal fosse melhorada globalmente. Na contramão desse desafio gigantesco da saúde pública, as campanhas antivacinação parecem difíceis de bloquear. Os provedores de internet se dizem atentos e tentam tirar do ar as campanhas, que usam os mais bizarros


Bolsões de vulnerabilidade

Movimentos antivacinação afetam metas da imunização em massa e preocupam órgãos públicos argumentos para combater as vacinas mundo afora. Mas ainda há farto material disponível – não apenas posts, também páginas e comunidades. Fruto desse tipo de campanha, a Itália teve queda brusca nos índices de imunização e acabou enfrentando um surto sem precedentes, com mais de 4 mil casos de sarampo, em 2017. O fato forçou o país a instituir legislação específica, obrigando pais a vacinar os filhos de até 12 anos. Já os Estados Unidos enfrentaram surto semelhante em abril deste ano.

Em Santa Catarina, as campanhas antivacinação também se refletem nas metas da imunização em massa. “Há vários fatores, mas essas notícias falsas certamente integram a lista de razões pelas quais a população não adere à vacina nos índices ideais”, preocupa-se Lia Coimbra, gerente de Imunização e Doencas Imunoprevisíveis da Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde do Estado. Ela explica que a falta de imunização provoca verdadeiros bolsões de vulnerabilidade nas comunidades. “As doenças podem, sim, voltar”, alerta. O infectologista Luiz Henrique Melo pondera que a questão da vacina não deve ser entendida como ato isolado, avaliado apenas pelos parâmetros da medicina, mas deve ser vista, também, pelas implicações socioculturais e morais que envolve. “Ela é resultante de processos históricos, com múltiplas interações e onde acontecem representações antagônicas sobre o direito coletivo e o direito individual, sobre as relações entre Estado, sociedade, indivíduos, empresas e países, sobre o direito à informação, sobre a ética, e principalmente sobre a vida e a morte”, acrescenta. Em Joinville, a Secretaria da Saúde do município lamenta a propagação de informações falsas, “que vão contra uma política nacional de vacinação, plenamente consolidada no Brasil”. Para o órgão, esse tipo de contrainformação prejudica um trabalho complexo, que envolve muitos profissionais e mobiliza a população para a imunização contra as doenças que podem causar a morte e comprometer a qualidade de vida da população. A orientação às pessoas que têm dúvidas sobre as vacinas é de que entrem em contato com as unidades básicas de saúde para esclarecimentos. Embora reconheça que as campanhas antivacinação propagam o medo – e muita gente deixa de comparecer aos postos por isso –, Lia Coimbra sublinha que há outros fatores que jogam para baixo as taxas de imunização em Santa Catarina. “Precisamos continuar trabalhando firme para oferecer à comunidade as melhores condições de vacinação. Uma das dificuldades apontadas pelas pessoas diz respeito aos horários de atendimento nos postos de saúde”, exemplifica. Para ela, uma das ações mais relevantes no sentido de buscar os índices ideais de imunização é a campanha educativa. “O Ministério da Saúde tem uma série de ferramentas úteis relacionadas às campanhas de vacinação, desde a década de 1970 – e até um manual, disponível no site, um

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“As notícias falsas resultam no ressurgimento de doenças graves, mas nenhuma estratégia isolada é adequada para combater a desinformação” Luiz Henrique Melo

portal completo que fornece esclarecimentos importantes sobre as fake news”, reitera. Às voltas com o retorno da febre amarela ao Estado catarinense e com a necessária campanha e vacinação da população, a gerente de Imunização e Doencas Imunoprevisíveis chama atenção para um novo fator de risco para a Vigilância Epidemiológica: a chegada de milhares de imigrantes – vindos da Venezuela, mais recentemente, e do Haiti, há três ou quatro anos. “Infelizmente, junto com a esperança de uma vida melhor, nossos vizinhos também podem trazer doenças que já estão erradicadas no país, como o sarampo – devido à ausência de políticas de imunização em seus lugares de origem”, explica. No caso da febre amarela – doença que provocou uma morte em Joinville –, a Vigilância Epidemiológica do Estado estabeleceu uma estratégia diferenciada de combate à doença, promovendo visitas das equipes de saúde e de vacinação às comunidades que vivem em bordas de matas – mais suscetíveis ao aedes aegypti, transmissor da febre amarela, dengue e outras doenças.

Os movimentos contrários No início do século 20, a falta de saneamento básico desencadeava diversas epidemias no país – e especialmente no Rio de Janeiro, que sofria duramente com a varíola. Foi quando o presidente da República, Rodrigues Alves, promoveu uma série de ações voltadas à melhoria do saneamento e à urbanização da então capital brasileira. Sob a responsabilidade do sanitarista e médico Oswaldo Cruz, foram realizadas amplas campanhas para remoção do lixo urbano e combate aos mosquitos que transmitiam doenças como a febre amarela. A Lei da Vacina Obrigatória, considerada uma das medidas mais importantes para combater as epidemias, foi, também, a mais polêmica. Dúvidas sobre a eficácia das vacinas, ainda pouco conhecidas, e, principalmente, sobre a segurança para a saúde, deixaram inquieta a comunidade carioca. Em novembro de 1904, diversos confrontos de rua, entre manifestantes contrários à vacina e as forças de segurança pública, levaram à morte um grande número de pessoas. Naquele que se tornaria o maior motim da história do Rio de Janeiro, a chamada Revolta da Vacina deixou um saldo de 30 mortos, 110 feridos e 945 presos. No dia 16 de novembro, o governo revogou a lei que obrigava os cidadãos a se vacinar.

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Taxas caem no Brasil Em 2017, segundo o Ministério da Saúde, as taxas de imunização de crianças contra 17 doenças – entre elas, o sarampo – atingiram os níveis mais baixos em vários anos. Os motivos vão da percepção enganosa, de parte da população, de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram, a problemas com o sistema informatizado de registro de vacinação. Uma consequência disso foi o surto de sarampo em Roraima e no Amazonas. A vacina tríplice viral, que protege da doença, alcançava 96% das crianças em 2015, mas a taxa baixou para 84% em 2017. Transmitido pelo ar, seu causador – um vírus do gênero Morbilivirus – provoca febre alta, mal-estar, tosse persistente, conjuntivite e deixa manchas vermelhas pelo corpo. O vírus do sarampo havia sido extinto, no Brasil, em 2016, mas voltou. De fevereiro a julho de 2017, houve 822 casos (272 em Roraima, 519 no Amazonas, 14 no Rio de Janeiro, 13 no Rio Grande do Sul, dois no Pará, um em São Paulo e um em Rondônia) e cinco mortes. E há mais dados ruins. Ainda segundo o Ministério da Saúde, a taxa de crianças brasileiras imunizadas em 2017 contra a poliomielite é a mais baixa desde 2000: em média, 77% delas receberam as três doses injetáveis indicadas para o primeiro ano de vida. A meta de vacinação não foi alcançada em 22 dos 27 Estados brasileiros. Mais grave: 312 municípios estavam com menos da metade das crianças imunizadas. “Um dado muito importante, do qual as pessoas nem sempre se dão conta, é que a decisão de não vacinar os filhos pode ser pessoal, mas traz consequências para toda uma comunidade”, frisa Lia Coimbra. Boa advertência.


Para especialista, as vacinas são vítimas do seu próprio sucesso: “Não presenciamos mais o impacto mortal de doenças infecciosas”

Vacinação salva vidas Luiz Henrique Melo Infectologista

“Se somos multados por não usar cinto de segurança, pela mesma razão deveríamos ser multados por conscientemente sermos veículos de transmissão de doenças infecciosas”, diz Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia de Doenças Transmissíveis da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. A varíola foi uma das doenças mais devastadoras da humanidade, responsável pela morte de 300 milhões de pessoas, além de desfigurar os sobreviventes com cicatrizes indeléveis e perda da visão. Inúmeras civilizações tiveram seu declínio ou extermínio relacionados às epidemias de varíola, no decorrer dos dez mil anos de sua existência. Edward Jenner, em 1798, propagou a prática de usar para inoculação do vírus da varíola das vacas (vaccínia), descobrindo assim a vacina contra a varíola, a primeira criada. O termo vacina (que vem do latim, da palavra vaca) foi substantivado e passou a designar todo inóculo dotado de ação antigênica, independente de sua origem. Após 181 anos da descoberta da vacina da varíola, em 1979, a doença foi declarada erradicada do planeta. Mais de 200 anos depois, os avanços na vacinação, além de erradicar a varíola, tor-

naram raros os casos de sarampo, rubéola, difteria e pólio, dentre outras doenças infecciosas. Entretanto, como quase qualquer avanço ao longo da história, a vacinação enfrentou a oposição de diversos setores da humanidade, principalmente das religiões. No Brasil, quando Oswaldo Cruz propôs a obrigatoriedade da vacinação, em 1904, ocorreu a chamada Revolta da Vacinação, com a criação da Liga contra a Vacina Obrigatória. Depois de algum tempo, a resistência foi vencida e a obrigatoriedade, mantida. O entendimento dessa oposição passa pela compreensão de que a vacinação é um fenômeno de grande complexidade, no qual se relacionam e se chocam crenças e concepções políticas, científicas e culturais as mais variadas. E há, hoje, um agravante a mais. A internet mudou significativamente a maneira como a informação chega às pessoas. No passado, os usuários confiavam nos meios de comunicação tradicionais. Atualmente, a maioria busca informação sobre saúde on line, principalmente por meio das mídias sociais, frequentemente pouco confiáveis e de difícil confirmação quanto à veracidade do que veiculam. Diversos estudos têm demonstrado que os consumidores não determinam com precisão a confiabilidade do conteúdo de saúde na internet. Assim sendo, ficam à mercê das chamadas fake news. As consequências das notícias falsas dos grupos antivacinas incluem o ressurgimento de doenças graves, até então eliminadas, com mortes de adultos e, principalmente, crianças. A título de exemplo mais recente, os casos de sarampo aumentaram cerca de 30% globalmente. Também no Brasil, a vacinação da febre amarela não teve seu objetivo de cobertura adequado, em parte devido às notícias falsas. Nenhuma estratégia isolada é adequada para combater as diversas formas de desinformação. Materiais e recursos educacionais são importantes, mas limitados; profissionais de saúde e campanhas educacionais muitas vezes ficam aquém por veicular mensagens do que querem promover, sem levar em consideração as percepções existentes. Em qualquer estratégia, o diálogo é fundamental. De certa forma, as vacinas são vítimas de seu próprio sucesso, porque não presenciamos mais o impacto mortal das doenças infecciosas, embora isso possa mudar, se não barrarmos a escalada das fake news. A história, por outro lado, está do lado da vacinação. E assim continuará, pois as evidências científicas são rigorosas e robustas. Armadas com esse conhecimento, as pessoas devem fazer a escolha: a vacinação salva vidas.

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Cuidados paliativos

Diálogos

Francine Ludka Pág. 32

Terapias alternativas

Fabiana Domeciano Pág. 33

Marketing médico

Aprimoramento moral

Caroline Buss Pág. 35

Carlos Serapião Pág. 30

O impacto da acreditação Caio Martins

Sobre a relação médico-paciente

Pág. 34

Luana Ferrabone Pág. 29

Entenda o conceito de “experiência do paciente” Pág. 36

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Luana Garcia Ferrabone Coordenadora da

Emergência do Hospital Dona Helena, nefrologista

O médico não é o “dono da razão”

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á poucos anos, entendi que a relação médico-paciente evolui e se modifica conforme as mudanças de comportamento social desde os primórdios da profissão. Ser médico é, sabidamente, uma das mais antigas profissões – e, assim como as outras tão antigas quanto, necessita atualizar seus conceitos à medida que as relações humanas se modificam. Tenho bons amigos e excelentes professores que, com mais anos de profissão que eu, são taxativos em dizer que essa relação se perdeu, piorou, virou comercial. Acreditei nisso por muitos anos e, com certa melancolia, invejei silenciosamente os mais experientes que, como a minha mãe, tinham pacientes amigos e amigos pacientes. Vi surgir a geração de médicos e pacientes com relações virtuais, com informações virtuais, e acreditei que o Doutor Google era um concorrente muito importante. Mais uma vez, tive motivos para seguir na minha tristeza e acreditar que o relacionamento médico-paciente estava perdido. Então, talvez por ter me tornado parte do grupo mais experiente, comecei a observar esse contexto e descobri que, na vida, tudo muda e evolui para sobreviver. As relações humanas necessitam de atualização e, muitas vezes, de mudanças nos seus objetivos. O médico já foi visto com certo temor

e como único detentor do conhecimento sobre os problemas de saúde e, assim, tinha suas relações pautadas no respeito e admiração quase servil de pacientes que não dispunham de outra opção além de acreditar. Mas, como sempre, o conhecimento é libertador, e então chegamos à fase em que o médico passa a não ser mais o “dono da razão”, mas sim um “curador de incertezas”. Gosto muito desse termo pois nele descobri a alegria de ser médico hoje: em tempos de informações boas e ruins rapidamente disseminadas, não temos que ter sempre razão. Mas, sim, temos obrigação de buscar a melhor informação para nossos pacientes. As relações médico-paciente hoje são baseadas em ouvir, não mais em doutrinar. O paciente não chega mais sem informações, ele chega com dúvidas. Ele busca alento e a segurança de um profissional capaz de ouvir e resolver seus anseios com empatia. Ele não se importa que o seu médico não tenha lido a última atualização sobre a sua doença, mas fica extremamente chateado com o profissional que não olha em seus olhos e não está disposto a ouvi-lo. Quando descobri isso, renovei minha alegria em ser médica, pois conversar muito sempre fez parte da minha relação com meus pacientes. Temos sorte, como pacientes que todos somos ou seremos um dia, em viver num tempo em que a relação médico paciente existe e pode ser excelente, com médicos amigos e amigos médicos, bastando apenas que saibamos ouvir e falar uns com os outros.

“As relações médico-paciente hoje são baseadas em ouvir e não mais em doutrinar. O paciente não chega mais sem informações, ele chega com dúvidas” 29


Carlos José Serapião Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)

Perspectivas do aprimoramento moral

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mportantes e variadas circunstâncias têm alterado o nosso modo de vida, entre as quais o aumento da população, a revolução na agricultura, as múltiplas tecnologias introduzidas em vários campos das ações humanas e a velocidade exponencial dos avanços científicos. O desejo de melhorar é inerente ao ser humano, que tem buscado alcançá-lo por meio da educação, o que perdura há séculos. Métodos conhecidos como “tradicionais”, representados pela educação e a socialização, antigos como a própria humanidade, têm despertado o impulso em buscar o aprimoramento moral por intermédio das neurociências e da antropotecnia, com intervenções que se espalham pela literatura científica, incorporando vários tipos de psicofármacos, experimentos de estímulos cerebrais profundos, engenharia e seleção genética etc. O senso comum da moralidade se relaciona diretamente com o natural sentimento de culpa e responsabilidade, fazendo-nos perceber de modo mais intenso quando causamos sofrimento do que quando negligenciamos para criar um benefício. A distância entre saber o que é o bem e fazer o bem é preenchida, somente, pela liberdade e autonomia do indivíduo, convivendo com o altruísmo, a sensibilidade, a consideração, em suma, sermos capazes de “nos colocar no lugar do outro”. Afinal, não há virtude em apenas fazer o que deve ser feito!

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Ao se considerar o aprimoramento moral, surge logo uma questão resumida no fato de que todas as tecnologias que já se encontram ao nosso alcance ou o estarão em pouco tempo, envolvidas no processo, buscam promover transformações no ser humano, e todas despertam reflexões no terreno da ética, criando espaço para entendermos as variadas discussões sobre a permissão para sua utilização, e contra as quais se opõem os chamados “bioconservadores”. Aqueles que defendem o aprimoramento moral por meios biomédicos esbarram também com limitações, tanto no que se refere aos procedimentos quanto em relação ao seu próprio entendimento moral. O aprimoramento moral se refere à implementação do comportamento moral ou social, melhor do que dos atributos físicos ou cognitivos, razão pela qual desperta singulares questões éticas, que são diferentes das consideradas nas propostas de aprimoramento das capacidades cognitivas. Por mais de 150 mil anos, a espécie humana tem existido e vivido em comparativamente pequenas e estreitas sociedades, com uma tecnologia primitiva que lhe permitiu afetar tão somente aqueles ambientes mais estreitamente relacionados com elas. Porém, a ciência e a tecnologia humana têm, pelo contrário, trocado ou modificado suas condições de vida, enquanto sua psicologia moral tem presumivelmente permanecido a mesma, uma vez que essas modificações têm ocorrido com relativa rapidez, especialmente nesses últimos séculos, quando a população humana na Terra aumentou milhares de vezes desde a revolução da agricultura. A partir de então, a maioria dos humanos vive, agora, em sociedades com milhões de pessoas e com avançada tecnologia científica, o que lhe permite exercer uma influência que se estende muito além do mundo e além do futuro. Há dúvidas quando especulamos se os seres humanos são, por natureza, equipados com uma psicologia moral que lhe permita conviver com os problemas morais que tantas e novas condições de vida lhes impõem. Seria desejável que somente seres moralmente iluminados e adequadamente informados acerca de tais relevantes fatos devessem estar envolvidos com tão formidável poder tecnológico como o que possuímos agora? Educação ou instrução acerca do que é moralmente bom não é suficiente para o aprimoramento moral, porque, para ser mo-


“A distância entre saber o que é o bem e fazer o bem é preenchida, somente, pela liberdade e a autonomia do indivíduo”

ralmente bom, é necessário, não somente, saber o que é bom, porém também ser fortemente motivado a fazê-lo. Considerando-se que isso poderia ser feito pelos métodos tradicionais de educação moral e, ao lado disso, a não existência de objeções para o uso de meios biomédicos de aprimoramento moral, torna-se imperativo que pesquisas científicas continuem explorando todas as possibilidades e meios efetivos para o desenvolvimento de um bioaprimoramento moral, como um complemento a esses métodos tradicionais. Há que considerar, também, o fato de as investigações estarem ainda em suas fases iniciais, tornando difícil avaliar sua eficácia e consequências a longo prazo, sobretudo quando enumeramos a variedade das metodologias aplicadas: drogas (oxitocina, ritalina, modificações genéticas, estimulação cerebral não invasiva etc.), todas com a intenção de aprimorar a atenção, a memória individual, as funções executivas ou cognitivas, para além do normal. Ao final, poderíamos definir “aprimoramento” como uma intervenção deliberada visando implementar uma capacidade existente, selecionar uma capacidade desejada ou criar uma nova capacidade no ser humano (Allen Buchanan- Beyond Humanity). (1) Múltiplos exemplos do que se poderia chamar de comportamento imoral preenchem várias páginas de jornais e revistas com estatísticas estarrecedoras de mortes preveníveis, escravidão, pornografia, pandemias etc. Pearsson & Savulescu(2) arguem, de modo plausível, quanto ao risco catastrófico aumentado, frente aos avanços do desenvolvimento tecnológico.

Se pudéssemos imaginar o bioaprimoramento moral como política pública, poderíamos entender que, nessa área, surgisse um consenso amplo, permitindo, assim, que os Estados se dispusessem a sustentar pesquisas e, possivelmente, se e quando, algumas formas de aprimoramento fossem demonstradas como suficientemente seguras ou efetivas e o Estado estivesse preparado para torná-las disponíveis universalmente, encorajando a se tornar um requisito utilizado para que ajudassem a reduzir ou eliminar alguns dos graves defeitos morais observados. Neste momento, seria desejável saber se o aprimoramento moral pode ser demonstrado como seguro e efetivo. Seria também oportuno considerar os esforços e as despesas relacionadas com as pesquisas e se, em realidade, contribuiriam para implementar uma justiça distributiva, ou se os esforços realizados para esse aprimoramento moral não estariam conduzindo somente a um desapontamento. Articulando esses conceitos, John Harris, da Universidade de Manchester (3), diz: “O espaço entre conhecer o bem e fazer o bem é uma região inteiramente habitada pela liberdade. O conhecimento do bem é suficiente para ficar de pé, porém a liberdade para cair é que é tudo. Sem a liberdade para cair, o bem pode não ser uma escolha; e a liberdade desaparece acompanhada da virtude”. Nesta linha da liberdade individual ou da liberdade coletiva, vamos encontrar argumentos como o de Robert Chisholm (4), perguntando o que é a liberdade humana? Consta, diz ele, em, fazendo o que nós fazemos, levarmos certos eventos a acontecer; e nada – ou ninguém – nos leva a causar que esses eventos aconteçam. Savulesco (2) argumenta: “Não creio na ideia de que o bioaprimoramento possua qualquer sistemático perigo para liberdade, exceto em casos extremos, quando nós podemos reter nossa valiosa liberdade enquanto escolhemos o uso do aprimoramento como um caminho para a implementação moral na busca de um mundo melhor. Nada existe de inerentemente errado com o bioaprimoramento, tendo em vista o fato de que ele seria um pilar, para que mantivéssemos nossa mente aberta em busca de um aprimoramento moral através de métodos não tradicionais”. • Beyond Humanity – Allen Buchanan – 2013 • Unfit for the Future – Julian Savulescu & Ingmar Persson – 2014 • Moral Progress and Moral Enhancement – John Harris – 2013 • Handbook on the Prophets – Robert B. Chisholm – 2009

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Francine Ludka

Enfermeira especialista em paliativismo, coordenadora do Ambulatório de Oncologia do Hospital Dona Helena

Paliativismo: a percepção da enfermagem

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os últimos anos, a área da saúde vem discutindo intensivamente o tema dos cuidados paliativos aos pacientes terminais e de doenças não-curáveis. Quando um profissional é questionado sobre o conceito, costumamos ouvir alguma destas respostas: amor, carinho, atenção da família, respeito, morte digna, humanização, acolhimento, conforto. Como transformar isso em prática? Como especialista em Cuidados Paliativos e Oncologia, atuando como coordenadora do Ambulatório de Oncologia e de uma unidade internação de clínica médica específica para pacientes em Cuidados Paliativos e Oncológicos, observo que os profissionais de enfermagem enfrentam um grande desafio na compreensão dos cuidados paliativos em pacientes terminais. Diariamente, busco atrelar os laços com a equipe diante de cada perda que ocorre e estabelecer um modelo assistencial de enfermagem em cuidados paliativos embasado nos princípios da bioética. Mas, para trabalhar esse conceito, é preciso entender sua definição, Segundo Menezes (2004), o termo “paliativo” deriva do latim Pallium, que significa capa, manto que sugere proteção e acolhimen-

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“É imprescindível tornar o atendimento ainda mais humano e digno, o que requer uma assistência mais prática, olhando além da doença, e sim à pessoa que está à sua frente” to, ocultando o que está subjacente; no caso, os sintomas decorrentes da doença. Pallium era o manto usado pelos peregrinos para se proteger das intempéries durante as viagens em direção aos santuários. O cuidado paliativo tem como meta proteger e aliar o doente do sofrimento, sendo digno até sua finitude. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2002), a equipe multidisciplinar “objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos espirituais”. Nos cuidados paliativos, a enfermagem atua com base na qualidade de vida, no alívio do sofrimento, no tratamento da dor e no alívio de sintomas físicos, emocionais e psicossociais, como também na dignidade do paciente. A luta pela vida sempre prevalecerá, porém, quando se trata de morte, é a dignidade da finitude que prevalece. E se faz necessário aprender a lidar com as perdas dentro de um contexto de doença sem prognóstico de cura. A humanização é a base. Segundo o dicionário Houaiss, “humanização é um ao ato de humanizar, dar condição humana, tornar benévolo, afável, tratável, tornar-se humano”. Existem algumas fases da assistência prestada pela enfermagem em cuidados paliativos, para um atendimento qualificado e eficaz, visando ao melhor cuidado ao paciente e a seus familiares no âmbito hospitalar. A equipe precisa saber identificar as seguintes fases do paciente: morte não provável, morte prevista para meses aos poucos anos, morte prevista para dias ou meses, reconhecendo assim suas condições clínicas, após a sinalização por parte médica. Quando tem o entendimento e sabe detectar essas fases, a equipe de enfermagem e interdisciplinar consegue oferecer e manter um cuidado individualizado, garantindo o tratamento físico, psicológico, biopsicossocial do doente, familiares, respeitando todos os preceitos bioéticos e legais. Para os profissionais da saúde, é imprescindível tornar o atendimento ainda mais humano e digno. Isso requer uma assistência mais prática, com toque, olhando além da doença, e sim para a pessoa que está à sua frente.


Fabiana Domeciano Terapeuta ocupacional

Reiki e o reequilíbrio do indivíduo

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ráticas integrativas complementares. Essa é uma expressão que ganhou proporções enormes com o advento da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, que tem como objetivo implementar tratamentos alternativos na rede de saúde pública, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse programa possui 29 práticas terapêuticas. Aqui abordaremos uma dessas terapias baseada em evidências, chamada de Reiki. O Sistema Usui de Reiki foi criado no Japão, em meados de 1922, a partir de uma busca pessoal feita por Mikao Usui. Este buscava a paz interior e uma resposta sobre iluminação. Após dias de meditação e jejum, experimentou uma sensação de choque pelo corpo que o fez desmaiar e perder a noção de tempo. Depois de acordar, percebeu que seu corpo possuía uma força nova – sentia-se cheio de luz e energia. Com algumas comprovações sobre o que havia acontecido com ele, criou-se o sistema que atualmente adotamos. Reiki é uma técnica que utiliza a imposição das mãos e os olhos para transmitir Energia Universal. Essa energia tem a capacidade de promover saúde no corpo físico, mental, emocional e energético, proporcionando um estado de equilíbrio, podendo ocorrer a cura de algumas doenças. A sessão de terapia Reiki se baseia em uma avaliação do grau de desequilíbrio

“As terapias integrativas podem ser o suporte necessário para a recuperação da saúde em tratamentos com médicos e psicoterapeutas e para a busca de autoconhecimento” do indivíduo para, assim, delimitar o tratamento que, com o toque sutil em pontos específicos do corpo, transmite energia para restabelecer a saúde. O ideal para um bom aproveitamento da terapia é realizar uma sequência de, no mínimo, três sessões, que costumam durar uma hora cada. As terapias integrativas podem ser o suporte necessário para a recuperação da saúde em tratamentos com médicos e psicoterapeutas e para a busca de autoconhecimento. Quando trabalhados em conjunto, a recuperação da saúde passa a ser mais leve e mais rápida, pois, enquanto o fisiológico é recuperado com uso de alopatia, os corpos vibracionais são curados pela movimentação qualificada da energia no indivíduo, promovendo assim maior bem-estar em todos os setores da vida, principalmente dentro de si mesmo. Nos casos de estresse, depressão, ansiedade e síndrome do pânico essa abordagem tem resultados muito sedimentados. Segundo dados atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2020, a depressão será a doença mais incapacitante do planeta. Os dados mostram que, em dez anos, cresceu 18% a quantidade de casos de depressão. O Brasil é campeão de casos de depressão, atingindo quase 6% da população. Significa que 11,5 milhões de pessoas sofrem com essa doença. Isso demonstra que estamos sofrendo muito e esse sentimento não permite que consigamos desenvolver nossas atividades diárias com qualidade. O que mais é possível fazer para mudar esse quadro? A busca por uma vida com mais sentido é o que tem feito a procura por terapias crescer. Infelizmente, não compreendemos que prevenir é melhor que adoecer, e se percebe que o indivíduo, quando busca a terapia, já está com uma vida sem sentido, frustrado com suas escolhas, não compreendendo a razão e o sentido de tudo que tem feito. Uma desilusão que toma conta da mente devido às expectativas que, ao longo da existência, foi alimentando. Nossas crenças limitam nossa forma de ver o mundo. Impõem sempre o que é certo e o que errado, e isso vai minando as infinitas possibilidades à frente e bloqueando a realização de nosso maior proposito aqui, que é o sentimento de plenitude, de autoaceitação, de amor próprio.

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Caio Martins

Coordenador do Comitê de Qualidade e Segurança do Hospital Dona Helena

Impacto da acreditação para o paciente

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maioria das organizações de saúde compartilha o objetivo de alcançar um padrão de qualidade elevado e uma cultura de segurança forte, como parte de sua missão para melhorar a qualidade da assistência e apoiar os profissionais para um trabalho eficaz, eficiente e seguro. É um processo difícil: requer muito trabalho e disciplina para envolver e comprometer a equipe na construção da cultura de qualidade e segurança. Em primeiro lugar, as metas de melhoria da qualidade e segurança e, consequentemente, redução de danos ao paciente, devem ser incorporadas ao planejamento estratégico. Em segundo, todos os esforços devem estar voltados a “aprender em vez de culpar”. Falhas/erros devem servir como a base para um processo de aprendizado, melhoria contínua e desenvolvimento. A cultura da culpa deve dar espaço para a cultura da responsabilidade e do aprendizado. Outro passo é entender e definir qualidade e segurança em saúde. “Qualidade é o grau em que os serviços de saúde aumentam a probabilidade de resultados desejados e são consistentes com o conhecimento técnico atual” (IOM, 2001). Segurança do paciente é a redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário, associado ao cuidado de saúde prestado, e cultura de segurança de uma instituição é

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“Quando uma instituição de saúde utiliza a palavra qualidade como um de seus valores, precisa ter em mente que qualidade deve ser um substantivo, ou seja, deve ter nome próprio” o produto dos valores individuais e de grupo, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamento que determinam o compromisso e uma capacidade de gestão de saúde e segurança. A segurança do paciente é uma preocupação. Estudos estimam que um em cada dez pacientes internados em países desenvolvidos será vítima de um evento não intencional, sendo que, destes, 50% podem ser evitáveis. Segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma boa prática está no envolvimento do paciente na sua própria segurança. Sempre que possível, envolver seus familiares e acompanhantes nos esforços para prevenir falhas/erros e eventuais danos durante a assistência. O paciente deve ser o ponto central. Toda a equipe multiprofissional, junto com a alta diretoria, devem estar cientes e comprometidos. Quando é envolvido, acolhido, ouvido e estimulado, o paciente deixa de ser recebedor passivo de cuidados e passa a contribuir para o sucesso do tratamento. Quando uma instituição de saúde utiliza a palavra “Qualidade” como valor, ela precisa ter em mente que qualidade deve ser um substantivo. Não pode ser adjetivo (Serapião, 2017). Um sistema de saúde que preza pela qualidade precisa elencar alguns critérios, e entre eles alguns são imperativos. Segurança, eficácia, cuidado centrado no paciente, acesso ao cuidado, eficiência e equidade. A qualidade na saúde tem na segurança da assistência prestada um dos seus pilares. Em resposta a tudo isso, nosso hospital buscou na certificação pela ISO 9001:2015 e na Acreditação pela JCI (Joint Commission International) apoio e suporte necessários para a qualificação cada vez maior de seus funcionários, parceiros e equipe multiprofissional. Para conduzir toda essa estrutura de qualidade e segurança, o hospital conta com o SIG (Sistema Integrado de Gestão) e o CQS (Comitê de Qualidade e Segurança), sendo que esse comitê incorpora as ações do NSP (Núcleo de Segurança do Paciente). O paciente pode sentir o impacto real de todo esse arcabouço voltado a uma assistência segura. Entre as várias ações desenvolvidas, consegue facilmente perceber as seis metas internacionais de segurança. Fazemos muito, entretanto, este é um longo caminho. Uma jornada sem fim. Importante acreditar, sonhar e ousar. E, para transformar esse sonho em realidade, manter a disciplina. Essa é a única ponte que ligará nossos sonhos à realidade.


Caroline Buss

Especialista em marketing médico, cofundadora da Yannis Marketing para Saúde

O poder do marketing médico

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forma de procurar médico mudou: o mundo está cada vez mais digital, e isso não tem mais volta. Hoje, são mais de 40 mil pesquisas na rede a cada segundo, e o Brasil é o segundo país do mundo a passar mais tempo na internet. Você e sua clínica precisam ser encontráveis nesse universo digital. Já parou para pesquisar seu nome no Google? O que aparece sobre você como profissional? É o que você quer representar para seu possível paciente ou para outros profissionais do segmento? Faça essa análise, procure avaliar o que estão achando sobre você. Caso não esteja nem aparecendo, ligue o sinal de alerta. Ao chegar ao consultório, é provável que o paciente já tenha feito uma varredura sobre o profissional, e quem está aparecendo, entregando valor e gerando autoridade tem tudo para conquistar cada vez mais espaço. Médicos passam anos estudando e aprimorando habilidades, mas costumam se esquecer de cuidar da sua marca pessoal e de como podem transmitir o que sabem no meio digital. Aí está o segredo do marketing na internet: seja um conselheiro, aquele que ajude as pessoas a achar respostas, gera engajamento. Comece a construir sua autoridade digital, para adquirir reputação e ter cada vez mais credibilidade. Um trabalho que exige consistência, coerência e determinação, mas que trará muitos fru-

“Comece a construir sua autoridade digital, para adquirir reputação e ter cada vez mais credibilidade. É um trabalho que exige consistência, coerência e determinação” tos. Como existem muitas pesquisas na internet, há também muito barulho. Conteúdo que não acaba mais. Algumas dicas: Torne o trabalho sua missão Use seu conhecimento, sua paixão pelo que faz, para atrair cada vez mais pacientes ou ser um médico de referência. Use o poder da internet a seu favor: nunca foi tão fácil fazer marketing, está ao alcance de todos. Escolha um nicho de atuação Tenha clareza no seu posicionamento na internet, há outras pessoas fazendo o mesmo. É impossível ser tudo para todos. Entenda e defina um nicho. Assim, tudo fica mais afinado e você consegue trazer mais conhecimento para aquele nicho específico, vira especialista. Com isso, será lembrado, indicado e mencionado. Cuide da sua marca pessoal A forma como você fala, como se veste, como é seu consultório... Tudo contribui para sua marca pessoal. Somos como um outdoor ambulante, que gera percepções sobre nós. Analise como você é percebido pela sua audiência, se é realmente o que você é. Além disso, você precisa ter qualidade em seus materiais, um bom visual e uma linguagem simples. Tudo agrega valor. Distribua conteúdo útil Quando está dentro de um nicho de mercado, você distribui conteúdos mais específicos, com linguagem própria. Fornecendo conteúdos úteis, você gera empatia e tudo o que diz acaba virando lei. O conteúdo precisa ser gerado com consistência, não basta publicar uma vez um artigo em seu site e nunca mais colocar nada. Quando se comunicar na internet, você precisa ter desenhado muito bem sua “persona” – a pessoa ideal para seu negócio. Fale para ela, e não de você; mostre o que ela sente, suas dores, sonhos... Isso gera conexão, reconhecimento. Quando fala sobre o paciente e para ele, você vira conselheiro, autoridade no nicho que domina. Enfim, com o o marketing digital, você arrebanha um grande número de seguidores, e isso aumenta também sua responsabilidade.

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Kelly Rodrigues

Consultora, professora e especialista em “experiência do paciente

ENTREVISTA “Educar e engajar os pacientes no tratamento”

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conceito de “experiência do paciente”, que virou tendência nos Estados Unidos a partir da década de 2000 e já é diretriz básica em países europeus, começa a ser adotado como referência também em instituições brasileiras. Com 20 anos de carreira na área da saúde, a executiva Kelly Cristina Rodrigues é especialista na matéria e ministra cursos sobre esse preceito na Fundação Getulio Vargas (FGV) e na Fundação Dom Cabral (FDC). Nesta entrevista à Revista Conecthos, Kelly sustenta que não basta investir recursos financeiros para melhorar a experiência do paciente – isso requer mudanças de atitude e novos comportamentos por parte dos profissionais envolvidos no atendimento. O resultado, segundo ela garante, faz bem para todos, do funcionário ao médico, do familiar ao paciente. Em que consiste este conceito batizado de “experiência do paciente”? O Beryl Institute, associação empresarial norte-americana de empresas que atuam com base nesse princípio, defi-

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ne a “experiência do paciente” como a soma das interações moldadas pela cultura de uma organização que influenciam as percepções do paciente no atendimento. De acordo com o que estudamos e aplicamos no Brasil, a Patient Centricity Consulting desenvolveu um método que aborda três pilares estratégicos da “experiência do paciente”. São eles: segurança e qualidade assistencial, cuidado centrado no paciente e excelência na experiência. Esse movimento teve início nos Estados Unidos, a partir dos anos 1980, com diversas iniciativas que culminaram em uma grande mudança na década de 2000. O Affordable Care Act, como se chama a lei que reformulou a saúde pública norte-americana, implementou uma ferramenta chamada HCAHPS (Hospital Consumer Assessment of Healthcare Providers and Systems), ou “Avaliação do Consumidor para Serviços Hospitalares e Sistemas Relacionados”. É uma pesquisa de experiência que confere uma nota para os prestadores de serviços. Todos os pacientes que passam por internação hospitalar nos Estados Unidos recebem essa pesquisa diretamente, pelos prestadores de serviços contratados pelo governo, e, de acordo com o escore obtido, os hospitais são remunerados. Também nos anos 2000, ocorreu a mudança no sistema de pagamento, que passou para o modelo de compra baseada em valor (“value based purchasing”). Daí os americanos começaram a atuar com mais vigor na atenção centrada no paciente, que consiste em educar e engajar os

“Estamos passando por grandes transformações, que culminam em colocar verdadeiramente o paciente no centro, e não por uma questão de discurso, mas de sobrevivência”


pacientes no tratamento, além de oferecer apoio ao auto-cuidado. Na Europa, o modelo de atenção primária e centrada no paciente é muito forte, dado que o setor de saúde pública é predominante e, para que o sistema consiga atender mais gente, é importante que os pacientes estejam “bem cuidados”. Porém, com relação à experiência do paciente, temos países com níveis de maturidade e atuação bem diferentes. O sistema de saúde inglês, intitulado NHS National Health Service, é bastante avançado no cuidado centrado e na experiência do paciente e atua com o tema há longo tempo. Portugal, por exemplo, é bem avançado no cuidado centrado, mas não começou a atuar e olhar a experiência do paciente com profundidade. Já a Espanha atua com cuidado centrado e experiência do paciente, foi lá que nasceu a primeira certificação no assunto e já existem hospitais certificados. Como a sra. avalia a adoção desse princípio em instituições hospitalares e estabelecimentos de saúde brasileiros? Começamos a falar sobre isso no Brasil em 2014. Mas foi em 2018 que o setor de saúde realmente despertou para o assunto. Procurei estudar o conceito naquele ano inspirada na ideia da “experiência do cliente” e enxergando um gap no campo da saúde. Fui à Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, e lá encontrei a equipe do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, que já estava estruturando o seu Escritório do Paciente. Posso dizer que os hospitais são os mais interessa-

“Todos podem fazer algo quando se tem empatia e compaixão. Muitas vezes, precisamos de recursos, mas em outras bastam comportamentos e atitudes” dos, mas a procura pelo tema também vem ocorrendo da parte de clínicas, indústrias farmacêuticas e operadoras de saúde, que passam a enxergar a importância do conceito para os negócios. O que temos visto, Brasil afora, é uma falta de entendimento enorme sobre o que significa experiência do paciente. Muitas instituições dizem que atuam com a experiência pelo fato de realizar algumas ações de humanização. Mas experiência não é só humanizar, nem apenas agradar o paciente, vai além disso. E deve ser vista não só pelo sistema privado. O setor público também pode e deve atuar nessa linha. Tenho conhecido excelentes iniciativas de hospitais públicos que realizam trabalhos exemplares. Poderia destacar alguns casos? Temos exemplos incríveis, como o Centro de Referência do Idoso na Zona Norte, de São Paulo, que faz um trabalho holístico,

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“Uma experiência positiva passa por um cuidado seguro, focado nas necessidades de saúde da pessoa, e não da doença, olhando para o paciente com empatia e acolhimento”

tratando da saúde de forma integrada, com ações que vão desde a atenção primária até o encaminhamento para recursos terciários, quando necessários, mas também olham outros aspectos emocionais que impactam no resultado clínico do paciente. Lá, os frequentadores têm aulas de arte, dança, entre outras atividades. O Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, também de São Paulo, embora com poucos recursos, atua de forma humanizada, tentando entender o contexto do paciente para que possa fazer um tratamento mais adequado às suas necessidades, treinando e inserindo o paciente nesse contexto. É possível adotar esta linha de trabalho com poucos recursos? Dizer que, para atuar na experiência do paciente, não há necessidade de recursos não é verdade absoluta, pois precisamos, sim, entender o que é valor para o paciente, captar sua voz e transformar a cultura organizacional – isso demanda investimento. Mas com algumas mudanças, que muitas vezes são comportamentais, conseguimos também grandes transformações. Lembro o caso de uma enfermeira que trabalhava em uma UTI no período da noite e participou do meu

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workshop de dois dias. No primeiro dia, estudou e, à noite, foi trabalhar. Voltou no segundo dia e me disse ter saído tão inspirada que chegou à UTI e logo fez uma proposta aos colegas, que prontamente aceitaram. Eles deveriam perguntar aos familiares dos pacientes que estavam em coma como esses pacientes gostavam de dormir, e os colocariam naquela posição. Você pode pensar que isso não fez diferença, mas claro que fez, principalmente para aqueles que sentiram o carinho com o qual os seus entes queridos estavam sendo tratados. Isso é simples e pequeno em virtude de tudo que pode ser feito, mas é exemplo de que todos podem fazer algo quando se tem empatia e compaixão. Muitas vezes, precisamos de dinheiro, mas em outras bastam comportamentos e atitudes. A sra. atua com projetos de implementação da chamada “gestão da experiência” em instituições interessadas nesta atividade. Como funciona esse processo? A demanda vem crescendo? Sim. Há cada vez mais pessoas estudando o tema. No Workshop de Experiência de Pacientes que estruturamos, um curso de 16 horas, já formamos mais de 1 mil pessoas pelo Brasil. O processo de gestão da experiência consiste em colocar o paciente no centro e entender o que vem sendo implementado nos três pilares estratégicos que citei (segurança e qualidade assistencial, cuidado centrado no paciente e excelência na experiência), e como são suportados pela cultura organizacional, liderança e métricas. A adoção desse conceito leva a uma equipe mais motivada e engajada, entregando uma melhor experiência. O trabalho em equipe reduz desperdícios, eventos adversos, e traz mais segurança assistencial. O paciente é mais bem cuidado e se torna parceiro no cuidado. A instituição ganha fidelidade do paciente, reputação junto à comunidade, e esse trabalho gera resultados financeiros.


“Todos podem fazer algo quando se tem empatia e compaixão. Muitas vezes, precisamos de dinheiro, mas em outras bastam comportamentos e atitudes”

Os resultados são imediatos, mas um processo de transformação cultural em sua totalidade pode durar anos. A Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, que foi onde eu comecei a estudar esse tema, demorou oito anos para sair de um ponto a outro. O que caracteriza uma experiência positiva, do ponto de vista do paciente? E qual o papel da equipe de profissionais para qualificar cada vez mais essa experiência? Quem deve definir o que caracteriza uma experiência positiva é o próprio paciente. A instituição deve co-criar com o paciente. Pode abrir espaço de várias formas, desde as convencionais (pesquisa, grupo focal, entrevista) até os conselhos de pacientes. Às vezes, o que é importante para a instituição não é visto como valor para o paciente, mas uma experiência positiva passa por um cuidado seguro, focado nas necessidades de saúde da pessoa, e não da doença, olhando para o paciente com empatia e

acolhimento. O papel do profissional é fundamental para essa entrega – por esse motivo, mais do que nunca, devemos cuidar de quem cuida. Além disso, também enxergo como primordial conectar os profissionais ao seu senso de propósito, isso é o que faz a diferença. Como fazer isso na prática? Os profissionais de forma geral se sentem sobrecarregados e têm que cumprir e atender muitos indicadores no dia a dia. Precisamos tocar os profissionais em um nível mais profundo, fazendo com que entendam que sua principal missão é atender o paciente (seja ele de assistência, seja administrativo). O que sempre pergunto para os profissionais com os quais trabalho é: se fosse sua mãe ou seu filho, você atenderia o paciente deste modo? Se disserem que sim, tudo certo. Qual a sua avaliação sobre o modelo hospitalar brasileiro e como chegar a um hospital que, efetivamente, esteja mais atento ao paciente do que à sua doença? Estamos passando por grandes transformações, que culminam em colocar verdadeiramente o paciente no centro, e não por questão de discurso, mas de sobrevivência. Colocar o paciente no centro não significa renegar os demais stakeholders. O médico sempre será um stakeholder importante, e um projeto de gestão da experiência só será sustentável se for factível para todos os stakeholders, trazendo resultados clínicos, financeiros, lealdade e reputação junto à comunidade. Para o paciente e para o familiar, porque é a coisa certa a fazer. Para os colaboradores, porque precisamos cuidar de quem cuida para que possam entregar uma boa experiência. Para os médicos, porque eles também precisam e merecem ser valorizados.

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Associação à SBB A incorporação de novos associados a partir de 2019 está voltada à garantia da autossuficiência financeira da regional, bem como à construção de um coletivo de pensamento e ação pautado nos debates mais candentes da ética, tendo como marco o congresso nacional da entidade, neste ano. A associação pode ser realizada em: https://www.sbbioetica.org.br/CadastroAssociado

Em dia Conheça a nova diretoria

Congresso Brasileiro de Bioética

nova diretoria da Sociedade Brasileira de Bioética – Regional de Santa Catarina (SBB/SC), que tomou posse em agosto do ano passado, é composta pelos seguintes associados: Mirelle Finkler (presidência) Fernando Hellmann (vice-presidência) Doris Gomes (secretaria) Juliara Bellina Hoffmann (tesouraria)

O maior evento nacional de bioética será realizado entre 15 e 18 de outubro de 2019, na Pontifícia Universidade Católica de Goiânia, em Goiás (PUC-GO). Mais informações, no site da SBB: https:// www.sbbioetica.org.br/

A

COMISSÃO DE ÉTICA

Jucélia Maria Guedert, Marta Inês Machado Verdi e Bruno Rodolfo Schlemper Jr. COMISSÃO FISCAL

Dulcinéia Ghizoni Schneider, Silvia Bittencourt e Carlos José Serapião. A regional foi constituída em 2009, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como associação civil, sem fins lucrativos, aberta à participação de pessoas interessadas em bioética. Suas finalidades incluem o estímulo à produção e divulgação de conhecimentos em bioética; a promoção e assessoria a projetos, pesquisas e outras atividades na área; a colaboração e patrocínio em eventos e o apoio e participação em coletivos e atividades que visem à valorização da bioética. A nova diretoria também anuncia como meta o estreitamento das parcerias com os conselhos profissionais em saúde para promoção dos debates que envolvem os conflitos éticos na prática cotidiana no cuidado à saúde, na pesquisa em saúde e nos compromissos sociais que as categorias profissionais assumem com a população sob sua influência. A incorporação de tais entidades no debate unificado da ética adquire uma dimensão de construção conjunta de novos patamares éticos de civilidade e humanização no campo da saúde e na sociedade brasileira.

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Retomada dos Ciclos de Debates em Bioética

A nova diretoria da SBB/SC anuncia a retomada dos seus Ciclos de Debates em Bioética, que têm como objetivo promover a reflexão crítica sobre diferentes problemas éticos que permeiam o campo da saúde. O V Ciclo de Debate em Bioética será realizado ainda neste primeiro semestre, abordando a temática da vacinação e seus desafios éticos. Além de tratar dos conflitos morais da vacinação como ato compulsório, busca-se debater o acesso e a oferta de vacinação no Sistema Único de Saúde como direito à saúde e instrumento de justiça social, especialmente no contexto de crise socioeconômica que penaliza diretamente as políticas sociais, afetando especialmente os grupos populacionais mais vulneráveis. Um debate bioético atual, com impacto importante no cotidiano profissional. Detalhes da programação serão disponibilizados em http: www.nupebisc.ufsc.br.


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Rua Blumenau, 123, Centro, Joinville/SC (47) 3451-3333 www.donahelena.com.br


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