3 REVISTA DO HOSPITAL DONA HELENA
ACONCHEGO E BEM-ESTAR
Novas tendências na área hospitalar apostam na hotelaria e no lúdico para aconchegar e descontrair o ambiente
UM ANO DE JCI 7 Hospitalidade no ambiente da saúde 9 O lúdico e a melhora na qualidade de vida 14 ESTÉTICA EM PACIENTES COM CÂNCER 18 Como tratar a terceira idade 22 Humanização na hora do nascimento 28 DIÁLOGOS SOBRE BIOÉTICA 31 A educação e o estímulo à ética 38 NOTÍCIAS DA SBB/SC 44
Número 3
Nesta edição Qualidade de vida virou mantra, alimentado pelos meios de comunicação, pela área da saúde, pela educação. Mas o que sabemos sobre o conceito? Como garantir que as camadas mais vulneráveis da sociedade se mantenham em um nível satisfatório para enfrentar os problemas do dia a dia? Essas questões foram tratadas de diferentes maneiras na presente edição da Conecthos. Falando sobre o bem-estar estético de pacientes com câncer, como encarar a terceira idade com vitalidade, as opções na hora do nascer do bebê, aborda-se uma série de paradigmas que estão cada vez mais presentes na sociedade. Além disso, munida dos conceitos bioéticos, a qualidade de vida se volta para o ambiente hospitalar, estimulando a criação de ferramentas que deixem o paciente revitalizado e em chances de se recuperar rapidamente.
5 Nossa palavra 7 Um ano de JCI 8 Hotelaria hospitalar 14 Lúdico estimula bem-estar 18 Autoestima na doença 22 O cuidado na terceira idade 28 Entre o parto normal e a cesárea 31 Diálogos 38 Juventude busca conhecimento 44 Atualidades da SBB/SC
Associação Beneficente Evangélica de Joinville Hospital Dona Helena. Rua Blumenau, 123 - Centro, Joinville/SC. CEP 89204-205. Contato: (47) 3451-3333/www.donahelena.com.br Revista CONECTHOS é um projeto do IDHEP – Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa. Coordenação geral: Carlos José Serapião/Conselho editorial: Ana Ribas Diefenthaeler, Antonio Sérgio Ferreira, Gizele Leivas, Letícia Caroline/Editores associados: Bruno Rodolfo Schlemper Jr., Christian Ribas, Maria José Varela, Fernando Hellmann, Nelma Baldin, Euler Westphal, Wladimir Kümmer , José Carlos Abellán (Espanha)/Jornalista responsável: Guilherme Diefenthaeler (reg. prof. 6207/RS)/Produção: Mercado de Comunicação/Edição: Guilherme Diefenthaeler e Letícia Caroline/Reportagem: Letícia Caroline, Karoline Lopes, Mayara Pabst, Marcela Güther, Ana Ribas Diefenthaeler e Guilherme Diefenthaeler/Diagramação: Fábio Abreu/Fotografia: Peninha Machado e banco de imagens/Impressão: Impressora Mayer/Tiragem: 2 mil exemplares/Redação: contato@mercadodecomunicacao.com.br/ Apoio: Associação Beneficente Evangélica de Joinville Hospital Dona Helena. Rua Blumenau, 123 – Centro, Joinville/SC. CEP 89204-205. Contato: (47) 3451-3333/www.donahelena.com.br/Sociedade Brasileira de Bioética /Regional Santa Catarina
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ISSN – 2358-8217
Nossa palavra
Convidando a pensar Carlos José Serapião
A
inda que pensar não seja obrigatório em nossa vida – até porque pensar, às vezes, só nos traz problemas, pois nos leva a discordar, com cuidado de não ferir, suportar oposições a seu ponto de vista, questionar a imobilidade sem ser considerado intransigente –, aproveitamos para, mais uma vez, convidar o leitor da Conecthos a correr o risco de expor aqui suas ideias e realizações. Convidamos você a se debruçar sobre os profundos mistérios relativos à vida, ao universo e ao próprio ser humano, na construção de um futuro que garanta a sobrevivência da espécie, após um século que mostrou de perto a barbárie e a morte. Aprendemos, com as guerras e outros delírios históricos, que a tecnociência é ambígua e que o progresso conjunto da ciência, da razão, da história, da economia, da democracia, enfim, da modernidade, não garante necessariamente o bem-estar – e que, portanto, nos continua a remeter ao sofrimento e à incompreensão. Constitui um desafio aceitar que, na educação do futuro, com seus paradigmas, suas dúvidas, suas dificuldades, seus erros, suas ilusões, não se estabeleçam limites de apenas ensinar o que se conhece, mas ousar, estando sempre preparados para assumir o risco permanente de erros, que constantemente habitam o espírito humano, quando enfrenta o desconhecido. “O jovem está sedento de conhecimento”, afirma nossa entrevistada na página 38.
As maravilhosas técnicas de comunicação não ofereceram por si só a compreensão humana, nem a qualidade de vida. Torna-se necessário garantir uma solidariedade intelectual e moral para a humanidade, eliminando, entre outros, o egocentrismo, o etnocentrismo e o espírito redutor que deforma e apequena essa personagem múltipla por natureza, que é o homem. O envelhecimento do indivíduo numa sociedade que se torna longeva conduz naturalmente a um exercício de autoexame e a questionamentos que coincidem com eventos especialmente marcantes, tais como a aposentadoria, a morte de amigos e colaboradores, nascimentos de netos ou bisnetos etc. O ideal inscrito na chamada “aposentadoria ainda ativa” está identificado como aquele evento que oferece oportunidade para desenvolver atividades de jovens, como esportes, hobbies, lazer de toda natureza, reforçando o sentido de que o velho só é valorizado na medida em que atenda a nossa cultura de idolatria ao estado de juventude . Manter-se ativo, portanto, não implica necessariamente continuar lutando contra as resistências do mundo, mas sim apreciar e entender as circunstâncias que lhe cercam, preservando a capacidade cognitiva e imaginativa, num processo que lhe permita se descobrir ou mesmo se descrever. Nesta soleira de novo século, convém se engajar nas ações do domínio da ética e assumir seus dois maiores conceitos: a responsabilidade e a solidariedade, requisitos para cada um frente a si mesmo, sua família e sua sociedade, para as sociedades frente aos indivíduos, para as sociedades e os indivíduos frente às gerações futuras.
Carlos José Serapião
Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)
Institucional
Ecoendoscopia inova em diagnóstico digestivo Equipe de profissionais vindos de Curitiba esteve no Hospital Dona Helena para demonstrar uma nova opção de diagnóstico na área de doenças digestivas. O equipamento de ecoendoscopia foi apresentado no Serviço de Endoscopia Digestiva (Sedit) do HDH, durante a realização de três exames. Definido como um procedimento não-cirúrgico e minimamente invasivo, o exame conta com um tubo flexível provido de um ultrassom, utilizando técnica similar à da endoscopia digestiva. Entre os diferenciais, estão a análise em alta resolução das camadas mais profundas do sistema digestivo e de órgãos adjacentes como pâncreas, vesícula biliar e gânglios. Para Paulo Mafra, médico coordenador do Sedit, associando endoscopia e ultrassom a um só procedimento, o exame permite avaliar lesões mais profundas e locais não alcançados pelas outras técnicas. “A ideia, com a demonstração, é inaugurar a rotina desse tipo de exame no Sedit, trazendo mais uma opção aos nossos pacientes”, afirma.
Presença nas redes sociais Em 2015, o Hospital Dona Helena inaugurou sua presença nas redes sociais, com perfis no Facebook e no Linkedin. Atualizadas e monitoradas pelo setor de Comunicação e Marketing, a fanpage e o perfil na rede corporativa pretendem aproximar os públicos das ações realizadas pela instituição. De acordo com Gizele Leivas, coordenadora de Comunicação e Marketing do HDH, a escolha pelo Facebook se deu pelo fato de ser uma rede de grande abrangência no Brasil. O Linkedin, por sua vez, pode auxiliar na área de gestão de pessoas e nos contatos empresariais.
Novo equipamento de ressonância O Hospital Dona Helena adquiriu um novo equipamento de ressonância magnética. Com o aparelho, o terceiro do Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI), espera-se agilizar o atendimento e trazer ainda mais qualidade aos exames. O modelo Optima MR450w, produzido pela GE Healthcare, traz inovações como redução de ruídos e capacidade para receber pacientes maiores com alta qualidade nas imagens. Para utilizar o novo equipamento, a equipe do setor passou por uma série de treinamentos ministrados por um especialista da GE Healthcare. Segundo Gilberto Hornburg, médico coordenador do CDI, com o novo aparelho, foi possível adicionar 19 vagas de agendamento, além de se abrir a possibilidade de ampliar ainda mais a capacidade de atendimento. “Isso agiliza o agendamento e nos permite atender cada vez melhor a demanda dos pacientes, ao mesmo tempo em que agrega novas tecnologias na realização desses exames”, afirma o coordenador.
Marco histórico
Um ano de acreditação JCI
Março de 2014 vai ficar marcado na história de quase 100 anos do Hospital Dona Helena. Foi quando a instituição conquistou a acreditação pela Joint Commission International (JCI), principal acreditadora internacional da área da saúde. Com 98% dos elementos considerados conformes, o hospital foi o primeiro em Santa Catarina a receber o selo, integrando o grupo de 70 instituições de saúde brasileiras com o selo de qualidade. Completando um ano da conquista, a equipe já se prepara para o processo de reacreditação, realizado a cada três anos. De acordo com Carlos José Serapião, médico coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP), a escolha pela acreditação internacional, há seis anos, deu-se pela identidade de conceitos e pressupostos seguidos pelo hospital e exigidos pela JCI, aliada ao desafio de perseguir sempre a excelência. Durante o processo, e para a reacreditação, o Dona Helena conta com a parceria do Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA), representante exclusivo da JCI no Brasil. A partir de agora, o Dona Helena trabalha para se adequar à quinta edição do manual da entidade internacional. Heleno Costa Júnior, coordenador de educação e assessor de relações institucionais do CBA, explica que várias atualizações e alterações foram feitas na última edição, com o objetivo de tornar mais contemporâneo o conjunto de padrões, alinhados com as inovações e progressos que os serviços e sistemas de saúde têm incorporado nos últimos anos. “Sem dúvida, a grande mudança foi feita no capítulo que trata do Governo, Liderança e Direção da instituição, atribuindo diretamente aos gestores executivos as responsabilidades sobre toda a elaboração, desenvolvimento e devido monitoramento do plano global de melhoria e segurança institucional”, assinala o coordenador.
Cuidado
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Hospitalidade garantida
S
eja bem-vindo, sinta-se em casa, a casa é sua – são algumas expressões utilizadas para recepcionar visitantes de forma acolhedora e, quando não interpretadas ao pé da letra, podem ser ouvidas não apenas em ambientes particulares, mas também em estabelecimentos de livre acesso, como comércios e instituições. É comum a hotéis e pousadas, por exemplo, o interesse em fazer com que o hóspede se sinta realmente à vontade e tenha à mão tudo o que precisa para sanar suas necessidades. O público consumidor, cada vez mais exigente, requer um posicionamento eficaz de organizações e empresas em geral, e, para atender a essa demanda, conceitos recentes vêm alterando tendências de atendimento. No âmbito da saúde, a hotelaria hospitalar ganha terreno no país e mostra que o caminho para a eficiência passa por um olhar atento às necessidades e sensível às demandas apresentadas pelos pacientes. Muito além de um simples jargão mercadológico, a hotelaria hospitalar surgiu para responder às expectativas do cliente em todas as suas esferas. Processos e serviços são modificados e introduzidos para que a instituição alcance as condições adequadas para a oferta de assistência com segurança, conforto e qualidade. Os hospitais perceberam que é possível criar um diferencial, formar a opinião de clientes em
saúde e fidelizá-los, construindo uma fórmula para o aprimoramento. A atividade é recente nos hospitais brasileiros, sendo difundida há aproximadamente 15 anos, mas remete a uma origem muito mais profunda. A palavra “hospital” vem do latim, “hospes”, que significa hóspede, local no qual inicialmente eram recebidas as visitas. Apenas por volta do século 16, o sentido foi alterado e o nome passou a designar o lugar onde eram tratadas pessoas doentes. A noção inicial de “receber hóspedes” se manteve em palavras correlatas como “hospitalidade” e “hospitaleiro”. E, em pleno século 21, os hospitais estão resgatando o sentido mais antigo do termo que os designa. A hotelaria hospitalar é reconhecida como fundamental por proporcionar ao paciente um ambiente acolhedor, seguro e confortável em um momento geralmente encarado com fragilidade. Trata-se de um modelo de gestão que absorve demandas não assistenciais, ofertado em organizações de saúde, hospitais privados e públicos, serviços diagnósticos e clínicas ambulatoriais. O princípio concilia os objetivos centrados no tratamento e assistência médica ao ato de hospedar, reconhecendo o paciente e seus acompanhantes como clientes. Hilda Meneghelli, coordenadora de Hospitalidade do Hospital Dona Helena
“A hospitalidade é manifestada essencialmente na humanização dos serviços e na espontaneidade dos gestos e atitudes. Todos precisam contribuir para a manutenção de um ambiente adequado e para o cuidado com a integridade do cliente” 9
No Dona Helena, tudo é preparado para um atendimento humanizado ao paciente. Abaixo, a tecnologia RFID, do Hospital São José, que permite que todo o enxoval seja catalogado por meio de um chip colocado dentro de uma etiqueta costurada nas peças
Em geral, a estrutura básica da hotelaria hospitalar é constituída pela governança (lavanderia, rouparia, camareiras, higiene, limpeza e gerenciamento de resíduos sólidos), nutrição e dietética. Muitos hospitais já contam com lanchonete e restaurante e também fazem parte desse planejamento noções de paisagismo, jardinagem, segurança pessoal e patrimonial, recepção, manutenção, estacionamento, loja de conveniência, floricultura, áreas de lazer e infraestrutura de apoio como xerox, internet e motoboy. A gestão dos serviços deve ser focada no paciente e, de acordo com o padrão de qualidade almejado, a instituição pode proporcionar ao cliente até mesmo o que ele nem espera, como salão de beleza e loja de conveniência. Os serviços coordenados e oferecidos pelo setor de hotelaria hospitalar podem impactar o paciente indiretamente (como as ações de higienização, controles internos, reposição de mobiliário, limpeza, entre outros) ou diretamente. No Hospital Dona Helena, de Joinville (SC), a interação direta com o cliente acontece por meio do serviço de concierge, implantado em 2009. O trabalho facilita a comunicação entre o paciente e os profissionais da equipe, agilizando solicitações e tornando a estadia o mais tranquila possível. O conceito foi agregado à instituição de uma maneira geral e conta com o envolvimento de diferentes setores. As ações remetem o conforto de casa para a unidade hospitalar e para que a satisfação dos clientes seja mantida, foram implantadas rotinas de controle e indicadores de qualidade, monitorados periodicamente para a correção de possíveis falhas.
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Carlos Alexandre da Silva, diretor-presidente do Hospital Municipal São José
“Nosso serviço é eficiente e moderno. Acredito que estamos preparados para a crescente demanda dos próximos anos”
Para a coordenadora de hospitalidade da unidade, Hilda Meneghelli, a hotelaria hospitalar é um conceito abrangente, que engloba todos os serviços da instituição de saúde, desde o atendimento da equipe de enfermagem à equipe de higiene e limpeza. “A hospitalidade é manifestada essencialmente na humanização dos serviços médico-hospitalares e na espontaneidade dos gestos e atitudes das pessoas. Todos que trabalham aqui precisam contribuir para a manutenção de um ambiente adequado e para o cuidado com a integridade do cliente. É isso que caracteriza uma instituição de saúde voltada à hospitalidade”, explica. Para enfrentar essa mudança conceitual, a migração para os serviços da hotelaria hospitalar geralmente ocorre de forma gradual. Um dos primeiros passos é a revisão dos fluxos da estrutura física, de processos e interfaces, para a elaboração de um diagnóstico. Em 2001, a administração do Hospital São José, de Joinville, passou por um processo semelhante e criou o Serviço de Nutrição e Hotelaria Hospitalar. Em 2013, os setores foram separados em Serviço de Nutrição e Serviço de Higienização
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Alunos do curso de especialização em hotelaria hospitalar do Hospital Albert Einstein saem a campo e participam de palestras e oficinas para aprimorar o conceito de hotelaria
e Hotelaria, sendo o último responsável pela limpeza da instituição, entrega dos enxovais aos setores e pela adoção de uma tecnologia inovadora, aliada ao conceito de hotelaria. Para o monitoramento do enxoval, o hospital utiliza o sistema RFID, que permite o controle prático e eficiente das peças que circulam pela unidade. A “Identificação por Rádio Frequência” permite que todas as roupas de cama, roupas cirúrgicas, uniformes e cobertores sejam catalogados por meio de um chip colocado dentro de uma etiqueta costurada às peças. Dessa maneira, é possível monitorar a logística de distribuição, recolhimento, envio para a lavanderia e entrega do material limpo, evitando casos de perdas ou extravios. Também é feito o controle do tempo de duração de cada item. Poucos hospitais no país utilizam a tecnologia RFID. A administração da unidade joinvilense decidiu adotar a medida para ter à disposição mais uma ferramenta de aprimoramento de autonomia nas decisões que envolvem higienização e hotelaria. “Com a implantação desse serviço, as decisões ficaram mais ágeis. A hotelaria hospitalar contribui para o conforto e comodidade, auxiliando na manutenção de um ambiente limpo e agradável para que pacientes e acompanhantes possam se sentir acolhidos”, explica Regina Schmitt da Silva, supervisora do Serviço de Higienização e Hotelaria da instituição. No Hospital Santa Catarina de Blumenau o conceito, implantado há 10
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anos, transformou a imagem da unidade a partir de mudanças sutis. As paredes foram pintadas com cores que lembram o aconchego. Foi criado um local específico para a exposição de obras de arte e a realização de constantes eventos chama a atenção de pacientes e visitantes. O mix de serviços pautados na hospitalidade apresenta o colaborador da instituição como parte fundamental desse processo e, em sua essência, não depende exclusivamente de grandes investimentos, mas sim de um olhar voltado ao paciente. “Temos iniciativas que não exigem muitos recursos financeiros como comemorar aniversários. Já realizamos um casamento aqui nas nossas dependências e temos o projeto TrapaPet, uma iniciativa que visa proporcionar momentos agradáveis aos nossos
Marcelo Boeger, coordenador e professor do curso de especialização em hotelaria hospitalar do IIEPAE – Hospital Albert Einstein
“A hotelaria dos hospitais vem se desenvolvendo à medida que o próprio cliente de saúde passa a exigir uma maior qualidade de atendimento nos serviços prestados. As discussões transcendem os profissionais apenas de hotelaria”
pacientes, em companhia de animais treinados para essa atividade”, conta a coordenadora de processos de roupas e hotelaria do hospital, Keity Karina Goll. As mudanças pautadas na humanização seguem o modelo de gestão da hotelaria e, para disseminar esse conceito, o HSC Blumenau tem desenvolvido iniciativas que aproximam empresas, acadêmicos e profissionais, como a realização de simpósios e a implantação de um curso de pós-graduação, que será oferecido pela Universidade Regional
de Blumenau (Furb), em parceria com o hospital. Atualmente, Santa Catarina não conta com instituições de ensino que mantenham cursos de pós-graduação na área, mas profissionais interessados podem procurar a especialização em outros Estados. Se hotelaria se refere ao ato de hospedar, é indispensável que as pessoas responsáveis pelo acolhimento estejam conscientes da importância de seu papel e busquem capacitação contínua para prestar um serviço que proporcione a plena satisfação do paciente. Prevendo essa tendência, há 11 anos, o Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein – Hospital Albert Einstein formou sua primeira turma do curso de especialização em hotelaria hospitalar, em São Paulo. A capacitação aborda principalmente a gestão de serviços de apoio e apresenta as melhores práticas desse mercado, tendo como pano de fundo o atendimento ao cliente de forma humanizada. Segundo Marcelo Boeger, coordenador e professor do curso de especialização na unidade, a formação deficiente dos profissionais e a escassez de mão de obra qualificada são críticas recorrentes do mercado. Nos últimos anos, instituições perceberam a relevância do setor de hotelaria hospitalar na gestão da qualidade, satisfação do paciente e segurança. Houve um avanço nas atividades de hotelaria, instrumentalizadas por meio de processos e protocolos, contudo faltava quem ocupasse essas vagas. “Eram gestores que não conheciam a rotina hospitalar ou desconheciam a prática hoteleira, com todas as especificidades de um hospital. A capacitação de gestores é o meio mais rápido para conseguirmos avanços significativos”, relata o coordenador. As aulas são teóricas e contam com um estágio de 90 horas, no Albert Einstein. Em 2015, o curso vai também para o Rio de Janeiro e Curitiba.
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Bem-estar
Quando o hospital vira um universo lúdico
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O lúdico não é um luxo, algo agregado ao ser humano, que pode ser útil para se divertir: o lúdico é uma das armas centrais pelas quais o ser humano se conduz ou pode se conduzir pela vida afora”. O pensamento do escritor argentino Julio Cortázar, retirado de um livro de entrevistas publicado em 1991, cabe para justificar o uso de atividades lúdicas no auxílio de tratamentos de saúde. Hospitais tendem a ser vistos pelos pacientes como ambientes negativos, devido ao afastamento social, ao sofrimento muitas vezes gerado pelo tratamento e às preo cupações relacionadas às patologias. Essa concepção pode se quebrar com o emprego de atividades como jogos e brincadeiras que possibilitam momentos de prazer, alegria e integração entre pacientes, profissionais e visitantes. É quando a realidade e a fantasia se encontram com o intuito de auxiliar na recuperação física e emocional do paciente, melhorando sua qualidade de vida no hospital – e também fora dele.
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Segundo Piaget (1971), brincando, a criança ou adulto pode ser criativo e descobrir o seu self (eu). A brincadeira permite a reestruturação emocional e social – o lúdico funciona como ponte entre realidade externa e interna. A literatura, por exemplo, pode realizar essa junção. A pedagoga Joselda Joseli de Souza Caldas, que atua há 30 anos no Hospital São José, de Joinville, usa os livros como instrumento para despertar o lúdico em pacientes que estão em recuperação pós-transplante. A profissional, pioneira em Santa Catarina na adoção de atividades lúdicas em pediatria, atende uma média de 18 pacientes por dia – em sua maioria, adultos. O trabalho com o lúdico é realizado no São José desde que a profissional atua na instituição. Antes, as atividades eram feitas somente no setor de pediatria. Em 2008, Joselda passou a levá-las aos transplantados. Além da leitura, propõe aos internados audição de música, sessões de filmes, pintura, colagem, caça-palavras e até mesmo criação de objetos a partir do reaproveitamento de materiais que seriam descartados, como gessos e tampinhas de remédios. “Faço todas as atividades lúdicas, de acordo com o interesse do paciente. Tudo o que trabalhe o cognitivo e que sirva para resgatar o lúdico na vida do adulto”, explica. A pedagoga avalia as condições do paciente com a leitura do prontuário e conversas com outros profissionais para
Joselda Joseli de Souza Caldas, pedagoga do Hospital São José
“Tem adulto que não consegue fazer outra atividade além da leitura. Existem aqueles que nunca pintaram e que, mesmo assim, viraram artistas plásticos depois do contato com a pedagogia do hospital”
Solário, no Hospital Dona Helena, é um espaço para tratar o lazer de forma terapêutica, com contato com a natureza
depois promover as atividades apropriadas. “Converso com o paciente individual mente e vou estimulando, conhecendo. Com o passar do tempo, você sabe o que cada um prefere. Tem alguns que não gostam de nada, pois nunca tiveram espaço para o lúdico na vida deles. É aí que a pedagogia entra devagarzinho”, explica. A ludicidade é sempre associada às crianças, que costumam apresentar uma imaginação que extrapola a realidade, criando mundos alternativos. Os adultos acabam por perder essa capacidade – logo, alguns não têm habilidade de brincar ou vivenciar o lúdico. “Tem adulto que não consegue fazer outra atividade além da leitura. Existem aqueles que nunca pintaram e que, inclusive, viraram artistas plásticos depois do contato com a pedagogia do hospital”, orgulha-se Joselda, que já ajudou a alfabetizar pacientes que não sabiam ler nem escrever. “Às vezes, devido ao tempo, não dá para fazer que ele saia totalmente alfabetizado, daí você o ensina a escrever o nome, o nome de algum filho. E, geralmente, dou um kit para ele continuar estudando em casa”, detalha. Como trabalha com pacientes com sistema imunológico muito baixo, atividades em grupo são inviáveis, restringindo também ações voluntárias de outras instituições – apenas um grupo da igreja luterana costuma cantar nos corredores. “Tenho que estar focada, conhecer as patologias para não haver cruzamento bacteriano, conversar com a equipe, ler o prontuário”, frisa. Para a pedagoga, qualquer paciente necessita de atividade lúdica, pois o ócio e a monotonia da internação tendem a gerar problemas, como alteração de pressão, impaciência e ansiedade. As atividades
Hospirrisos levam apoio e conforto aos internados melhoram o estado de humor do paciente, o que pode se refletir na receptividade dos cuidados profissionais e, consequentemente, na recuperação. “Qualquer manifestação de alegria age no sistema nervoso central, que é a caixa-mestre do nosso organismo. O painel imunológico vive de alegria. Se você está fazendo algo prazeroso, com certeza, o paciente melhora gradativamente e o tempo de hospitalização diminui”, afirma. “Mas, é claro, há patologias que progridem, em que o paciente não pode ir para casa. Então, você tem que dar condições de qualidade de vida para esse caminhar não ser tão pesaroso.” Joselda frisa que a recuperação do internado depende de toda a equipe hospitalar. “Não existe trabalho individual, todos têm participação na recuperação do paciente, da zeladoria ao médico. Somos uma corrente, todos os elos têm a mesma importância”. Laene Veigsding Boldt, terapeuta ocupacional do Hospital Dona Helena, concorda: “Nenhum profissional de hospital trabalha sozinho, estamos sempre trocando informações sobre o estado do paciente”. Com sete anos de atuação na área, a terapeuta também utiliza atividades lúdicas como método de trabalho. “Uso como recurso terapêutico, para estimular a autonomia. Meu objetivo é deixar o paciente o mais independente possível. Não deixá-lo só no leito, tirá-lo da ‘ostra’, fazê-lo sair do quarto”, explica. Diariamente, Laene atende de seis a oito internados e costuma conversar com todos antes de iniciar qualquer trabalho. “Tenho toda a paciência e tolerância de explicar por que fazemos as atividades, que ele tem que se ajudar se quiser sair logo do hospital”, explica.
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A terapeuta utiliza bolas, jogos com canecos e argolas, dinâmicas de compra e venda com dinheiro fictício para estimular o raciocínio, talheres para simulação de refeição, além de promover ações que restauram a autoestima, como troca de roupa e escovação dos cabelos. Laene leva os pacientes para o Solário, um espaço aberto que tem como objetivo contribuir para a recuperação física e emocional. O ambiente fica à disposição para ser utilizado para recreação, lazer e fins terapêuticos. Segundo a profissional, os internados ganham “outro ar” quando saem dos quartos. “Uso muito a bola, jogos de memória, às vezes consigo juntar uns três pacientes para fazer brincadeiras que estimulem a memória e a atenção. Tento desviar o foco da doença e estimular outros assuntos”, relata. Os pacientes que não conseguem se locomover sozinhos vão até o Solário com o auxílio de cadeiras adaptadas. Já os que estão em isolamento fazem as atividades no próprio quarto. Entre as vantagens que observa na aplicação do lúdico no hospital, destaca a melhor aceitação do tratamento. “Alguns acabam tomando medicamentos que antes era negados, aderem melhor ao que o médico propõe”, ressalta. Laene aponta como um desafio a falta de profissionais especializados para trabalhar com o lúdico nas instituições de saúde. “Terapia ocupacional é uma profissão recente e ainda está engatinhando”, comenta. Joselda, do Hospital São José, enfatiza que, para realizar esse tipo de atividade, é necessário que o profissional tenha formação específica. Para ela, a pedagogia em hospital é um trabalho muito gratificante, mas, além da carência de profissionais habilita-
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Maria José Varela, psicóloga e coordenadora do Programa de Humanização do Hospital Dona Helena
“O voluntário vem, promove toda aquele bem-estar, mas vai embora. É nossa responsabilidade manter aquele clima aqui dentro. E isso é um desafio diário”
dos, sente falta também de incentivo. “É uma área que recomendo. É uma pena que está em vias de extinção aqui no São José, porque não tem ocorrido concursos. Deveríamos ter um pedagogo em cada setor, isso seria muito bom para o paciente”, avalia Joselda.
Ao ar livre, no HDH, terapeuta ocupacional propõe exercícios
A ludicidade e o voluntariado Bom humor é sinal de que o corpo está bem. O riso libera endorfina, um hormônio que relaxa os músculos, melhora a circulação e a eficácia das defesas do organismo. Graças a ele, a alegria também aumenta a capacidade de resistir à dor. Dentro desse contexto, entra a figura do palhaço, um sujeito que ri de suas próprias fraquezas e tira proveito de suas condições trágicas. Desde 2006, o Hospital Dona Helena mantém o projeto “Hospirrisos – Agentes da Alegria”, em que voluntários se vestem de palhaços e visitam os setores da instituição, levando conforto, alegria e brincadeiras aos pacientes internados. O projeto conta com parceria do Studio Escola de Atores, responsável pela capacitação artística dos voluntários. “O objetivo do programa é justamente desenvolver atividades, criar novas formas de humanizar o ambiente hospitalar, uma missão do Dona Helena”, reitera Maria José Varela, psicóloga e coordenadora do Programa de Humanização do hospital. Todas as unidades recebem as visitas dos agentes da alegria. O acesso aos quartos é mediado pela enfermeira da unidade. “Os voluntários fazem uma integração, são preparados para entrar no hospital no que diz respeito às normas internas, principalmente na questão de higienização e de como se comportar diante de pacientes”, relata a coordenadora, frisando a importância das precauções. Maria José conta que, para o voluntário, cada visita é única: o paciente pode tanto recebê-lo muito bem como
também negar a visita. “Os voluntários participam de encontros regulares, têm acesso a mim para falar de dificuldades ou de situações específicas que trouxeram alguma emoção ou algum sentimento”, ressalta. Entre as mudanças notadas a partir da visita dos agentes e interação com pacientes e familiares, estão a melhora no ânimo e o alívio, mesmo que momentâneo, na internação. “Não é um resultado cartesiano, causa e efeito direto. Percebemos uma melhora no humor do paciente e da equipe. O ambiente mais leve, descontraído, gera uma maior aceitação do tratamento, e a equipe também fica mais sensibilizada”, avalia a coordenadora. Além do riso, pesquisas apontam que a música traz muitos benefícios para a saúde, pois ativa o centro de prazer do cérebro, liberando dopamina, responsável pela sensação de bem-estar. Ela pode aliviar dores, melhorar a memória, acalmar, promover o autoconhecimento, entre outras vantagens. Pensando nisso, o Dona Helena criou o “Portas Abertas”. “Como o próprio nome diz, as portas estão abertas para que a arte aconteça dentro do hospital. Já tínhamos a visita de corais da igreja luterana e apresentações do coral formado pelos funcionários do hospital. Em 2014, instituímos esse projeto para trazer outras entidades”, justifica. Mais um projeto nessa linha realizado dentro do hospital é o “Jogos para a Vida”, cujo foco são adultos em situações especiais. “São pacientes internados por muito tempo, com diagnósticos graves, que estão isolados por alguma razão decorrente da doença, e que acabam ficando sozinhos”, explica Maria José. Os voluntários são orientados a não conversar sobre a doença, abordando qualquer outro assunto, e utilizam jogos como o xadrez para entreter e distrair. O Dona Helena também recebe voluntários de empresas que realizam visitas ao setor de pediatria e mantém parceria com a Associação Catarinense de Ensino (ACE) em relação à pedagogia hospitalar. “Temos várias ações de humanização. Não são essas ações que vão humanizar a assistência à saúde, elas fazem parte de um todo, e é nesse todo que ainda estamos engatinhando. O voluntário vem, promove toda aquele bem-estar, mas vai embora. É nossa responsabilidade manter aquele clima aqui dentro. É um desafio diário. Quem atende pessoas são pessoas – que passam por dificuldades, que têm os seus momentos de estresse, as suas crises. Isso aparece de uma forma ou de outra no cuidado.”
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Autoestima
Ferramentas que auxiliam o bem-estar estético de pacientes com câncer
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ormada em Administração e ligada ao mercado da moda como modelo, produtora, figurinista e gerente de marketing, a catarinense Flávia Flores levou uma rasteira quando, aos 35 anos, foi diagnosticada com câncer de mama. Na noite anterior à sua primeira sessão de quimioterapia, criou a fanpage “Quimioterapia e Beleza”, que mais tarde deu origem ao site www.quimioterapiaebeleza.com.br. “A ideia do projeto surgiu com meu diagnóstico. Eu me vi doente, tendo que passar pelo tratamento e precisando de artifícios de beleza para me reconhecer no espelho. Sabia que meus cabelos iriam cair em duas semanas e queria ficar linda e forte”, revela. Apesar de hoje servir como exemplo para muitas mulheres, a iniciativa de cuidar tanto da estética quanto da saúde recebeu críticas no início: “Algumas pessoas disseram que era ridículo, que eu estava brincando com uma doença que não tinha nada de bonito. Mas quem importava de verdade para mim, quem esteve ao meu lado sempre, como minha família e alguns bons amigos, estes me apoiaram e nunca me podaram”. Segundo a Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (Iarc, do inglês International Agency for Research on Can-
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cer), da Organização Mundial da Saúde (OMS), assim como Flávia, 57 mil mulheres foram diagnosticadas com câncer de mama no Brasil em 2014. De acordo com o estudo, em 2030, a carga global será de 21,4 milhões de casos novos dos mais variados tipos de câncer e 13,2 milhões de mortes pela doença, em consequência do crescimento e do envelhecimento da população, bem como da redução na mortalidade infantil e nas mortes por doenças infecciosas em países em desenvolvimento. Em Santa Catarina, os dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) indicam que, no ano passado, foram registrados, aproximadamente, 24.900 pacientes. Desse total, 15 mil eram homens. Os casos de câncer de próstata (2.220) e mama (1.850) foram os mais recorrentes. “Câncer” é o nome dado a um conjunto de mais de 100 tipos diferentes de doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células anormais com potencial invasivo. O Inca alerta para as medidas preventivas que devem ser implementadas para reduzir os casos, como as estratégias para o controle do tabagismo, a promoção da alimentação saudável, a vacinação para Papilomavírus Humano (HPV) e hepatite e a adoção de estilos de vida mais saudáveis.
Flávia Flores estimula autoestima feminina
Ao longo do tratamento, os pacientes podem sofrer com efeitos colaterais. Os mais frequentes são queda de cabelo, ansiedade, náuseas, vômitos, anemia e alterações renais e digestivas. Esses sintomas afetam diretamente a relação com o corpo e a preocupação com a autoestima. Para Vera Bifulco, psico-oncologista do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC), o cuidado com a estética é parte importante do tratamento. “A família se sente muito bem quando percebe que o paciente está investindo no autocuidado. Eles se envolvem no tratamento. Quanto mais isso acontece, maior a chance de resposta positiva. A autoestima aumenta e a resposta ao tratamento melhora”, afirma. A assistente social da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Joinville, Analucia Pinto Ferreira Olah, corrobora a ideia de Vera: “É de suma importância o cuidado com a beleza, pois a elevação da autoestima fortalece emocionalmente as pacientes. E muito mais: quando elas se cuidam, se gostam mais, enfrentando a doença com mais fé, com mais atitude e mais tranquilidade”. Analucia ressalta que casos de depressão e desequilíbrio emocional podem interferir negativamente no desenvolvimento da doença. “O acompanhamento psicológico é importante para a aceitação. Com o equilíbrio emocional, é possível buscar a beleza exterior e interior e a força para realizar o tratamento”, aponta. Flávia Flores, idealizadora do Quimioterapia e Beleza, acredita que a atitude positiva durante o tratamento resultou em reflexos positivos. “Se você consegue se reconhecer no espelho, seu tratamento fica muito mais fácil. E desculpe a sinceridade, mas as pessoas se assustam com um paciente todo largado, sentem pena.
No alto, Corina Maria Seberino, atual presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer de Joinville. Na outra foto, um dos encontros da entidade que atende mulheres da comunidade e conscientiza a todos sobre a importância da prevenção do câncer
Imagine agora uma mulher linda, toda produzida, maquiada, com um belo lenço andando pela rua. Ninguém vai ter pena, ela vai ser exemplo de superação para todos”, analisa. Para quem acredita que estética é um tópico fútil na agenda dos pacientes, Flávia deixa o recado: “A autoestima para qualquer pessoa é fundamental. Os cuidados pessoais estão ligados diretamente ao bom-humor, que é o segredo do sucesso de qualquer tipo de tratamento ou adversidade que alguém possa passar”.
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Flávia Flores, criadora do Quimioterapia e Beleza
“Imagine uma mulher linda, toda produzida, maquiada, com um belo lenço andando pela rua. Ninguém vai ter pena, ela vai ser exemplo de superação para todos” INICIATIVAS DO BEM Para manter o interesse das pacientes em seu bem-estar estético, ONGs e hospitais oferecem as mais variadas atividades. Conheça alguns exemplos.
Doações de perucas A queda de cabelo é um dos sintomas que mais afetam os pacientes com câncer. Pensando nisso, Mariana Robrahn e Mylene Duarte criaram, há pouco mais de um ano, o projeto Cabelegria, que já entregou 110 perucas em todo o Brasil. Para doar, é preciso que o cabelo tenha, no mínimo, um palmo e meio de comprimento – cerca de 20 centímetros – e não importa se tem algum tipo de química ou é tingido. Os doadores podem acompanhar as entregas pelas redes sociais ou pelo site www.cabelegria.com.br.
Aulas de maquiagem gratuitas
“Cabelegria” contempla pacientes com câncer com perucas produzidas a partir de doação de cabelo
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Na primeira terça-feira de todo mês, as pacientes do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC) participam de oficinas de beleza. Realizadas há três anos, as aulas são gratuitas e abrangem desde a maquiagem até a utilização de lenços. Todas as participantes ganham uma bolsa com produtos de higiene e beleza de marcas renomadas e internacionais. “Atendemos mulheres que estão com a autoestima baixa devido ao tratamento. O curso é oferecido para todas as faixas etárias, já tivemos pacientes com 20 e outras com mais de 80 anos”, revela Vera Bifulco, psico-oncologista do IPC.
Miro Dantas é tatuador há 21 anos e desenvolve um projeto voltado para mulheres que fizeram mastectomia e tentam amenizar os efeitos físicos da cirurgia de remoção da mama
Lingeries e a descoberta de uma nova beleza
Se você procurar no mercado lingeries para mulheres mastectomizadas, não vai encontrar peças sensuais para esse público tão específico. A designer de moda Ana Cláudia Malini desenvolveu como trabalho de conclusão de curso a coleção “A Descoberta de uma Nova Beleza”, composta por peças com encaixes para próteses externas. Por enquanto, a coleção não está à venda. Para que isso se viabilize, Ana está em busca de uma empresa parceira.
Tatuagens por uma vida melhor
Outra iniciativa que envolve mulheres mastectomizadas é o projeto “Uma tattoo por uma vida melhor”, do tatuador Miro Dantas. Ele doa tatuagens a fim de reconstituir os seios. “Tenho visto muitos casos de câncer de mama e quero, de alguma forma, contribuir com as mulheres que são afetadas com isso, muitas vezes tendo a autoestima literalmente mutilada por causa das cirurgias tão agressivas e necessárias”, destaca. O trabalho de Dantas está disponível no site www. mirodantas.com.
Apoio e conscientização
A Rede Feminina de Combate ao Câncer desenvolve suas atividades desde 1980, em Joinville. Seu principal objetivo é atender as mulheres da comunidade e conscientizar sobre a
importância da prevenção do câncer, de forma a reduzir a estatística atual do elevado número de casos da doença. Em 2014, por exemplo, foram 5.339 exames preventivos. O projeto Rosa Mulher realiza atividades de sociabilidade e convivência, que contribuem para o fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, melhorando a qualidade de vida na aquisição de conhecimento, enriquecendo valores, visando a um melhor e mais consciente exercício da cidadania.
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Terceira idade
País envelhece e precisa aprender a cuidar melhor do idoso
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senhor Francisco nunca se queixava da vida. Firme e forte aos 70 e poucos anos, não se considerava um velhinho. Bem aposentado, destoava da média dos brasileiros de sua faixa de idade pelo conforto de que desfrutava. Volta e meia, pegava a esposa a tiracolo e lá se ia a passear, às vezes na casa dos filhos que viviam em outros Estados, às vezes só os dois, um casal feliz em mais uma lua de mel. Brincalhão e sempre bem-humorado, seu Francisco dizia que havia chegado seu momento de desfrutar da vida – e de coisas de que jamais ouvira falar. “Acho que temos que experimentar novas sensações, sempre. O sopro da vida vem da emoção”, filosofava, pouco antes de rir sua gargalhada gostosa e confessar, diante de quem estivesse ali: “Ainda bem que minha mulher é
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parceira em tudo, porque ultimamente tenho me sentido muito animado a fazer sexo de diferentes maneiras, como nunca fizemos antes. Ou você acha que velhinho também não tem essas vontades?” “Tem sim. E tem todo o direito de tê-las”, responde o geriatra João Roberto Maia, um dos mais respeitados profissionais da área em Joinville, que costuma ser crítico contundente da sociedade que segrega, não protege e, pior ainda, descarta o chamado adulto maior. “Hoje em dia, tudo o que importa é o ‘eu’”. Aumentamos nossa renda per capita, sim, distribuímos riqueza, mas não nos educamos adequadamente a ponto de compreender o outro, suas carências e idiossincrasias”, diz ele, refletindo sobre a necessidade de que as pessoas voltem a ter o direito e, sobretudo, a capacidade de pensar. “A ditadura brasileira nos confiscou esse pressuposto básico da democracia, ainda sofremos as consequências daqueles anos em que não se podia pensar, ainda segue viciada a nossa capacidade intelectual. Ainda somos apenas as extremidades. Só estamos começando a aprender a considerar os meios, os meandros, as entrelinhas, tudo o que realmente importa para se adquirir conhecimento e compartilhá-lo.” A sexualidade, do mesmo modo que todas as demais necessidades biológicas, culturais e sociais do ser humano, é também um dos direitos naturais desses cidadãos e cidadãs que a cada dia representam parcela maior da população brasileira – e mundial. Em 40 anos, um terço dos brasileiros terá mais de 60 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E, o que é pior, a sociedade não se preparou adequadamente para essa transição demográfica. Um problema e tanto para a previdência social que, pelos cálculos do instituto, em 2036 terá um déficit de mais de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, caso não se tomem medidas urgentes. “Já seria um bom começo se deixarmos de ver o adulto maior como um peso, alguém que apenas cumpre tabela na existência, apenas um hiato entre a vida e a morte”, diz o médico, alertando que o envelhecimento da população é “pedra cantada” há muito tempo e que mereceria mudanças de atitudes na educação e prevenção em saúde. “Mas eu acho, mesmo, que o mais importante é que o conjunto da sociedade se reconheça como futuro adulto maior, que daqui a não muito tempo estaremos tentando nos inserir em um mundo que não está preparado para nós.”
Envelhecemos rápido Se a Revolução Industrial inaugurou uma geração inteira de trabalhadores assalariados – mas explorados e com péssimas condições de trabalho – e a mecanização, em vários setores, inspirou e incentivou a exacerbação consumista ao fabricar mais por preços bem menores que os produtos artesanais, também forneceu elementos para a sociedade começar a se preocupar com a saúde geral, a partir da saúde do trabalhador. É apenas na chamada terceira fase da industrialização que se consolidam alguns dos direitos básicos dos trabalhadores e a sociedade começa a reconhecer a importância do saneamento ambiental para a manutenção da saúde. “Eu me arrisco a dizer que o cloro na água mudou radicalmente a expectativa de vida, assim como as vacinas, quando começam a proteger gerações inteiras que, antes delas, morreriam na infância”, reflete João Maia. Só que o mundo passou muito rapidamente por grandes transformações científicas e tecnológicas que, se de um lado avançaram sobre as riquezas naturais, deteriorando o ambiente, de outro, passaram a oferecer melhores condições de vida e de saúde para as pessoas. “Especialmente da década de 70 para cá, nossa expectativa de vida vem crescendo a olhos vistos. E isso graças ao aumento da renda, que nos permite uma melhor nutrição e qualidade de vida, à evolução da ciência médica e, muito especialmente, ao SUS – que, apesar de todas as críticas e dificuldades, promove acesso universal do cidadão brasileiro ao sistema de saúde”, pondera o geriatra. Refletir sobre essa inversão na pirâmide demográfica brasileira exige considerar outros fatores que desembocaram na redução das taxas de natalidade. O movimento feminista – que teve três momentos importantes, desde a sua aparição, no final do século 18, na luta pelas liberdades democráticas, às campanhas pela liberdade sexual, na década de 60, e pelos direitos trabalhistas, dos anos 70 – é sempre pano de fundo quando se fala na drástica diminuição do número de filhos em curto espaço de tempo, não mais do que poucas décadas. “Não foi apenas uma questão sócio-antropológica, mas principalmente uma exigência econômica. A mulher foi trabalhar para ajudar a compor o orçamento doméstico, para poder consumir mais”, interpreta João Maia. E, ao sair de casa, a mulher passou a se cuidar melhor e a ter menos filhos.
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Adulto maior na enfermidade O senhor Francisco, ainda que tenha sempre desfrutado de boa saúde e uma vida digna, em um belo dia sofre um AVC – o temido acidente vascular cerebral – que, de isquêmico, transformou-se em hemorrágico e quase o catapultou do planeta. Mas, não. Permaneceu hospitalizado por cerca de dois meses e então foi considerado apto a voltar para sua casa. Só que, com graves sequelas, a família não sabia como fazer para cuidá-lo. Felizmente – e essa é uma situação que não é referência para a realidade do idoso brasileiro –, o senhor Francisco tinha um bom plano de saúde que o permitiu, além de internação hospitalar de qualidade, também um atendimento em home care durante os quatro anos seguintes, tempo que seu organismo conseguiu resistir. Esse é exatamente o caso dos chamados cuidados paliativos. “Mas não podemos confundir as coisas. O fato de a pessoa ter 70 ou 80 anos não é necessariamente uma sentença de morte iminente – então, quando há possibilidades de cura, temos que proporcionar a ele todas as chances que a medicina oferece. E aí temos uma questão ética importante, já que, muitas vezes, as UTIs são insuficientes e o médico se vê no dilema de ter que optar por tratar um paciente mais jovem, com maiores chances de cura”, reflete o geriatra João Maia, ao constatar que, sob o aspecto social, a preferência é sempre dada ao novo. “Mas é nossa missão lutar pelo paciente até o fim.”
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Integração do “adulto maior” é importante para aceitação das condições de vida e da superação de obstáculos e dilemas
É preciso se preparar Não apenas pelos aspectos biológicos, mas sobretudo pelos psicossociais, é necessário que as pessoas se preparem para a velhice. “Isso deveria ser pressuposto ao nascer – qualidade de vida desde a primeira infância é qualidade de vida na idade adulta e também na fase final ”, diz João Maia, antes de reconhecer que, infelizmente, a maioria da população brasileira ainda não desfruta do privilégio do bem-viver em todas as etapas da existência. Mas, na visão do médico, há bons avanços. O Estatuto do Idoso, que vigora desde 2003, já ajuda bastante, especialmente nos aspectos ligados à discriminação. Há políticas públicas voltadas a essa parcela cada vez maior da população. A sociedade se mobiliza para melhor atendê-los, cuidá-los e integrá-los.
Idosos da Abej, na primeira e última das fotos ao lado, fazem atividades variadas que estimulam a parte física e mental. No meio, oficina de hortas e jardins para aposentados do Ipreville, na Fundação 25 de Julho
Abej, acolhimento e razões para viver Eles vão chegando devagarinho. Passos lentos, cadenciados, uma suave alegria no olhar. O “boa tarde” é cheio de energia e silenciosa expectativa pelas atividades do dia – que eles já espiaram na agenda diária, exibida à porta. Os homens, em minoria, claro, parecem mais tímidos e acantonam-se, enquanto as mulheres se reúnem em pequenos grupos, alegres e tagarelas. A primeira atividade do dia é a caminhada de 10 minutos no pátio do Centro de Convivência do Idoso, inaugurado em fevereiro de 2007 pela Associação Beneficente Evangélica de Joinville (Abej). Alguns sorridentes, outros nem tanto, eles vão, um a um, passando pela medição de pressão arterial, antes de começar a andar. Iniciam-se assim, de segunda a quinta-feira, as tardes dos
60 idosos, todos com mais de 60 anos, que frequentam o centro de convivência. Vindos de várias regiões da cidade, a maioria de comunidades consideradas de maior vulnerabilidade social, reúnem-se para se ocupar, divertir, aprender artesanato, dançar e conviver com outras pessoas de sua geração. Tudo com o objetivo de melhorar sua saúde física e emocional e, em consequência, sua qualidade de vida. A equipe multiprofissional formada para atendê-los não deixa escapar um detalhe. Há fisioterapeuta, que acompanha e desenvolve atividades físicas, psicóloga, coordenadora do bate-papo semanal que eles chamam de “Roda de Conversa”, uma terapeuta ocupacional, que direciona as atividades físicas e de artesanato para adequá-las às necessidades de seus pupilos, instrutora de artesanato e vários outros voluntários de diversas áreas. Muitos desses idosos procuraram o centro por iniciativa própria ou da família – mas alguns estão ali por orientação médica. Afinal, nada melhor do que a companhia de outras pessoas, diferentes em seus ideais, expectativas, realidade familiar, para preencher espaços vazios, percorrer distâncias internas, reacender a chama do viver. E amenizar feridas – externas ou internas. Coordenadora do Centro de Convivência da Abej, a fisioterapeuta Adriana Tormen Branco destaca que o principal desafio e objetivo maior da entidade é promover o bem-estar a partir da integração social e familiar, melhora da saúde e qualidade de vida. Para isso, o local oferece uma série de atividades ocupacionais, com a possibilidade do desenvolvimento de novas habilidades e conquista de fontes alternativas de renda.
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Nas fotos, de cima para baixo: o médico João Maia sublinha que é preciso melhor atender e entender os idosos; seu Nilton e seu Fernando, integrantes do Centro de Convivência da Abej
Aqui, somos iguais “Para os aposentados, falta tudo. Só temos benefícios no papel”, lamenta Fernando Luiz Freitas, advogado aposentado que frequenta o grupo da Abej há cinco anos. “Vi a plaquinha, entrei e fui ficando”, conta, destacando que aquele é um espaço em que todos são iguais, participam de várias atividades “em um ambiente excelente”. Mas ele lamenta que lá fora a situação seja diferente para a grande maioria dos idosos: “Falta educação, mesmo. Apesar do Estatuto do Idoso, o respeito não está no dia a dia nem nas atitudes das pessoas”. E é por isso, diz, que instituições como a Abej assumem uma importância ainda maior na vida dessas pessoas. O colega Nilton Antônio da Silva, que está há dois anos no grupo, confessa estar muito feliz por participar das atividades. “Especialmente porque isso me permitiu cantar no Coral Maria Carola Keller. Os ensaios e as apresentações nos corredores do hospital ou em eventos são ótimos”, sorri. As conversas que o grupo promove sobre vários temas, do Alzheimer às questões de saúde cotidianas, são, para Nilton, muito importantes. O aposentado, que trabalhava na portaria do Bom Jesus/Ielusc, reforça que todos deveriam ter iguais oportunidades de atendimento em saúde, nesta fase da vida. “Grupos como este, da Abej, são imprescindíveis. Tudo melhora na vida da gente.”
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Professores aposentados são voluntários para repassar conhecimentos aos colegas. Assim, surgem oficinas de ioga, tai-chichuan, entre outras atividades
Ipreville ajuda os novos aposentados a se adaptar A assistente social Suzana das Neves Hamann, ela própria muito perto de se aposentar, não esconde uma pontinha de orgulho pelo trabalho desenvolvido no Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Joinville (Ipreville), entidade que completa 19 anos em 2015, para o acolhimento, cuidado, promoção e reintegração social de aposentados e pensionistas. Mais do que isso: atua fortemente na preparação do futuro aposentado, que começa dois anos antes, no programa Nova Vida. “Garimpamos e convidamos as pessoas que estão perto de se aposentar a participar do programa, que é, em síntese, um grande fórum para reflexão em conjunto, em que se proporciona a oportunidade de repensar os conceitos de aposentadoria e envelhecimento, procurando prepará-los para que essa nova fase seja também prazerosa e com qualidade de vida”, explica Suzana. O Nova Vida prevê dez encontros
anuais, em que são discutidos assuntos de interesse dos candidatos à aposentadoria – das possibilidades de novas atividades, cuidados com a saúde, mudanças de paradigmas no que se refere ao envelhecer, até temas mais complexos como as dificuldades de algumas pessoas em se adaptar à nova condição e, assim, passarem a se sentir inúteis para a sociedade, muitas vezes entrando em processos graves de depressão. “É um ponto central dessa preparação. Há pessoas que fazem do trabalho a sua vida e não conseguem, sozinhos, entender que permanecem seres sociais importantes, cidadãos completos e que podem assumir vários outros papéis ao se aposentar”, diz Suzana, antes de observar que um dos espaços que eles podem assumir é o voluntariado. O programa QVida, do próprio Ipreville, reúne muitos professores que agora se dedicam a compartilhar seus conhecimentos com outros aposentados. “Temos oficinas de inclusão digital, espanhol, inglês, italiano, dança circular, ioga, corpo em movimento e tai-chi-chuan, entre outras – e a maioria é ministrada por aposentados.” Um mês após a aposentadoria, o Ipreville oferece o Acolhimento. Trata-se de um encontro do servidor com a presidência do instituto e sua equipe, e também com a Associação dos Segurados Aposentados e Pensionistas do Ipreville – associação criada em 2004 pelos próprios servidores –, em que a pessoa conhece melhor as atividades de que poderá participar e recebe orientações sobre como funcionam os programas. Os servidores também são homenageados e reconhecidos pela prefeitura, em cinco eventos anuais. No Ipreville desde sua fundação, Suzana reconhece a dificuldade que a maioria das pessoas tem de se reinventar, após muitos anos de trabalho. “Esse novo tempo muitas vezes coincide com outros lutos, seja a perda dos pais, a saída dos filhos caçulas de casa, o ninho que fica realmente vazio. Sem contar a verdade do espelho: estamos mesmo envelhecendo. Nosso maior desafio é de que as pessoas percebam que a vida não termina aqui – ao contrário. Há muito ainda a se desfrutar, a se construir, a se participar. A convivência e a integração que eles têm aqui mostra que o espaço do idoso melhorou bastante – não apenas por imposição previdenciária, já que o país envelhece rapidamente, mas também porque a sociedade começa a compreender que a chamada síndrome do pijama chega para todos. E, mais do que nunca, precisamos nos preparar para ela.”
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Gestação
Por um nascer com qualidade
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ão nove meses de preparação dentro e fora da barriga da gestante. No útero, o feto vai se formando, e a cada semana um órgão e algum detalhe evoluem. Do lado externo, duas pessoas se preparando para se tornar pais. Para além do nome do bebê ou das cores do quarto, a gestação é um momento de escolhas importantes, que precisam ser baseadas em informações concretas para garantir que o nascimento se torne um momento mágico e faça viver filhos com saúde e pais realizados. Uma das decisões mais importantes é o tipo de parto. Essa questão tem preocupado também as autoridades de saúde, já que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o índice aceitável de cesarianas fica em torno de 15%, ao passo que, no Brasil, 55% dos partos realizados são do tipo cesárea. Para o médico Jorge Abi Saab Neto, vice-presidente da Região Sul da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), o parto normal sempre traz benefícios em relação à cesariana. Permite o restabelecimento materno mais rápido, garante maior interação da mãe com o recém-nascido, menores níveis de sangramento e taxa de mortalidade reduzida.
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Por ser uma cirurgia de médio porte, a cesárea requer estrutura hospitalar e equipe obstétrica adequadas, além do cuidado com uma série de complicações que podem surgir com esse tipo de procedimento. “No entanto, existem várias situações em que a cesárea é a melhor opção. Essa é uma decisão médica, baseada em conhecimentos específicos, para que o obstetra selecione o melhor tipo de parto para a paciente. Mesmo que a definição seja de parto normal, durante o trabalho pode ocorrer uma intercorrência”, afirma. Entre as indicações para cesárea, estão as situações de sofrimento fetal, quando o bebê está em posições desfavoráveis, quando as mães não podem se submeter aos esforços exigidos pelo parto normal ou possuem infecções virais, como herpes genital e Aids. A mudança de planos ocorreu com a arquiteta Carolina Rodrigues, 28 anos. Desde o início da gravidez, ela pensava no parto normal, mas imaginava a possibilidade da cesárea, uma vez que a mãe e a irmã tiveram que optar pelo procedimento cirúrgico, depois de não evoluir no trabalho de parto. Ao chegar no hospital, o parto foi induzido, a bolsa estourou, mas depois de sete horas só havia dois dedos de dilatação. Geovana, que já completou o primeiro aniversário, nasceu de cesariana. “O pós-parto foi um pouco complicado. Como qualquer pessoa que passa por uma cirurgia, as dores permaneceram por várias semanas, mas a recuperação não me impediu de cuidar da minha filha”, conta. Carolina cogita a possibilidade de ter mais um filho e quer tentar novamente o parto normal, sendo mais insistente na próxima vez.
Jorge Abi Saab Neto, médico da Febrasgo
“Orientamos os obstetras a explicar às gestantes que a cesárea traz mais riscos para ela e para o bebê. A médio e longo prazo, pode gerar aderências, endometriose e até esterilidade”
Carina e as duas filhas que proporcionaram os dois tipos de parto: normal e cesárea A designer de produto Carina Soares Avila, 28 anos, teve as duas experiências. Sua filha Cecília, de 4 anos, nasceu de parto normal, e Marina, 1 ano e meio, de cesárea. “Na primeira gestação, tudo era novidade. Sempre tive curiosidade de sentir as dores do parto. Minha obstetra me incentivava muito, meu marido também. Decidi deixar a natureza agir, com todo o seu tempo”, relembra. O problema é que o processo não ocorreu como ela havia planejado e isso a deixou assustada. Por outro lado, o parto cesárea, para ela, tem toda a comodidade de se saber a data e o horário do nascimento. “Isso tira uma pouco da expectativa do nascimento, mesmo assim não deixa de ser intenso. Para mim, o pós-parto foi ruim. Perdi muito sangue e levei tempo para conseguir ficar em pé e andar”, relembra. O médico Jorge Abi Saab Neto ressalta que existem muitas discussões sobre a violência obstétrica, chamando atenção pa-
ra a necessidade de uma campanha educativa, a exemplo do que foi feito com a amamentação, em que todas as áreas se engajaram para o sucesso da divulgação. A Febrasgo vem reeditando seus documentos, indicando que os obstetras não façam episiotomia (corte no períneo) em todas as mulheres, que as gestantes sejam alimentadas durante o trabalho de parto e que possam caminhar durante o processo, e finalmente que se evite a prescrição de analgesia para as mulheres que não desejarem. “As ações consagradas na medicina baseada em evidência como boas práticas têm sido incluídas em nossas documentações. Mas muitas coisas são inerentes ao aspecto de gestão de pessoas e em como as equipes são preparadas para o atendimento. É preciso um número adequado de funcionários e uma
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Carolina, com a filha Geovana, nascida de cesárea
estrutura que permita o bom cuidado das gestantes”, sustenta. Com os casos de violência obstétrica sendo divulgados e com os altos níveis de cesariana – no Sistema Único de Saúde (SUS), 40% dos partos são pelo procedimento cirúrgico, na rede privada a proporção chega a 84% –, o Ministério da Saúde estabeleceu, no início deste ano, algumas medidas para estimular o parto normal. Entre elas, a divulgação dos percentuais de cesárea por operadores de plano de saúde, detalhamento sobre o modelo de partograma que deve conter ao menos os dados indicados pela OMS, além da promoção de seminários de Boas Práticas na Atenção ao Parto e Nascimento.
Acompanhamento no pós-parto é fundamental para qualidade de vida da mãe O puerpério é caracterizado, cientificamente, como o período pós-parto em que a mulher sofre diversas modificações, tanto no bem-estar físico quanto no emocional. É o momento em que a mãe precisa do apoio de uma equipe multidisciplinar, o que, muitas vezes, não está disponível nos serviços de saúde. A qualidade de vida das mulheres nessa circunstância interessou a fisioterapeuta Nicole Pedrosa, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (FCT/Unesp). Entre 2011 e 2012, ela e uma equipe fizeram uma pesquisa com 89 mulheres, o que gerou o artigo “Percepção da qualidade de vida no puerpério imediato”. Para o estudo, foi observado o puerpério imediato, definido do 1º ao 10º dia pósparto. O período ainda é separado em 11º a
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45º e remoto, que ultrapassa o 45º após o nascimento do bebê. “As pacientes podem apresentar modificações nos sistemas cardiovascular, respiratório, musculoesquelético, entre outros, provocando desconfortos físicos e emocionais”, explica Nicole. Na pesquisa, 69% das gestantes haviam realizado cesárea. Com isso, a equipe comparou a qualidade de vida das que realizaram parto vaginal e cesariano e observaram que o parto vaginal permitia uma percepção maior de qualidade de vida. Para Nicole, o pré-natal também é importante, pois ao realizar todas as consultas é possível prevenir complicações no período puerperal, que podem ser cruciais para sua recuperação, diminuindo a qualidade do parto. A prática de atividade física durante o período gestacional também é importante na promoção da saúde, na qualidade de vida e na prevenção e controle de diversas doenças, além de contribuir para a redução da morbimortalidade. “O retorno à atividade física no pós-parto está associado a inúmeras vantagens, como a redução da incidência de depressão, diferenças no perfil hormonal e redução da pressão arterial”, explica.
Diálogos
Epidemiologia molecular patológica
IDH, tecnologia e os avanços no Brasil
Carlos José Serapião
Paolo Farris
Pág.32
Pág.34
Bioética e qualidade de vida Christian Ribas Pág.33
Considerações éticas sobre eutanásia Antonio Baptista Pág.36
O jovem está sedento por conhecimento Entrevista, Nelma Baldin Pág.38
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Carlos José Serapião Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)
Epidemiologia molecular patológica
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s doenças humanas são, tipicamente, processos muito complexos que envolvem alterações em vários níveis da hierarquia estrutural e funcional do organismo. Cada um nós possui um único genoma, porém com distintas combinações resultantes da interação com o micro e o macroambiente, conduzidos por fenômenos relacionados com o chamado exposoma (ambiente), epigenoma (regulação dos gens), transcriptoma, proteoma, metaboloma, cada um desses processos exibindo diferentes potenciais geradores de doença. Assim, cada indivíduo é singular em suas possibilidades de adoecer, ainda que nominalmente possa pertencer a um mesmo grupo sistematizado de doenças. Esse é o conceito de doença individual. A epidemiologia molecular patológica difere da epidemiologia molecular convencional, porque se dirige para a heterogeneidade dos processos de doença, que se distingue de pessoa
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para pessoa, atendendo ao “princípio de doença única”. Esse conceito considera o caráter singular da exposição ao agente etiológico e a sua influência ímpar sobre o processo molecular patológico em cada indivíduo. O conceito de heterogeneidade de doença parece conflitar com a premissa epidemiológica para a qual indivíduos com doenças de mesmo nome possuem etiologias semelhantes e idêntico processo patogenético. Assim, para atender os avanços da ciência da saúde das populações, o campo da epidemiologia molecular patológica, como tem sido conhecido, apresenta-se com a possibilidade de ser aplicado não somente para as neoplasias como para as condições não neoplásicas. Como um exemplo da importância desse conhecimento, vale considerar o significativo progresso que tem sido observado na relação entre a epigenética e a obesidade. É possível que essas informações possam ajudar na predição do risco de obesidade em jovens, abrindo caminho para a introdução de estratégias apropriadas em sua prevenção. A maioria das doenças crônicas apresenta mecanismo complexo, multifatorial, genético e epigenético. Portanto, as pesquisas epigenéticas se mostram importantes e promissoras, já que mecanismos epigenéticos têm papel crítico na regulação do crescimento, diferenciação e comportamento celular, ao lado de constituir fator de modificação, potencialmente importante, na quimioterapia e na quimioprevenção. A epidemiologia molecular patológica integra a patologia molecular e a epidemiologia numa tentativa de compreender a doença nos níveis molecular, celular, orgânico, individual e populacional. No futuro, a análise epigenômica representará uma poderosa ferramenta, capaz de ampliar nossos conhecimentos sobre a heterogeneidade das doenças e da interação entre o hospedeiro e a doença. Enfim, a classificação molecular das doenças, que seria a informação patofenotípica mais significativa nos registros populacionais, recebe marcada contribuição da patologia no campo das ciências integradas, participando da medicina personalizada e da prevenção.
Christian Ribas
Oncologista, coordenador do Serviço de Oncologia do Hospital Dona Helena
Bioética e qualidade de vida
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bioética, no esforço de promover a melhor ação possível, do ponto de vista moral e humano, no trato com a vida, analisa criticamente os aspectos morais emergentes nas ciências médicas, biológicas e sociais, e a qualidade de vida tem também sido objeto de sua atenção. Quando se fala em qualidade de vida, evoca-se a ideia de que é possível avaliar a vida de alguém e de que há vidas melhores e piores. Agora, duas questões fundamentais se impõem: como medir a qualidade de uma vida e quem poderá julgá-la? Quanto à definição, o termo “qualidade de vida” pode ser entendido em diferentes perspectivas. Numa ótica pragmático-utilitarista, a vida com qualidade é definida como aquela com capacidade intelectual mínima, autoconsciência e autocontrole, capacidade de interação com os outros e racionalidade. De um ponto de vista hedonista, depende de estados mentais prazerosos e da ausência de dor. No
sentido sócio-biológico, pode ser confundida com o próprio conceito amplo de saúde física, mental e social. Na esfera individual, a qualidade de vida é avaliada pelo indivíduo, considerando sua saúde física e mental, seu estado funcional e socioeconômico. Ao nível de comunidade, é aferida pelos recursos, condições, políticas e práticas que influenciam a percepção do estado de saúde e o desempenho da população. Médicos e outros profissionais da saúde necessitam decidir quanto à condução de procedimentos e tratamentos, os quais devem ter por objetivo não só eliminar a doença, mas também restaurar, manter ou melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Essas decisões não são só técnico-profissionais; são também morais. Do que é levado em consideração no caminho a ser seguido, parte provirá de valores e princípios esposados pelo próprio profissional. Embora fazer o bem possível à pessoa em necessidade tenha estado sempre no centro da ética médica, traduzindo os princípios da beneficência e da não maleficência, hoje não mais é possível determinar unilateralmente o que é benéfico ao paciente, à revelia de suas escolhas e valores. Agindo de outro modo, resvala-se para o paternalismo, contrariando um princípio não menos importante, o do respeito à autonomia e à responsabilidade individual. Em se tratando de qualidade de vida, o paciente mesmo, quando capaz, num exercício de averiguação íntima de sua experiência existencial e das reais e racionais possibilidades de melhora, auxiliará na determinação do “tipo” de qualidade de vida que deseja para si. Instrumentos objetivos, na forma de questionários, foram concebidos para definir e medir a qualidade de vida em função do desempenho do indivíduo nos domínios físico, psicológico, social e ambiental. Mas a qualidade da vida assim avaliada não deve ser confundida com a vida em si, com a dignidade do existir humano, cujo valor é o mesmo para todos, exigindo respeito, cuidado e proteção. Semelhante visão da vida, no entanto, não implica em forçá-la a qualquer custo, nem em abreviá-la levianamente quando julgada de pior qualidade por critérios arbitrários.
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Paolo Farris
Médico do Núcleo de Inovação Tecnológica do Hospital Dona Helena
IDH, tecnologia e os avanços no Brasil
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qualidade de vida é uma expressão que vem do mundo econômico e se ocupa em satisfazer as exigências dos clientes, na forma individual ou comunitária; das necessidades de competitividade empresarial, considerando o processo sistemático e metódico, para alcançar qualidade de produção; a fim de atender às condições de uso. Na verdade, qualidade de vida é sustentar a vida humana, garantindo às pessoas o necessário para viver dignamente. Pessini e Barchifontaine (1994) denominaram de trindade bioética – um desenvolvimento da bioética vinculada aos seguintes princípios: autonomia, beneficência e justiça. A autonomia se refere ao respeito à vontade e ao direito de se autogovernar, favorecendo que a pessoa possa participar ativamente dos cuidados à sua vida. Um aspecto importante a ser apontado, quando nos referimos ao princípio da autonomia, é a constatação de que nos cuidados aos doentes, muitas vezes, ocorre uma relação paternalista, assimétrica,
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entre eles e os profissionais de saúde: em uma das polaridades está o poder da equipe de saúde e, na outra, a submissão do paciente. Quando se favorece a autonomia, ocorre uma relação simétrica entre profissionais e pacientes, sendo que esses últimos participam de maneira ativa das decisões que envolvem seu tratamento, bem como sua interrupção. Para que a autonomia possa ser exercida, é fundamental que o paciente receba as informações necessárias, que o instrumentalizem e o habilitem para a tomada de decisões, diante das opções em cada situação. Cabe lembrar que, em muitos casos, estamos diante de uma situação conflitiva, na qual várias opções devem ser consideradas – aliás, esse é o fundamento das questões éticas. Como aponta Segre (1999), faz-se necessária uma hierarquização desses conflitos, para que se possa buscar uma resposta que atenda às necessidades daqueles que estão sob nossos cuidados. No entanto, qualidade de vida é também envolvê-la com afeto nas relações humanas, com o espiritual na edificação do seu sentido transcendente, com o cuidado da saúde, com a educação e com o equilíbrio entre as diversas dimensões do ser humano. Qualidade de vida é viver de maneira integrada às diferentes dimensões que nos enriquecem como pessoas (corporal, psico-afetiva, social e espiritual) e, com isso, amadurecer, num processo que se dá durante toda a nossa vida. A verdadeira qualidade de vida é aquela que propicia o bem-estar coletivo de uma comunidade. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de “desenvolvimento humano” e para separar os países desenvolvidos (elevado desenvolvimento humano), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio) e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo). O IDH surgiu no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e no Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH). Esses foram criados e lançados pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, em 1990, e o índice teve como objetivo explícito “desviar o foco do desenvolvimento da economia e da contabilidade de renda nacional para políticas centradas em pessoas.” No Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010, o PNUD
“Vários fatores contribuíram para o aumento da expectativa de vida no Brasil. Entre 1996 e 2006, o país reduziu pela metade o índice de desnutrição infantil, passando de 13,4% para 6,7%”
começou a usar um novo método de cálculo do IDH. Os três índices seguintes são utilizados: 1) expectativa de vida ao nascer, 2) índice de educação e 3) índice de renda. A cada ano, os estados-membros da ONU são listados e classificados de acordo com o IDH. Se for alta, a classificação na lista pode ser facilmente usada como um meio de engrandecimento nacional; alternativamente, se baixa, pode ser utilizada para destacar as insuficiências nacionais. Usando o IDH como indicador absoluto de bem-estar social, alguns autores utilizaram dados do painel de IDH para medir o impacto das políticas econômicas na qualidade de vida. O Brasil foi apontado no Relatório de Desenvolvimento Humano 2014, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), avançando na expectativa de vida. Entre 1980 e 2013, a expectiva de vida no país aumentou 17,9%, passando de 62,7 para 73,9 anos, um aumento real de 11,2 anos. Avanços Vários fatores contribuíram para o aumento da expectativa de vida no Brasil. Entre 1996 e 2006, o país reduziu pela metade o índice de desnutrição infantil – passou de 13,4% para 6,7%. Entre as ações de combate à desnutrição, destacam-se a expansão da oferta de doses de vitamina A e de sulfato ferroso, além da melhoria da vigilância nutricional em municípios com índice de desnutrição superior a 10%. Outro ponto forte foi a imunização da população. Hoje, são oferecidos gratuitamente 42 tipos de imunobiológicos (25 vacinas, 13 soros heterológos e quatro soros homólogos) distribuí dos em 34 mil postos vacinação. Desde 2010, foram incluídas novas vacinas, como a meningocócica C conjugada, tetraviral e contra o vírus HPV. Já o programa Farmácia Popular disponibiliza 113 itens (entre medicamentos e produtos de saúde) na rede pública e 25 em drogarias particulares. Desde 2011, mais de 26 milhões de pessoas já foram beneficiadas. Além dos itens gratuitos para tratamento de diabetes, hipertensão e asma, os demais produtos podem ter até 90% de desconto na compra. Para idosos, também são disponibilizadas fraldas geriátricas. Houve ainda redução de 82,2% do risco de morte devido a
aborto e ampliação da estratégia Rede Cegonha, implantada em 2011 para incentivar o parto normal humanizado e intensificar a assistência integral à saúde de mães e filhos, desde o planejamento reprodutivo até o segundo ano de vida da criança. A Rede Cegonha tem garantido atendimento de qualidade a 2,6 milhões de gestantes pelo SUS em 5.488 municípios. Estamos na era da globalização e da informatização. Existe a esperança de que as novas tecnologias irão levar a vidas mais saudáveis, maiores liberdades sociais, conhecimentos e meios de vida mais dignos. Essa crença, ao analisar os dados objetivos, é verdadeira, pois os avanços sociais do século 20 apontam para a melhoria do desenvolvimento humano tendo íntima relação com os avanços tecnológicos (Relatório do Desenvolvimento Humano, 2001, p. 2). A relação com a qualidade de vida é direta porque são mecanismos mais eficientes que facilitam o dia a dia daqueles que celebram contratos na internet ou simplesmente fazem compras por meios eletrônicos. Pode-se transformar seu estilo de vida ao utilizar esse tempo conquistado pela inovação em atividades físicas, descanso e entretenimento. Uma visão bem próxima de Domenico De Masi sobre a importância das novas tecnologias para o surgimento da sociedade pautada no lazer. Outra aproximação se dá pelo amparo legal das relações jurídicas na internet, o que oferecerá maior segurança para as pessoas, influindo positivamente na qualidade de vida.
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Antonio Baptista Médico do Serviço de
Endoscopia Digestiva (Sedit) do Hospital Dona Helena
Considerações éticas sobre eutanásia
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eutanásia é a terminação da vida de uma pessoa muito doente a fim de aliviá-la de seu sofrimento. A pessoa submetida à eutanásia geralmente tem uma condição incurável, mas há outras situações em que os pacientes podem querer que suas vidas cheguem ao fim. Apesar das variantes em cada país que a aceita, habitualmente é levada a cabo por um pedido da própria pessoa, mas às vezes esta se encontra tão doente que a decisão é tomada por parentes, médicos ou a Justiça. No âmago dessas decisões, estão as diferentes ideias que as pessoas têm sobre o sentido e o valor da existência humana. Deve o ser humano ter o direito de decidir sobre assuntos da vida e da morte? Há também alguns argumentos de ordem prática. Algumas pessoas acreditam que a eutanásia não deve ser permitida, mesmo que moralmente correta, porque poderia haver um abuso e ser usada para encobrir um assassinato provocado por outras razões. Por que as pessoas querem eutanásia?
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A maioria das pessoas acredita que a dor incontrolável seja a principal razão pela procura da medida, mas pesquisas nos Estados Unidos e na Holanda mostram que menos de um terço dos pedidos de eutanásia se deu por causa de dor severa. Os pacientes terminais podem ter sua qualidade de vida muito prejudicada por condições físicas, como incontinência fecal ou urinária, náuseas e vômitos, falta de ar, paralisias e dificuldade de deglutição. Os fatores psicológicos que fazem as pessoas pensar nessa opção incluem depressão, medo de perder o controle ou dignidade, sentimento de dependência etc. História recente No século passado, em 1931, na Inglaterra, o dr. Millard propôs uma lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Essa proposta serviu de base para o modelo holandês. Durante os debates, o médico real, Lord Dawson, revelou que tinha “facilitado” a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína. Dois anos antes, o Uruguai incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal (“homicídio piedoso”). Baseada na doutrina do professor Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925. Essa foi a primeira regulamentação nacional sobre o tema e continua em vigor até hoje. No Brasil, no ordenamento jurídico pátrio, a prática da eutanásia não está normatizada. Aplica-se a tipificação prevista no artigo 121 do Código Penal , isto é, homicídio, simples ou qualificado, sendo considerado crime a sua prática em qualquer hipótese. Dependendo das circunstâncias, a conduta do agente pode configurar o crime de participação em suicídio (artigo 122 do Código Penal). O projeto de lei 125/96, de autoria do senador Gilvam Borges, é o único que tramita no Congresso Nacional para tratar sobre a legalização da eutanásia, no entanto, jamais foi colocado em votação. A proposta permite a prática, desde que uma junta de cinco médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia. Se não estiver consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos.
Por que a eutanásia deve ser permitida Aqueles a favor da eutanásia defendem que a sociedade deve permitir que as pessoas morram com dignidade e sem dor, e deve aceitar que outros a ajudem a fazê-la, se essas não puderem por si mesmas. Acham que o corpo é propriedade nossa e deve ser permitido fazer o que queremos com ele. Portanto, é errado impor que as pessoas vivam mais tempo do que desejem. Fazer isso viola a liberdade individual e os direitos humanos. É imoral forçar alguém a continuar a viver
“A maioria das pessoas acredita que a dor incontrolável seja a principal razão pela procura da medida (eutanásia), mas pesquisas mostram que menos de um terço dos pedidos se deu por causa de dor severa”
com sofrimento e dor. A morte é algo privado e, se não provocar dano a terceiros, o Estado ou outras pessoas não têm o direito de interferir. Acrescentam que se o suicídio não é crime, a eutanásia também não deve ser. Seus defensores também argumentam que é possível regular a eutanásia. Por que a eutanásia deve ser proibida Os religiosos acreditam que a vida foi dada por Deus e que somente ele pode decidir quando terminá-la. Outro argumento seria que, se a eutanásia fosse permitida, as leis que a regulariam poderiam ser burladas e pessoas que não querem morrer poderiam ser assassinadas. Além disso, sua aprovação legal poderia levar a uma piora no tratamento dos doentes terminais, diminuir o interesse de médicos e enfermeiras em salvar vidas, desestimular a pesquisa de medicamentos ou métodos de tratamento para os doentes terminais, tornar atraente a morte dos pacientes para economizar dinheiro dos hospitais e planos de saúde, expor pessoas vulneráveis e fragilizadas a optarem pela eutanásia por pressão de parentes ou pessoas inescrupulosas ou por terem sido abandonados pela família. Dentro de toda a complexidade, duas perguntas importantes devem ser respondidas. A primeira é: a morte pode ou deve ser encarada como ruim ou boa? Se a resposta for boa, praticamente se encerra a discussão. A outra é: somente os médicos devem realizar a eutanásia? Essas questões devem ser respondidas à luz de um melhor entendimento do que seja oferecer um cuidado médico. Um fornecimento adequado deve promover o bem-estar do paciente ao mesmo tempo em que respeita sua autodeterminação individual. É essa dupla que deve guiar o cuidado médico, e não a preservação da vida a todo o custo sem levar em conta os desejos do paciente.
REFERÊNCIAS 1) Jorge Águedo de Jesua Peres de Oliveira Filho. Eutanásia: Aspectos Jurídicos e Bioéticos, Ambito Juridico. 2) Chochinov HM, Tataryn D, Clinch JJ, Dudgeon D. Will to live in the terminally ill. Lancet 1999; 354: 816-819)
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Nelma Baldin Professora de pós-
graduação da Univille
ENTREVISTA “O jovem está sedento de conhecimento”
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estre em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora em educação pela PUC/SP, a professora Nelma Baldin não tem dúvidas de que cabe ao jovem brasileiro o protagonismo na retomada da ética como princípio, no campo político e na esfera social. Na entrevista a seguir, a professora discorre sobre o papel da educação nesse contexto, dizendo-se preocupada com as condições do professor brasileiro vencer o desafio de situar o jovem frente à imensidão de conhecimentos disponíveis, atuando como “instigador” de reflexões. Ao mesmo tempo, defende que a bioética possa acompanhar o ritmo das mudanças sociais. Nelma cursou pós-doutorado na Università Degli Studi “La Sapienza” di Roma e Università Degli Studi di Bologna, na Itália, e na Universidade de Coimbra, de Portugal. Leciona no Mestrado e Doutorado em Saúde e Meio Ambiente e no Mestrado em Educação da Univille e é autora de seis livros, como também de cinco capítulos de livros e de mais de 20 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais.
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Qual o papel da educação na difusão da bioética? Antes de mais nada, cabe definir o que é educação – o ato de educar, de instruir, de trabalhar o conhecimento. No sentido mais amplo, é o meio em que descobertas, estudos, costumes, hábitos e valores de um espaço ou uma comunidade são transferidos de uma geração para as próximas. A educação vai se construindo por meio de situações presenciadas e experiências vividas. O termo já traz em seu bojo a questão da ética. Se você tem um senso de educação, você pratica a ética. Não é possível separar a ética da moral. Veja bem, a ética envolve a moral. A ética pode ser entendida como o conjunto de valores que orienta o comportamento do homem no seu meio social e profissional. Então, a ética explica as normas morais. Pode-se dizer que a ética é o modo de ser do homem e a moral, os costumes que regulam o comportamento por meio de normas que são adquiridas pela tradição, pelo cotidiano social. Assim, a moral (os nossos costumes) regula a interação com a ética (o nosso modo de ser). É importante ressaltar que, embora a moral subsista sem a ética, está dentro da ética. Assim, quem tem ética, tem moral. E o contrário nem sempre é verdadeiro. Partindo-se desse princípio, vamos trazer o conceito para o nosso dia a dia. Uma das questões que afloram na sociedade é a da bioética, como conceito fundamental. Aqui, um exemplo recente, com a notícia de que, na Inglaterra, há estudos que tornariam possível ter duas mães e um pai para um único embrião. Para o cidadão cristão e ético dentro da religião, para alguém com fé religiosa profunda, isso é uma afronta e uma distorção ética e moral. Do ponto de vista da ciência, no entanto, trata-se de um avanço, com a possibilidade de evitar que seres humanos venham a nascer com problemas congênitos que já podem ser corrigidos na hora da fecundação. Há inúmeros casos de conflitos da ética e preceitos morais e religiosos em relação aos avanços científicos, que são relevantes para o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas. A oposição entre ciência e religião é histórica, e é certo que essa “querela”, digamos assim, influencia o comportamento social. Voltando um pouco, também podemos lembrar o quanto foi questionada a inseminação artificial. Essa era uma discussão que feria a ética e a moral religiosas instituídas na sociedade. E a reação ao fato de duas mães e um pai gerarem um filho, hoje, é mais ou menos semelhante ao que ocorreu com a in-
“O papel do educador é muito importante. Ele não pode e não deve ser apenas um transmissor de conhecimento, mas sim instigar reflexão e estimular o jovem a se posicionar” seminação artificial. Depois que a sociedade se “acostuma” com o evento, passa a ver o acontecido com outros olhos, já não tem mais a mesma criticidade. Isso implica dizer que a bioética deve se adaptar também às mudanças sociais? O que era ético, nas questões relacionadas à ciência e à vida, 30 anos atrás, pode não ser mais hoje, e vice-versa? Essa é também uma questão que alcança a bioética. Necessariamente não quer dizer que a bioética “deva se adaptar” às mudanças sociais que estão sempre a ocorrer, mas precisa, sim, acompanhar o ritmo dessas mudanças. Tudo muda na sociedade e a própria legislação avança no sentido
PEDRO RIBAS/ANPR
de melhor atender às necessidades sociais, assim também é com a ciência. Como o educador pode se situar nesse processo, para não perder de vista as balizas éticas e, ao mesmo tempo, acompanhar as mudanças? É mais do que importante o papel do educador. Sua função é trabalhar esse movimento da sociedade com os jovens. Não necessariamente incutir no jovem se aquilo é bom ou ruim, isso não é parte da ética. Não cabe a ele essa função. Mas cabe a ele informar qual o acontecimento está ocorrendo na sociedade, e informar de maneira tal, tão completa e bem feita, que o jovem tenha condições de, sozinho, posicionar-se criticamente sobre o acontecimento e sem a influência do professor. O professor, nesse caso, deve ser o instigador de uma reflexão, da produção de um novo conhecimento. O professor não pode, não deve, ser apenas um mero transmissor. Gostaria de avançar um pouco mais neste raciocínio. A sra. crê que o professor brasileiro está se transformando em mero transmissor de informações? Este é um problema bastante grave. No Brasil, de modo geral, o professor demonstra precisar de um livro-texto, de um ma nual, de algo que lhe dê amparo, quando na verdade talvez saiba aquele conteúdo, só precise de um pouco mais de pesquisa. Mas o professor alega que não tem tempo para a pesquisa e, desse modo, fica restrito a ser um transmissor do conhecimento exposto no manual didático. Bem, nunca foi fácil ser professor. Mas, nos dias de hoje, é ainda mais difícil se o professor não estiver constantemente “por dentro” do que está se passando na sociedade. Muitas vezes, o estudante vem mais informado que o professor, e a internet é um instrumento que possibilita essa situação. Um aspecto da dificuldade se pode entender por conta dessa quantidade gigantesca e veloz de conhecimento disponível. De um lado, esse movimento expõe o professor, mas, de outro, isso facilita: se o professor souber ser ético, vai fazer uso desse recurso a favor do seu trabalho. Com relação a essa quantidade de conhecimento, o papel do
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professor vai se tornando cada vez mais desafiador, com o compromisso de fazer uma triagem adequada das informações. Estava lendo uma entrevista do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que é um estudioso bastante atual. Ele lembrava que, na sociedade de hoje, são tantas as informações, tudo corre tão rápido e superficial, tudo é muito volúvel, tudo muito fácil de se dissolver, as relações são efêmeras. E isso justamente porque a sociedade não consegue mais criar as suas raízes de valor. A sociedade, como diz o sociólogo, está muito mais líquida. E nesse contexto a bioética precisa “driblar” essa corrente de liquidez. A bioética não pode ser líquida, justamente porque o seu campo de atuação visa atender ao homem. E este sim, na análise de Bauman, vem se demonstrando “líquido”, fácil de ser digerido pelo avanço das novas tecnologias que impulsionam o sistema capitalista sob o qual vivemos. A sra. afirmou que está se tornando mais difícil ser professor. É isso que vem atraindo menos jovens para o magistério? Talvez, por um lado, mas como hipótese secundária. Minha primeira hipótese é uma questão muito presente na sociedade atual, que essencialmente representa falta de ética. É a questão, justamente, dessa sociedade de liquidez, de que tudo fica fácil, de que precisamos ter tudo o que vemos ou queremos para termos uma aparência aceita ou adequada. O capitalismo nos tornou uma sociedade de aparências. Precisamos
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Para Nelma Baldin, o trabalho do educador é cada vez mais desafiador
ter a roupa da última moda, o carro mais veloz, a casa mais bonita etc. E ser professor não possibilita recursos e nem dá status para tudo isso. Ser professor dá garantia de trabalho permanente, mas não dá muito dinheiro – e, para acumular ou adquirir algo, há que se trabalhar por algum tempo. E a maioria dos jovens, hoje, tem pressa, eles preferem outro caminho, outro trabalho que lhes garanta um salário melhor. Claro que existem exceções, mas, no Brasil, em algumas disciplinas, estamos com graves faltas de professores: veja-se o caso de biologia, química, matemática, física, geografia etc. Entre ser professor de biologia, por exemplo, trabalhar muito, ganhar pouco e, hoje, como dizem, “aturar desaforos de alunos” , e ser biólogo de uma empresa que paga R$ 5 mil mensais logo de início, o jovem não hesita, vai trabalhar na empresa. A sra. acredita em uma inversão dessa tendência, com a evolução de conceitos como cidadania e sustentabilidade? Sempre há possibilidades de mudanças – o ser humano é flexível e adaptável. Hoje é muito presente na sociedade e nas universidades a discussão sobre cidadania e sustentabilidade. Esses temas realmente poderão provocar uma reação nos jovens. A cidadania dá a garantia de ter os direitos respeitados e a sustentabilidade é a possibilidade de garantir à geração presente a satisfação das suas necessidades e de preservar o mesmo direito às gerações futuras. Essas questões, éticas e morais, levam a reflexões que geram novos conceitos, e assim essas tendências podem ser revertidas.
“Vivemos em uma sociedade de ‘liquidez’, de aparências. E ser professor não atende a essa expectativa de status do jovem atual, que tem pressa”
Como a sra. acompanhou a proposição da presidente Dilma, durante a campanha eleitoral, de revisar os currículos do ensino médio, reduzindo a carga horária de disciplinas de humanidades, em busca de uma formação mais técnica? Tem pontos positivos e negativos. O Brasil está a, pelo menos, 30 anos de diferença de um país evoluído tecnologicamente – estou me referindo à educação tecnológica. Precisamos de técnicos especializados. Em uma sociedade como a nossa, dualista, o pensamento é de que uns mandam fazer e muitos outros fazem, e quem faz não tem status – isto é, status é só para quem manda fazer. O pensamento dominante é: quem manda fazer deve cursar uma universidade, mas quem faz não precisa estudar na universidade, basta o curso técnico. A partir dos anos 1960, com a ditadura militar e os acordos MEC-USAid, em que os Estados Unidos ditaram as normas do ensino técnico para o nosso país, em reação, criou-se na sociedade um manto, uma aversão ao ensino técnico, como se curso técnico fosse curso de quem não é inteligente o suficiente para buscar uma universidade, e com isso ficamos defasados no campo técnico e tecnológico. Coisa que não acontece na Europa, pois a maioria dos jovens lá faz cursos técnicos e/ou tecnológicos. Hoje, as grandes empresas que se instalam no nosso país têm muita dificuldade de encontrar mão de obra técnica especializada, jovens que falem inglês para entender o funcionamento de equipamentos importados, por exemplo, e isso, claro, nos deixa em prejuízo em relação aos países mais adiantados e que investiram muito mais e há muito mais tempo em educação – e essencialmente em educação técnica e tecnológica. O prejuízo a que me refiro é no sentido do resgate desses anos de atraso que temos em relação a uma educação mais especializada para o desenvolvimento tecnológico. Nesse aspecto, vejo como positiva a iniciativa da presidente, de buscar nos colocar aparelhados com os países mais avançados. Contudo, de outro lado, essa é uma proposta extremamente ruim, porque vai se tirar do ensino médio o conhecimento cultural e os momentos de reflexão, justamente quando é a fase em que os jovens estão se preparando para uma mentalidade de crítica ou de aceitação das situações que lhes são apresentadas, que é quando eles precisam de momentos de reflexão e de disciplinas que os levem ao senso crítico, à análise e ao aprofundamento das situações. Teríamos que preparar o nosso
ensino médio de uma forma tal que aqueles jovens que têm mais aptidão técnica e/ ou tecnológica seriam encaminhados para o ensino voltado para essa especialização (se fosse a sua vontade), e aqueles com vocação para campos mais humanistas iriam para uma formação distinta, conforme seus desejos. Dessa forma, seria possível contemplar as duas perspectivas e não prejudicar o crescimento e as decisões dos jovens. Das áreas acadêmicas em que a sra. atua, em qual percebe mais evidente a preocupação com a bioética e em qual se está mais carente? Sou professora nos cursos de Doutorado e Mestrado em Saúde e Meio Ambiente da Univille. A maioria dos estudantes desses cursos vem da área da saúde, enfermeiros, dentistas, médicos, fisioterapeutas etc., embora os cursos recebam também alunos das mais diferentes formações profissionais. Percebo uma carência do conhecimento da ética. Não é que os estudantes desses cursos não tenham ética, o que quero enfatizar é que um pouco mais de conhecimento sobre a ética ou da bioética lhes faria bem. Isso na área da saúde. Nas demais áreas, em se tratando de bioética, o conhecimento que têm em geral é bastante reduzido. Já ouviram falar na bioética, na ética, mas a leitura sobre essas questões é acanhada, e mais ainda a prática dessas questões. A bioética é um campo bem mais próximo da área da saúde, embora evidentemente não seja sua exclusividade, pois as engenharias, a química, as humanidades também transitam nesse espaço de
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FERNANDO FRAZÃO, AGÊNCIA BRASIL
estudo e trabalho. E isso se manifesta, por exemplo, nos meus alunos dos cursos que já mencionei, que têm os mais diferentes ramos de formação profissional. A sra. entende que isso tende a se reverter? Talvez de maneira transversal, já que os currículos estão muito bem definidos. O que vejo são os próprios cursos de graduação atuando nessa área, pois o jovem que está estudando é sedento de conhecimento. Trabalhei sempre com universitários e com estudantes de pós-graduação. Percebo que o jovem que entra na universidade está em busca de conhecimento. Pode não ser muito afoito em ir à procura, mas, se alguém lhe abrir os horizontes, acredito realmente que ele vai buscar. Confio muito e sempre apostei nos jovens. É neles que nós temos que apostar, seja em termos de ética, no campo político e social, no Brasil. O que me faz lamentar, porém, é que um alto índice de jovens, universitários ou não, se deixam seduzir pelo dinheiro fácil, e também pela criminalidade – talvez também, ou principalmente, motivados pela falta de oportunidades. Essa é uma questão moral, e é muito recente, de 30 anos para cá mais ou menos, que este comportamento está se instalando na nossa sociedade. E o pior, assistimos a isso passivamente e não fazemos nada para mudar esse quadro. Vejo aí, nesse pormenor, o papel fundamental do Estado. Mas o professor também tem seu papel – bem, não só o professor, cabe também à família e à sociedade em geral não se ausentar desse compromisso.
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Problema da escassez de água no centro do país: “O grito não foi levado a sério”
Permitindo que a questão da ética atravesse todas as discussões em sala de aula... Você vai trabalhar com a questão do meio ambiente, por exemplo. Existe prova mais concreta de que o Brasil está numa crise ambiental? Essa é uma questão que vai perpassar a ética, a bioética, a moral. Se o aluno reflete e busca soluções, mesmo que sejam situacionais, na sua casa, na sua família, na sua rua, entendo isso como um avanço. Um jovem desses, que é capaz de apresentar uma solução mesmo que para uma questão pequena e local, pode futuramente apresentar soluções regionais, em outros âmbitos, basta que lhe deem suporte para que cresça. Aí entra o papel do Estado, da sociedade em si, dos empresários e da escola em proporcionar essas condições de desenvolvimento. O fato de a sociedade ignorar esses “ensaios” anônimos, por vezes, pode representar até uma grande perda futura. Por isso é importante a valorização da ciência em todos os seus níveis, sempre. Em um artigo, a sra. abordou a questão da crise da água e associava isso à crise ambiental do país. De que modo o fato de as autoridades ignorarem a gravidade dessa crise pode trazer consequências à sociedade? Em 2012, publiquei os resultados de uma pesquisa no livro “Sustainable Water Management in the tropics and subtropics and case studies in Brazil”, organizado pela Fundação Universidade Federal do Pampa, pela Universidade de Kassel – Unikassel (Alemanha) e pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e disponível no Google Books. Nesse capítulo, eu já alertava que a água, um bem universal e comum, deve ser preservada para o presente e para o futuro (referia-me, nesse artigo, ao Rio Cubatão do Norte – Joinville). E, trazendo os dados dessa pesquisa para a situação
“A sociedade está à espreita. Se um problema não me atinge, não me mexo. Há uma certa passividade social e falta consciência política ao povo”
presente, veja-se: se, há 20 anos, quando os primeiros gritos dos engenheiros da Sabesp tivessem sido ouvidos ou levados a sério, hoje com certeza a situação do Rio Parnaíba não estaria como está. Hoje, três Estados estão envolvidos nessa situação, porque esse rio é fundamental para eles: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Falta absoluta de visão administrativa e de atitude política. E o que mais me deixa estarrecida é que a culpa é de São Pedro... É impressionante. Desmatam a Amazônia sem se dar conta de que os rios aéreos que vêm de lá é que possibilitam que a chuva caia na região Sudeste. Tiram toda a mata ciliar do Rio Parnaíba e cobrem o rio de lixo. Não providenciam equipamentos novos para a manutenção do rio, não limpam o rio... É uma tragédia anunciada, e a culpa é de São Pedro. Cadê a bioética neste caso? A questão da vida, a saúde das populações – isto é completamente deixado em segundo plano. Essas populações estão bebendo essa água de qualidade tão preocupante e duvidosa, e como isso vai repercutir na saúde das gerações futuras? As pessoas estão bebendo água do volume morto dos reservatórios, que é, esta, uma água que não oferece total qualidade. Isso possivelmente terá implicações sérias na saúde das crianças que estão nascendo agora e tendo acesso a somente essa água. No entanto, não vejo nenhuma preocupação, pelo menos aparente, dos governantes, de mostrarem o que estão fazendo para melhorar essa situação a não ser esperar que chova. E as pessoas acomodam-se passivamente a esta situação. Diante de momentos críticos, o brasileiro não reage? É passivo, embora por vezes apresente, sim, suas reações, mas precisa ser muito “atiçado”. Porém, vejo que essas novas gerações estão reagindo sim, no entanto sinto-os sem um objetivo social mais amplo ou algo que seja específico. Há dias, por exemplo, li o comentário de uma pessoa, que expressava que na Inglaterra cientistas estão usando o pouco sol que há para produzir energia solar. E perguntava o que se fazia a respeito disso aqui no Brasil – por que vem percebendo que o governo federal não faz nada nesse sentido. Quando li essa manifestação, me perguntei: e quanto aos governos estaduais e municipais? E aos particulares? Então, o questionamento, a reação, existe, de fato, mas não é para o mais próximo, para o imediato, é para o distante. As pessoas pensam que, se agirem contra o próximo, suas ações podem re-
percutir contra si mesmas. Mais ou menos assim: se for me queixar para o prefeito, ele pode reagir, e eu sair prejudicado etc. Mas para a presidente eu posso falar dela, sua localização é mais remota. Isso é uma questão de comportamento ético. Anônimo, num estádio, com milhões de pessoas, por exemplo, eu digo o que quero, mas não digo o mesmo frente a frente para o prefeito ou o deputado em quem votei. Na minha avaliação, ainda falta consciência política ao povo brasileiro. E essa é uma questão política e ética que não é trabalhada nas escolas, infelizmente. A população está crescendo rapidamente e estamos neste ritmo de uma sociedade que não respeita o Estado porque esse não nos respeita, e por sinal nós, os cidadãos, também não nos respeitamos. Isso começou há uns 30 ou 40 anos. Por isso é que eu ainda tento apostar nos jovens. Eles é que precisam mudar esse quadro. Eles, os jovens, precisam ter ética nas relações com a família e nas relações sociais e políticas. Se não mudarmos, apontaremos para um futuro muito negativo. Aparentemente, não estamos muito preocupados com isso tudo, parece que estamos acima de qualquer coisa, como se isso não nos atingisse. A sociedade está à espreita: enquanto não está me atingindo, não me mexo. É assim que vejo o panorama atual, uma certa passividade social que está a espera de motivação para ações mais concretas. E essa “transformação” das pessoas, eu acredito nessa possibilidade, e espero, seja para o melhor – especialmente de parte dos jovens. Mas para isso há que se resgatar a ética e a moral das relações sociais, políticas e científicas.
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Susana Vidal, representante da Unesco na América Latina
“Compreendemos ser necessário ampliar o campo de estudo (da bioética), que supõe uma concepção ampla do conceito de saúde, isto é, saúde como bem-estar” Em dia Congresso discute bioética e direitos humanos
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os dias 28 e 29 de maio, a comunidade bioética participou do Congresso Internacional de Bioética e Direitos Humanos (Conibdh). O evento ocorreu na Faculdade de Direito de Vitória, no Espírito Santo. Com o tema “10 anos depois: os desafios de (re)pensar a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos da Unesco”, o congresso contou com palestrantes como a doutora Susana Vidal, representante da Unesco na América Latina, e o professor doutor Volnei Garrafa, coordenador da cátedra Unesco de bioética da Universidade de Brasília (UnB).
Congresso Brasileiro de Bioética ocorre em Curitiba O 11º Congresso Brasileiro de Bioética está agendado para os dias 16, 17 e 18 de setembro, no campus da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Durante o evento, também serão realizados o 3º Congresso de Bioética Clínica e a 3ª Conferência Internacional em Educação Ética.
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Anuidades SBB Em setembro de 2014, foi aprovado o reajuste da anuidade da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), durante assembleia geral ocorrida no 8º Encontro Luso-Brasileiro de Bioética, em Curitiba, no Paraná. A contribuição dos associados é a forma de sustentação da SBB e permite que a entidade continue a executar sua missão de contribuir para a difusão da bioética no Brasil. As anuidades atrasadas, anteriores a 2015, poderão ser pagas no valor antigo. O pagamento deve ser feito por depósito ou transferência direta para a conta da SBB ou pelo sistema PagSeguro, no site: www.sbbioetica. com.br. Após o depósito, é necessário enviar o comprovante digitalizado para o e-mail: sbbioetica@sbbioetica.org. br, juntamente com seus dados atualizados (endereço residencial e contatos). Esteja em dia com a SBB e atualize seus dados. Além de contribuir com a bioética brasileira, você receberá em sua casa a Revista Bioética (CFM), além de descontos nos congressos e eventos da SBB. Mais informações podem ser solicitadas pelo mesmo e-mail ou pelo telefone (61) 3964 8464. Você é nosso aliado na difusão da bioética no Brasil.
Ciclo de debates No mês de maio, a SBB/SC desenvolveu um Ciclo de Debates em Bioética, com discussões entre os dias 8 e 27. Um dos temas abordados foi “Projeto de lei número 200/2015: um retrocesso na revisão ética das pesquisas clínicas com seres humanos, uma ameaça à vida”. Além disso, também foi explorada a vida e a obra do professor Giovane Berlinguer, principalmente em relação à reforma sanitária brasileira e o legado que ele deixou como “bioética cotidiana”. O evento ocorreu no Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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