Conecthos setembro 2016

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6 REVISTA DO HOSPITAL DONA HELENA

MUNDO DESCOBERTO

Quebra de paradigmas traz novidades para a qualidade de vida. Acesso à tecnologia e ao saber científico expande possibilidades para o público

CENTENÁRIO DO HDH 6 Para lidar com o TOC 8 AUMENTA NÚMERO DE ANSIOSOS 12 A descoberta do microbioma 16 QUANDO A TECNOLOGIA AJUDA 20 Como a linguagem distingue os seres humanos? 22 FAMÍLIAS SE REINVENTAM 26 Popularização da ciência 30 DIÁLOGOS BIOÉTICOS 33 SBB/SC: nova diretoria 46



Nesta edição Accredited by Joint Commission InternationalTM

Associação Beneficente Evangélica de Joinville/Hospital Dona Helena Rua Blumenau, 123 Centro – Joinville/SC CEP 89204-205 (47) 3451-3333 www.donahelena.com.br Revista CONECTHOS é um projeto do IDHEP – Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa – Núcleo Editorial ISSN: 2358-8217 Circulação: setembro de 2016 Coordenação geral: Carlos José Serapião Conselho editorial: Ana Ribas Diefenthaeler, Antonio Sérgio Ferreira, Gizele Leivas, Letícia Caroline Editores associados: Bruno Rodolfo Schlemper Jr., Christian Ribas, Maria José Varela, Fernando Hellmann, Nelma Baldin, Euler Westphal, Wladimir Kümmer, José Carlos Abellán (Espanha) Jornalista responsável: Guilherme Diefenthaeler (reg. prof. 6207/RS) Produção: Mercado de Comunicação Edição: Letícia Caroline e Guilherme Diefenthaeler Reportagem: Letícia Caroline, Karoline Lopes, Mayara Pabst, Marcela Güther, Ana Ribas Diefenthaeler e Guilherme Diefenthaeler Diagramação: Fábio Abreu Fotografia: Peninha Machado e banco de imagens Impressão: Impressora Mayer Tiragem: 2 mil exemplares Redação: contato@mercadode comunicacao.com.br Apoio Associação Beneficente Evangélica de Joinville/Hospital Dona Helena Sociedade Brasileira de Bioética/ Regional Santa Catarina

Você já pensou em bactérias que podem fazer bem para o or­ ganismo? Imaginou ter acesso a estudos científicos e conteú­ dos que antes só estavam disponíveis em círculos restritos? A globalização e o avanço das tecnologias têm quebrado pa­ radigmas, trazendo à tona novidades que podem melhorar a vida do público em geral, disseminando cada vez mais co­ nhecimentos. Esta edição discorre sobre temas como micro­ bioma, acesso ao conhecimento científico e linguagem. Ao mesmo tempo, alerta que toda essa gama de informação, e a rapidez com que nos exige retornos, contribui para o surgi­ mento de doenças como ansiedade e Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). A Revista Conecthos ainda reflete sobre a constituição de novas famílias e traz uma entrevista exclusi­ va com o professor espanhol José Carlos Abellán Salort. Espe­ ramos que tenha uma boa leitura.

4 Nossa palavra 6 Uma história centenária 8 O sofrimento de quem vive com TOC 12 Por uma vida menos ansiosa 16 O que são microbiomas? 20 A tecnologia em função da saúde 22 A evolução da linguagem 26 Como se constituem as novas famílias 30 Saber científico para todos 33 Diálogos 46 O que acontece na SBB/SC


Nossa palavra

Labirinto da modernidade Carlos José Serapião

Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)

N

ada mais é como antes! As mudanças que o mundo atual apresenta não somente no campo econômico, como no tecnológico, social, político, no domínio do espiritual, e no sentido dos valores éticos e religiosos, nos levam a compreender que nossa época não é de transição, mas de revolução. A chamada modernidade não se refere a um espaço geográfico, mas a um mental, cultural e espiritual. As repercussões dessa mundialização sobre a vida do indi­ víduo são extremamente sensíveis, com uma progressiva dis­ sociação entre o econômico e o social, com os empregos flexí­ veis e as profissões mutantes, acompanhadas de períodos de desemprego, com condições de trabalho cada vez mais estres­ santes. Nem filósofos, nem cientistas, nem políticos ousam propor uma interpretação pertinente com certo grau de certeza. Em realidade, o funcionamento contemporâneo da inteligência

segue prisioneiro da incerteza e do in­ solúvel. As situações se apresentam flui­ das, complexas e improváveis. Frente à modernidade, surge a pós-modernidade com características de mudanças per­ manentes e rápidas, levando a um fu­ turo mal definido. O amanhã não será o hoje, nem maior nem melhor. O amanhã será outro! As pessoas que convivem com a pós­ -modernidade em sua plenitude e acei­ tam o estilo e os modismos dos tempos, acabam por dar sentido às coisas, porém a seu modo. Cedem ao triunfo de um sis­ tema, que expulsando toda e qualquer reflexão, falam no tempo futuro desco­ nhecendo o condicional, como se o ama­ nhã já fosse o hoje, ignorando as incer­ tezas do porvir. Submissos aos modos de vida que nos impõem atitudes, hábitos, comportamentos que não são objetos de qualquer escolha, e que são definidas simplesmente por usos e práticas im­ postas socialmente: não são opcionais! As incertezas, os caminhos ínvios, as esquinas que nos levam ao – sem saída, sem entrada, fora da direção – recordam a figura mítica do labirinto e nos expõe ao risco do Minotauro, com sacrifícios múltiplos de jovens como oferenda para o resgate da paz. O monstro se alimenta do abandono das práticas e dos saberes, da fragmentação das esferas das ações, do ordenamento social e do abandono das armas da crítica e do diálogo. Convidamos nossos leitores a cami­ nhar com a segurança de quem conhece o caminho, visitando múltiplos temas, apresentados por estudiosos e especia­ listas, que estarão seguramente contri­ buindo para o exercício da máxima: a qualidade das nossas decisões depende da qualidade de nossos fundamentos.


Divulgação


Quatro momentos Evolução contou com avanço da tecnologia e integração da equipe. Desde 1916, o HDH preza pela humanização do atendimento e atuação integrada de seus profissionais

Institucional

Um século de dedicação à saúde

Este é um ano muito especial para o Hospital Dona Helena. Isso por­ que, em 12 de novembro, a instituição completa 100 anos de funda­ ção. Uma história que se iniciou com 80 voluntárias da Associação de Socorro das Senhoras Evangélicas, que criaram uma entidade inicialmente dedicada a cuidar de idosos e crianças. Estava plantada, ali, a semente do que é hoje uma das mais importantes instituições hospitalares do Sul do Brasil, que ostenta, entre outras grandes con­ quistas, o selo da Joint Commission International (JCI), considerada a mais relevante, mundialmente, em acreditação da qualidade de atendimento hospitalar, recebido em 2014. O Hospital Dona Helena que também foi pioneiro ao registrar, em 1999, a certificação pelas normas ISO, orgulha-se de uma traje­ tória que se confunde com a própria evolução de Joinville. E, nessa jornada que logo se tornará secular, o destaque sempre foi a busca constante da plena harmonia entre a qualidade do atendimento, a atenção máxima à ciência, à tecnologia e a prioridade absoluta ao cuidado com o ser humano.

O que começou como um espaço para abrigar e assistir pessoas acabou por se transformar em uma sólida instituição, a Associação Beneficen­ te Evangélica de Joinville (Abej), que hoje tem como carro-chefe um dos mais completos e modernos hospi­ tais. Sem deixar de ter sempre a mão estendida ao próximo, por meio de várias ações abrigadas em seu pro­ grama Pró-Humano – que valoriza e amplia o trabalho voluntário, fortale­ cendo a presença na comunidade com vários projetos, que levam educação e prevenção em saúde à população. Inovação e acurada visão de fu­ turo são as molas mestras do Hos­ pital Dona Helena, que, desde sua criação, vem alterando, ampliando e repensando sua estrutura física e preparando suas equipes para acom­ panhar os progressos da ciência e da tecnologia.

Humanização como guia para atendimento de qualidade A humanização está inscrita com ênfase na missão do Hospital Dona Helena. Um de seus principais projetos, o Hospirrisos – Agentes da Alegria, ganhou reconhecimento em toda a comuni­ dade. O grupo de voluntários que percorre o hospital levando ca­ rinho e alegria completa uma década de atuação, transformando o ambiente e gerando sorrisos. Preocupado com a difusão de informações sobre doenças e cui­ dados com a saúde, anualmente, o Dona Helena adere às campa­ nhas mundiais do Outubro Rosa (câncer de mama) e Novembro Azul (câncer de próstata). A ideia é se aproximar da comunidade, repassando detalhes sobre as doenças, para que os cidadãos pos­

sam estar atentos às questões da saú­ de e procurar auxílio. No dia a dia da instituição, os fun­ cionários também são estimulados a cuidar da saúde e do bem-estar, com campanhas preventivas sobre hi­ pertensão, doença celíaca, diabetes, entre outro temas. Um programa de Qualidade de Vida foi estruturado para dar suporte a tais ações e apoiar a divulgação.


Banco de imagens HDH

Para a comemoração do centenário

Números de 2015

O ponto de partida das comemorações do centenário se deu em 12 de novembro de 2015, quando o hospital completou 99 anos. Os funcionários vestiram camisetas personalizadas – que continuam a ser usadas no dia 12 de cada mês. Para o pú­ blico externo, a primeira comemoração foi o evento Estação Saúde, promovido em abril deste ano no Shopping Mueller. A Expogestão foi outro momento importante, com a cam­ panha sendo lançada ao público corporativo. Em junho, o 1º Encontro Catarinense de Enfermagem integrou o calendário de comemorações. O Hospital Dona Helena também esteve presente no Encontro Catarinense de Hospitais, em agosto, em Florianópolis, e prepara uma comemoração especial para os médicos do corpo clínico, em outubro. Em novembro, mês do aniversário, estarão concentrados os eventos, que incluem o lançamento de um livro fotográfico, placa, selo e carimbos pelo Correios, um culto e uma festa para funcionários e fami­ liares.

218.130 atendimentos na Emergência (Adulta, Ortopédica, Pediátrica e Obstétrica) 13.024 internações 2.555 nascimentos 11.799 cirurgias (Centro Cirúrgico Ambulatorial, Centro Cirúrgico e Hemodinâmica) 189 leitos 1.001 funcionários 722 médicos


Compulsão

Uma vida presa a rotinas

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rancar e destrancar várias vezes a porta de casa, não se permitir pisar em divisões de calçadas e pisos, fa­ zer refeições sempre com louças e talheres descartá­ veis, lavar-se apenas com a superfície dos sabonetes e depois jogá-los fora. Cenas como essas, vivenciadas nas telas do cinema ou na TV por personagens icônicos, causam estra­ nhamento ou podem parecer cômicas para algumas pessoas. Para quem já as experimentou na vida real, contudo, o enredo é muito mais dramático que engraçado. As ações são sintomas típicos de uma pessoa que possui Transtorno Obsessivo Com­ pulsivo (TOC) e podem transformar uma rotina simples em verdadeira prisão. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o TOC é o quarto transtorno psiquiátrico mais comum em todo o pla­ neta. No Brasil, estima-se que pelo menos 5 milhões de pes­ soas sofram com a doença. E esse índice pode ser ainda maior, considerando os casos nos quais nem mesmo o paciente sabe que tem o transtorno. O TOC é uma doença mental crônica que se manifesta pela presença de sintomas que correspondem a obsessões (pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes intrusivas) ou compulsões (rituais repetitivos ou atos men­ tais que a pessoa se sente compelida a executar). Em inúmeros casos, o paciente enfrenta o transtorno sozinho por anos, até encontrar auxílio para superá-lo. Foi o que ocorreu com uma jornalista de Porto Alegre. Aos 8 anos de idade, ela começou a apresentar o primei­ ro sintoma da doença: se não pisasse em determinado local ao andar, pensava que a mãe iria morrer. A psiquiatra Maria Aparecida Nunes Fontana, especialista na área de psiquiatria da infância e adolescência, explica que é comum a doença acometer crianças e jovens. Fatores como ansiedade e estres­ se podem estar relacionados ao aparecimento do transtorno. “Muitas vezes, há um gatilho que age sobre uma predisposi­ ção genética, e aí surgem os sintomas. No caso das crianças,

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a ansiedade piora a situação. Normal­ mente, elas não entendem o que está acontecendo, mas falam sobre o que pensam. Algumas mudanças de com­ portamento também podem ser perce­ bidas quando a criança tem TOC, como queda no rendimento escolar”, aponta a psiquiatra.


Estima-se que 5 milhões de pessoas sofram com TOC no Brasil

As causas do TOC ainda não foram completamente es­ clarecidas – e o aparecimento da doença costuma estar as­ sociado à predisposição genética e a fatores externos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH) demonstra que esses indivíduos têm uma predisposição biológica a reagir de forma acentuada ao estresse. Com o propósito de identificar tais fatores, pes­ quisadores financiados pelo instituto obtiveram informa­

ções sugerindo que pacientes com TOC apresentam um padrão de atividade cerebral diferente do de outras pessoas. A descoberta ainda não tem aplicação clínica, mas pode ser valiosa na pesqui­ sa de novos tratamentos, como sublinha a especialista Maria Aparecida Nunes Fontana. “Alguns estudos vêm mapean­ do regiões do cérebro que agem especi­ ficamente no momento de determinado sintoma do TOC, mas isso ainda se situa muito no campo científico. Acredito que, quando esse conhecimento estiver mais bem explorado e difundido, tere­ mos novas importantes descobertas no tratamento da doença”, relata. Mesmo com um enorme terreno a ser explorado, o panorama do diagnóstico e tratamento do TOC já evoluiu conside­ ravelmente, oferecendo alternativas aos pacientes. Não foi o cenário encontrado pela personagem desta reportagem, há 15 anos. Ela foi diagnosticada com TOC aos 18 anos, mas na época não recebeu encaminhamento para tratamento al­ gum, e somente aos 26, quando procurou um novo médico, começou a tomar medi­ cação, com os sintomas bastante avança­ dos. “Os remédios ajudaram de certa for­ ma, mas não acabaram com os sintomas. Eu lavava muito as mãos, tinha medo de me contaminar, de me aproximar das pessoas, de pegar HIV. Minha compulsão era com o número 4, então checava tudo

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quatro vezes ou mais, e havia dias em que ficava perdida nesses sintomas por horas. Também tinha pensamentos de perseguição, era terrível”, relata a jorna­ lista, que prefere não ser identificada. O auge dos sintomas se deu durante sua gravidez, quando precisou ficar sem os medicamentos durante nove meses, mais o período de amamentação. O TOC moderado passou a ser considerado gra­ víssimo. A retomada da medicação não adiantou, e ela já não conseguia se con­ trolar ou esconder os sintomas, que pas­ saram a envolver preocupações de que algo pudesse acontecer com seu filho: temia que ele fosse contaminado ou pu­ desse morrer afogado enquanto estives­ se dormindo. A internação em uma clí­ nica psiquiátrica foi a única saída. “Criei um mundo do TOC. Fiquei paralisada dentro dele, minha vida girava em torno dos próprios sintomas. Foi extremamen­ te difícil, porque precisei ficar longe de meu bebê recém-nascido por todo esse tempo. Sem dúvidas, foi o pior momento da minha vida.” Após três semanas, com uma nova combinação de medicamen­ tos e o início da terapia cognitivo-com­ portamental, aos 30 anos, a jornalista finalmente começou a se libertar. Em 1994, o ambulatório do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre iniciou uma linha de pesquisas sobre o transtorno obsessivo compulsivo, com ênfase no tratamento por meio da terapia cognitivo-comporta­ mental. Foi nesse grupo, ainda ativo, que a jornalista encontrou suporte para sua superação. A terapia cognitivo-compor­ tamental funciona ao expor o paciente aos próprios sintomas (do mais leve ao mais severo), de forma que a pessoa seja estimulada a entrar em contato com as

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Grupo do Hospital das Clínicas de Porto Alegre auxilia pacientes

situações ou objetos considerados temidos – mas não verda­ deiramente perigosos –, em uma espécie de ritual. O trata­ mento também estimula o indivíduo a questionar os próprios pensamentos e atitudes, para que seja levado a repensar o sen­ tido de seus atos. Ao longo dos anos, a terapia apontou melhora em mais de 70% dos pacientes, com redução de 35% do grau de transtor­ no, em comparação com a situação em que estavam quando começaram a participar dos encontros. O acompanhamento desses pacientes, mesmo após as 12 sessões que contemplam a terapia, também indica que a melhoria obtida durante os encontros se mantém dali em diante. “Nos casos mais graves, o paciente com TOC fica o dia inteiro envolvido com seus sin­ tomas, o que acaba interferindo em sua rotina. Com o trata­ mento, muitos conseguem diminuir os sintomas, reduzindo o sofrimento, e passam a ter maior controle da situação, me­ lhorando sua qualidade de vida”, explica Juliana Braga Gomes, especialista em terapia cognitivo-comportamental e doutora em psiquiatria e ciências do comportamento. Interessada pelo estudo do TOC desde a faculdade, Juliana foi convidada a integrar o programa do Hospital das Clínicas, onde passou a desenvolver pesquisas e trabalhos voltados à importância da família no tratamento. A psicóloga e pedago­ ga relata dois comportamentos clássicos atribuídos a fami­ liares: o intransigente, que não aceita os sintomas e deixa o paciente ainda mais ansioso em sua rotina, e aquele que assu­ me um padrão de acomodação, tentando ajudá-lo a desempe­


“Tentando ajudar, o familiar acaba estimulando e agravando o caso” Juliana Braga Gomes, doutora em psiquiatria

nhar as tarefas sintomáticas. Há, ainda, os que oscilam entre esses dois perfis. De acordo com as pesquisas conduzidas pela especialista, em 98% dos casos, os familiares demonstram algum grau de acomodação – e constata-se uma rela­ ção entre maior nível de acomodação e maior gravidade do TOC. Na tentativa de ajudar a diminuir o sofrimento do paciente, a evitar brigas ou até mesmo reduzir o tempo envolvido nos rituais, alguns familiares acabam participando dos sintomas, o que tende a favorecer a manutenção da doença. “No cronogra­ ma da terapia cognitivo-comportamen­ tal, duas sessões ocorrem com a pre­ sença de familiares. Nesses encontros, buscamos transmitir informações sobre a doença e também instruí-los a adotar atitudes que os apoiem no combate aos sintomas”, explica Juliana. Esse mesmo perfil familiar é obser­ vado nas reuniões da Associação So­ lidária do TOC e Síndrome de Tourette (Astoc), em São Paulo. De acordo com a presidente da entidade, Larissa Miran­ da, há casos em que a família inteira fica doente. “Em todos os sentidos, a informação e o acompanhamento são imprescindíveis para o tratamento do paciente e toda a família deve estar consciente de seus atos. Primeiro, tra­ balhamos a aceitação e informação. En­ tendendo melhor sua própria condição, o paciente deve procurar tratamento”, recomenda Larissa. A Astoc, única associação do Brasil que trabalha com a temática do TOC, foi fundada em 1996 por quatro mães de filhos que sofriam de TOC e uma mãe de um portador de Síndrome de Tourette. Com o objetivo de comparti­ lhar informações e acolher as pessoas,

foram criados grupos de apoio para a conscientização sobre a doença e sobre o fato de que, com tratamento, pode-se ter uma vida normal. Foi o que beneficiou a jornalista, antes ví­ tima da doença. Seu depoimento: “Provavelmente, precisarei tomar os medicamentos no resto da vida e mesmo após o término das seções de terapia, continuo fazendo acompanhamento. Ain­ da tenho alguns sintomas, mas consigo controlá-los e convi­ vo com eles perfeitamente. Quando participei da terapia, foi como se tivesse a chance de começar vida nova. Entendemos que é necessário enfrentar a doença. Quando superamos ape­ nas um dos sintomas, nos tornamos mais fortes e vitoriosos. Hoje, sou feliz e completamente satisfeita com minhas rela­ ções de amizade e familiares”, testemunha.

Para Juliana, familiares não podem ser intransigentes nem acomodados

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Ansiedade

Muito mais do que um frio na barriga

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m 2005, Carla Cristina de Lemos Serafin saiu de Join­ ville com o marido e as duas filhas para uma viagem de férias a São Paulo. No caminho, percorrido de car­ ro, começou a passar mal. A pressão arterial subiu, o coração disparou, ela sentia medo da morte e não conseguia se alimentar. Ao chegar ao destino, foi logo para o hospital, onde a diagnosticaram com hipertensão. Mesmo tomando remédios, o mal-estar não passou. Em cinco dias, emagreceu seis quilos. “Só queria dormir. O único lugar em que me sentia tranquila era no quarto”, conta. Depois de se consultar com dois médicos, Carla descobriu que havia sofrido uma crise de ansiedade. O psiquiatra Tiago Franco, integrante do corpo clínico do Hospital Dona Helena, define a ansiedade como um senti­ mento desagradável, muitas vezes difícil de descrever. “É uma preocupação exagerada, que não se pode controlar, acompa­ nhada de sintomas no corpo, como aperto no peito, na gar­ ganta, respiração pesada, coração acelerado, tremor e dor de barriga”, explica. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 33% da população mundial sofre de ansieda­

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de. O Brasil figura entre os primeiros da lista. No país, 23% dos habitantes vi­ venciam o problema. Estados Unidos e Colômbia detém as maiores proporções, com 25% e 24%, respectivamente. Para o psiquiatra, a ansiedade é um sentimen­ to comum, que passa a ser problema quando atrapalha a vida social, o modo de funcionar, e causa sofrimento rele­ vante. São diversos os transtornos, entre eles, fobias, de pânico, de ansiedade ge­ neralizada, de estresse pós-traumático. Nem sempre foi assim. A variedade de diagnósticos é recente. O primeiro médico que Carla consultou a diagnosti­ cou com hipoglicemia. O tratamento in­ terferiu em outras funções de seu corpo e ela teve que procurar um profissional diferente. “Ninguém falava de transtor­ no de pânico. Comecei a pesquisar na internet e encontrar alguns relatos que se encaixavam com o que sentia”, relem­ bra. Ao chegar no segundo psiquiatra, compreendeu melhor a doença e iniciou o tratamento com antidepressivos. Acredita-se que o somatório das ca­ racterísticas genéticas, do desenvolvi­ mento do organismo, do ambiente em que se vive e da personalidade do indi­ víduo influenciam no aparecimento dos


transtornos de ansiedade. Se estes não são tratados, explica Tiago Franco, o pro­ blema pode levar a outros transtornos de saúde mental, como depressão e abu­ so de substâncias. Além disso, estudos já mostram que há mudanças em algumas áreas do cérebro de quem é exposto a condições crônicas de estresse. “Pode­ mos identificar que algumas funções se alteram, como concentração, memória, planejamento e capacidade de aprender coisas novas”, enumera. Isso sem contar a incapacitação para as tarefas diárias. Segundo a Previdên­ cia Social, os transtornos mentais são a terceira razão de afastamento no traba­ lho no país. Calcula-se que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) banque em torno de R$ 200 milhões só em paga­ mentos de benefícios. Foi o que ocorreu com uma empresá­ ria de 28 anos que prefere não ser iden­ tificada. Ela sempre foi ansiosa, mas, na última companhia em que atuou, as cri­ ses explodiram. “Chorava muito, tinha dificuldades para dormir, só me sentia segura em casa e não conseguia traba­ lhar direito”, conta. Foi ao psiquiatra para entender o que estava acontecendo e só então passou a compreender a an­

“O preconceito é evidente, pois falta informação. Muitos pensam que os remédios viciam” Sérgio Cabral, médico siedade como doença. Precisou de atestados para se afastar do serviço, deu início ao tratamento com antidepressivos e perce­ beu que ainda existe preconceito com o problema. “Meu chefe não acreditava nos atestados, achava que eu não queria traba­ lhar”, relata. No retorno de um dos afastamentos, foi demitida. Para o psiquiatra Sérgio Cabral, médico-assistente do Pro­ grama de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo, o preconceito ainda é evidente, pois existem escassas informa­ ções consolidadas sobre o tema. “Muitos pensam que os re­ médios para o tratamento viciam, que psiquiatra é médico de louco”, lamenta. O Ambulatório de Ansiedade (Amban), que faz parte do Instituto de Psiquiatria, iniciou suas atividades em 1985, com o objetivo de realizar estudos multidisciplina­ res em diferentes aspectos do tratamento do transtorno de pânico. A ideia é multiplicar conhecimentos e técnicas por meio de treinamentos de profissionais e trabalhos de pesqui­ sa para alcançar novas informações, além do atendimento à comunidade em geral. Com suporte do Amban, em 2002, surgiu a Associação dos

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Na Aporta, reuniões em grupo auxiliam associados a lidar com a doença

Portadores de Transtornos de Ansiedade (Aporta). O trabalho da entidade é voluntário e consiste em grupos de apoio, pa­ lestras gratuitas, aulas de ioga, relaxamento e simpósios para profissionais da área da saúde. Michelle Martins Vieira, presidente da Aporta, destaca que o papel da associação está no apoio e no repasse de conheci­ mentos aos pacientes. “Alguns profissionais não entendem os transtornos de ansiedade e acabam submetendo os pacientes a longos tratamentos sem bons resultados”, relata. O objetivo da Aporta é retirar as pessoas do sofrimento, melhorando sua qualidade de vida, fazendo com que sejam atendidas por pro­ fissionais que entendam seu quadro. A entidade reúne aproximadamente 300 associados. Ao entrar em contato com a Aporta, o interessado passa por uma triagem inicial, depois participa de reunião para se filiar e se­ gue para os atendimentos em grupo. Um dos projetos formu­ lados pela equipe é o protocolo de atendimento para portado­ res de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), em que são realizadas 15 sessões em grupo. Para Michelle, que também é psicóloga, a ansiedade afeta a todos, pois é uma função de proteção. “Nesses casos, é pro­ dutiva. Mas o que vemos é que os níveis maiores de ansiedade estão se refletindo fisicamente. Criamos pensamentos, nos co­ locamos em situações de risco e nos testamos constantemen­ te, sem que isso se realize de fato. A partir daí, surgem os trans­ tornos e os prejuízos na vida diária”, explica. A empresária que sofreu com transtorno de pânico tomou

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antidepressivos durante um ano e meio. Há poucos meses, voltou a ter crises. “Bate o desespero e tenho que parar tudo que estou fazendo. Tento respirar fun­ do e me acalmar, mas não compartilhei com ninguém, só com meu marido, por­ que as pessoas não entendem”, lastima. Ela já tentou apelar para remédios fito­ terápicos e calmantes naturais, que não resolveram a situação. Deve retornar ao psiquiatra em breve, na expectativa de resolver a situação. Já Carla Serafin percebeu que o anti­ depressivo começou a alterar seu humor e procurou alternativas, como homeopa­ tia e reiki. Hoje, com 37 anos, quando se sente ansiosa, deita e descansa até ficar tranquila. “O apoio da família foi muito importante para mim, eles sempre es­ tiveram ao meu lado e me deram força para superar”, conta. Para a psicóloga Maria José Varela, do Hospital Dona Helena, as pessoas que sofrem de ansiedade se focam ex­ clusivamente no que está por vir, e não no momento pre­sente. “A energia ca­ nalizada para o que nem aconteceu ou nem se sabe que vai acontecer impede que a pessoa viva com intensidade o momento atual. Não vivenciam os fa­ tos bons nem amadurecem com os mais difíceis”, destaca. A psicoterapia, segun­ do a profissional, pode ajudar bastante, trazendo o indivíduo para o “agora”, aju­ dando-o a lidar com suas dificuldades e mostrando que a vida não deve ser uma lembrança triste do que não se viveu por pensar demais no futuro. O psiquiatra Tiago Franco explica que existem tipos de ansiedade que res­ pondem melhor à medicação e outros à psicoterapia. Em determinados casos, a associação dos dois apresenta melhores


“A energia canalizada para o que nem aconteceu ainda impede a vivência do momento atual” Maria José Varela, psicóloga

resultados. Quando se opta por antidepressivos, a primeira escolha costuma ser os inibidores seletivos da receptação da serotonina. Nos casos de fobias, o tratamento psicológico é muito importante”, ressalta. Tipos de ansiedade

TRANSTORNO DO PÂNICO

Crises de ansiedade repentinas e espontâneas, sem motivo aparente. Duram alguns minutos. Sintomas físicos de ansie­ dade. Sensação de perda de controle, de morte. AGORAFOBIA

Ansiedade de passar por crises em determinados lugares. Em casos mais graves, o paciente não consegue sair de casa. FOBIA SOCIAL

Timidez intensa. Pessoas que não conseguem se relacionar, acham que todo mundo está olhando e avaliando. TAG

Pessoa sempre ansiosa, preocupada com tudo, sofre por ante­ cipação. TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

Depois de eventos traumáticos, a pessoa passa a reviver a mes­ ma situação. FOBIAS

Medo mais intenso de coisas ou situações específicas. Veja os índices de pessoas que, ao longo da vida, apresentarão algum dos quadros abaixo: Transtornos ansiosos

25%

Fobia ou ansiedade social

13,5%

TAG

5%

Transtorno de pânico

3,5%

Tiago e Carla: tratamento de ansiedade envolve medicamentos e psicoterapia FONTE: AMBAN

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Microbioma é como uma digital: único para cada indivíduo

Bactérias

Quando elas podem ajudar?

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m universo de trilhões de bactérias, cada qual com seu papel no ciclo de sobrevivência, convivendo em equilíbrio e harmonia. O ecossistema ao qual elas pertencem? Nosso organismo. E não se deve imagi­ nar que temos de nos livrar de todas elas. De inimigas, as bac­ térias passaram a ser consideradas aliadas, imprescindíveis à existência. Essa imensa colônia é o microbioma humano, e a medicina está de olho nele, buscando respostas para uma infi­ nidade de questionamentos. O microbioma (ou microbiota) é composto por micro-orga­ nismos e sua diversidade genética, assim como suas interações ambientais em um contexto particular – neste caso, o corpo hu­ mano. Cada indivíduo é colonizado por trilhões de bactérias e diferentes microbiomas. Estima-se que uma pessoa de 70 qui­ los, por exemplo, possa hospedar somente em seu intestino aproximadamente 100 trilhões de bactérias, além de micro­ biotas presentes no sistema reprodutor feminino, oronasal e outros. Como uma digital, cada pessoa possui um microbioma único, formado por centenas de famílias de bactérias até hoje não identificadas por completo. O que se sabe, ao certo, é que

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essa colonização começa a se formar no momento do nascimento. Durante a gravidez, a criança fica pro­ tegida pela placenta da mãe e, no mo­ mento do parto, entra em contato com as primeiras bactérias que vão compor sua microbiota, seja por meio das bactérias do aparelho genital da própria mãe (no caso de parto normal), seja pelo contato com a incisão cirúrgica (no caso de cesá­ rea). Essa interação inicial com o mundo externo tem reflexos que podem impac­ tar o organismo até a vida adulta. A dife­ rença na composição de microbiomas de crianças nascidas de parto normal ou ce­ sárea, por exemplo, persiste por meses e continua sendo influenciada (positiva ou negativamente) até a primeira infância. “É preciso entender que todo microbio­ ma é composto por bactérias boas e ruins,


que existem em equilíbrio. Há casos, contudo, nos quais ocorre a disbiose, quando o microbioma está fora de equilíbrio. Considerando o cenário do nascimento, há estudos comprovando que o contato com a microbiota da mãe pode proteger a criança de uma série de doenças e outras implicações”, esclarece a professora Ma­ rilyn Gonçalves Ferreira, especializada no estudo da microbiota intestinal. As bactérias presentes no organismo nos conferem características únicas e também a proteção para que esses atributos sejam preservados. Entre outras funções, os micro-organismos atuam na liberação de micronutrientes e energia, na regulação do sistema imunológico, na proteção contra germes e na preven­ ção de doenças. Pesquisas recentes demonstram que a condição do microbioma humano pode exercer im­ portante papel em quadros clínicos relacionados a doenças cardiovasculares, diabetes, infecções, doenças inflamatórias e condições neurológicas. Uma dessas pesquisas, desenvolvida pela professora Marilyn, envolve a suplementação de refeições com prebióticos e probióticos em pessoas obesas e o impacto desse suplemento no organismo dos pacientes. Pre­ bióticos nada mais são do que o alimento para as bactérias benéficas existentes em nosso organismo. Já os probióticos são as bactérias em si. “Ainda há muito a ser pesquisado, o campo é abrangente. No futuro, os estudos sobre microbiotas poderão tornar mais eficazes processos de prevenção e tratamento de doenças crônicas, como a obesidade. Esse é um caminho que pode mudar determinadas práticas de todos os profis­ sionais da área da saúde”, explica a pesquisadora. A direção do estudo da microbiota pode apontar o caminho inverso, quem sabe, a práticas altamen­ te disseminadas, como o uso de antibióticos. Segundo Marilyn, a utilização desse tipo de medicamento combate bactérias maléficas, mas acaba afetando as bactérias benéficas, deixando o organismo fragi­

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Software auxilia na varredura e identificação de bactérias no ambiente lizado. Sendo as bactérias boas programadas para combater qualquer ameaça, o procedimento ideal seria a prevenção por meio do fortalecimento da microbiota. Encontrados em iogurtes e leites fermentados ou concentrados em alimentos naturais, como a batata doce e o mel, prebióticos e probióticos funcionam como um suplemento que, aliado à alimentação balanceada, contribui para defender e combater possíveis ataques ao organismo. Em contrapartida, inúmeros fatores podem também in­ terferir na microbiota de forma negativa, acarretando a dis­ biose. A contração de doenças e a ingestão de determinados alimentos têm impacto negativo nesse equilíbrio, levando à baixa imunidade, entre outras consequências. “O caso da bac­ téria KPC, por exemplo, tem forte relação com o microbioma. O caso amplia sua gravidade, porque no hospital geralmente já estamos com a imunidade baixa. Ou seja, nosso microbio­ ma já está em desequilíbrio e vulnerável quando chegamos. Dessa forma, não temos forças para combater tal ameaça”, comenta Marilyn. Com repercussão nacional, os surtos da bactéria com o gene KPC preocuparam autoridades, profissionais e pacientes em todo o país, entre 2014 e 2015. Ciente da situação alarmante, o Hospital Municipal São José, de Joinville, contratou os serviços de uma empresa especializada em análises de microbioma. A startup de tecnologia contratada, sediada em Florianó­ polis, possui competências em biologia molecular, genômica e bioinformática. Com foco no desenvolvimento de produtos e serviços para análises moleculares, diagnósticos e controle de micro-organismos, este foi justamente o papel desempenhado para o auxílio à contenção do surto de KPC no hospital muni­ cipal. “É um dos principais reflexos da ferramenta utilizada por nossa empresa. No caso do surto da bactéria, fizemos uma varredura no ambiente e obtivemos um resultado favorável ao combate da situação instaurada”, explica Luiz Fernando Valter de Oliveira, diretor de negócios da organização. A ferramenta, chamada de Neobiome Healthcare, consiste em um sistema integrado de análise microbiológica e epide­ miológica, a partir de informações do microbioma hospitalar, voltado para prevenção, vigilância e análise de surtos. O pro­ cesso tem início com a coleta de material, que é analisado com base no sequenciamento de DNA de nova geração, capaz de identificar em larga escala espécies de bactérias, fungos, pro­ tozoários e genes de resistência presentes na amostra. Poste­

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riormente, as sequências de DNA são confrontadas em um banco de dados de referência, sendo utilizada biologia com­ putacional. “Analisamos o microbioma hospitalar e, a partir das informações ge­ radas por nossa plataforma, os responsá­ veis pelo controle de infecção do hospital podem tomar ações para evitar surtos ou controlá-los. Transformamos essas infor­ mações, traduzindo-as em conhecimen­ to concreto para o combate a possíveis infecções”, relata Oliveira. Em 2012, foi também a partir da tec­ nologia do sequenciamento de DNA que 80 instituições de pesquisa, inte­ grantes do Projeto Internacional do Mi­ crobioma Humano, comprovaram que nosso organismo é formado por mais bactérias que células. Inúmeros países apostam em pesquisas nesse campo, com o objetivo de mobilizar esforços para gerar conhecimento e acelerar o desenvolvimento de soluções biotec­ nológicas. No Brasil, o Projeto do Micro­ bioma Brasileiro (BMP) pretende coor­ denar e padronizar diversos projetos nacionais de levantamento de dados sobre o assunto, para a estruturação de comunidades de microbiotas, do ponto de vista funcional e genético. Acompanhando os avanços do setor e não deixando à margem o campo da pes­ quisa, a startup catarinense que atuou no Hospital São José também trabalha em conjunto com universidades e ou­ tras empresas na vertente de análise do microbioma humano. É parceira em pes­ quisas que avaliam a relação entre nossa microbiota e doenças do sistema digesti­ vo, assim como em outros trabalhos que estudam a associação entre o câncer e o microbioma humano. Para os próximos anos, a empresa

Luiz Fernando e a professora Marilyn: evolução pela frente

planeja ampliar ainda mais seu campo de atuação e já firmou uma aliança com um laboratório de Joinville para a oferta de testes de microbioma à população. Como primeira empresa do Brasil a dispor desse tipo de serviço, a startup vai coletar amos­ tras, analisá-las e traduzir as informações em dados concretos apresentados ao paciente e ao seu médico. “Já existem estu­ dos mostrando que o microbioma pode estar ligado ao peso, a doenças inflamatórias intestinais e até mesmo ao humor das pessoas. Acredito que os avanços nesse campo vão nos guiar até fórmulas de prevenção e tratamento de doenças crônicas. Será uma revolução no universo de prevenção, tratamento e cura de algumas doenças que conhecemos”, complementa Oli­ veira.

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Futuro

Impactos da tecnologia na área da saúde

T

heodore Twombly era um soli­ tário funcionário de uma em­ presa que produz cartas manus­ critas até conhecer Samantha, a mulher que mudou sua vida. Assim como grande parte dos relacionamentos mo­ dernos, os dois se conheceram pela inter­ net. Juntos, fizeram piqueniques, passea­ ram no parque e compuseram músicas. A peculiaridade do casal é que a moça não tem um corpo, é um software idealizado para organizar a agenda e interagir de maneira singular com quem o compra. A história de amor de Theodore e Samantha obviamente não é real – ainda não temos recursos tecnológicos para conceber um sistema operacional tão avançado: é, ape­ nas, fruto da mente do diretor Spike Jonze, no filme “Ela” (Her, 2013). Saindo do campo da ficção, o super­ computador Watson é o material mais próximo de Samantha já conhecido. De­ senvolvido pela americana IBM, Watson é o novo membro da equipe de diagnós­ tico do sistema de seguros de saúde Wel­ lPoint, nos Estados Unidos. Capaz de ana­ lisar 200 milhões de páginas de dados e responder a qualquer questão com preci­

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são em menos de três segundos, a máquina analisa históricos médicos e se mantém atualizada quanto a pesquisas científi­ cas, auxiliando os médicos a identificarem o que há de errado com seus pacientes. Na opinião do radiologista Gilberto Hornburg, do Hospital Dona Helena, o desafio da medicina atual perante a tecnologia é utilizar todos os recursos para transformar o atendimento rea­ tivo, quando o paciente procura ajuda ao sentir alguma dor, em ações preventivas. “Existem múltiplos dispositivos que são ca­ pazes de monitorar em tempo real dados vitais. Esses dados são armazenados ou transmitidos para smartphones, podendo ser analisados à distância por especialistas”, aponta. Segundo ele, a evolução tecnológica está nos levando à era da medicina de precisão e personalizada. Com o barateamen­ to, a popularização da decodificação genética e a evolução da biologia molecular, os diagnósticos e tratamentos passam a ser mais precisos, específicos e individualizados. “Outro avan­ ço espantoso ocorre no campo da nanotecnologia, que permi­ tirá, num futuro próximo, tratar, por exemplo, o câncer, através da ação de nanorrobôs em nossa corrente sanguínea, atuan­ do somente sobre as células doentes e preservando as sadias”, adianta. O coordenador do curso de medicina da Univille, Carlos Au­ gusto Cardim de Oliveira, é otimista em relação ao assunto e cita um exemplo já em uso no Estado. “A telemedicina é um dos pon­ tos positivos. É possível fazer o diagnóstico de longa distância de lesões de pele. A pessoa está em Joaçaba e o médico, em Flo­ rianópolis. O paciente não precisa se deslocar”, revela Cardim.


O Brasil é o segundo país a receber o serviço do Google com informações mais confiáveis sobre as doenças

Google sim, mas como auxiliar

Empiricamente benéfica para os pa­ cientes, a utilização de recursos tecno­ lógicos tem implicações éticas: “Hoje, é possível fazer o diagnóstico genético de câncer, ou prevenção, como ocorreu com a atriz Angelina Jolie. Precisamos pensar quais as vantagens e problemas de uma mãe saber que o bebê terá deter­ minada doença antes de ele nascer, por exemplo. Porque entramos na discussão sobre o aborto e o apoio pós-parto. Na hora do atendimento, é necessário expli­ car quais as implicações de determinado processo. Deveremos agir com transpa­ rência”, adverte Cardim. Dentre os efeitos que a tecnologia pode representar para a área da saúde, o cardiologista e professor José Eduardo de Siqueira destaca a importância dada a tais recursos. “O crescimento impres­ sionante da tecnologia médica foi assi­ milado na prática profissional de ma­ neira inadequada: de complementar, transformou-se em essencial. Deixou de ser súdito e assumiu a condição de soberano”, afirma no artigo “Tecnologia e medicina entre encontros e desencon­ tros”.

Gilberto Hornburg, radiologista do Hospital Dona Helena, alerta que a separação entre o útil e o que atrapalha no mun­ do da internet é algo problemático: “Pacientes consultam pre­ viamente o Google e vêm com diagnósticos prontos, criando barreiras antecipadas na relação médico-paciente. Aí pode ocorrer a autossugestão, em que a pessoa, após ler sobre deter­ minada doença, passa a apresentar os sintomas”. Para amenizar os efeitos do “doutor Google”, a empresa ame­ ricana e o Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, fecha­ ram parceria com o propósito de disseminar uma série de qua­ dros com informações de alta qualidade a respeito das doenças mais buscadas pelos usuários do site. O Brasil é o segundo país a receber o serviço, concebido no escritório de engenharia que a empresa mantém em Belo Horizonte. Cada quadro informativo contém o nome da doença, os sin­ tomas comuns, os meios de transmissão, uma ilustração, links úteis, versão para impressão e opções de compartilhamento. “É um direito do paciente ter conhecimento sobre a sua condi­ ção e acessar informação de qualidade sobre doenças e sinto­ mas. Para o Einstein, é mais uma ferramenta que assegura a promoção de saúde na sociedade”, diz o presidente do hospital, Claudio Lottenberg.

Próximas tecnologias Impressão 3D Capazes de fabricar equipamentos médicos, próteses e até mesmo medicamentos. Exoesqueletos Os exoesqueletos permitem às pessoas com pernas parcial­ mente paralisadas a andar novamente, recriando uma sensa­ ção natural. Monitoramento médico Startups do mundo todo estão investindo em soluções para monitorar a adesão do paciente ao tratamento prescrito pelo médico.

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Linguagem

A capacidade que diferencia os seres humanos

G

olfinhos são considerados uma das espécies mais in­ teligentes encontradas na natureza. O que para nós parecem apenas ruídos, entre eles é um sistema de comunicação. De acordo com pesquisa realizada em parceria entre o Sarasota Dolphin Research Program, a Univer­ sidade de St. Andrews da Escócia, o Chicago Zoological Society e o Walt Disney World Resort, esses simpáticos seres marinhos não só se comunicam bem entre si, como também são capazes de dar nomes abstratos a seus pares. Os pesquisadores passa­ ram 25 anos estudando os sons gravados de cerca de 250 golfi­ nhos selvagens, além de animais em cativeiro em um parque da Disney. Eles concluíram que cada animal tem o seu próprio assobio, que representa sua identidade. Além dos golfinhos, também já foram identificadas formas de comunicação em animais menos complexos. Como é o caso de abelhas e formigas, que informam umas às outras sobre o paradeiro de alimentos e a localização de predadores. Se até as espécies mais simples possuem seu próprio sistema, o que tor­ na nossa linguagem tão especial? A principal característica que nos diferencia é a possibilidade de conectar sons e sinais, resultando em um número infinito de palavras e frases utilizadas para transmitir informações para o mundo à nossa volta. Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sa­ piens – Uma Breve História da Humanidade”, afirma que nossa linguagem evoluiu como uma forma de fofoca. “O Homo Sapiens é, antes de tudo, um animal social. A cooperação é essencial para a sobrevivência e a reprodução. Os sapiens podem cooperar de maneiras extremamente flexíveis com um número incontável

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de estranhos. É por isso que governamos o mundo, ao passo que as formigas comem nossos restos e os chimpanzés estão tran­ cados em zoológicos e laboratórios de pes­ quisa”, explica no livro. Felipe Ibiapina, do Serviço de Neuro­ logia do Hospital Dona Helena, frisa que o processo de formação da nossa lingua­ gem passa por várias etapas, envolven­ do outros domínios da cognição: “Há a influência de fatores internos e exter­ nos. Dentre os externos, está a riqueza de estímulos ao longo da formação, nível de alfabetização e nível sociocultural. Além disso, a interferência de humor, atenção, estresse, ansiedade e depressão. Qual­ quer mudança pode desencadear alte­ rações na linguagem. Isso sem falar em doenças, alterações de desenvolvimento, autismo e dislexia”. Segundo o médico, a ideia de que a formação cognitiva se completa em deter­ minada idade já foi descartada pela ciên­ cia. Sabe-se que as conexões neuronais se renovam ao longo da vida. “Na primeira infância, você tem a maior riqueza de estí­ mulos para desenvolver a linguagem, mas não é porque um indivíduo adquiriu certa dificuldade em determinada idade que está limitado. Tudo depende dos estímu­ los e da recuperação”, observa. A linguagem é um conjunto de fa­ tores: articulação da palavra, entendi­ mento e expressão, falada ou escrita. Uma codificação de signos. Desde bebês, captamos as informações por meio de números, letras, sons e associações de imagens e sons. Aprendemos a pensar com a linguagem. Fator importante para a nossa relação com o meio, algumas doenças podem afetar esse processo. O documentário produzido pela Netflix, “My Beautiful Broken Brain”, conta a

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Daniela e Felipe: desenvolvimento da linguagem é contínuo

história de Lotje Sodderland. Aos 34 anos, a protagonista sofre um acidente vascular cerebral (AVC) e, ao acordar, apresenta mudanças cognitivas, que afetam sua personalidade. Filmado pela própria Lotje, o filme mostra sua redescoberta pessoal. Ao ter o derrame, ela precisa aprender novamente todo o processo de comunicação visual, escrito e falado. Em tempos de discussões acaloradas em redes sociais, qua­ se não se percebe como a comunicação nos conecta com outras pessoas, interferindo até na personalidade. Agora, imagine per­ der tudo isso. “Qualquer doença que afete a articulação da pa­ lavra, o entendimento ou a expressão interfere na linguagem.


A linguagem é um conjunto de fatores: articulação da palavra, entendimento e expressão, seja falada ou escrita. É uma codificação de signos AVC, traumatismo, encefalites, infecções, autismo, alterações genéticas, pacientes de certa idade e declínios cognitivos, quadros demenciais, Parkinson ou Alzheimer, são exemplos”, cita Felipe. A fonoaudióloga Daniela Ross, do Hos­ pital Dona Helena, ressalta a importância social da linguagem: “É relevante na cons­ tituição de identidade do ser humano. Per­ der a capacidade de falar e entender pode ser frustrante e assustador”. Dentre os dis­ túrbios que acometem essa área do cérebro,

a principal é a afasia, causada por doenças ou traumas no cérebro. “Os dois tipos mais comuns são afasia de Broca, em que a pessoa não consegue se expressar, e afasia sensitiva, na qual o indivíduo não é capaz de compreender”, diz Da­ niela. Nesses casos, a reabilitação tem como foco não só a re­ cuperação, mas também a adaptação. “Seja um mecanismo de comunicação alternativo, seja um modelo de comunica­ ção não-verbal, através da escrita, de recursos tecnológicos, programas de computador, aplicativos no celular, é possível suplantar a dificuldade. Quando a recuperação é limitada, a adaptação é necessária”, complementa Felipe.

Afasia

Embora seja difícil se comunicar com alguém que tenha afasia – distúrbio da linguagem que afeta a capacidade do indivíduo de se comunicar –, algumas dicas podem ajudar amigos e familiares. Dicas para tornar a comunicação mais fácil l Utilizar frases simples e falar devagar l Permitir que a pessoa fale sem ter pressa l Não tentar completar as frases da pessoa com afasia l Utilizar desenhos e gestos para explicar uma ideia l Evitar excluir o paciente com afasia das conversas Dicas para quem tem afasia conseguir se comunicar melhor l Manter sempre na bolsa ou carteira um cartão explicando que tem afasia l Ter um pequeno bloco de notas e uma caneta para poder exprimir ideias l Criar um pequeno livro de palavras, imagens e expressões que utiliza frequentemente l Adotar gestos universais como “pare”, “ok” ou “ali”

Características da afasia de Broca l Dificuldade para utilizar as palavras que quer pronunciar l Substituir palavras por outras que podem ou não estar relacionadas, por exemplo, “livro” por “carteira” l Trocar a pronúncia de algumas palavras, como “máquina de lavar” por “láquima de mavar” l Falar palavras que não existem sem perceber l Dificuldade para criar frases com mais de uma ou duas palavras l Misturar em uma frase palavras que não existem com outras que fazem sentido Características da afasia sensitiva l Entender de forma errada o que os outros estão falando l Não perceber o que o outro está falando quando existe um pouco de barulho, como ter a televisão ligada ou a janela aberta l Dificuldade para ler l Dificuldade para compreender o conceito dos números, como saber que horas são ou contar dinheiro FONTE: SITE TUA SAÚDE

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Sociedade

Família: conceito em permanente mutação

Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si relação solidária.” Essa é a nova definição para a palavra “família”, proposta pelo Dicionário Houaiss. Trata-se de uma resposta ao Estatuto da Família, projeto de lei aprovado na Câmara de Deputados em 2015, que reconhe­ ce a família brasileira apenas como o núcleo formado a partir da união de um homem e de uma mulher. A reformulação do conceito vai de encontro às novas configurações de famílias existentes: mães e pais solteiros, divorciados que unem suas famílias, casal de homossexuais que têm filhos de um rela­ cionamento heterossexual anterior, crianças que são criadas pelos avós, pessoas que só têm seu animal de estimação como família, praticantes do poliamor, heterossexuais que adotam, homossexuais que adotam, casais sem filhos, amigos que mo­ ram juntos, três gerações que dividem o mesmo teto, casais divorciados que vivem na mesma casa. A característica mar­ cante é a pluralidade: diversos padrões de uniões bilaterais heterossexuais, homossexuais ou ainda trilaterais, ou mesmo somente o genitor e seu filho. O significado de família passa por constante construção. Especialistas identificam três tipos de família na cultura oci­ dental: a tradicional, em que o casamento arranjado embutia a ideia de negócio; a moderna, pautada a partir do fim do sécu­ lo 18 pela escolha do parceiro por causa do amor e do desejo; e as contemporâneas, que se modelaram por uma série de trans­ formações desde os anos 1960, como o divórcio, o feminismo, os direitos homossexuais, os métodos contraceptivos e a fer­

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Rogério e o marido adotaram quatro crianças; Eberson e Leandro pretendem oficializar a união perante a Justiça

tilização in vitro. Atualmente, diante de tamanha diversidade, não é muito fácil conceituar família. É o que frisa Eunice Schlieck, advogada, diretora do Instituto Brasileiro de Direito de Família de Santa Catarina (IDBFam/SC), integrante da co­ missão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Asso­ ciação Brasileira de Famílias Homoafeti­ vas (Abrafh). “Muito se confunde família com sexualidade, e, também, com afeto. Não necessariamente as pessoas que se unem na formação de uma família têm


“Família é um conceito que não cabe ser definido pelo Estado ou por religiões “ Rogério Koscheck, presidente da Abrafh

o afeto embutido. Esse não é um elemen­ to para a constituição de uma família, mas entendemos que é decorrência da convivência familiar”, ressalta. Rogério Koscheck, presidente da Abrafh, concorda com Eunice em rela­ ção à amplitude do conceito, mas define o termo a partir da união por meio de afeto e amor. “É um conceito que não cabe ser definido pelo Estado ou por religiões. São as pessoas que devem en­ tender e afirmar quem são os membros de sua família”, frisa. Criada em 2013, a associação surgiu por meio da reunião e organização de grupos de famílias ho­ moafetivas no Facebook, para troca de conhecimento e de experiências, além da discussão de temas como direitos, questão reprodutiva e adoção. Hoje, a

entidade abraça cerca de 3.500 famílias homoafetivas. “Com a materialização da associação, passamos a abarcar qualquer composição familiar e começamos a atuar além, na luta pelos direitos”, aponta Koscheck, lembrando que uma grande vitó­ ria da Abrafh foi a obrigatoriedade de os cartórios registrarem filhos oriundos de reprodução assistida. O jornalista, fotógrafo e professor Eberson Theodoro man­ tém uma relação homoafetiva há 11 anos com Leandro Sch­ mitz, também jornalista. Eles se conheceram em 2005, quan­ do cursavam a mesma faculdade. “Sempre soube da minha sexualidade. Mas faltava coragem de declarar para os outros, principalmente para a minha família, e não havia encontra­ do ninguém que despertasse, de fato, a vontade de levar isso adiante”, explica Eberson. Compartilhar o mesmo lar, para ambos, foi uma neces­ sidade. “Meus pais são tradicionais, católicos. Hoje aceitam bem, mas na época tinham resistência”, recorda Leandro. Em 2007, os dois decidiram alugar uma quitinete, contando com doações solidárias de amigos. “Nossa renda era a míni­

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ma possível. Não tínhamos condições financeiras para pagar aluguel, mas de­ mos jeito. A necessidade era tanta que era isso ou nada.” Neste ano, Eberson e Leandro pre­ tendem oficializar o relacionamento em uma união estável, que ocorre legalmen­ te no Brasil desde maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) re­ conheceu a equiparação da união ho­ mossexual à heterossexual. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que os cartórios brasilei­ ros fossem obrigados a oficializar o ca­ samento entre pessoas do mesmo sexo, pela Resolução nº 175. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta­ tística (IBGE), o Brasil tem 60 mil casais em relação homoafetiva declarada. Des­ de a vigência da resolução até o final de 2014, 8.555 casamentos entre cônjuges do mesmo sexo já foram registrados em cartórios de todo o país. No entanto, há outros tantos milhares não declarados por conta do preconceito e da discrimi­ nação – toda a comunidade LGBT brasi­ leira soma perto dos 18 milhões de pes­ soas.

Luta pelos direitos O reconhecimento e a possibilidade do casamento civil é um grande avan­ ço, mas ainda há um longo caminho para as famílias homoafetivas se si­ tuarem em condição de igualdade em relação às heterossexuais, principal­ mente no que diz respeito à adoção, conquista de direitos previdenciários, combate à discriminação e reconheci­ mento jurídico da redesignação sexual. A advogada Eunice Schlieck, do IDBFam/

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De acordo com o IBGE, o Brasil tem 60 mil casais em relação homoafetiva declarada

SC, evidencia que há vitórias no combate à homoafobia. No entanto, a falta de legislação e o preconceito impedem uma maior efetividade nos direitos dos casais homoafetivos. Entre as conquistas recentes, está a possibilidade do transe­ xual, após a cirurgia de redesignação sexual, alterar seu nome no registro de nascimento – direito que tem sido reconhecido pela Justiça em várias partes do país. Alguns Estados ainda ba­ talham pela inclusão do companheiro no registro do Imposto de Renda. “As necessidades ainda não contempladas são inú­ meras, pois é preciso acionar o Judiciário até mesmo para um casal homossexual ter direito à licença-maternidade”, expõe a advogada. Um dos principais aspectos que impedem os avan­ ços, segundo ela, é o fato de o Congresso Nacional “ter uma forte bancada fundamentalista, que batalha atualmente para aprovar o Estatuto da Família”.


Com a adoção, Zolnei e o marido perceberam que o amor transforma

Um ato de amor Quando se fala em adoção para casais homoafetivos, o amor é o que prevalece na decisão. “É visível que gays e lésbicas ado­ tam crianças com um perfil mais amplo, sejam negras, mais velhas ou com alguma doença ou deficiência”, analisa o pre­ sidente da Abrafh. Rogério Koscheck, junto com o seu marido, adotou quatro crianças em 2013, no Rio de Janeiro, onde reside. “Fomos conhecer as crianças que estavam abrigadas e encon­ tramos quatro irmãos da mesma genitora, todos negros, de 3 meses a 11 anos. Para esse perfil, não havia ninguém no Cadas­ tro Nacional de Adoção. Estamos com eles há dois anos e três meses, nós os completamos e eles nos completam.” O processo de adoção foi tranquilo – o casal passou por todas as reuniões e estágios de convivência sem sentir qualquer tipo de discriminação ou preconceito. Nestes três anos, os únicos casos de preconceito sentidos pelas crianças foram devido à questão racial. “Por isso, queremos passar a eles os valores fundamentais, de honestidade e respeito, procurando sempre ser feliz, primeiro consigo mesmo e depois com os outros, respeitando a diversida­ de do mundo”, enfatiza Rogério. De acordo com a advogada Eunice, não existe uma lei especí­ fica para adoção de crianças por casais homoafetivos. “Prevalece nos tribunais o entendimento de que, quando se trata de adoção, deve prevalecer o melhor interesse da criança, com base no Es­ tatuto da Criança e Adolescente. Os casais homoafetivos devem

habilitar-se, como qualquer outro postu­ lante, e passar pelos mesmos crivos que um casal heterossexual enfrenta num processo de adoção”, esclarece. Em 2009, mudou o padrão da certidão de nascimen­ to do tradicional “pai e mãe” para o termo “filiação”, abrindo caminho para o registro de crianças por casais do mesmo sexo e ga­ rantindo à criança todos os direitos suces­ sórios e patrimoniais, inclusive em caso de separação ou morte de um deles. No entanto, a questão burocrática é a princi­ pal dificuldade observada por Rogério. Um ponto aparentemente simples, mas que ainda constrange muitos casais homoafe­ tivos: os formulários de documentos es­ senciais, como o Cadastro de Pessoa Física (CPF), ainda estão vinculados ao padrão de núcleo familiar tradicional, com solicita­ ções do nome do pai e da mãe. O mesmo obstáculo foi apontado por Zolnei Ernesta, psicólogo social e professor da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), de Criciúma. Casado há 16 anos com o seu primeiro companheiro, adotou um filho há dois anos. Na ocasião, tirou licença-materni­ dade de quatro meses, um direito desti­ nado a homens que adotam – sejam ca­ sais homoafetivos ou homens solteiros – e a pais de crianças cuja mãe morreu durante o parto. O problema surgiu nos registros cadastrais. “Falta capacita­ ção dos funcionários para lidar com os novos arranjos familiares, sendo que o sistema de formulários para cadastro está ultrapassado”, evidencia. “Com a adoção, percebi que o amor transforma. Nosso filho viveu situações constrange­ doras e hoje é amado com todo o cora­ ção”, ressalta o psicólogo, que pensa em escrever um livro sobre o tema junto com seu marido.

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Astronomia e geofísica disponíveis para população em geral

Ciência

Caminhos para popularizar o conhecimento

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arl Sagan já dizia que a Terra é “um palco muito pequeno em uma imensa areia cósmica”, “um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante”. Esse “páli­ do ponto azul”, aparentemente tão pequeno se visto do universo, agrega as mais diversas formas de vida, que evoluí­ ram e continuarão evoluindo com o decorrer dos tempos. Hoje, o ser humano busca atingir o ápice da ciência e tecnologia, com o advento da tecnologia da informação e de novas formas de comunicação. Esses fatores tornaram ainda mais palpável a importância do conhecimento científico e tecnológico para o desenvolvimento econômico e social dos países – antes deles, do próprio ser humano. Porém, em um cenário em que ainda se engatinha ao difundir esse conhecimento para a população em geral, instituições se destacam por desmistificar a ciência e levá-la para o dia a dia. Uma delas é o Observatório Nacional (ON), que lançou o site Astro, plataforma que compartilha informações sobre astro­ nomia e geofísica em 3D. Desenvolvida em 1987, somente nes­ te ano, com sua remodelação, ganhou o registro do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), válido por 50 anos. O idealizador e criador da ferramenta é o físico e astrônomo Carlos Henrique Veiga, também chefe de divisão das atividades educacionais do ON. Na década de 1980, ele utilizava uma sé­ rie de aplicativos relacionados à física e astrologia, que foram organizados por um de seus alunos com a finalidade de dispo­ nibilizar o conteúdo para os pesquisadores. Em conjunto com a unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia,

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Inovações e Comunicações, o Astro pas­ sou por ajustes, ao encargo de um aluno do Observatório, tornando a plataforma também disponível para download em dispositivos móveis. “O Astro está dife­ renciado, com ferramentas adequadas, mais visual e com uma linguagem mais simples. É inteiramente em português, com descrições acessíveis e objetivas para o público em geral”, explica. “A finalidade é disponibilizar informações e conceitos de astronomia e geofísica não somente para a comunidade científica, mas para o cotidiano das pessoas”, reitera. A princípio, o software continha so­ mente informações sobre astronomia, como nascente e poente do Sol, eclipses e fases da Lua. Atualmente, agrega um conjunto de 122 aplicativos dentro de seu sistema, em constante atualização e com­ plementação. Em um ano, foram cerca de 50 mil acessos – e o objetivo é ampliar esse número. “Recentemente, colocamos mais conceitos de geofísica. Fizemos uma parceria com a Marinha do Brasil e o As­ tro passou a disponibilizar, por exemplo, previsões de marés oceânicas, variação do movimento da água e cartas magnéti­ cas”, ressalta o pesquisador. Segundo ele, Marinha, Aeronáutica e o próprio Exérci­ to Brasileiro consultam a plataforma dia­ riamente. “O Astro ganhou, assim, ainda mais característica de utilidade pública, de prestação de serviço para auxiliar no cotidiano da população.” Além de não ter “nada de fisiquês”, outro diferencial é a interação com o usuário, que pode “brincar” com diversas possibilidades, tornando o aprendizado visualmente lúdico, em três dimensões. “Se a Terra fosse inclinada de tal modo, como seriam as estações do ano? Por que a natureza proporcionou esse ângulo?”,


instiga o astrônomo, exemplificando. “É quase um jogo, mas um jogo cientí­ fico”, compara. Sob o foco educacional, a ideia da plataforma é ir além dos temas convencionais que se aprendem nas es­ colas, para desmitificar e trazer novos conceitos, a fim de enriquecer a cultura científica da população. “Não existe ou­ tro software baseado nesse conceito no mundo inteiro. A ideia é, com a ajuda da imprensa, evidenciá-lo na mídia, de ma­ neira que os professores tenham conhe­ cimento e possam usar como material de apoio em aulas como geografia, física e matemática.” Outro exemplo na difusão e divulga­ ção do conhecimento científico e tecno­ lógico, com viés educacional, é o trabalho desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A instituição, vinculada ao Ministério da Saúde, é destaque nas áreas de ciência e tecnologia em saúde da América Latina, atuando também na promoção da saúde e qualificação pro­ fissional. Com o objetivo de qualificar e aumentar a divulgação da informação científica, dispõe de variados canais, em

formatos impressos, eletrônicos e digitais. Entre eles, bibliote­ cas, sites temáticos, jogos educativos, VídeoSaúde, Canal Saú­ de, PenseSUS, Pioneiro, Revista Radis, Editora Fiocruz, Agência Fiocruz de Notícias. Em 2015, lançou o Portal de Periódicos, em que reúne suas sete publicações científicas em um único lu­ gar. No mesmo ano, recebeu o Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Neste ano, no final de setembro, pretende lançar, em colaboração com a Organização Pan-Americana de Saúde, o Campus Virtual da Fiocruz, um espaço voltado para ações educacionais dos cursos de ensino técnico e de pós-graduação. Todos esses projetos se concentram na Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, instituída em 2014, que reafirma o compromisso com a democratização do conhecimento e do acesso à informação científica. As três dimensões do acesso aberto são: disseminação ampla e irrestrita da informação científica, uso de software aberto para o desenvolvimento das aplicações e publicação de bases de dados em formato aberto de sistemas. O principal instrumento de realização dessa polí­ tica é o Repositório Institucional (Arca), em que é possível en­ contrar artigos, dissertações, séries e trabalhos de pós-gradua­ ção. “O acesso aberto é fruto de uma história da valorização da informação científica da Fiocruz, na divulgação de conhe­ cimento não somente para o público especializado, mas para sociedade de forma mais ampla”, frisa Nísia Lima, vice-presi­ dente de ensino, informação e comunicação da instituição.

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Carlos chefia divisão educacional do Observatório Nacional

Aproximando ciência e educação A Fiocruz tem a comunicação pública como principal conceito que orienta suas ações, com o objetivo de criar inte­ ração e debate com a sociedade e tornar o conhecimento científico um direito do cidadão. De acordo com a vice-pre­ sidente, existe um trabalho forte das equipes de comunicação e de jornalis­

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mo junto à comunidade científica na produção de conteúdo com uma linguagem mais acessível e interativa. O direito à informação, a se posicionar a partir da circulação do conhe­ cimento, é um ponto importante para despertar o interesse de crianças e jovens pela ciência e tecnologia, visando seguir carreira na área. “Outro ponto é o estímulo à vocação cien­ tífica. Muitos jovens teriam interesse, mas não existe um ambiente nas escolas que facilite. Por isso, a importância dos programas de vocação e iniciação científica desde o ensino fundamental e ensino médio”, explica Nísia Lima, ressaltan­ do o programa que a Fiocruz desenvolve há 30 anos com es­ tudantes de escolas brasileiras. A fundação, neste ano, está revendo suas políticas de comunicação e iniciando um mes­ trado em iniciação científica. “A ideia é que os profissionais estabeleçam um elo ainda mais amplo com a sociedade, com a proposta de oferecer a compreensão pública da ciência que está no dia a dia”, explica. Há uma preocupação em aproximar e intensificar a relação da ciência e tecnologia com as políticas de educação que, de acordo com a vice-presidente, precisam ter suas práticas pe­ dagógicas repensadas. “Nos últimos 12 anos, o Brasil avançou bastante em termos de ações institucionais, principalmen­ te com parceria do Ministério da Ciência e Tecnologia, na di­ vulgação e popularização da ciência. Porém, uma política de continuidade é fundamental”, ressalta. Isso requer trabalho intenso e envolvimento de diversas áreas institucionais e go­ vernamentais. “Há uma descontinuidade em todas as áreas. É preciso evoluir de maneira coerente e planejada”, concor­ da Veiga, do ON. O astrônomo aponta que o problema não é apenas educacional: no mundo inteiro, existe deficiência em investimento com a ciência: “Os cientistas vivem de projetos. Uma pesquisa demora de 20 a 30 anos para ser concluída. Es­ tou há 35 anos no ON e tudo que tenho na minha sala são equi­ pamentos adquiridos com projetos aprovados por órgãos de fomento. A instituição não tem condições nem verba”.


Diálogos

A pesquisa clínica Carlos José Serapião Pág. 34

Projeto de Lei 200/2015

Bioética e Direitos Humanos Fernando Hellmann Pág. 36

Reprodução assistida

Paulo França Pág. 38

Rumo aos 100 anos Gizele Leivas

Neurociência

Pág. 39

Darlei Dall’Agnol

Fábio Choma

Pág. 40

Pág. 37

Entrevista

José Carlos Abellán Salort Pág. 41

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Carlos José Serapião Coodernador do IDHEP

Pesquisa no Brasil: problemas e avanços

A

pesquisa clínica, em nosso país, permanece enfrentando impor­ tantes e numerosos desafios e problemas. Excitantes avanços técnicos, particularmente nos campos da biologia molecular e da genética, estão oferecendo aos clínicos extraordinárias oportunidades para a pesquisa, porém, a capacidade de enfrentar esses desafios continua sendo desgastante e de retorno pouco atraente. O maior problema parece estar repre­ sentado pela falta de estímulo observada no jovem investigador clínico, o que nos conduz a uma realidade preocupante de não haver suficiente número de investiga­ dores clínicos capazes de transpor para a prática da beira do leito os conhecimentos básicos gerados pelas pesquisas experi­ mentais em laboratório. Entre as muitas razões para a carência gerada por esse desestímulo, podemos ci­ tar, como principais: o reduzido subsídio à pesquisa clínica por parte dos organismos financiadores de pesquisas; a exagerada burocracia e papelada que consome tem­ po e energia do pesquisador; o dramático

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avanço na sofisticada tecnologia da pesquisa básica que torna a pesquisa clínica menos atrativa. DEFINIÇÃO DE PESQUISA CLÍNICA A pesquisa clínica, ao contrário da pesquisa básica, lida com seres humanos em vez dos animais que são utilizados em pro­ jetos experimentais. Está interessada no funcionamento do organismo humano como um todo, em vez de células ou mo­ léculas. Sua abordagem é, portanto, integrativa, melhor do que segmentar ou analítica. A pesquisa clínica é difícil e complexa no que respeita aos ri­ gores bioéticos, em função de se comprometer com a utilização de organismos humanos em sua experimentação. Além disso, as respostas exatas nem sempre são alcançadas e os estudos contro­ lados, às vezes, difíceis de ser conduzidos, muito embora sejam também imprescindíveis no seu exercício: a disciplina científica e a prática da formulação de hipóteses. CATEGORIAS DE PESQUISA CLÍNICA Existem várias categorias de pesquisa clínica, entre as quais so­ bressaem, por sua importância: pesquisa clínica básica, que cui­ da de examinar no laboratório, em profundidade, os espécimes obtidos dos pacientes; pesquisa orientada para o paciente, que é representada pela exploração metabólica ou fisiológica do indiví­ duo, como é tipicamente conduzida nos chamados centros de pes­ quisa clínica; pesquisa baseada em protocolos clínicos; pesquisa epidemiológica; observações clínicas. A colaboração do pessoal de saúde ou de outras categorias de profissionais na condução de sua pesquisa, representadas por enfermeiros, nutricionistas, técnicos, estatísticos etc., as­ sim como todo o conjunto de pessoas que efetivamente atua­ ram num projeto, deve ser reconhecido e devidamente credi­ tado, e, dependendo do grau de envolvimento no projeto, ser identificado, através do estabelecimento da coautoria de mo­ do justo e apropriado. Como não é ético omitir um colaborador, é também “presentear” um não participante ativo no projeto. PRINCIPAIS TÓPICOS Existem alguns tópicos importantes a considerar no exercício da


“O maior problema parece estar representado pela falta de estímulo ao jovem investigador”

pesquisa clínica. Entre eles: 1. Conflito de interesses A pesquisa clínica, mais do que qualquer outra área da pesquisa em saúde, tem sido influenciada pelo auxílio de tipo financeiro oferecido pelas indústrias concernentes, sobretudo quando se considera a necessidade de se realizar pesquisa clínica como im­ perativo nos mecanismos de obtenção de aprovação legal para o uso de drogas terapêuticas em seres humanos. O ideal seria que cientistas ou outros profissionais pudessem afastar todas as oportunidades para conflitos de interesses, e que estivessem habilitados a monitorar qualquer aparente conflito. 2. Busca e obtenção de auxílios financeiros (“Grants”) Cada vez mais, o pesquisador tem que estar preparado para de­ fender seu projeto de modo público e explicar seu valor e signi­ ficado. O cientista não deve imaginar que vá receber um cheque em branco para realizar seu trabalho. Essa responsabilidade se amplia quando se trata de financiamento por parte de agências governamentais de fomento à pesquisa. Nesse caso, o suporte fi­ nanceiro que provém de fundos públicos tem que ser duramente conquistado, ao mesmo tempo em que crescem suas responsabi­ lidades éticas enquanto cientista. 3. Proteção ao ser humano e preparo de protocolos O núcleo da pesquisa clínica está baseado na participação de in­ divíduos, seja como pacientes, seja como voluntários sadios. Os princípios éticos que regem a pesquisa clínica estão relacionados com o respeito pelas pessoas (autonomia), a justiça e o critério do benefício a ser alcançado. No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde editou uma última resolução (nº446 de dezembro de 2012), regula­ mentando em todos os pormenores e obrigações a ser observadas pelo pesquisador e o que deve constar no seu projeto. 4. Planejamento da pesquisa clínica Para conduzir com sucesso um projeto de pesquisa clínica, deve­ -se planejar cuidadosamente antes de se iniciar a coleta de dados. Muito embora o processo de planejar, para alguns pesquisadores,

seja quase intuitivo, para a maioria, deve haver um processo de aprendizado desse planejamento, quer pela observação do trabalho dos mais experientes, quer pela leitura de textos especializados. 5. Como escrever um trabalho científico Relatar e descrever os achados de uma pes­ quisa é o essencial e último passo da rea­ lização de um projeto. A menos que o pes­ quisador complete essa etapa e publique seus resultados, todo o trabalho e o esfor­ ço da pesquisa terá sido em vão. Portanto, aprender a escrever um artigo científico deve ser parte integrante da formação e educação de um pesquisador. 6. Um programa institucional de pesquisa clínica O surgimento e a possibilidade de desen­ volvimento de projetos de pesquisa clínica pressupõe a existência de instituições que ofereçam as condições mínimas de infra­ -estrutura para acomodar pesquisadores que tenham conseguido o necessário su­ porte para seus projetos. Um parágrafo de Vaitukaitis, J. L., no artigo “The future of clinical research” des­ taca a pesquisa clínica em seus aspectos mais realísticos: “Nada é mais desgastante, mais frustrante, mais difícil, consome mais tempo e requer mais criatividade do que a pesquisa clínica. Por outro lado, nada é mais gratificante do que os frutos obtidos, que permitem que o investigador clínico não somente possa contribuir para definir as causas de uma doença, como também desenvolver novas formas terapêuticas pa­ ra aliviar ou mesmo curar uma doença”.

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“A Declaração ampliou o escopo da bioética no panorama global” Fernando Hellmann Doutor em saúde pública

Bioética e Direitos Humanos

O

surgimento da bioética como campo de estudo acadêmico deve-se, em especial, ao apare­ cimento público de problemas éticos relacionados aos abusos da ciên­ cia, sobretudo às pesquisas biomédicas envolvendo seres humanos, à crescente despersonalização da assistência médi­ co-sanitária e à mobilização social face às necessidades de mudança dos valores das sociedades. Nesse sentido, a bioética pode ser considerada nova, porque in­ troduz questões novas trazidas especial­ mente dos avanços tecnológicos, para além da análise dos problemas e injusti­ ças que persistem aos avanços. Pode ser considerada nova também, pois abarca o contexto multi e interdisciplinar na análise de problemas éticos, para além do campo da filosofia, ampliando e faci­ litando, assim a ética prática. Porém, bioética deve ser entendida no plural, já que a literatura aponta diferen­ tes referenciais de análise em bioética, como os de inspiração liberalista, uni­ versalistas, naturalista, das virtudes, dos princípios, entre outras. Os referenciais

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bioéticos geralmente apontam para as exigências do contexto em que se inserem e muitas vezes esses mesmos referenciais negligenciam os problemas éticos de ordem coletiva. Podemos pensar junto com Giovani Berlinguer, um notável bioeticis­ ta italiano, o qual assinala que estudiosos de bioética, em sua grande maioria, elegeram como temas centrais de debates os que emergem, especialmente, do desenvolvimento da biome­ dicina e da evolução técnico-científica em geral (eutanásia, transplantes, reprodução assistida, células-tronco, engenharia genética), e denuncia que os problemas que persistem a tal evo­ lução, que se tornaram cotidianos, tais como a fome, a pobreza, o acesso precário à saúde, entre outros, têm sido marginalizados por alguns enfoques feitos na bioética. Felizmente, o problema de reduzir a bioética às questões específicas relacionadas aos campos biotecnológico e biomé­ dico tem mudado com a aprovação da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, em 19 de outubro de 2005, em Pa­ ris, durante a 33ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Essa Declaração ampliou o escopo da bioética no panorama global, contemplando temas de grande interesse aos países pobres e periféricos, tais como as questões ambientais, sanitárias e so­ ciais. Giovani Berlinguer, o brasileiro Volnei Garrafa, da Cáte­ dra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília, estão entre os renomados bioeticistas que participaram da elaboração do documento. A Declaração apresenta, entre os artigos 3 e 17, quinze prin­ cípios orientadores para as decisões a ser tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem é dirigida: (1) Dignidade Humana e Direitos Humanos; (2) Benefício e Dano; (3) Auto­ nomia e Responsabilidade Individual; (4) Consentimento; (5) Indivíduos sem a Capacidade para Consentir; (6) Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual; (7) Pri­ vacidade e Confidencialidade; (8) Igualdade, Justiça e Equida­ de; (9) Não-Discriminação e Não-Estigmatização; (10) Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo; (11) Solidariedade e Cooperação; (12) Responsabilidade Social e Saúde; (13) Comparti­ lhamento de Benefícios; (14) Proteção das Gerações Futuras; (15) Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade.


“Todos esses avanços caminham para a busca pelo ‘embrião perfeito’” Fabio Choma

Ginecologista do HDH

O futuro da reprodução assistida

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esde o nascimento do primeiro bebê de proveta, Louise Brown, em 1978, através da fertilização in vitro, as técnicas de reprodu­ ção assistida têm evoluído no sentido de procurar aumentar as chances de gesta­ ção nos casais inférteis. Com a globali­ zação das técnicas de tratamento, vários serviços foram inaugurados pelo mundo ao longo dos anos e, com isso, inúmeros trabalhos foram sendo publicados, bus­ cando a maneira mais eficiente e me­ nos traumática de alcançar o sucesso no tratamento, trazendo idealmente uma gestação com feto único e saudável. Na parte clínica, a aspiração dos óvulos, ini­ cialmente feita por laparoscopia, passou a ser realizada através da parede vaginal guiada pela ecografia transvaginal. A transferência dos embriões formados no laboratório para a trompa uterina tam­ bém era feita por laparoscopia, necessitan­ do de uma segunda intervenção cirúrgica na paciente. Atualmente, essa transferên­ cia é realizada via vaginal, com cateteres específicos e com a paciente acordada acompanhando o procedimento. Ainda

com relação à parte clínica, as medicações indutoras da ovulação (gonadotrofinas), inicialmente extraídas da urina de mulheres pós-menopausa, passaram por processos de purificação e poste­ riormente começaram a ser produzidas a partir da engenharia genética, o que proporcionou redução nos efeitos colaterais oca­ sionados e menos trauma nas aplicações. Na área laboratorial, diversos avanços ocorreram nesse perío­ do, com a melhora na qualidade dos meios de cultivos de embriões e equipamentos como as incubadoras e microscópios e materiais descartáveis. O sucesso da primeira gestação através da fertiliza­ ção in vitro com ICSI (injeção intracitoplasmática de espermato­ zoide), em 1992, solucionou inúmeros casos de infertilidade rela­ cionados a fatores masculinos severos. Na prática, todos esses avanços proporcionaram maior quan­ tidade de óvulos aspirados das pacientes após a indução medica­ mentosa da ovulação e maiores taxas de fertilização, com conse­ quente maior formação de pré-embriões dentro dos laboratórios. Como as taxas de gestações inicialmente eram baixas com a trans­ ferência de um único embrião para a cavidade uterina, iniciou-se a prática da transferência de múltiplos embriões. Isso acarretou um evidente aumento nas taxas de gestações múltiplas, com suas consequentes complicações obstétricas. Atualmente, no Brasil, a quantidade de embriões a ser transferidos para a cavidade uterina pós-fertilização in vitro está regulamentada pela Resolução 2121/2015 do Conselho Fe­ deral de Medicina. A avaliação do desenvolvimento embrioná­ rio dentro do laboratório é feita diariamente. Por meio dessa avaliação, aplica-se um score embrionário para posterior clas­ sificação e seleção. Além dessa avaliação morfológica, pode-se aplicar a técnica de biópsia embrionária prévia à transferência dos embriões para a cavidade uterina e, com isso, avaliar gene­ ticamente determinadas doenças evitando o nascimento de uma criança sindrômica. Todos esses avanços caminham para a busca pelo “embrião perfeito” e a transferência de um único embrião sem redução nas taxas de gestações, mas com diminuição das complicações rela­ cionadas ao tratamento. Embriões restantes podem ser congela­ dos e armazenados para futuras tentativas de gestação, sem a ne­ cessidade de a paciente passar novamente pelo tratamento.

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“Garantias e direitos dos participantes de pesquisa estão sob a ameaça do projeto” Paulo Henrique Condeixa de França Doutor em ciências

Implicações do projeto de lei 200/2015

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magine-se tendo aceitado par­ ticipar de uma pesquisa (ensaio clínico) com o objetivo de avaliar se um novo medicamento é efi­ caz e seguro para um dado tipo de câncer com o qual você foi diagnosticado e ne­ cessitou receber tratamento. Ao final do período previsto para a sua participação na pesquisa, ainda que seu médico tenha atestado o benefício e prescrito a conti­ nuidade do tratamento, a empresa patro­ cinadora da pesquisa resolve não forne­ cer o medicamento. O que fazer? De acordo com as normas éticas bra­ sileiras vigentes, os participantes de pes­ quisa que se beneficiaram de um medica­ mento em estudo devem ter assegurado, pelo patrocinador, o fornecimento desse medicamento, de forma gratuita e pelo tempo que for necessário. Entretanto, caso seja aprovado o Projeto de Lei do Senado nº 200 de 2015 (PLS 200/2015), de autoria dos senadores Ana Amélia (PP/RS), Waldemir Moka (PMDB/MS) e Walter Pinheiro (sem partido/BA), ao patrocinador da pesquisa será permitido cancelar o fornecimento do medicamento aos pacientes quando o no­

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vo produto for comercializado no Brasil. Em geral, tal comerciali­ zação se inicia antes da incorporação do medicamento à lista for­ necida pelo SUS (o que, aliás, pode nem ocorrer). Portanto, haverá necessariamente um período em que os participantes terão que arcar com os seus próprios recursos para conseguir manter o tra­ tamento. Isso levará a grave risco de interrupção no tratamento, mesmo que o paciente esteja precisando dele. Certamente, have­ rá também um aumento do número de liminares judiciais para a obtenção do medicamento, agravando a judicialização da saúde no país. Além disso, mesmo após a incorporação do novo medica­ mento pelo SUS, transferir a responsabilidade de custeio do patro­ cinador – como é atualmente – para o SUS representa transferir uma despesa privada para a esfera pública em uma atividade que tem como fim o lucro privado. Atualmente, o PLS 200/205 tramita na Comissão de As­ suntos Sociais (CAS), de forma terminativa. Apesar de ter recebido melhorias significativas em seu percurso quando comparado ao projeto original, ainda necessita de retifica­ ções importantes. Além dos pontos já citados, se aprovado, o PLS 200/2015 tam­ bém implicará a retirada da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) do âmbito do controle social (leia-se, Conselho Nacional de Saúde); o não reconhecimento às normas brasi­ leiras específicas para o uso de material biológico humano em pesquisas, amplamente reconhecidas, nacional e internacio­ nalmente (o que pode acarretar que os biobancos registrados e em funcionamento se tornem, repentinamente, ilegais); o en­ fraquecimento da representação dos usuários nos Comitês de Ética em Pesquisa, porque limitará a participação apenas de “usuários da instituição onde será realizada a pesquisa”, não se reconhecendo que tais representantes sejam indicados pe­ los Conselhos Municipais ou Estaduais de Saúde ou por movi­ mentos sociais e entidades representativas de usuários (o que pode limitar a participação social no processo de definição de parâmetros, critérios e diretrizes éticas para a proteção dos par­ ticipantes de pesquisa); entre outros aspectos. Em suma, as ga­ rantias e direitos dos participantes de pesquisa, conquistados ao longo das duas últimas décadas, estão sob a ameaça do PLS 200/2015 – um desserviço à sociedade brasileira.


“Manter o foco em nossa missão auxilia na manutenção do rumo desta bela história” Gizele Leivas Coordenadora de

Comunicação e Marketing do Hospital Dona Helena

A caminhada do centenário

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hegar ao centenário, para o Hos­ pital Dona Helena, representa a consolidação do trabalho de tan­ tos anos e faz refletir sobre a longa caminhada, os períodos de mudanças, de dificuldades e alegrias vivenciadas por um grupo que tinha em sua essência o dom do cuidado, do bem acolher – alicerces que permanecem até os tempos atuais. O maior desafio é manter uma ins­ tituição atualizada, moderna, tecnoló­ gica e, ao mesmo tempo, humana, além de propulsora de tendências alinhadas ao seu mercado. Esses sempre foram os grandes desafios da Administração do Hospital Dona Helena, que se manteve focada no presente, mas com a visão no futuro. Por meio de uma gestão preci­ sa, busca manter o parque tecnológico atualizado, as equipes afinadas com as tendências de mercado e a humanização em todos os processos, fatores que nos fi­ zeram atravessar este século com solidez e padrão internacional de qualidade no cuidado e atendimento aos pacientes. O cuidado e a segurança do paciente são premissas para uma instituição de

saúde. Padrões de qualidade validados internacionalmente nos ajudam a manter a qualidade do cuidado. Alinhados a uma estrutura moderna e versátil, conseguimos oferecer o que há de mais moderno e seguro para os diagnósticos e tratamentos. Tudo isso, com ênfase total à humanização, fator primordial para o Hospital Dona Helena. O corpo de funcionários faz parte da base sólida que o hos­ pital criou ao longo deste século. Muitos passaram por aqui e deixaram seus legados. Outros tantos ainda permanecem para acolher os novos que chegam. Essa mistura torna nossas equi­ pes atualizadas sem perder a essência da cultura organizacio­ nal. Todos trabalham com o objetivo de oferecer o melhor cui­ dado aos pacientes e seus familiares. Integrada aos projetos de apoio aos pacientes e familiares, disponibilizamos uma estrutura hospitalar moderna, confor­ tável e com conveniências para que o período de internação possa causar o menor impacto na vida de cada pessoa. A atenção é total para o paciente, sem deixar de cuidar de quem cuida dos pacientes. Buscamos desenvolver programas de qualidade de vida para os funcionários, ações que envol­ vam seus familiares com a instituição. Cuidamos para oferecer à equipe uma excelente estrutura de trabalho com clima de apoio e cooperação. Oferecemos uma série de benefícios que contribuem para o bem-estar e convivência. Nossa história é escrita pelo trabalho e dedicação de todos os funcionários e médicos que por aqui passam e passaram ao longo de quase um século de funcionamento. A Administração, sempre atenta às mudanças do cenário da saúde e do próprio país, conduz com maestria o legado que surgiu do desejo das senhoras do grupo Oase – que buscavam ajudar a comunidade e os mais carentes. Manter o foco em nossa missão em cada etapa do cuidado auxilia na manutenção do rumo desta bela história que tem por missão prover sempre o melhor cuidado a cada paciente, agregando valor e humanização a uma prática clínica integra­ da ao ensino e à pesquisa. O ano do centenário é um período muito emblemático, em que traçamos a continuidade desta história, repensando os caminhos, mas sem perder o foco em nossas raízes.

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“A neurociência pode ajudar a compreender melhor a própria moralidade humana” Darlei Dall ‘Agnol

Pós-doutor em metaética

Ética e neurociência: uma discussão mundial

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or iniciativa de um grupo de pro­ fessores da University of Oxford foi criado recentemente um consórcio global de pesquisa sobre questões éticas suscitadas pelo desenvolvimento da neurociência chamado “Our Brain, Ou­ rselves, Our World” (O3). Trata-se de um grupo multidisciplinar com a participação de neurocientistas, biólogos, filósofos, psi­ cólogos, psiquiatras, juristas etc. de vários países, incluindo o Brasil, que tivemos a honra de representar. O grupo definiu uma agenda para, ini­ cialmente, responder ao programa nortea­ mericano do NIH – National Institute of Health – formado pelo acrônimo B.R.A.I.N. (The Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies Iniciative)®, parte do projeto “BRAIN 2025: A Scientific Vision”, que destinará US$ 4,5 bilhões nos próximos 12 anos para mapear cada neurô­ nio e cada circuito neural humano. O con­ sórcio O3 terá também outras frentes de atuação e financiamento. Não é possível tratar, aqui, de todos os desafios éticos levantados pela neurociên­ cia. Todavia, pode-se diferenciar dois gran­ des grupos de temas: por um lado, há os problemas éticos no desenvolvimento das próprias pesquisas neurocientíficas; por

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outro, há uma série de contribuições que a neurociência tem feito e ainda pode fazer para compreender a própria ética. Em relação ao primeiro grupo, é necessário investigar os pro­ blemas postos pelo uso cada vez mais frequente de neurotecno­ logias, por exemplo, as que fazem imagens do cérebro humano para: diagnosticar distúrbios físicos ou psíquicos; determinar se pacientes estão ou não conscientes ou até mesmo vivos e as ques­ tões relacionadas com formas de morrer; estabelecer probabilida­ des e predizer comportamentos e seus possíveis usos no direito, como as polêmicas prisões preventivas de potenciais criminosos; prognosticar a necessidade de uso de farmacêuticos para melho­ rar o desempenho cognitivo, tais como Modafinil, Ritalin e Adde­ rall; alterar estados emocionais e até mesmo aperfeiçoar o com­ portamento moral etc. Dado que essas são pesquisas envolvendo seres humanos e ainda estão em um estágio experimental, os princípios bioéticos do respeito pela autonomia, da não-malefi­ cência, da beneficência e da justiça podem ser empregados para discutir a eticidade de tais investigações. Todavia, talvez seja ne­ cessário encontrar novos princípios ou valores. A neurociência pode ajudar a compreender melhor a própria moralidade humana. Ela pode esclarecer o que acontece no cé­ rebro quando as pessoas deliberam e decidem agir moralmente, assim como auxiliar na compreensão dos julgamentos morais. Também tem contribuído para a compreensão e tratamento de várias doenças tais como depressão, esquizofrenia, Alzheimer etc. Por outro lado, é necessário fazer uma reflexão crítica para não se tirar conclusões apressadas, por exemplo sobre a inexistência do livre arbítrio. Certamente, é preciso repensar a imputatilidade das ações humanas dadas as últimas descobertas neurocientífi­ cas. Além disso, nem tudo o que se pode fazer deve-se fazê-lo (o chamado “Imperativo Tecnológico”), pois algumas técnicas es­ tão produzindo efeitos indesejados, como o procedimento “Deep Brain Stimulation”, que pode causar epilepsia. Outro cuidado im­ portante diz respeito ao uso de biomarcadores, por exemplo, para certas condições psiquiátricas. A serotonina ou a oxitoxina por si não determinam comportamentos. Há que se levar em conta os fatores ambientais e as variações culturais no tratamento dessas condições para não se cair num reducionismo e para evitar estig­ mas ou fomentar preconceitos.


José Carlos Abellán Salort

Professor da Universidade Rey Juan Carlos

ENTREVISTA “Ainda é possível escolher o bem”

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rofessor de bioética e filosofia do direito da Universidade Rey Juan Carlos, Espanha, José Carlos Abel­ lán profere a palestra de abertura do 16º Simpósio Catarinense de Bioética, realização do Hospital Dona Helena, dia 23 de setembro, no Hotel Bourbon, em Join­ ville. Abordando os desafios éticos e jurídicos, Abellán, também diretor do mestrado em bioética daquela universi­ dade, pontua importantes reflexões éti­ cas e bioéticas desveladas pelos avanços científicos e filosóficos trazidos pelas neu­ rociências. E, embora alguns neurocientis­ tas sustentem que as novas descobertas nessa área possam reduzir, por exemplo, o conceito de liberdade a uma mera ilusão, a algo irreal – a corrente conhecida como determinismo –, Abellán entende que se­ gue existindo uma significativa margem de escolha para o ser humano. Ainda é possível escolher o bem e identificar a res­ ponsabilidade sobre o que se faz. Nesta entrevista exclusiva para a Re­ vista Conecthos, discorre sobre temas que envolvem diferentes facetas de um mes­ mo viés – a ética da vida. O que é neurodeterminismo? É uma forma de determinismo – que é

uma concepção filosófica, antropológica, uma determinada for­ ma de contemplar o ser humano a partir da negação do livre ar­ bítrio, que é a capacidade de se autodeterminar, de orientar sua vontade no sentido que quiser. Os determinismos, em filosofia, vêm de longo tempo – já na Grécia Antiga havia filósofos que defendiam a tese de que o homem não é livre para escolher o sentido de suas ações. Diante da experiência humana mais ele­ mentar, os deterministas negam a existência do livre-arbítrio e, em consequência, a liberdade de escolha. Ainda de acordo com essa corrente – que teve diversas versões, mais ou menos radi­ cais, ao longo da história do pensamento ocidental –, a conduta humana nunca seria livre, já que estaria sempre, de um modo absolutamente inexorável, irresistível, sob a influência tanto de fatores internos, como o sexo, a genética, os instintos, a con­ dição biológica, quanto de externos, como o meio ambiente, a educação e a sociedade, entre tantos outros. Nas últimas déca­ das, a aplicação de novas técnicas e avanços científicos sobre nosso cérebro e estrutura neurológica tem levado alguns espe­ cialistas a retomar o velho determinismo biologicista, atribuin­ do à dimensão neurológica, ao cérebro, tudo o que acreditáva­ mos, ilusoriamente, ser decisões de nossa vontade. É uma visão ideológica do ser humano. Reduz a pessoa à dimensão biológica, material, e nega a possibilidade daquilo que é nosso verdadeiro diferencial diante dos outros seres vivos, que é nossa real, ainda que limitada, capacidade de realizar atos livres.

“Para compreender adequadamente a conduta humana, é necessária uma aproximação interdisciplinar que não exclua outras ciências, como a filosofia” 41


Abellán: direitos humanos não foram criados por consenso: estão em cada um de nós

E como ficaria o livre-arbítrio diante disso? Todos reconhecemos que nossas ações são influenciadas e até fortemente con­ dicionadas pela genética, biologia, edu­ cação, cultura, estado psicológico, entre tantos outros elementos. Mas também são produto daquilo que pensamos, ex­ perimentamos e em que acreditamos. Então, poderíamos nos perguntar: se es­ sas influências são tão fortes, não estare­ mos determinados por esses fatores? O que realmente move e dirige o sentido do dinamismo voluntário da ação humana? É o cérebro ou a mente que me move a agir? Ou sou eu, a pessoa, quem decide, e dirijo minhas ações com base em meus neurônios? Sou realmente livre ou apenas acredito nisso – e, na verdade, tudo é fruto de uma estratégia de meu cérebro? Se é o cérebro quem toma as decisões, então, não haveria o livre-arbítrio. E a consequência imediata disso é que se eximem as respon­ sabilidades. Só poderemos ser responsá­ veis por nossos atos se eles forem livres. Se posso escolher, posso optar entre o bem e o mal. Posso escolher entre ser egoísta ou generoso, entre prejudicar ou não outra pessoa – e aqui é que aparece a questão da responsabilidade moral. Só pode haver uma conduta ética se também existirem atos humanos, sob a perspectiva da liber­ dade de escolhas. Qual seria o conceito de pessoa diante do conhecimento neurocientífico? Os dados que as novas neurociências nos trazem não apenas beneficiam a preven­ ção e tratamento de enfermidades e de­ senvolvimento de nossas potencialidades como espécie. Também enriquecem o conhecimento sobre o homem e as dinâ­ micas voluntárias de nossas condutas. O avanço das ciências biomédicas no campo

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neurocientífico deverá se orientar sempre para o benefício das pessoas. Somente assim será entendido como verdadeiro pro­ gresso humano. Mas esse conhecimento poderia afetar nosso conceito de pessoa como um ser social, racional e livre, se o último aspecto, o da liberdade, for questionado. Enquanto alguns neuro­ cientistas, os deterministas, sustentam que as novas descobertas reduzem a liberdade a uma ilusão, a algo irreal, outros acreditam que as conclusões desses avanços sejam compatíveis com a ideia de que os seres humanos – que são mais do que uma complexa estrutura celular – continuem tendo uma margem de livre-arbí­ trio (tese compatibilista). Em minha modesta opinião, baseada em estudo antropológico e moral, como também em minha pró­ pria experiência moral, como ser humano, considerando os re­ sultados, mesmo inconclusivos, desses avanços neurocientíficos, ainda há margem para a liberdade de escolha, ainda é possível eleger o bem, ainda é possível a responsabilidade. Onde aparecem os maiores conflitos jurídicos nessa área? A ordem jurídica compartilha com a ordem moral a regulação deste espaço da atividade humana a que chamamos de conduta livre. Como acontece com a ética, a primeira condição para que exista o direito é a de que exista a pessoa, como único ser sobre a face da Terra capaz de exercer liberdade e responsabilidade. Já os


antigos romanos distinguiam o homem dos demais seres como o “capax iuris”, ou seja, seres juridicamente capazes para ter direitos e obrigações porque são “sui iuris”, sujeitos jurídicos livres, diferentes dos animais, portanto, vistos apenas co­ mo “res” – objeto. O direito compreende as responsabilidades, já que se fala em di­ reitos e deveres das pessoas, consideran­ do que sejam livres. É esse o pressuposto ontológico e, por consequência, a condi­ ção de possibilidade de todo o jurídico. Ao mesmo tempo, admite-se que determina­ das circunstâncias limitam, e até anulam, conforme o caso, a responsabilidade jurí­ dica, civil e mesmo penal de pessoas, por atos contrários ao ordenamento. Por exemplo, a condição de menor de idade que leva a criança ou adolescente a uma incapacidade mental e, portanto, também judicial. Ou mesmo alguém agir sob coação ou violência, entre outras situa­ ções em que um juiz declara o sujeito como inimputável ou exclui a responsabilidade porque a pessoa não era livre, no momento de cometer o ilícito ou delito. Esses avanços das neurociências também interessam bastante aos juristas. Se um criminoso ab­ jeto que confessa suas atrocidades prova­ das diante de um tribunal de justiça não era livre para escolher realizá-las, como poderíamos imputar-lhe responsabilida­ des penais? As conclusões neurocientíficas poderiam nos levar a mudar nossa com­ preensão atual de conceitos tão impor­ tantes em nosso padrão de imputação de responsabilidade penal, como a culpabili­ dade, o dolo e, por sua vez, o conhecimento e a intencionalidade, entre outros. E onde ficariam os valores pessoais e a ética interna das pessoas? Pela perspectiva neurodeterminista, os

Somos protagonistas da própria vida e resultado de nossas livres escolhas? valores pessoais e a ética deixariam de ter fundamento. Se não há liberdade, se é meu cérebro quem decide – e não eu –, então, nenhuma ética é possível. Mas a verdade é que as novas neuro­ ciências não podem explicar, de forma completa, fenômenos co­ mo o processamento cognitivo, a memória, a afetividade ou a au­ toconsciência porque, ainda que esses fenômenos se baseiem em estruturas físico-biológicas, não podem ser reduzidos a elas. Para compreender adequadamente a conduta humana, é necessária uma aproximação interdisciplinar que não exclua outras ciências, como a filosofia. As neurociências não têm, ainda, capacidade de oferecer uma explicação global, total e unitária desses processos e atividades das pessoas, pela inadequação do método científico que utilizam para conhecer certas realidades, como o valorativo e o moral, que excedem o nível do empírico natural por pertence­ rem à área do meta-empírico ou metafísico. Existe a possibilidade de se estabelecer uma grande linha mestra, que seja a referência ética única para todos, agregando os maiores princípios da humanidade? Se algum dia a humanidade alcançar um consenso universal so­ bre os valores éticos irrenunciáveis, capazes de promover uma es­ pécie de ética planetária, essa deveria se basear naqueles elemen­ tos objetivos que compartilhamos como pessoas. O fundamento de uma moral objetiva, universal, deve ser somente a natureza humana, que é universal e imutável. Na busca dessa ética, a tra­ dição humanista ocidental pode ser enriquecida com as contri­ buições de outras culturas, como as orientais, ou as mais antigas,

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Novas tecnologias dirigem a humanidade para um mundo pasteurizado?

que nos apresentam valiosos elementos morais do ser humano. Partindo do princípio de que alguns dos maiores disseminadores dos valores culturais, éticos e morais são os provedores de internet – já que as culturas e seus valores próprios perdem, cada vez mais, para este novo mundo, o virtual –, como se poderão construir e garantir os direitos mais básicos das pessoas? Os direitos das pessoas não se constroem, não se definem, nem se criam a partir da linguagem moral ou jurídica, muito me­ nos das instituições humanas. Os direi­ tos humanos, os mais básicos, não foram criados por consenso: eles estão em cada um de nós, sem prejuízo nem distinção de raça, sexo, religião ou qualquer outra con­ dição. São irrenunciáveis e inalienáveis. O que pode ter mudado, ao longo da história e entre as diversas culturas, é o conheci­ mento e a percepção dos bens morais que estão no ser humano, que emanam de sua dignidade, que consideramos como valo­ res e acabamos por reconhecê-los como direitos juridicamente relevantes. Mas os valores humanos e os direitos humanos, se são de pessoas, então são universais – e são objetivos, não mudam. O que muda é o conhecimento que temos cultural e historicamente deles. Os direitos huma­ nos são reconhecidos juridicamente no direito positivo do Estado e, por extensão, analogicamente, aos povos e culturas, de acordo com os consensos morais de cada época e lugar. Mas os direitos humanos devem ser garantidos e protegidos pelas normas jurídicas do Estado e também por meio do direito internacional. É verdade que os veículos de comunica­ ção de massa e a internet têm uma podero­ síssima influência na promoção ou na de­

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cadência dos valores morais, especialmente agora, em um mundo globalizado, no qual parece que caminhamos para uma ética do pensamento único, pós-moderno e pós-metafísico, utilitarista, hedonista, libertário e relativista. Entendo que um dos maiores riscos da globalização seja a “uniformização moral”, resultado da perda de valiosas tradições morais dos povos. Mas acredito que nem todas as tradições culturais e morais sejam merecedoras do mesmo respeito. Somente deveriam ser promovidas e perpetua­ das as tradições que se entendem como civilizadas, no sentido de que sejam culturas que respeitem a dignidade de todas as pessoas e seus direitos fundamentais. De qualquer maneira, em que pese todo poder de difusão de usos e costumes morais que têm esses meios, eles também podem disseminar valores positivos. A famí­ lia, a escola e os demais grupos sociais que fazem parte da vida das pessoas seguem sendo determinantes para a transmissão dos valores éticos, por meio da educação. A ética deve fazer parte de toda a formação do cidadão. Como humanidade, caminhamos para algo parecido ao mundo descrito por George Orwell (1984) e seu Big Brother? A promoção do uso inadequado e exagerado dos neuro-fármacos ou de outros dispositivos de controle do cérebro humano já não pertence apenas à ficção. Tampouco o chamado neuroenhance­ ment, dirigido, por meio da eugenia, a enriquecer e potencializar capacidades neurológicas que as elites do poder ou a sociedade do futuro considerassem desejáveis para “desenhar” seres huma­ nos de uma nova espécie, mais inteligentes, por exemplo. Uma neo-eugenia que, durante muito tempo, esteve provavelmente


“Pouquíssimos cidadãos são conscientes da enorme capacidade de manipulação de certos grupos de poder” restrita às elites econômicas e aos mais po­ derosos, talvez seja possível, em um futuro não muito distante. No entanto, o poder de manipulação e controle sobre as pessoas, anulando sua vontade, pode também ser exercido a partir de instâncias externas ao próprio sujeito, de modo que, como na novela de Orwell, entidades privadas e pú­ blicas se transformem em centros de deci­ são, capazes de usar o poder tecnológico e os meios de comunicação para reduzir os seres humanos a uma massa, degradando e tratando as pessoas como objetos, condi­ cionando as condutas à medida dos inte­ resses dessas entidades. Pouquíssimos cidadãos são conscien­ tes da enorme capacidade de manipulação de certos grupos de poder, interessados em que compremos e consumamos seus pro­ dutos, limitemos nossos objetivos de vida à conquista de bens materiais e nos guie­ mos pelas tendências e modas que nos são impostas pela publicidade, pelo cine­ ma, pela televisão ou internet, limitando nossos hábitos e costumes a condutas não positivas ou edificantes. Continua sendo cada vez mais necessário que os profissio­ nais desses meios se auto-limitem respon­ savelmente através de sistemas e códigos éticos e deontológicos. Aliado a isso, o Es­ tado deve proteger os grupos sociais mais vulneráveis, crianças e adolescentes, por exemplo, da exposição e consumo de con­ teúdos audiovisuais que difundem e mos­ tram como “normalidade” comportamen­ tos e usos moralmente nocivos. Como a ética – e, em particular, a bioética – pode ajudar a preservar a integridade moral das pessoas? A ética, em geral, e a bioética, como éti­ ca aplicada que é, em particular, contêm princípios morais, valores e deveres para

A escola, associada à família, ainda é um dos mais importantes espaços de transmissão de valores éticos que as pessoas possam ordenar sua conduta na direção da felici­ dade e da plenitude como seres humanos, como cidadãos e como profissionais. Nesse aspecto, a formação moral é irrenunciável, pois baliza a realização plena de cada um. Já as normas sociais e jurídicas se baseiam em consensos sobre princípios e normas mo­ rais. Não fosse assim, a convivência em sociedade seria inviável. Os valores éticos devem ser aprendidos, fundamentalmente, no seio da família. Mas, evidentemente, é necessário comple­ tar a formação ética e cívica das pessoas por meio da educação. Todo sistema educativo incorpora valores e deve ter como desafio constante a formação integral da pessoa, em todos os níveis. Não apenas a mera instrução técnico-científica, como também as di­ mensões física, mental e espiritual. De fato, são cada vez mais va­ lorizadas a formação humanística e em habilidades sociais, hoje muito demandadas no mundo profissional e empresarial. No caso dos profissionais das ciências biomédicas e da saúde, clínicos ou pesquisadores, a formação em bioética é indispen­ sável para que suas atuações, além de corretas tecnicamente, também o sejam sob o ponto de vista ético, de forma que sejam coerentes com o objetivo de sua profissão – que é promover o bem-estar integral do paciente ou usuário dos serviços de saúde, garantindo o respeito a sua dignidade como pessoa e aos direitos que se derivam dela: a vida, a saúde, a autonomia, a intimidade, entre tantos outros. Por isso, a tão necessária reumanização des­ ses serviços e práticas biomédicas passa, necessariamente, pelo elemento bioético.

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“A Ciência não deve nos meter medo, mesmo quando se diz que o homem está ‘brincando de Deus...’. Creia-se ou não em Deus, Ele nos dá condições de saber o que é bom e o que é mau” Marco Segre

Em dia Adeus a um defensor da autonomia

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m julho, o Brasil perdeu um de seus principais nomes na bioética. Mar­ co Segre faleceu no dia 19, aos 82 anos. Ficou reconhecido por defen­ der o princípio da autonomia, em especial, no contexto de atendimentos médicos. Em 1995, foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), entidade na qual também ocupou o cargo de presiden­ te. Dedicou-se ainda à garantia da ética médica, ao atuar no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), entida­ de da qual participou como conselheiro entre 1993 e 2003, sendo vice-presidente, além de diretor do departamento jurídico. Formado pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e médico-sanitarista pe­ la Faculdade de Saúde Pública da USP, era professor emérito do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho da FMUSP, local em que coordenou o Programa de Pós-Gradua­ ção em Ciências (Medicina Legal). Ensinou ainda Bioética, Deontologia e Medicina Legal em instituições como Uni­ versidade Estadual Paulista Júlio de Mes­ quita Filho (Unesp), Universidade Metro­ politana de Santos (Unimes), Universidade de Pernambuco (UPE), Universidade de Santo Amaro (Unisa) e Centro Universitá­ rio São Camilo.

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Nova gestão na SBB/SC

A Sociedade Brasileira de Bioética Regional Santa Catarina (SBB/SC) já está atuando com nova presidência. A eleição, realizada em 6 de julho, selecionou a gestão 2016/2018. O médico Carlos José Serapião foi reeleito como presidente, acompanhado de Mirelle Finkler, vice-presidente; Fernan­ do Hellmann, secretário; Juliara Hoffmann, tesoureira. A Comissão de Ética ficou composta por: Bruno Rodolfo Schlemper Júnior, Elcio Luiz Bonamigo, Dulcinéia Ghizoni Schneider. Já o Conselho Fiscal é formado por: Flávia Regi­ na de Souza Ramos, Jucélia Maria Guedert e Marta Verdi. A eleição foi realizada em assembleia geral nas dependên­ cias do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Presidência da SBB/SC tomou posse em julho

Formação em bioética Capacitar formadores de bioética. Foi o objetivo do 2º Se­ minário Regional de Formação de Formadores de Bioética, promovido pelo Programa Regional de Bioética e Ética da Ciência da Unesco. O evento ocorreu entre os dias 20 e 23 de setembro, na Guatemala. Durante o seminário, a ideia foi expandir o paradigma disciplinar da bioética e o con­ teúdo educacional, com foco nos direitos humanos, sociais e questões ambientais.


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