Poemas e Textos De trazer por casa Helena Soares Silva 0
SDM
Indice 4
Eremita Citadino
5
Haicais
7
Os dois lados
8
Aqui
11
Espelhos
13
A semente do Livro
15
A Espera
17
Saudade
19
O Rio
O Eremita Citadino Era com um semi entorpecimento que caminhava por arabescos e mitologias, colados nas areias fervilhantes ao sol. Os sapatos preferidos, confortáveis almofadas reconfortando inchaços, desgastavam-se, nas habituais rotas traçadas em labirintos reais. De malas arrumadas na mente, seguía o caminho que só a si, árvore de raízes descarnadas, plantada naquela estufa de vidros quebrados e apertada demais, dizia respeito. Numa fusão de máscaras teatrais, questionava existências que, se íam descobrindo por entre vidraças de cortinados de rendas, manufacturas conceituadas em horas de aprendizagem consensual. Tapumes vistosos para dissectores de vidas. Deambulava por florestas coloridas e espelhadas, ao som tropical ecoando nas rochas de metal. Provava as frescas águas encanadas de rios que desembocavam em repuxos de pedra branca. Como um nomada atravessando o deserto saciava a sede no oasis. Era assim, a cidade. O refúgio para penas quebradas. Cada um no seu mundo quadriculado. Observador assíduo de corpo magro e ar feliz de um tolo, sentava-se, nas ripas de madeira de um banco de jardim aos fins de tarde. Saboreando o estatuto que a si dava. O eremita da cidade.
Haicais
Arco-íris Arco-íris no céu. Está sorrindo o menino Que há pouco chorou.
Jornada Tão longa a jornada! E a gente cai, de repente, No abismo do nada.
Os dois lados Folhas de outono lembram o passado secas e frágeis sob os pés r o m p e n d o o pó suspirando o seu último sopro invisível no ar de outono. As palavras brotam das mudas de um futuro que não só a física beleza da forma mas a clorofila metafísica que se forma através da sua alma metabolizada pela experiência e ambiente. Prefiro o verão enquanto as minhas raízes envelhecem e padecem por calor, solo macio para respirar e uma sussurrante chuva que me refresque. Ainda que, como todas as expectativas de calor são perturbadas por um clima inconstante. Nos aleatórios dias de mais 25º os músculos afrouxam o sangue aquece Quase me lembro da subida da seiva Quase me consigo lembrar da juventude.
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Uma brisa fria o fresco cheiro de terra num crepúsculo infindável vagueio, entre uma "passa" de um cigarro e um olhar perdido no horizonte caminho no solo que não me viu nascer e os ventos polares, esses, recortam, endurecem e tecem as linhas da minha face. Ergo um pouco a gola do casaco já roçado De mãos nos bolsos sigo por entre os verdes da floresta milenar Deixo-me levar pelos pensamentos E memórias de outros Que por ali passaram Em peregrinação
Espelhos Na cabeceira tinha um retrato teu e, Alguns versos escritos por ti. - Poeta de primeira viagem – Pensaste numa aurora de suspiros. Viajámos para o sentido de tuas quadras. - Fugaz amor. Ofereci-te, num reflexo prateado no mar, a Lua. E, As estrelas de luz infinda num prado celeste. Percorremos o tempo. Eu e a melancolia, mas Não discorremos a metamorfose. Fugiam os segundos antagónicos, sonhados. Mas, a melancolia, julgando a devoção Questionou a eternidade. Capitalizamos tudo e nada permanece Como um rochedo perante as tempestades. Voláteis são os sentimentos. Esquecemos a presença do amor e, A morte torna-nos humanos. - Somente sobram os teus quadros Que não lhes reconhecia a poesia. – Tudo é para um dia de dor, todos temos! São as faces do destino… Um velho amigo dizia. Mas, afinal, sou um fingidor. Não escrevo as verdades fugidias do meu eu. Sou o teu momento. Serei a palavra nos lábios de alguém. Estarei na saliva dos teus pensamentos, A mão que afaga o livro do poeta. Sou tu desejando um final feliz Para virar a página.
A Semente de um livro Poderia ler um poema sobre os ventos gélidos de um inverno tardio… Não fosse o frio um entorpecedor de mentes e corpos que se procuram aninhar… A abominável frieza de ideias e, os movimentos, esses, um slow motion numa superfície despejada. Num salto acrobático, alheou-se aos arrepios, descobrindo memórias bem mais aprazíveis. Um por de sol fantástico nas ilhas místicas de um oceano perdido. Ou, mesmo… Aquela viagem às terras calcorreadas por Ali Baba. Aventuras bem remotas. Mas, no conforto dormente de uma cadeira roçada pelo tempo, era inevitável ler, o murmúrio que se escapava na noite. Linhas cruzadas entre a realidade e o devaneio. A ideia de Ali Baba, nas suas mais tresloucadas peripécias, não soava a uma má distracção. Não fossem as lembranças devolvê-lo ao presente, numa resenha diária, à descrença. Alimento bem mais funesto, servido em palestras sucintas e “desbundas” televisivas, flashando no ecrã, sem marcação. Estranho… Num ápice, Ali Baba, deixara de ser uma aprazível viagem para o conforto nas noites frias. O relógio biológico chamara-o à razão de um frigorífico… quase desnudo. E os cascos rompendo as areias quentes e doiradas, não eram mais que um eco insistente do seu corpo magriço. Uma imensa corrente de ar. Com essa insustentável leveza, regressara à roçada cadeira. Sentando os ossos numa almofada e deliciou-se com o néctar dos deuses. Tão transparente quanto o ar que percorria a casa. Deixaria Ali Baba aventurar-se nas letras que relera um sem número de vezes. O personagem que havia sido um dos seus heróis de juventude, tornara-se um prisma. Espelhando as diversas faces dos mais recentes aventureiros de completos fatos. Facto… O quarto esvaziado de identidade, que envergonhados raios de sol pediam o favor de entrar e as sombras das asas, em tangentes artísticas de fronte às vidraças, captaram, por instantes, a sua atenção. Lavaria a mente com os orvalhos num mundo fantástico. E, os pensamentos percorreriam cada recanto do quarto. Quais notas harmoniosas de um acordeão ecoando ao vento quente das estepes, em pleno verão. E, a vela que todas as noites sangrava aflições, aluminaria-o com sonhos. Sonhos de um outro ser, numa noite gélida de solidão.
Espera... Quem espera... Sempre alcança, desespera, morre de tédio ou adormece. Rói as unhas ou dá de "frosques". Sai à procura, resolve casos inexactos. Enfia-se nos "coffee's", bebe uns copos. Salta a estrada, rebola-se no chão frio. Estanca frente às lojas, arregala os olhos. Cheira os fritos que pairam no ar enchendo de agonias o estomago . Salta muros de lamentações abraça-se às inconfidências. Esperneia as suas necessidades nas redes iradas das verdades. Devota-se ao culto comestível e (im)paciente, rasgando as frases mais pertinentes. Segue (des)conselhos apropriados mergulhando de chapa num lago. Salta barras do infortúnio por entre fumos. Rega plantas do pseudo quintal chega a casa leva um murro de um código postal. Senta a espera das melhoras de um navio amargurado, amarra a burra da desgraça nas contas espalhadas no chão. Olha as horas num relógio desbotado sem números ou ponteiros. Cansou o corpo e a mente nas voltas e revoltas que o mundo dá. E quem se cansa da espera... Remedeia-se Como cansa a espera... Quando tudo descamba.
Íntima é a saudade Dos que correm com a brisa Por mares e campos pontilhados de cores Íntima é a saudade Da distância entre um sonho aromático E o arco-íris após temporal de sentidos. Íntima é a saudade Do ludibriar a inconstância e desencontros Cravando a escarlate frases libertárias no espaço. Íntima é a saudade Duma canção imortal entoada em surdina E o deslizar obsceno de uma mão Nas vidraças embaciadas pela chuva. Íntima é a saudade Da dor e nostalgia De amores e poesias E o ultrapassar fronteiras desconhecidas Numa noite fria Da primavera esquecida.
O Rio
Nas noites claras de luar junto às águas, ouvem-se lamentos vãos. O rio também sofre nesse curso sinuoso que o destino traçou. Deslizam as águas docemente e, num revoltoso aproximar da queda é um salseiro espumoso que serena numa bacia acolhedora. Esse rio, triste e belo, vive chorando de queda em queda. Vive gemendo de sonho em sonho.
Poemas; Textos e ilustração
Helena Soares Silva
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