Rir é o melhor remédio: os palhaços que trazem alegria para a cidade
a polêmica em torno dos rodeios: é válido fazer entretenimento em torno do sofrimento dos animais?
são borja embaixo d’água
Especialistas falam sobre a preservação do Rio Uruguai e questionam: o rio que avança sobre nós ou nós que avançamos sobre o rio?
Reportagem: Rosana dos Anjos. Fotos: Rosana dos Anjos
Tradição desde a infância “A maior motivação que podemos ter é que as crianças estão entendendo a verdadeira tradução da palavra tradicionalismo”.
s práticas tradicionalistas são forte cultura no Estado do Rio Grande do Sul. Muitas pessoas convivem com a tradição desde a infância como forma de lazer e entretenimento, além de servir como estímulo cultural. Os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) incentivam o exercício da cultura desde cedo, através de diversas atividades. A mais popular delas é a dança. Luis Ricardo, 22 anos, é membro de um grupo de danças tradicionalistas e afirma que começou com a dança por influência da avó. Para Luis Ricardo, estar inserido nas práticas tradicionalistas desde cedo ajudou no desenvolvimento de valores como disciplina e educação. Além de aprender a valorizar as tradições e a cultura do Rio Grande do Sul. Luis Ricardo ainda relata que, mesmo nos dias de hoje, a influência do tradicionalismo fica evidente desde a infância. “As crianças ficam mais atentas, mais calmas e mais interessadas nas histórias do tradicionalismo. Os contos e lendas são uma ótima forma de passar valores para as crianças”, relata.
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Para entender o tradicionalismo
As práticas campeiras são atividades cotidianas de um determinado grupo da sociedade. No Rio Grande do Sul, além dos executores dessas práticas, há uma cultura de enaltecimento da vida no campo como qualidade de vida e aproximação com valores morais e culturais, como prezar pela verdade e amizade, o cuidado com os animais e com a natureza, ou mesmo a própria simplicidade. Estes valores são comumente citados em vários grupos sociais, entretanto, no tradicionalismo, além de citados eles são temas de cantos, poesias e até mesmo de danças. Em 1947, o folclorista e compositor Paixão Côrtes deu início à criação do Movimento Tradicionalista, que tinha como principal objetivo resgatar e manter vivo o tradicionalismo através das gerações. O primeiro Centro de Tradições Gaúchas (CTG) foi fundado no mesmo ano, em Porto Alegre/ RS. O Tradicionalismo proposto por Paixão Côrtes tem uma aproximação intensa com as artes. O estudante Darcy Pereira Neto, 16 anos, participa do Movimento Tradicionalista Gaúcho desde a infância e comenta sobre sua paixão pela cultura gaúcha. “Paixão Côrtes e o grupo dos oito,
começaram a revitalizar esta espontânea maneira de viver, uma herança que tinha recebido dos velhos farrapos. Assim, criaram a primeira ronda gaúcha: literatura, cantigas, poesias, danças, churrascadas. De todas essas coisas, duas me conquistaram: a dança e arte declamatória - poesia”. Neto ainda afirma que dança e poesia são artes bastante próximas, sendo a dança o ato de “transmitir seus sentimentos com o corpo”. A declamação “é transmitir uma mensagem, é quebrar o vidro dos olhos, poesia vem do fundo da alma”. Neto atribui ao tradicionalismo o apreço a valores como humildade, valorização do trabalho, competitividade saudável e disciplina. E afirma que a arte tem muito a ensinar: “essas duas artes tiveram uma influência muito grande na minha vida. Com elas, conquistei um grande aprendizado, humano, mental e emocional”, conta. Quando questionado sobre suas motivações junto ao tradicionalismo, Neto afirma que “a maior motivação que podemos ter é que as crianças estão entendo a verdadeira tradução da palavra tradicionalismo [...] Saber que um dia podemos passar todo esse aprendizado para nossos filhos e que eles também vão amar essa tradição é a maior motivação que um gaúcho deve ter para continuar a cultivar e preservar essa cultura”.
O grupo dos oito: Em 1947, jovens estudantes vindos do meio rural e liderados por João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes se reuniram na escola Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, e deram início à criação de um departamento destinado a preservar e cultuar as tradições gaúchas. Ao entrar em contato com o então Major Darcy Vignolli, para participarem dos festejos da semana da pátria e retirar da chama da pátria uma centelha, que seria chamada de “Chama Crioula”. Trata-se de uma forma de selar permanentemente a união indissolúvel entre o Rio Grande do Sul e o Brasil. Em 20 de setembro do mesmo ano, Paixão Côrtes foi convidado a montar uma guarda de gaúchos devidamente caracterizados para acompanhar o translado de homenagem ao herói farrapo David Canabarro, de Santana do Livramento, a Porto Alegre. Atendendo ao convite, Paixão Côrtes reuniu os jovens que iniciaram junto com ele o Movimento Tradicionalista e montaram um pequeno piquete, que acompanhou o translado carregando as bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul e do Colégio Júlio de Castilhos. Este grupo, formado por Antônio João de Sá Siqueira, Fernando Machado Vieira, João Machado Vieira, Cilso Araújo Campos, Ciro Dias da Costa, Orlando Jorge Degrazzia, Cyro Dutra Ferreira e João Carlos Paixão Cortes, ficou conhecido como o grupo dos oito. Conforme Côrtes (1961), o Movimento Tradicionalista é um movimento cívico-cultural criado em 1966, que traz como princípios básicos o respeito aos direitos humanos da liberdade, igualdade e humanidade. Seu principal idealizador foi Paixão Côrtes. Dentre os costumes que o tradicionalismo busca preservar, estão as artes (dança, música, literatura) e o folclore nativo do Estado. O termo tradicionalismo deriva das palavras tradição e nativismo. Seu conceito básico explica o tradicionalismo como a exaltação das práticas campeiras e os valores culturais que a vida campesina traz.
Desde cedo as crianças são incentivadas pelos pais a se familiarizar com a cultura gaúcha.
Um Espetáculo Os rodeios são tradicionais no Estado. Mas até que ponto esse esporte pode ser benéfico considerando o quanto os animais sofrem para o nosso entretenimento?
de Maus Tratos Reportagem: Carlos Faé
Foto: arquivo Mozar Balbueno
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ão Borja é conhecida pelos tradicionais festivais de música. Um deles é o festival da Barranca, reconhecido no Estado por somente permitir a participação de homens no concurso, desde sua primeira edição. A cidade tem se destacado na realização de rodeios. Um deles é o Rodeio Country Show. Montaria em touros, shows pirotécnicos e apresentações musicais são atrações certas para a garantia de um público expressivo. Os grandes eventos, como o rodeio, geralmente são realizados no Parque de Exposições Serafim Dornelles Vargas. A organização dessas atividades é semelhante ao rodeio realizado na cidade de Barretos, em São Paulo. O São Borja Rodeio Country Show, em sua última edição, em abril deste ano, reuniu mais de 30 peões na categoria isolada, valendo o prêmio para o vencedor: o valor de R$ 5 mil. Um público expressivo de 10 mil pessoas pode conferir peões premiados em Barretos nos anos anteriores, com uma estrutura completa, onde telões mostravam detalhes dos oito segundos em que o peão desafia o touro. Os shows e a praça de alimentação também são partes importantes desse evento, que teve origem há quase 150 anos nos Estados Unidos, no Texas. Os primeiros rodeios surgiram a partir da união de costumes espanhóis com a doma de animais e festas mexicanas, nascendo, então, o “Rodeio Country”. Após se espalhar pelo mundo, essa modalidade chegou ao Brasil em 1956 e se instalou na cidade de Barretos, onde se tornou parte da maior festa de rodeio e música sertaneja do país. A Festa do Peão de Barretos, como é conhecida, promove o embate antigo entre homem e animal e, atualmente, atrai mais de um milhão de turistas a cada nova edição. Na mesma época em que o rodeio americano surgia no sudoeste do país, despontava nas serras do Rio Grande do Sul o Rodeio Crioulo. Os rodeios começaram com torneios de tiro de laço, que logo atraíram mais competidores, originando, desta forma, o 1º Rodeio Crioulo de Vacaria.
Muitos acreditam que a proliferação dos costumes aconteceu através do êxodo rural, processo em que os migrantes perpetuavam a tradição ao sentir falta de suas origens e terras em diferentes partes do Estado, consagrando a competição em grande parte do Sul. As modalidades mais praticadas na região Sul são o já citado Tiro de Laço, no qual o peão deve laçar um novilho pelos chifres, e a Paleteada. Nesta última modalidade, dois peões a cavalo devem guiar um novilho através da cancha até uma porteira. Para a proteção dos animais, seja em rodeios ou em âmbito rural, há poucas leis que vigoram. Sob o número 9.605, aprovada em 1998, a lei prevê detenção de três meses até um ano para quem cometer abusos, agressões, maus tratos e mutilações a qualquer espécie de animal. Outra lei que rege essas manifestações é conhecida como lei dos rodeios, sob número 10.519, de 2002. Ela decreta ser responsabilidade da empresa que promove o evento uma infraestrutura adequada para peões e animais, com transporte em veículos adaptados, arenas que contenham materiais como areia e serragem, para amortecer o impacto das quedas dos animais, um veterinário que fique de plantão durante todos os processos que envolvem a realização e garante aos peões e outros profissionais que trabalham nesta área um seguro de vida pessoal, temporário ou permanente, que fica a cargo dos organizadores. Caso alguma dessas leis não seja cumprida, a penalidade é uma multa de R$ 5.320,00 e outras penalidades que podem ser aplicadas pelo órgão competente do Estado. São elas advertência por escrito; suspensão temporária ou definitiva do rodeio. A fiscalização é precária no Estado e, nos rodeios realizados em São Borja, o foco principal se atém aos cuidados sanitários, como afirma o secretário de Desenvolvimento Econômico de São Borja, Antonio Sartori Corin. “A vigilância sanitária libera a guia depois de ver se o gado está vacinado, se não está, se tem doença, se não tem”. O secretário comenta que, mesmo sem a atenção de qualquer órgão público, tudo
acontece de maneira correta. Ele também diz que, tanto os organizadores, quanto os participantes, exigem que sejam seguidas as definições das leis para rodeios. Quanto aos cuidados com os animais, Corin salienta que cada peão cuida da melhor maneira possível de seu cavalo, já que depende dele para o sucesso nas competições. Qualquer tipo de agressão aos animais, mesmo que por acidente, sofre represálias. “O peão é repreendido, em alguns casos até excluído do rodeio. É completamente proibido açoitar o animal, isso é uma regra que as pessoas têm entre si, não é oficial. Mas é mais respeitada do que se estivesse escrita em um papel”. Porém, sabe-se que algumas modalidades nos rodeios do Estado podem ser consideradas agressivas aos animais, como a famosa gineteada, na qual o peão deve se manter o maior tempo possível sobre o cavalo. Através da trajetória dessa prática, várias técnicas foram desenvolvidas para fazer com que o animal corcoveie para se livrar da dominação do peão. Objetos como o Sedém, um tipo de cinta amarrada na virilha do cavalo, entre o prepúcio e os testículos, é apertada com força pouco antes das apresentações, comprimindo o órgão genital e os órgãos internos do animal. Esporas pontiagudas acopladas à bota dos peões também são utilizadas e podem causar ferimentos graves no couro do animal.
Objetos como o Sedém, um tipo de cinta amarrada na virilha do cavalo, entre o prepúcio e os testículos, é apertada com força pouco antes das apresentações, comprimindo o órgão genital e os órgãos internos do animal.
Foto: arquivo Mozar Balbueno
Peão cai com o cavalo durante uma prova de gineteada.
Foto: arquivo Mozar Balbueno
As modalidades mias comuns no Estado são tiro de laço e gineteada
O veterinário Marlon Pereira, que trabalha com animais de grande porte, conta que algumas dessas ferramentas seguem sendo usadas, como a cincha e a espora, porém não costumam causar danos graves aos animais. Isso porque o tempo em que são sujeitos a esses artifícios é muito curto, cerca de, no máximo, 20 segundos. Os animais também estão cada vez mais resistentes e acostumados a esses métodos. Além disso, existem regras que estabelecem os tipos e as dimensões de apetrechos permitidos nas apresentações. Em 2012, um projeto de lei proposto pelo deputado federal Ricardo Tripoli, do PSDB de São Paulo, causou incômodo aos praticantes de rodeios. Ele propõe que seja proibida a perseguição aos animais durante rodeios em todo o país. Como prova, o deputado se baseou em um caso no qual um animal sofreu uma fratura na coluna e teve de ser sacrificado. O projeto de lei ainda não foi aprovado, mas já causa reações, principalmente negativas, de quem vive neste meio. Isso é intenso no Rio Grande do Sul, onde os rodeios country e tradicional já possuem reconhecimento. O veterinário Marlon Pereira entende a lei como uma reação exagerada em relação a um único caso e classifica a morte do animal no
acontecimento citado pelo deputado como um acidente, independente da falta de alimentação ou treinamento. O veterinário deixa claro que “você pode ter um rodeio de três dias sem nenhum acidente, assim como em um rodeio de apenas um dia podem ocorrer vários. Não tem como prever. Assim como existem acidentes não só com o gado, como com o cavalo e com o cavaleiro”. Mesmo afirmando que os maus tratos em rodeios na cidade são muito escassos, Pereira acredita que a questão da fiscalização deveria receber mais atenção e ser realizada por profissionais especializados como veterinários e zootecnistas, que poderiam avaliar com mais propriedade as condições do local onde acontece os eventos. Pereira reforça sua ideia sobre o rodeio, dizendo que os mesmos são uma reprodução do dia-a-dia do homem no campo e uma oportunidade de reviver as culturas supridas ao longo dos anos e passadas de geração a geração. A tradição de rodeios como o de Barretos, em São Paulo, o de Vacaria, e o que é realizado em São Borja, fazem parte da cultura local e regional. Os rodeios podem ser vistos como uma das formas de preservação dos costumes tradicionais, desde o homem do campo à cidade.
O Rio Uruguai
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“A tendência (...) é que hajam rupturas irreversíveis na constituição do todo, um todo que levou milhões de anos para se consolidar. A fauna aquática, terrestre, as aves em geral, deixarão de pertencer ao modelo criado pela Natureza”.
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Reportagem: Renata Prates e Jeferson Balbueno. Fotos: Will Lee.
Milhares de pessoas ficaram desabrigas por morarem em área com risco de enchente.
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com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. A lei determina de quanto é o espaço de APP a partir da largura do rio em questão. No caso do Rio Uruguai, que tem aproximadamente 500 metros de largura, a APP deve ter também 500 metros, o que seria até a Rua Alberto Benevenuto. Segundo o biólogo, Lucas de Oliveira, essas áreas são importantíssimas para a preservação ambiental. Ele explica que a área “funciona como um dreno. Toda a água da chuva que provavelmente cairia diretamente no rio é drenada por essa APP e isso diminui o fluxo de água dentro do rio. Todo o calçamento, asfalto, paralelepípedo, impermeabilizam o solo. Então, toda a água que o solo poderia absorver acaba caindo no rio. Não tendo APP, não tendo mata ciliar, que também não é respeitada, a água entra direta no rio”. De acordo com a lei LEI Nº 12.651/2012, as A mata ciliar, mencionada por Oliveira, é a regiões próximas a rios são consideradas “Área vegetação que está às margens do Rio Uruguai. de Preservação Permante” (APP) e são, portanto, Quando essa vegetação é derrubada, as margens ficam intocáveis sem o aval do Estado. O texto da lei diz expostas à erosão, sendo levadas pela água. Assim, o o seguinte: “Área de Preservação Permanente - APP: rio vai se desenhando e tornando seu leito mais largo. área protegida, coberta ou não por vegetação nativa,
as últimas semanas, o Rio Grande do Sul se viu diante de uma das maiores enchentes do Rio Uruguai em 30 anos. Milhares de pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas em vários cidades do Estado. Em São Borja, muitas famílias ainda não conseguiram retornar para suas casas e aguardam a água baixar. Diante de todo esse problema, muito se questionou sobre a possibilidade de remover essas pessoas dos locais em que há risco de enchente. Tal questionamento suscita um debate acirrado na sociedade sobre como isso deve ser feito e se deve ser feito. Tal discussão envolve um conflito entre vários pontos de vista, essencialmente o social, o ecológico e político.
O Problema ecológico e ambiental.
Numa nova cheia, a área de enchente poderá ser maior e acabar atingindo mais famílias. De acordo com o biólogo, quanto mais essa área for povoada, mais chances existem de as enchentes serem maiores daqui a alguns anos. No seu ponto de vista, esta atingiu mais pessoas do que a enchente de 83 “porque existem mais pessoas morando em zonas de enchente”, defende. Isto é uma contravenção à lei ambiental citada no início deste texto. De acordo com a legislação, a APP não pode ser tocada sem que um órgão de proteção ambiental permita que a área seja ocupada. Para isso, ainda é necessário comprovar por meio de um projeto de governo que há um interesse social em ocupar a região.
Como remover pessoas da área de enchente? A professora de Serviço Social, Solange Berwig, também defende uma remoção das pessoas que moram na região de enchente. Porém, essa remoção deve ser de uma forma a respeitar as características das pessoas que moram em regiões ribeirinhas. Em administrações anteriores, A Prefeitura de São Borja fez tentativas de transferir as moradias dessas pessoas. Mas o que aconteceu é que as pessoas venderam os imóveis e voltoram a morar na zona de enchente. Segundo a professora, isso aconteceu porque a cultura das pessoas não foi respeitada. “Não é só mudar de casa, porque você não muda só de casa, você leva a sua história, você leva a sua essência, a vivência. Sendo prática, sim, precisa haver uma remoção [frente] ao risco, que é eminente, que pode acontecer a qualquer momento, em qualquer tempo”. Solange acredita que uma das formas ideais de transferir pessoas é dar um terreno a ela, do mesmo tamanho que o anterior, e deixar que ela construa sobre o local. Segundo a professora, é muito difícil uma pessoa que morava numa casa se adaptar a um apartamento, porque a casa onde a pessoa morava anteriormente foi construída por ela mesma. “Uma coisa é todo mundo se mudar para um lugar só em um conjunto habitacional, mas seria uma outra possibilidade bem viável ao meu ponto de vista, claro, a questão de a pessoa poder escolher onde que eu poderia morar.Trabalhar coletivamente: o poder público e a população atingida”.
“Se essas pessoas não entenderem que elas precisam preservar a região, o rio não será respeitado. Mas educação ambiental não é ir lá só plantar uma mudinha de uma planta nativa. Ela tem que entender porquê isso é necessário”.
Qual é a solução possível? Mas os problemas da ação humana em torno do Rio Uruguai são bem maiores do que apenas morar na área de preservação permanente. Muitos biólogos enxergam com preocupação a construção de hidrelétricas contruídas sobre o Rio Uruguai. Um desses biólogos é Helder Kaleff, que entende que a construção de qualquer usina sempre trará grandes consequências ao meio ambiente. “A tendência, em razão da construção destes mega complexos, é que hajam rupturas irreversíveis na constituição do todo, um todo que levou milhões de anos para se consolidar. A fauna aquática, terrestre, as aves em geral, deixarão
Apesar de ser uma área de preservação, as marges do rio uruguai está repleta de bares e casas.
de pertencer ao modelo criado pela Natureza, um modelo pré-existencial, de harmonia recíproca entre a biodiversidade local e regional. Lembrando que somos partes indissociáveis do todo e que qualquer ação impensada, ou mal planejada, poderá significar o fim daquilo que há vários séculos se encontrava imaculado. Impactos sociais são outra vertente desta proposta de construção física (meio ambiente artificial) e que acabará remetendo, inequivocamente, milhares de famílias a condições preocupantes de situação social, recomeçando a vida do marco zero”. Lucas Oliveira diz que é preciso haver educação ambiental. “Se essas pessoas não entenderem que elas precisam preservar a região, o rio não será respeitado. Mas educação ambiental não é ir lá só plantar uma mudinha de uma planta nativa. Ela tem que entender porquê isso é necessário, senão, depois, alguém vai lá e pisa ou leva o cavalo para comer as plantas que os outros colocaram”. Mas essa educação ambiental deveria ser muito mais abrangente do que a mencionada por Oliveira. De acordo com Kaleff, a necessidade de construir usinas hidrelétricas se dá devido ao consumo de energia exagerado de toda a sociedade. Quanto mais energia consumimos, mais há necessidade de produzir. Porém, essa produção de energia sempre causa grandes impactos sobre o meio ambiente. Segundo ele, as usinas termelétricas liberam gases na atmosfera, a energia eólica interrompe o fluxo migratório das aves, enquanto as hidrelétricas causam os problemas que já foram citados pelo biólogo. “O certo é que nesta linha de raciocínio, somos os principais responsáveis pelo caos planetário, devido aos nossos hábitos históricos de não nos fazer representar entre os demais seres vivos; pelas nossas atitudes permanentes de desrespeito aos demais ciclos da vida, e, inexoravelmente, para mantermos um padrão de vida, com alto consumo, mesmo que tenhamos que passar por cima daquilo que levou milhões de anos para se consolidar. Somos assim, escravos das nossas ações. Não tem volta. Numa linguagem mais cética, a menos que paremos e façamos a devida reflexão, com inversão de nossas práticas e de profundo enraizamento de um novo paradigma existencialista”, argumenta o biólogo. Fato é que a preservação do Rio Uruguai não depende apenas de quem mora na região ribeirinha, mas sim de toda a sociedade. Diante disso, temos de concluir que todos precisamos de educação ambiental.
Foto: Luisa Souza.
Palhaรงo: a Arte de fazer Sorrir
Reportagem: Fรกbio Giacomelli
Mesmo com pouco reconhecimento atualmente, os palhaรงos batalham todos os dias por um sorriso da plateia
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a dúvida do que ser ou não ser quando crescer, muitas crianças sonham em ser palhaço na fase adulta da vida. Hoje sabemos que a dificuldade para se exercer tal função é tamanha. A escassez de circos de lona, que antes, em abundância rodavam as cidades do interior e hoje estão em pontos fixos, é um dos grandes motivos. Quem se encantou com essa ideia deve saber que, embora seja divertido, não é fácil sobreviver da arte de fazer sorrir. Mas é possível, como garante o palhaço João Pinheiro, um dos coordenadores do Circovolante, um grupo, com sede em Mariana, interior de Minas Gerais, que preserva e divulga as artes circenses e é o responsável por realizar, anualmente, o Encontro Internacional de Palhaços. “É possível, sim, principalmente quando a gente percebe que fazer o que gosta é o único caminho para ser feliz”, afirma. O palhaço é inocente e frágil. O palhaço não interpreta. Ele não é uma personagem, ele é o próprio ator, mostrando sua ingenuidade. Na construção do palhaço, o ator, portanto, não busca construir um personagem, mas sim encontrar um estado de espírito
O Esquadrão da Alegria também está presente aqui em São Borja. Foto: Arquivo Esquadrão da Alegria
que seja cômico e emocionante ao mesmo tempo. O Teatro de lona Serelepe, é um dos mais tradicionais circos ambulantes do Rio Grande do Sul. Uma tradição que é de família. Onde o ser palhaço passou de pai para filho. O teatro de lona Serelepe, que é de propriedade da família Almeida chegou, pela primeira vez, ao Rio Grande do Sul em 1962 e fez sua apresentação inicial na cidade de Cruz Alta, comandado José Maria de Almeida, que adotou o nome artístico de Serelepe. Com problemas financeiros, a trupe dissolveu-se vinte anos após a estreia. Uma parte da família fixou residência em Curitiba, no Paraná, de onde partia para excursões breves que incluíam até dois espetáculos diários em cidades diferentes. Em 1994, Marcelo Benvenuto de Almeida, filho de Lea Benvenuto de Almeida e de José Maria, fez o Teatro de Lona Serelepe renascer. Com a estrutura física de um circo ambulante, Marcelo adotou o mesmo nome artístico do pai e fez com que o Teatro de Lona Serelepe voltasse a circular pelas cidades gaúchas. Antes de chegar a São Borja,
a trupe passou por Santiago, onde havia chegado para 45 dias de apresentações. Só que o sucesso das mesmas, fez com que a trupe dobrasse os espetáculos, permanecendo por quase cem dias na cidade vizinha. Há pouco mais de um mês em São Borja, Marcelo diz que o pagamento principal é ver, de cima do palco, o sorriso das pessoas presentes nos espetáculos. Embora toda profissão precise dar uma estabilidade financeira e a possibilidade do sustento da família, o palhaço não trabalha esperando o quinto dia útil do mês. Trabalha esperando o sorriso, mesmo que amarelado, de canto de boca ou que apenas mexa a face. O palhaço quer, que por dentro, a pessoa esteja feliz.
Palhaços da Alegria Não só de circo ou teatro vivem os palhaços de hoje em dia. Dois grupos se destacam no contexto de alegrar em outros meios. O primeiro de todos, chamado Doutores da Alegria, e o que tem um grupo aqui em São Borja, denominado Esquadrão da Alegria. O Doutores da Alegria foi fundado em 1991 e é uma organização sem fins lucrativos, mantida com o apoio de empresários que acreditam no
A expressão da Dra. Bitocaressaltaa importância do trabalho destes profissionais do riso. Foto: Luisa Souza.
trabalho que o grupo realiza. O fundador da ONG, Welligton Nogueira, diz que a profissão de palhaço que o escolheu. “Nunca pensei em ser palhaço na minha vida. Até que um dia me convidaram para ser palhaço em um hospital e quando eu fiz o trabalho, falei: “Uau! é isso que eu quero fazer”. Nogueira, porém, tem ciência da diferença do trabalho teatral e circense para o realizado nos hospitais. “Eu acho que o teatro e o circo, hoje, são muito mais fáceis do que você trabalhar dentro do hospital. Em um teatro ou circo, você ensaia para fazer tudo correto e a surpresa está por conta da platéia. Já no hospital não tem ensaio. Então, você não ensaia para a vida real. Porque quando encontra com as pessoas no hospital, cada uma delas é um espetáculo, com começo, meio e fim.” Em São Borja, o trabalho realizado pelo Esquadrão da Alegria segue a mesma linha. O grupo realiza visitas semanais ao Hospital Ivan Goulart, onde primam por buscar o sorriso no rosto daqueles que lá estão. Fahen Carvalho é acadêmica de Jornalismo, mas de vez em quando vira a doutora besteirologista Uó do Borogodó. “Quando chegamos ao hospital, sabemos que iremos encontrar pessoas com dor, preocupação e em estado de sofrimento. Vamos abertos, para receber um “sim” ou um “não”. Quando somos aceitos em um quarto e quando o paciente ri, é uma sensação única”. Sigmund Freud, criador da psicanálise, em seu livro “A Graça e suas Relações com o Inconsciente”, escrito em 1916, afirma que uma cena cômica e o riso dela decorrente melhoram a saúde física e mental. Então, a busca incessante por um sorriso, nestas condições, faz com que os pacientes acreditem cada vez mais no trabalho destes grupos. “A alegria é contagiante, não escolhe classe, não escolhe local e nem momento, ela apenas chega e toma conta de quem se propõe a recebê-la. Às vezes não contamos piadas, não cantamos e nem dançamos. Às vezes apenas olhamos para o paciente e ele nos retorna com imensa gratidão. A alegria transforma realidades. Vivencio isso há mais de um ano e não tenho teóricos para comprovar, mas tenho certeza de que um sorriso pode mudar o dia de qualquer um”, encerra Fahen.
A união faz a força O segredo de um bairro depois de quatro décadas
Por Ana Possobon
União, organização e a mistura de diversas culturas. Esses detalhes podem ser pequena ou Na cidade, distribuídos
capazes de identificar as características centrais de uma grande cidade. Em São Borja, não poderia ser diferente. atualmente, existem pouco mais de 61 mil habitantes, em 12 bairros, segundo levantamento do município.
Os bairros são lugares que servem para a identificação social dos seus moradores. A escolha pela proximidade, ou a sua adaptação no local, são determinantes para que o indivíduo se encaixe, ou não, na comunidade. Como afirma o Sociólogo Pietro Menin, “a comunidade representa a necessidade dos humanos de viver juntos, (...) é um sistema cultural, no sentido de que a existência dela transcende cada um de seus membros, moldando os indivíduos e influenciando nos hábitos e pensamentos”.
Inicialmente as casas eram padronizadas com mesmo modelo para todos os moradores
Por ter a união de seus membros fortalecida através de ações conjuntas visando ao benefício da coletividade, é que um bairro de São Borja tem se destacado, servindo como referência a população local. A Vila Cabeleira, localizada na saída da cidade, tem como característica principal a integração dos moradores, que, através da sua união, conseguem transformar os anseios da comunidade do bairro em realidade. Entre as ações realizadas pelos cidadãos que vivem no local, destacam-se o desenvolvimento de eventos, projetos sociais e uma série de melhorias que o bairro necessita. A comunidade da Vila Cabeleira realiza frequentemente reuniões com a sua associação para encaminhar suas principais demandas.
“A comunidade representa a necessidade dos humanos de viver juntos”.
Outros bairros da cidade necessitam das mesmas melhorias, mas a diferença está na forma como os recursos são adquiridos. O bairro do Passo é um exemplo. De acordo com o morador, Luís Rodrigues, os eventuais avanços que acontecem são viabilizados através de parcerias com algumas empresas e com o poder público. Festas comunitárias para arrecadar recursos e promover o desenvolvimento na infraestrutura do bairro são realizadas com apoio externo. Contudo, não bastam para o financiamento de obras necessárias.
Imagem: Ana Possobon
“Nós em parceria com a Associação de moradores, prefeitura e algumas empresas já organizamos eventos para arrecadar fundos, na época precisávamos trocar as tubulações de esgoto. Compramos os canos e a prefeitura arcou com o resto do material. Mas não fizemos isso sempre, explica.” Uma das principais diferenças entre a Vila Cabeleira e os demais bairros de São Borja é a união entre os moradores e a forma como as suas ações são executadas. A administração das ações em busca de recursos acontece de maneira organizada. As melhorias na localidade são realizadas através de recursos adquiridos pelos próprios eventos promovidos pelos moradores, dispondo do poder público em último caso.
Desenvolvimento como meta da comunidade
A Vila Cabeleira possui, hoje, 400 moradores. Os números não aumentaram muito desde que o bairro surgiu, na década de 60. A comunidade, criada pelo ex-prefeito José Alvarez na época em que era interventor na cidade, contribuiu para o surgimento do local. Muitas famílias, na época, não tinham onde morar. O nome dado à Vila foi uma homenagem ao então inspetor de ensino da cidade, Alvimar Garcez Cabelleira, que doou grande parte dos seus terrenos para que a Cabeleira fosse criada. O professor de História, João Fernandes, morador da Vila há 46 anos, conta que, no início, 300 casas foram construídas. Cada morador assumiu o pagamento de 240 prestações, divididas em 20 anos, para, depois disso, receber a escritura da sua moradia. “Antigamente, não existia projeto, lei e decreto. As ideias eram criadas em cima de bilhetes. Por conta disso, tínhamos que, primeiro, quitar as prestações da casa para depois de décadas receber a escritura que fosse capaz de comprovar que a residência era realmente nossa ”, explica Fernandes. Depois da construção das casas, a vila foi adequada para se tornar um local próprio para habitação. Isso porque não tinha praticamente nada do que era necessário para isso. “No início, a estrutura era precária e não existia nada aqui, além das residências. Eu tinha que caminhar muitas quadras até chegar ao centro da cidade, onde eu trabalhava na época”, revela Fernandes. A primeira melhoria realizada no bairro foi a implantação de uma rede de esgoto. Esta só pode ser concluída graças ao apoio de lideranças locais. Os reparos que foram feitos na Cabeleira, com o apoio do poder público municipal, eram considerados importantes para a população, mas não atendiam aos interesses dos seus moradores. Estes queriam seguir investindo em melhorias no local.
moradores. “Agora, a principal meta é criar uma creche e uma academia ao ar livre, que na vila é considerada como necessidade, mas ainda não existe”, diz Vieira. Moradora da Cabeleira há 37 anos, Maria Leges faz questão de enfatizar a importância da comunidade para o crescimento do bairro. “Já participei da Associação e me orgulho de ver como esse legado está sendo representado de geração a geração, mas a gente A Associação é formada por nove pessoas, entre não pode esquecer que, se cada um daqui não tivesse presidente, assistente e tesoureiro. As ações que são feito a sua parte, hoje nosso bairro não seria assim”. desenvolvidas em prol do bairro ocorrem através de festividades em parcerias com a igreja, clubes e escolas. Os eventos realizados mensalmente nos clubes da Vila “Não existe um único trabalho. Eles são compostos Cabeleira servem como principal fonte de renda para pela equipe do bairro, que realizam atividades para as melhorias que já foram e ainda serão realizadas. arrecadar fundos que possam servir como forma Uma prova disso é que terrenos não existem de beneficiar nossos moradores”, comenta Vieira. mais para serem comprados. A única forma é de adquirir uma casa. O valor não baixa de R$ 110 mil. Graças a esse elo entre a Associação e os moradores, hoje, a vila possui parques infantis com biblioteca e brinquedoteca, posto de saúde, escolas, igreja, clubes e paradas de ônibus. Todas foram construídas pela própria população. Inclusive a responsabilidade de manter a limpeza das praças é dividida entre os “Nós não tínhamos um espaço para realizar as reuniões. Elas eram feitas ao ar livre mesmo e, ao longo dos anos, com a perseverança do grupo e a realização de eventos, nós construímos o clube da Ascomvilca, que hoje serve de espaço para os nossos encontros, além de beneficiar a comunidade com os frequentes eventos que aqui são realizados”.
Imagem: Luis Gonsalves
Praça do bairro construída com recursos adquiridos pela comunidade
Expediente Direção: Vivian Belochio. Edição: Vivian Belochio. Repórteres: Rosana dos Anjos, Renata Prates, Jeferson Balbueno, Carlos Faé e Fábio Giacomelli. Diagramação e editoração: Rosana dos Anjos e Jeferson Balbueno. Foto da capa: Will Lee. O jornal Matiz é produzido na disciplina de Agência de Notícias II, ministrada pela professora Vivian Belochio, do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Pampa, campus São Borja, em parceria com a Agência Experimental i4 - plataforma de notícias.