Jornal Matiz

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A Campanha do Agasalho do ponto de vista ´ CRITICO Novidades nos tratamentos de saúde em São Borja.

A situação do Arquivo Histórico de São Borja na Estação Férrea.


Reportagem: Taís Zanon

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Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI) do Hospital Ivan Goulart vai representar um grande passo rumo ao futuro de São Borja. A partir do segundo semestre, cidadãos são-borjenses não vão mais precisar se deslocar para outros destinos para que exames como a ressonância magnética sejam realizados. O CDI começou a ser planejado há dois anos. Reuniões entre diretoria, médicos e funcionários do hospital definiram metas para o crescimento da área da saúde de São Borja. A captação de recursos para a obra e para a aquisição dos novos aparelhos se deu através da campanha Eu Cuido, por meio da qual os são-borjenses faziam doações de qualquer valor para auxiliar no custeio das reformas da instituição. O diretor administrativo do Hospital Ivan Goulart, Marcelo Borges, declarou que o CDI está reta final de construção e vai se tornar referência em termos regionais. Ele ressalta que o equipamento de ressonância magnética que foi

adquirido pelo Ivan Goulart é o mais moderno do Estado atualmente. A máquina custou aproximadamente R$ 1,5 milhão. Já os médicos que vão utilizar o Centro de Diagnóstico por Imagem para examinar seus pacientes comemoram o andamento da obra. “São Borja tinha um serviço de radiologia, mas a parte física já estava ficando obsoleta. De uns anos pra cá, foram feitos grandes investimentos. Com o Centro, vamos ter mais agilidade e precisão em nossos diagnósticos. Vai ser uma grande evolução da medicina de São Borja”, declara o médico radiologista Jonas Hickmann. Quem passa pelo Hospital Ivan Goulart já pode observar uma grande mudança em sua estrutura. As obras do novo CDI tomaram conta do visual. E o centro vai começar a funcionar já no segundo semestre de 2014. Dentre as obras do novo Centro, está a sala especial onde vai ficar a ressonância magnética. Uma sala toda revestida com placas de chumbo e aferidas por técnicos especializados foi estruturada para que nada interfira na operação do novo aparelho.


tomografia, os raios-X atravessam o corpo do paciente, sendo detectados do outro lado, dependendo da interação com os órgãos e tecidos. Já na ressonância magnética, o paciente é submetido a um forte campo magnético associado a uma bobina de radiofrequência, que emite os sinais sonoros. A técnica em radiologia Jéssica Pinheiro ressalta que existem algumas contra-indicações do uso do exame da ressonância magnética. Por possuir magneto dentro dela, o paciente não pode usar alguns tipos de próteses, marca-passo ou clipe cirúrgico, pois, por possuir campo magnético, o paciente pode sofrer queimaduras e, quando o indivíduo entra na sala, o magneto já está presente e atrai o metal, causando desconfortos físicos.

O assistente social Lucas Almada, que mora em São Borja, fraturou a perna em um atropelamento. Na época do acidente, não existiam exames que diagnosticassem exatamente o local dos ferimentos. Após a realização de exames de raio-x, ele passou por duas cirurgias. Almada considera que, na oportunidade, se a cidade já dispusesse destes equipamentos que estão chegando, teria sido mais fácil identificar suas lesões. Ele ainda destaca que a vinda destes aparelhos é um marco para a população de São Borja, por se tratar de um recurso que favorece a todos os moradores da cidade e as pessoas de fora também.

Tomografia x Ressonância Magnética

A tomografia utiliza radiação ionizante, que são os raios-X. A ressonância magnética não. Na

Mas afinal, o que é Ressonância Magnética? A ressonância magnética é um exame que se utiliza do campo magnético para diagnosticar precisamente muitos problemas no corpo humano, como tumores, traumatismos, coágulos e doenças degenerativas. Por se tratar de um exame extremamente preciso e que localiza muitos tipos de doenças, a necessidade dele é indispensável para a população são-borjense, que vinha utilizando o serviço na cidade de Santo Ângelo, devido falta de recursos do hospital de São Borja. O aparelho adquirido pelo Hospital Ivan Goulart, tem algumas particularidades em relação aos mais conhecidos. O modelo instalado em São Borja será uma ressonância magnética de campo aberto, o que faz com que os pacientes não precisem entrar no tubo para serem examinados. Facilitando dessa forma o exame em pessoas claustrofóbicas.


Foto | Tatiane Bispo

PATRIMÔNIO

EM PERIGO

Arquivo Histórico de São Borja padece à espera de um tratamento adequado

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Reportagem: Brunno Porto, Carlos Faé Junior, Clécio Bernardo, Helen Dorneles, Tatiane Bispo.

om infiltração de água nas paredes, madeira apodrecida no telhado do antigo prédio da estação férrea do município e ausência de um funcionário responsável por esse acervo, os documentos que compõem o Arquivo Histórico de São Borja e que estão pilhados em uma sala fechada do local, esperam por um espaço e tratamento adequados. Até 2007, acreditava-se que a estação férrea, que fica entre os bairros Itacherê e Passo, pertencia à União. No entanto, após uma pesquisa realizada pela consultoria jurídica da Prefeitura Municipal e do Departamento de Assuntos Culturais (DAC),

constatou-se que o patrimônio era do município. Em novembro de 2012, o andar térreo do prédio foi cedido ao Centro Cultural de São Borja – entidade independente constituída de trabalho voluntário. Criado pela lei nº1. 317/85, de 14 de maio de 1985, o Arquivo Histórico de São Borja abriga importante acervo documental, que contribui para a perpetuação da memória histórica do município. Atualmente, ele se encontra no segundo piso da estação férrea, local em piores condições do prédio. “O que precisa ser reformado urgentemente é o teto do prédio”, aconselha o presidente do Centro Cultural Fernando Rodrigues.


Neste arquivo, há documentos manuscritos do período que compreende 1830 até 1960. Neles, constam atos provenientes da Câmara Municipal de Vereadores, correspondências oficiais e pessoais que relatam e comentam Fernando Rogrides fatos ocorridos na região, desde quando São Borja estava sob o domínio dos espanhóis até chegar o período regência. Além de materiais da época do falecimento de Getúlio Vargas, do período de guerras, dos preços dos alimentos de cada época e da história da estação férrea. De acordo com o presidente cerca de 30% desta documentação é perdida por ano. “O arquivo, de tempos em tempos, tem que ser manuseado por alguém, folheado para não grudar, limpo com pincel. Além disso, não pode pegar luminosidade e umidade”. Para o radialista José Norinaldo, um dos representantes da comunidade são-borjense no Centro Cultural, esse arquivo é valioso. Ele acredita que, do jeito que está, não durará muito tempo. “São livros enormes, pesados e muito velhos, que merecem um cuidado especial”, alerta Norinaldo. A ideia da equipe que compõe o Centro Cultural é finalizar um projeto de revitalização do prédio até o final deste ano. Nele, constarão os aspectos mais urgentes, que são a parte elétrica, hidráulica, admissão de um funcionário que fique responsável pelos documentos, uma máquina para digitalizar os documentos e um HD externo. “O responsável pela prática, no entanto, é o município. Podemos colaborar com a criação desse projeto”, diz. Ao todo, o planejamento visa ao investimento de R$ 300 mil.

“Queremos facilitar que as pessoas tenham acesso a esses dois séculos de história”

Prefeitura planeja projeto de revitalização do local A Prefeitura Municipal de São Borja também está desenvolvendo um projeto mais amplo e que pretende recuperar este arquivo histórico, mas que não tem previsão de término. O eixo central do planejamento é digitalizar os documentos para melhorar a conservação e facilitar o acesso às pesquisas, organizar cronologicamente os dados recolhidos através da transcrição das fontes e classificar o arquivo a partir dos elementos que o compõem, como personagens, períodos históricos

e encadeamento dos temas que tratam as fontes. Segundo a Diretora de Cultura, Viviane Pimenta, a estruturação e formalização desse acervo garante que importantes elementos da cultura de São Borja não sejam esquecidos. “A partir da digitalização e do agrupamento cronológico, será possível uma melhor compreensão por parte da comunidade do conteúdo documental e das conexões com a história regional, nacional e internacional”. O ideal, para o presidente do Centro Cultural, é que fossem reunidos todos os documentos da cidade, como os mais recentes, os das igrejas, e fossem organizados em um único local, sendo um arquivo único. “Queremos facilitar que as pessoas tenham acesso a esses dois séculos de história”. Atualmente, se alguém precisar utilizar esse acervo, é necessário agendar um dia e horário com algum funcionário do DAC. A visita é acompanhada por um responsável do departamento. “O meu sonho é criarmos um portal na internet com todo este arquivo para podermos expandir a história de São Borja”, finaliza o presidente.

Como o acervo foi parar na estação férrea? Segundo o Rodrigues, esse acervo está no local há quatro anos e, apesar de não ser o ideal, está em melhor condição que antes. O arquivo, em 2006, ficava em um depósito intitulado de Brasília, na Vila Cabeleira: “Era um prédio que não tinha nem chão batido”, lamenta Fernando. Ele conta que, na época, funcionava o curso de História da Universidade da Região da Campanha (Urcamp), Campus São Borja, o que possibilitou uma parceria. “Os estudantes fizeram uma seleção do que era realmente relevante, limparam, catalogaram e digitalizaram todos os papeis”. Em seguida, os documentos foram guardados em uma sala da biblioteca municipal. Rodrigues conta que historiadores, economistas, administradores e pesquisadores iam com frequência ao local para consultar o arquivo. Em seguida, os documentos foram retirados de lá e colocados no antigo prédio da estação férrea, junto com arquivos da antiga usina, que ficava no Bairro do Passo. “O problema desses documentos que vieram da usina é que eles não tinham sido limpos e catalogados. Assim, os que já estavam organizados estão, agora, misturados com esses. Quem pegar para arrumar, agora, terá que iniciar tudo do zero”. Durante uma semana nossa equipe de reportagem buscou conseguir acesso aos documentos, porém sem sucesso.


´ Sera que fazer

resolve? Reportagem: Jeferson Balbueno


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mês de maio traz novos ares pela região da fronteira. Este é o mês que marca a transição do calor habitual do verão para o gélido inverno gaúcho. O vento frio faz com que os são- borjenses saiam de casa com algumas peças de roupa a mais. Aos poucos, o termômetro da praça XV vai mostrando números cada vez menores. No ápice do mês de junho e julho, alguns desses números são acompanhados pelo sinal de negativo. O vento traz a sensação de que estamos em algum lugar bem diferente daquele cenário de alguns meses atrás. O inverno traz consigo novos hábitos: chocolate quente, família e amigos reunidos em torno da lareira ou de um aquecedor, aquela preguiça de levantar da cama quando lá fora está -1Cº. Ao sair pelas ruas, vemos pessoas andando de sobretudo, alguns senhores de mais idade com seus palas, os mais jovens de touca, outros de cachecol e por aí vai. A pessoa que não se protege adequadamente do frio está sujeita a pegar algumas doenças, como pneumonias, resfriados, gripes, entre outros. Por isso que algumas pessoas já ficam preocupadas

com a mudança de temperatura. Outras ficam mais apreensivas: seus armários estão com poucos casacos e não há como comprar novas roupas para o inverno. A necessidade dessas pessoas mobiliza outros grupos dedicados a ajudá-los. Assim, começa a chamada Campanha do Agasalho. Essa campanha acontece graças ao investimento de alguns empresários da cidade e de outras instituições parceiras, como o Exército, por exemplo. As roupas são arrecadadas ainda nos dias quentes do ano. A Prefeitura promove o chamado “Dia D”, no qual um grupo de voluntários, mais os funcionários da administração municipal, passam em vários bairros, de casa em casa, pedindo que as pessoas doem peças de roupas que elas não vão precisar. Apesar da aceitação da campanha na sociedade, muitos estudiosos questionam a Campanha do Agasalho como método. Entende-se que a necessidade de vestuário é um direito do cidadão, mas que a campanha faz parecer um favor. O professor de Serviço Social da Unipampa, José Wesley Ferreira, explica que o Estado deveria garantir todos os direitos do cidadão, sejam eles de alimentação, educação, saúde, vestuário o u qualquer necessidade que o indivíduo tenha. Mas a campanha do agasalho faz com que o indivíduo dependa da benevolência de empresas e pessoas dispostas a ajudar. No ano seguinte, a pessoa que recebeu as doações estará diante dos mesmos problemas que a levaram a recorrer aos Centros de Referência e Assistência Social (CRAS), necessitando novamente de kits com roupas para o frio. - As pessoas que trabalham com a campanha do agasalho, que se envolvem com essas questões, não têm um objetivo ruim explica Ferreira. - É um objetivo no qual eles estão preocupados com seus semelhantes. Mas a forma que eles pensam essa ajuda é uma forma


despolitizada e é uma forma que acaba resolvendo a aparência do problema, e não o problema em si. Logo, o que se entende é que a campanha do agasalho funciona como uma medida paliativa e não uma solução definitiva do problema. Ferreira não critica a campanha em si. Para ele, é o que dá para fazer no momento. Mas o professor acredita que o ideal seria uma mudança nas estruturas sociais, para que ninguém mais dependesse de campanhas para ter o que vestir. Outras pessoas identificam problemas na participação de empresas em campanhas como essa. Como afirma Ferreira, acredita-se que as empresas recebem o status pela participação na campanha de “empresa interessada nos problemas da comunidade”, quando, na verdade, os problemas não serão resolvidos e elas ainda ganharão a imagem de empresas filantrópicas. O professor Ferreira entende que, às vezes, essas empresas podem mesmo estar preocupadas com o problema social, mas a solução verdadeira da questão jamais virá delas. - A forma de resolução dos problemas sociais, dentro da lógica do capitalismo, vai ser sempre paliativa. Porque mexer na estrutura da coisa é algo que nem passa na cabeça deles [nesse caso, as empresas]. Dar um cobertor para uma pessoa tem um lado positivo? Tem, mas isso pode

Foto: Jeferson Balbueno

Eva Correia e Clenir moram numa pequena casa de madeira enquanto constrõem sua casa de concreto. Um lugar difícil de se morar no inverno.

reproduzir uma lógica de favor, de benemerência e não de cidadania. E as campanhas, às vezes, até usam a cidadania para se justificar. Mas cidadania é muito mais que isso. Cidadania requer participação e autonomia do sujeito nos processos, o que é bem diferente do que as campanhas do agasalho acabam promovendo. O sociólogo Ceras Beras vê a Campanha do Agasalho de forma positiva. Como professor da Unipampa, Beras coordena um projeto de extensão da universidade que faz uma campanha semelhante. O PampaStock é um festival de rock que também arrecada alimentos e produtos de limpeza para doações. - No último PampaStock, nós arrecadamos três toneladas de alimentos. O que supriu o restaurante popular por cinco meses, atendendo a população de rua de São Borja – defende o professor. Logo, ele entende que campanhas como a do agasalho são importantes, dada a situação de desigualdade social do Brasil no momento. Mas reconhece que é preciso outras ações: - Essas iniciativas são necessárias, importantes e positivas. Mas têm de ser pensadas, também, mais políticas públicas para que as pessoas consigam mais oportunidades de trabalho e oportunidades de emprego, de escolaridade,


para que elas não fiquem sempre numa situação de dependência – argumenta. Assim como o professor José Wesley Ferreira, o professor Beras entende que as campanhas não são a solução do problema. Embora seja positiva, a Campanha do Agasalho tem que ser pensada como “um primeiro passo”. Beras também acredita que são necessárias mudanças nas estruturas da sociedade para que os problemas relacionados à pobreza e à miséria, incluindo a falta de vestuário, sejam resolvidos plenamente. Como um segundo passo, o sociólogo acredita que é necessário “atacar as causas estruturais”: - Por que as pessoas dependem de uma campanha do agasalho? É porque elas não conseguem comprar por si só o seu agasalho. E isso pode ter N motivos, e nós temos que atacar esses motivos. Hoje, nós temos algumas inciativas como Pronatec, Bolsa Família, mas percebe-se que, como as campanhas ainda são necessárias, elas ainda não são totalmente suficientes. Temos que pensar isso. O Estado (e aqui entende-se tanto no âmbito federal, como estadual e municipal) tem que pensar políticas públicas de inclusão para que, num futuro, tu não precises se comprometer a sociedade dessa forma e para que se possa fazer outros tipos de campanha. Tu já pensaste em fazer uma campanha cultural? Fazer apresentações culturais, fazer círculos culturais na cidade? Mas isso só será quando as necessidades básicas estiverem supridas.

O caso de uma família beneficiada

A explicação dos professores encaixa-se perfeitamente no caso da diarista Eva Correia, 51, e seu marido Clenir de Paula, 54, que moram no bairro do cemitério. Ambos têm filhos de outros relacionamentos, mas o único que mora com o casal é um jovem de 14 anos, filho apenas da diarista. Essa família recebe doações da Campanha do Agasalho há dois anos, mas as roupas resolvem, aparentemente, apenas uma parte do problema. Eva e Clenir têm problemas de saúde. Ela tem esporão nos pés e é hipertensa. Mesmo assim, consegue trabalhar com faxinas três vezes por semana. Já o marido tem diabetes, é hipertenso, tem a doença de chagas e também tem problemas

(...) essa ajuda é uma forma despolitizada e é uma forma que acaba resolvendo a aparência do problema e não o problema em si. José Wesley Ferreira, Professor nas pernas, tendo muitas dificuldades para ter um emprego fixo. Então, quando pode, faz bicos como pedreiro, que é a profissão que começou a exercer desde a juventude, mas de maneira informal. Ambos não deram muita sorte na vida. Nenhum dos dois pagou a previdência social, vivendo de bicos e conforme as oportunidades. Eles moravam no bairro Paraboi, mas foram mudados pela Prefeitura para perto do cemitério. Quando eles chegaram ao novo “lar”, não encontraram nada. Não havia banheiro, água encanada, nem luz elétrica. Apenas um barraco provisório. - A gente pedia para fazer as necessidades e tomar banho na casa dos vizinhos – explicam. O casal alega que a Prefeitura havia prometido uma casa pronta, mas foram dados apenas os materiais de construção. Isso fez com que a família alongasse suas dificuldades mais do que eles esperavam. Mesmo alguns anos após a mudança de endereço, a casa ainda não tem janelas nem portas. Mesmo assim, a diarista deixa uma estante e cadeiras nas peças incompletas, protegidas apenas pelo cachorro da família. - Graças a Deus, ninguém rouba aqui - explica Eva, que se demonstra muito segura mesmo diante dessa vulnerabilidade. Atualmente, o maior sonho do casal é concluir a casa, que será de apenas uma peça e o banheiro. Devido às dificuldades, o casal decidiu


Foto: Jeferson Balbueno

Enquanto a casa não fica pronta, Clenir e Eva esperam pacientemente, sempre aproveitando ajudas como a da Campanha do Agasalho.

participar das campanhas do agasalho. No início, Eva era voluntária. Ela ajudava a separar as roupas boas e aproveitava para montar um kit para si. Há dois anos que eles são beneficiados pela campanha. As doações ajudam a família a economizar para fazer gastos em outras coisas que também são importantes para eles, como a casa, por exemplo. Eva também recebe roupas usadas de presente das mulheres para quem trabalha. - Quando não me serve, nem para o Clenir, nem para o meu guri, eu dou para as vizinhas – complementa. Além disso, eles também participam de outros programas sociais do Governo. Como a faxineira tem um filho menor de idade, eles recebem R$ 102,00 do Bolsa Família. Uma vez a cada dois meses, o casal também recebe uma cesta básica. Como eles dizem, “[a cesta] ajuda grande”, mas também não resolve os problemas relacionados à alimentação. A cesta básica dura apenas uma ou duas semanas. Por isso, Clenir e Eva tornaram-se dependentes da ajuda da Campanha do Agasalho. Quando é possível, eles investem na conclusão da casa e isso faz com que outras necessidades acabem se tornando um problema de provisão. Clenir não esconde a decepção de receber esse tipo de ajuda e de depender de outros para

sobreviver. Ele demonstra seu descontentamento com a própria situação: - Eu me sinto humilhado, porque eu fui um homem bem são. (...) Nunca dependi e agora vivo pedindo – afirma, com lágrimas nos olhos. Já a sua esposa, Eva, diz que não se intimida de receber esses auxílios: - Eu não pegava de primeiro, eu tinha vergonha. Todos os meus vizinhos lá pegavam e eu não pegava. (...) Agora, eu não tenho mais vergonha. Gente de alto que pega, casas boas aí. Aí eu comecei a pegar. Mas não queria ficar dependente disso. Ninguém gosta, né? – pondera a diarista. Eva estudou até o terceiro ano do ensino médio. Clenir tem apenas a sétima série do fundamental. E, segundo o casal, o filho de 14 anos tem dificuldades na escola. Portanto, o futuro deles não parece ser muito promissor. Sabe-se que existem soluções em longo prazo por meio de políticas públicas, mas as necessidades das famílias são urgentes. Não se sabe quando eles vão, ou se vão sair da atual situação de vulnerabilidade social. A Campanha do Agasalho e as outras iniciativas governamentais não estão resolvendo o problema no seu âmago. Mas amenizam o sofrimento dessa e de outras famílias, que não tiveram muita sorte na vida, ou que foram vítimas da injustiça social.


A Doação de sangue em São Borja Saiba como ser doador e também veja o que você precisa saber para doar sangue tranquilamente. Reportagem: Rosana dos Anjos


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hemonúcleo de São Borja espera por um aumento nas doações de sangue. A expectativa vem com a nova portaria do Ministério da Saúde que permite que pessoas a partir dos 16 anos e até os 67 sejam doadores. Segundo a bioquímica Roselaine Bittencourt, em sua capacidade total, o hemocentro de São Borja chega a armazenar 150 bolsas de sangue, com validade de 35 dias cada, mas a média regular do estoque fica bem abaixo disso, com cerca 50 bolsas de sangue por mês. A baixa nas doações se dá, também, em função do inverno. Com a chegada do frio, muitos dos doadores deixam de comparecer ao hemonúcleo. As principais razões são a proliferação de gripes e resfriados e o uso de medicamentos para combater estes e outros vírus. A doação de sangue é cercada de casos polêmicos. Desde os anos 80, com a disseminação da AIDS, através da doação de sangue, até a influência religiosa na doação e recepção de sangue. Determinadas religiões proíbem que seus adeptos recebam sangue por meio de transfusão, mesmo em casos de vida ou morte. A bioquímica responsável pelo hemonúcleo de São Borja, Roselaine Bitencourt, comenta sobre dois casos curiosos em São Borja, envolvendo religião e doação de sangue. No primeiro, a família não aceitou que o paciente recebesse uma transfusão de sangue e o próprio paciente desistiu de receber a doação para atender os preceitos de sua religião, mesmo que a doação fosse imprescindível para sua recuperação.

Curiosidades

1. O primeiro banco de sangue do Brasil foi inaugurado em Porto Alegre, no ano de 1941. 2. O nome banco de sangue (hoje, hemocentro) vem do fato de que quem doava sangue recebia uma gratificação em dinheiro pelo ato, ou seja, o sangue era comercializado e não doado. 3. Cada doação de sangue pode salvar até três vidas. 4. Só é permitido doar 8ml por quilo de peso para mulheres e 9ml por quilo de peso para homens. 5. Com a constituição de 1988, ficou proibido todo e qualquer tipo de comercialização de sangue. 6. Hemonúcleo e hemocentro não são a mesma coisa. O Hemonúcleo é uma unidade semelhante ao hemocentro, porém menor e efetua somente a coleta de sangue para doação, enquanto o hemocentro trabalha com coleta de sangue, de medula, triagem de sangue e de compatibilidade de medula, entre outras funções.

Outro caso teve início semelhante, porém um desfecho diferente. O paciente também se encontrava entre a religião e a ciência. Entretanto, quando soube que sua vida dependia da doação, o paciente optou por dar sequência ao procedimento. Posteriormente, abandonou a religião e tornou-se doador frequente. Mas nem sempre a religião e a ciência estão em conflito. Outro caso citado por Roselaine é uma campanha liderada pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que incentivou seus fiéis a se cadastrarem e firmarem um compromisso como doadores em potencial. A própria congregação criou um cadastro e uma lista com o nome, contato e tipo sanguíneo de cada voluntário e repassou os dados para que o hemonúcleo pudesse fazer uso e solicitar doações quando necessário.

Jovens aderem com frequência à doação de sangue Alguns doadores não se deixam abater pelo frio e continuam a doar. É o caso dos estudantes Elisa Agarriberri e Rodrigo Alves. Ela tem 19 anos e, desde os 18, é doadora. Já Rodrigo tem 29 e há 6 anos é doador. Em entrevista ao Matiz, o casal contou um pouco sobre como é decidir ser doador tão cedo: Matiz: Com quantos anos você começou a doar? Elisa: Eu completei 18 e já comecei a doar. Tentei com menos idade, mas não consegui, porque tinha que ser com autorização legal de um responsável. Daí, decidi esperar um pouco mais. Rodrigo: Eu comecei a doar aos 18 anos por iniciativa própria. Eu percebi, na época, que era uma medida que não me custava nada e poderia ajudar fundamentalmente a salvar vidas. Matiz: Para você, qual é a importância de doar? Elisa: Não vejo porque não doar sangue quando tem gente que precisa. Por que não compartilhar? Além do mais, me sinto melhor ajudando direta ou indiretamente as pessoas. Rodrigo: Eu já tive conhecimento de vários casos próximos que precisavam com urgência de doação. Eu resolvi não esperar que acontecesse com alguém íntimo para doar. Matiz: Você conhece alguém que já precisou de doação para casos extremos (em que a vida dependesse da doação, por exemplo)? Elisa: Para caso de vida ou morte, que eu saiba, não, mas, devido à falta de doadores na cidade, seguidamente vem gente me procurar para eu doar.


Possibilidade da doação em trotes solidários Em muitos pólos universitários, é comum a integração entre calouros e veteranos através do já tradicional trote. Além da pintura e tradicionais brincadeiras, alguns veteranos incentivam seus calouros a tornarem o trote um momento de colaborar com a sociedade. Dessa forma, o trote solidário vem ganhando cada vez mais espaço. Dentre as principais atividades do trote solidário, estão a arrecadação de alimentos, promoção de rendas revertidas para entidades beneficentes e a doação de sangue. Em São Borja, a cultura do trote com doação de sangue ainda não está consolidada, mas a bioquímica Roselaine Bitencourt afirma que o hemonúcleo está aberto para parcerias.

Informe-se Quais exames são feitos para doação? Conforme Roselaine, antes de fazer a doação, é preciso passar por uma entrevista médica, na qual o paciente informa seu histórico médico e é avaliada a sua possibilidade de doação. Feita a entrevista, é coletada uma mostra de sangue, que é destinada para testes de hemoglobina, tipagem sanguínea e testes referentes a doenças do sangue (como hepatite, anemia, diabetes e DSTs). Se todos os exames tiverem resultados negativos, a doação pode ser feita. Quem pode doar? Pessoas de ambos os sexos, entre 16 e 67 anos, com mais de 50Kg, que não estejam em período aberto de janela imunológica.

“Não vejo porque não doar sangue quando tem gente que precisa. Porque não compartilhar?” Elisa Agarriberri, doadora.

O que é Janela Imunológica? É um momento de desenvolvimento de determinadas doenças, caracterizado pelo período de 12 meses. Quem, por exemplo, fez tatuagem, ou teve relações sexuais com mais de um parceiro sem proteção dentro desse período de tempo, não pode doar. A proibição se dá porque, se a pessoa estiver infectada com alguma doença (HIV, por exemplo), nesse período, a enfermidade pode não ser detectada, passando despercebida pelos exames e infectando quem receber a doação. Quem não pode doar? Quem está sob efeito de antibióticos e outras medicações, quem possui alguma doença do sangue (hepatite, diabetes, anemia ou alguma DST) e pessoas com menos de 50 quilos.

Foto: Carlos Poly


Expediente: Direção: Vivian Belochio. Edição: Vivian Belochio, Jeferson Balbueno. Repórteres: Taís Zanon, Clécio Dias, Brunno Porto, Carlos Faé, Helen Dornelles, Jeferson Balbueno e Rosana dos Anjos. Diagramação: Carlos Faé, Jeferson Balbueno. O jornal Matiz é produzido na disciplina de Agência de Notícias II, ministrada pela professora Vivian Belochio, do curso de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Federal do Pampa, campus São Borja, em parceria com a Agência Experimental i4 - plataforma de notícias.


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