São Borja Edição 5, 17 de Setembro 2013
O que está acontecendo com o Ensino no
Médio
RS?
A polêmica sobre o politécnico Por Vivian Belochio
Expediente Direção: Vivian Belochio. Edição: Vivian Belochio, Tamara Finardi. Repórteres: Caroline Rossasi, Juliano Jaques, Lays Borges, Pamela Faustino. Editores: Andressa Dantas, Julianne Lopes, Juliano Jaques, Marina Almeida. Diagramação: Caroline Rossasi, Juliano Jaques, Lays Borges, Pamela Faustino, Tamara Finardi. Fotos: Caroline Rossasi, Juliano Jaques, Nycolas Ribeiro, Rafael Junckes, Pamela Faustino. Identidade Visual: David Kochann. Edição V do Jornal Matiz, produzido para disciplina de Agência de Notícias II, do Curso de Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal do Pampa, Campus São Borja, em parceria com a i4, Agência Experimental de Jornalismo.
É possível discutir o valor de metodologias de ensino focadas no preparo dos cidadãos para o futuro? O que você considera mais adequado: a) preparar para a forte concorrência existente, atualmente, por vagas no mercado de trabalho, para o ingresso nas universidades e em concursos públicos?; b) deixar o aspecto da competição fora da rotina dos alunos nas escolas? É difícil apontar caminhos nesse sentido, já que, naturalmente, o equilíbrio entre as tendências mencionadas seria uma solução interessante. Porém, qual será o interesse dos alunos com relação à sua formação? Matéria publicada nesta edição do Matiz, assinada por Caroline Rossasi, destaca que muitos estudantes são-borjenses estão insatisfeitos com o sistema ao qual são submetidos. Trata-se do politécnico. Entre outras peculiaridades, o referido programa elimina a possibilidade da reprovação. Esta é substituída pelas famosas dependências. Outra reclamação é a criação de seminários que tomam horas de matérias importantes para a preparação ao vestibular e ao ENEM, por exemplo. A questão é polêmica e, pelo visto, está longe de uma solução. Como o politécnico é um programa idealizado pelo governo estadual, acaba sendo implantado obrigatoriamente nas escolas mantidas pelo Estado, mesmo a contragosto dos próprios docentes. Será que prepara ou desprepara? Mais vale forçar a sua implantação, ou considerar a realidade atual a favor da melhor preparação aos estudantes gaúchos? Eles estão sendo prejudicados na sua formação? Terão desempenho pior aqueles que não buscarem reforço por conta própria? Perguntas que ficam sem resposta, pelo menos por enquanto. O Matiz também traz matéria, assinada por Pamela Faustino, sobre a preservação do patrimônio histórico da cidade. A reportagem discute até que ponto vale a pena manter certos imóveis intactos em nome do objetivo de garantir a preservação da história do município. Expõe as regras que são observadas, atualmente, para isso e destaca o ponto de vista dos proprietários de imóveis tombados e do poder público sobre o assunto. Além disso, o jornal destaca matéria de Lays Borges sobre o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). O texto aborda, entre outras questões, as origens do MTG e a sua importância na atualidade. Por fim, o Matiz expõe matéria de Juliano Jacques sobre a relevância do Tribunal de Arbitragem em São Borja. Órgãos como este têm possibilitado que o município se destaque em nível estadual por garantir a tramitação, em tempo menor, dos seus processos em primeira instância.
Juliano Jaques
Justiça: um bem de todos
Tempo de julgamento de um processo na comarca local é inferior à média estadual
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ada vez mais comuns, os processos judiciais vão ganhando as prateleiras do fórum da comarca de São Borja. Atualmente, em torno de 22 mil processos estão em tramitação no poder judiciário local, para serem julgados por quatro juízes. De acordo com o diretor do Fórum, o juiz de direito da 3ª vara cível, André Dal Soglio Coelho, o trâmite de processos em primeira instância, na cidade, é inferior à média do tempo de tramitação no Estado, levando em conta a estrutura do Fórum local. Ele justifica que as demoras que ocorrem são inerentes ao sistema. “Existem os prazos das partes, intimações a serem feitas e necessidade fa-
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Defensoria Pública de São Borja atende cerca de 280 pessoas por mês, relata a defensora Isabel Rodrigues Wexel
“Acredito numa sociedade mais justa, numa repreensão mais adequada. Hoje, o sistema prisional não traz benefícios para os acusados apesar de o presídio ser padrão, não podemos dizer que socializa alguém.” Defensora Pública Isabel Rodrigues Wexel 6
tempo no trâmite de ações são sistemas alternativos de mediação de conflitos, como os tribunais de arbitragem. “O sistema auxilia porque, ao invés de dez, oito vêm discutir na justiça. Dois aceitaram a mediação e resolveram seu problema lá. Evidente que ajuda”, declara. A implantação do Tribunal de Mediação e Arbitragem na cidade causou, de certa forma, desconforto entre os advogados, que previam a diminuição na demanda de clientes. Não é dessa maneira que o advogado Adriano Moraes percebe a situação. Para ele, a estrutura auxilia o poder judiciário, e o advogado pode, normalmente, acompanhar o seu cliente. Conforme Moraes, a movimentação de um processo necessita de várias estruturas e isso pode causar certa demora dentro do Fórum. “Eu acho que existe uma demanda muito grande. As pessoas entram por qualquer coisa. Na verdade, têm o direito constitucional de entrar”, comenta.
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zer uma audiência. Então, o processo fica muito tempo em cartório, com os advogados, ou esperando muito tempo a decisão”, pondera. Segundo ele, a demora é natural no sistema judiciário. Dal Soglio considera como excelente o tempo de julgamento de um processo atrelado ao trabalho dos outros três magistrados. “Não tem como fazer um processo e terminar em 30 ou 60 dias. Isso é impossível. Somente o tempo de espera para a parte contestar, esperar o prazo para audiência, esperar para apresentação das alegações finais e julgar é superior a isso (sic)”. O juiz André Coelho explica que existem processos judiciais simples e repetitivos, os quais são julgados em até quatro meses. Mas também existem outras ações mais complexas, que envolvem diversas partes e bens, como, por exemplo, os inventários, que têm um tempo médio de tramitação de aproximadamente um ano. Uma das formas encontradas para o auxílio na redução do
Tempo médio do trâmite de processo é de aproximadamente 120 dias. No caso em ações que envolvam diversas partes pode chegar a até 1 ano
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Uma das estruturas que auxiliam na defesa do cidadão nos processos judiciais é a Defensoria Pública do Estado, que atua nas matérias cíveis, penais e administrativas, na esfera judicial e extrajudicial, em todos os graus de jurisdição, exclusivamente perante a justiça estadual. Para ser beneficiada pela estrutura, a pessoa deve ter renda familiar de até três salários mínimos para ações cíveis. Nas defesas criminais não há limite de renda para o interessado, bastando a solicitação ao juiz de que seja nomeado um defensor público. Em São Borja, cerca de 70 pessoas são atendidas por semana. Estas estão envolvidas nos mais diversos processos, como questões familiares (pensão alimentícia, dissolução de união estável, separação) e também de saúde (pedidos de exames, solicitação de medicamentos e internação compulsória). Este tipo de solicitação atinge cerca de 65% das causas defendidas. Conforme a defensora Isabel Wexel, o órgão atende até mesmo pessoas que foram presas em flagrante e não nomearam advogados. “Nenhuma pessoa fica sem defesa em qualquer processo criminal. Mesmo se a pessoa sequer foi encontrada, nós defendemos também. A gente postula citação e encontra ela (o acusado)... Ninguém pode ser condenado sem ser cientificado”, explica. Atualmente, a demanda aumenta, também, na área criminal. Conforme o Princípio Constitucional da Ampla Defesa, a defensora Isabel Wexel, que responde pela área criminal, realiza, semanalmente, o atendimento a 18 presos do Presídio Estadual de São Borja, o qual tem um contingente de 180 apenados. “Acredito numa sociedade mais justa, numa repreensão mais adequada. Hoje, o sistema prisional não traz benefícios para os acusados. Apesar de o presídio ser padrão, não podemos dizer que socializa alguém”, comenta.
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Ensino Médio Polité Foto: Caroline Rossasi
Dias antes do aniversário de independência do Brasil, estudantes foram às ruas protestar contra o Ensino
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Caroline Rossasi
Rio Grande do Sul passa por um momento delicado com relação às mudanças propostas para o sistema de ensino da rede estadual. Em 2012, a disciplina de seminário integrado, destinada ao desenvolvimento de projetos em sala de aula, foi implantada. Devido a esse e outros fatores, o Ensino Médio Politécnico vem gerando divergências: por um lado alunos, docentes e o Centro dos Professores (CPERS/Sindicato) questionam sua eficácia. De outro, o governo do Estado e as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) asseguram que o novo método traz inúmeros benefícios, inclusive a diminuição da evasão escolar. Nas ruas de São Borja, protestos têm retratado a indignação das pessoas que se sentem prejudicadas com essa transformação.
o Médio Politécnico
a mudança 11
Na manhã do dia 11 de julho os estudantes resolveram, pela primeira vez, reivindicar contra o politécnico na Paralisação Nacional. O centro da cidade estava repleto de cartazes e bandeiras que identificavam pelo menos 11 sindicatos, os quais barraram pouco antes o acesso à Ponte Internacional. A Praça XV de Novembro se tornou um grande espaço de opiniões, onde aproximadamente 400 pessoas se reuniram para protestar. Além das mudanças no sistema de ensino, as exigências estão relacionadas ao fim do fator previdenciário, que regulamenta a terceirização dos serviços públicos e privados, melhores condições de trabalho, salário e outros. Durante quatro horas de protesto também foi possível identificar cidadãos que, mesmo não sendo filiados à centrais sindicais, traziam consigo suas reivindicações. Os estudantes, que na ocasião pareciam não representar um número expressivo, se dirigiram à 35ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). Cinco jovens tiveram a oportunidade de expor suas experiências com o novo método de ensino para a coordenadora regional, Ângela Costa. O politécnico foi implantado em todas as turmas do primeiro ano em escolas estaduais do Rio Grande do Sul no início do ano passado. De acordo com o
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Regimento Referência das Escolas de Ensino Médio Politécnico da Rede Estadual, dentre os objetivos está proporcionar noções de trabalho e cidadania, formação crítica e ética e fazer com que o aluno aprenda a relacionar a teoria e a prática ao que é visto na escola. O novo ensino médio propõe a diminuição da evasão escolar através de um plano político pedagógico de apoio, que consiste em recuperações para que o estudante possa ser aprovado e, consequentemente, não desista de ir à escola. Se mesmo assim houver reprovação, com a progressão parcial o aluno tem a possibilidade de avançar de ano e rever apenas os conteúdos da disciplina que não teve desempenho satisfatório. Além disso, a disciplina de seminário integrado foi acrescentada à carga horária, que aumentou de 25 para 30 horas/aula por semana. Cada matéria passa a ceder um período para o seminário, que é destinado para os alunos desenvolverem projetos pedagógicos. Estudantes e professores demonstram insatisfação Milena Camargo, 15 anos, está no 2º ano do Ensino Médio e sonha em cursar medicina. A jovem acredita que o politécnico não está a auxiliando para ingressar em uma faculdade. Na manifestação de ju-
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líderes do movimento estudantil da cidade. Milena e os jovens Lucas Benevenuto e Matheus Teixeira estudam no Colégio Estadual Getúlio Vargas e decidiram, junto com o restante dos alunos, entrar em greve no período de 27 a 30 de agosto. Nesse intervalo, os três se uniram ao CPERS e viajaram à capital para participar da manifestação do dia 28 que reuniu centrais sindicais de todo o estado. A caminhada partiu da sede do sindicato com destino ao Palácio Piratini. O movimento, entretanto, não gerou pronunciamento do governo.
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lho, a estudante segurava uma faixa com a frase “nós somos o futuro da nação e não queremos o politécnico” em silêncio, ao lado de outros colegas que compartilhavam o mesmo pensamento. Na ocasião, quem a viu jamais diria que hoje ela está entre os
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Foto: Liziane Wolfart
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Foto: Arquivo pessoal
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Foto: Caroline Rossasi
A principal mudança que causa descontentamento entre os alunos é a diminuição da carga horária das disciplinas para a implantação do seminário integrado. — A gente não está aprendendo o necessário para passar no vestibular. Para eu poder passar, vou ter que buscar cursinhos por fora e alguns colegas meus não têm condições de pagar. O governo deveria fornecer o aprendizado necessário para a gente conseguir ser aprovado em uma universidade, no ENEM, mas ele está nos criando 13
para ser mão de obra barata — afirma Milena. Conforme a assessora do Ensino Médio Politécnico em São Borja, Leila Oliveira, o objetivo da escola não é e nunca foi preparar o aluno para o vestibular. — Tanto é que não se consegue vencer o conteúdo, porque se tem aquela lista, vão seguindo, chega no terceiro ano e fica muita coisa de fora. [...] O politécnico é no sentido de vários conhecimentos, mostrar por quais caminhos o estudante pode optar para que no futuro ele tenha uma visão do que realmente quer. No dia 2 de setembro, segunda-feira, logo após a greve dos alunos e as manifestações em Porto Alegre, representantes da 35º CRE decidiram ir ao Colégio Getúlio Vargas para conversar e tentar acalmar os estudantes e professores. No início, o auditório da escola se encontrava repleto de rostos inquietos, sérios, pensativos. As cadeiras estavam ocupadas e,
mesmo assim, alguns ainda tiveram que ficar em pé. Todos cursam o primeiro e o segundo ano do novo currículo e estavam dispostos e curiosos para ouvir o que a Coordenadoria tinha a dizer. Estavam presentes a coordenadora adjunta Jussara Mendes e a assessora Leila, que expuseram as diretrizes básicas do método em vigor desde 2012. O clima era tranquilo quando, finalmente, começaram a surgir os primeiros questionamentos relacionados à não preparação para o ingresso na universidade: — Vai continuar da mesma forma que sempre foi. Quem tem dinheiro vai pagar [cursinhos prévestibulares], quem não tem não vai. Aquele aluno que buscar mais, vai continuar aprendendo mais — rebateu Leila, após indagação de uma menina que garantiu não ter condições de fazer tal investimento. Após isso, outras perguntas foram surgindo. Docentes e alunos argumentaram com a segurança de quem está sentindo na pele os impactos de uma
Foto: Rafael Junckes
Representantes da 35ª CRE se reuniram com os jovens no Colégio Estadual Getúlio Vargas
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mudança repentina. Frequentemente as falas foram seguidas de palmas, assovios e o auditório passou a não ser mais o mesmo. Por alguns segundos os estudantes chegaram a levantar e ficar de costas para as representantes da Coordenadoria, que, mesmo assim, se mostraram resistentes. A professora Susana Aquino está preocupada com o rumo que a educação está tomando no estado. Para ela, as mudanças foram implantadas sem o consentimento dos professores e alunos. Além disso, as capacitações não atenderam às expectativas de muitos educadores. — Nenhum dos palestrantes que vieram dar formação conseguiu passar para a gente o que realmente é o politécnico. [...] Depois nós vimos que eram projetos e que o seminário integrado ia tomando conta dos períodos das disciplinas e que nós não teríamos tanto tempo assim para desenvolver os conteúdos. O que mais nos chocou foi a questão de as escolas particulares não terem aderido a esse programa. Segundo a diretora geral do CPERS/Núcleo São Borja, Maria de Fátima Contreira, as escolas estaduais não estão preparadas para o politécnico. — Nós não temos espaço físico, não temos
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recursos humanos, faltam professores, algumas escolas estão sem biblioteca funcionando, com laboratórios de informática fechados... Então como vai se aplicar um projeto de reforma do ensino médio com as escolas dessa maneira? — questiona. Outro ponto que reforça o descontentamento dos professores são os conceitos. A partir do politécnico, a avaliação qualitativa predomina perante a quantitativa, isso significa que os estudantes não recebem mais notas de zero a dez. Lei de Diretrizes e Bases A Lei de Diretrizes e Bases (9394/96) foi criada em 1961. A segunda versão, aprovada em 1971, foi modificada em 1996 e ainda é vigente no país. A LDB é a lei orgânica geral da educação brasileira e nela consta que o Ensino Médio tem como objetivo o desenvolvimento do jovem como cidadão. De acordo com a assessora do politécnico, os conceitos propostos atendem ao que está exposto na lei. — É uma pena, porque os prejudicados são
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os alunos. Não é uma coisa de governo, está na lei. Se todos os professores lessem a LDB iriam ver a questão da avaliação qualitativa sobre a quantitativa — explica Leila. O primeiro parágrafo do artigo 36 mostra que após terminar o ensino médio o aluno deve dominar os princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna; o conhecimento das formas contemporâneas de linguagem; os conhecimentos de Filosofia e Sociologia; além de se preparar para o exercício de profissões técnicas. A lei ainda destaca a educação tecnológica 16
básica na qual o currículo deve adotar metodologias de ensino e avaliação que estimulem a criatividade e a iniciativa dos estudantes. Outro quesito previsto é a presença de pelo menos uma língua estrangeira moderna. Aula nas ruas Alunos, professores e representantes do CPERS retornaram às ruas de São Borja no dia 4 de setembro, quarta-feira, pela manhã. O grupo partiu do Colégio Estadual São Borja (CESB) equipado com
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megafones, cartazes, faixas e bandeiras. Os manifestantes cantavam o hino brasileiro e o rio-grandense enquanto caminhavam pacificamente pelo centro da cidade. A caminhada passou pela prefeitura e Câmara de Vereadores até chegar à CRE, que realizava expediente interno e não abriu as portas. Por esse motivo, o grupo sentou no chão, de costas para o prédio da Coordenadoria e permaneceu durante um minuto, em silêncio. Após o ato, os alunos ali presentes decidiram organizar uma nova manifestação, convidando estudantes de outras escolas.
Na sexta-feira (6) o movimento voltou com mais força. Estudantes do CESB, Colégio Getúlio Vargas, Padre Francisco Garcia, Apparício Silva Rillo e Arneldo Matter se reuniram e fizeram o mesmo trajeto, desta vez acompanhados por um carro de som. Coincidentemente, os alunos chegaram na CRE no mesmo momento que a coordenadora Ângela Costa, que vinha de carro. Os estudantes expuseram algumas de suas experiências com o novo método e conversaram com Ãngela, que relacionou a movimentação com a eficácia do politécnico: 17
Foto: Caroline Rossasi
Estudantes seguram cartaz com a sigla “CRA”, que representa o conceito mais baixo de avaliação no novo método de ensino
— Fico orgulhosa de ver vocês exercerem o direito de cidadania. Quer dizer que a educação que está sendo oferecida está despertando o espírito crítico e reflexivo — disse, tentando apaziguar a situação. Após as discussões, a CRE convidou a comissão de representantes do movimento para uma nova reunião, com o objetivo de expor as diretrizes do ensino médio. Contudo, os alunos rejeitaram a proposta. — A decisão de não entrar na Coordenadoria reflete o nosso primeiro protesto [do dia 11 de julho], no qual vimos que, após a reunião, foi publicado nos jornais uma notícia que distorceu o que dissemos e deu um outro entendimento. Então, dessa vez, decidimos não correr esse risco, sendo que agora nós somos espelhos para a maioria dos alunos — conta Lucas Benevenuto. 18
Para o especialista em sociologia da educação, Evandro Guindani, a proposta do Ensino Médio Politécnico é positiva, entretanto, a forma com que está sendo desenvolvida vem causando danos no sistema de ensino. — O ideal da educação politécnica é baseado em um modo de educação socialista, que vai deixar as pessoas mais críticas, mais preparadas para o mundo. A ideia da mudança é excelente. Mas a forma como está se dando pode mudar os rumos da mudança. [...] Na minha concepção os professores deveriam passar por um ano de formação, para no ano seguinte ir, gradualmente, aplicando. Ou seja,
começar com uma ou duas disciplinas. A maneira com que está acontecendo não vai atingir o ideal, porque a metodologia da educação foi errada, eles mudaram de uma hora pra outra e agora é só crítica — analisa. Mesmo com a resistência do governo, os estudantes prometem não desistir: — A gente vai ter que se formar no politécnico no ano que vem. Estamos lutando não só por nós, é para as próximas gerações. Para que, quando eles entrem no ensino médio, não exista mais esse método. Estamos lutando por melhorias, porque não tem como aprender alguma coisa se não tem estrutura. Algumas coisas já estavam mal feitas antes da sua implantação — lamenta Milena.
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Implantação do politécnico gera danos
“O ideal da educação politécnica é baseado em um modo de educação socialista, que vai deixar as pessoas mais críticas, mais preparadas para o mundo. A ideia da mudança é excelente. Mas a forma como está se dando pode mudar os rumos da mudança.” Especialista em sociologia da educação, Evandro Guindani
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PATRIMÔNIO HISTÓRICO: PROTEGER PARA QUÊ? São Borja é um dos municípios históricos que tem conseguido assegurar a proteção do seu Patrimônio Histórico Cultural. No entanto, ainda lida com falhas relacionadas à preservação desses bens. A linha tênue que separa a proteção da preservação ainda não foi rompida, proporcionando,questionamentos sobre a finalidade de proteger sem preservar.
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Pamela Faustino 21 Foto: Nycolas Ribeiro
Sem incentivos financeiros para reformas, restaurações ou reparações, a preservação dos bens imóveis de valor histórico cultural das cidades torna-se uma incógnita. Em São Borja, as leis e os decretos asseguram que as edificações inventariadas ou tombadas não podem ser destruídas, mutiladas ou demolidas. No entanto, destinam essas responsabilidades aos proprietários, que, sem auxílio, não conseguem garantir a efetiva proteção dos imóveis. E esse é um dos desafios que a cidade vem enfrentando: como manter o seu patrimônio histórico cultural sem que ele seja degradado por ações humanas ou temporais. Só no último ano, mais de 50 construções foram declaradas como sendo de utilidade pública e consideradas Patrimônio Histórico Cultural e Material de São Borja. Apesar disso, quem percorre as ruas da cidade ainda pode observar um número significativo de casas abandonadas e em ruínas, sem nenhum vestígio de preservação. Entre essas edificações, a casa da esquina da Rua Coronel Lago com a Cândido Falcão é a que gera maior polêmica, motivada pelo abandono e pela parcial descaracterização histórica. De acordo com a conselheira de Patrimônio Histórico do município, Maria Izabel Scalco, para determinar os imóveis que serão inventariados, o conselho faz uma pesquisa de fundamentação de ordem histórica e memorialística. Desta forma, eles concordam com a preservação da casa da esquina, pois “se constatou
que a primeira sede do banco da província de São Borja foi ali. Portanto, além de valor arquitetônico, hoje bem desconfigurado, ela tem, também, o valor histórico”. Ainda assim, o corretor de imóveis, Gilberto Parcianello, acredita que essas construções acabam virando verdadeiros elefantes brancos. “A nossa cidade é antiga, tem história, mas deve-se preservar um ou outro imóvel, ver qual realmente tem história e preservar, pois é importante. Mas essa maioria que está bloqueada, é uma coisa que não pode acontecer. Isto está nos prejudicando muito, está atrapalhando o desenvolvimento da cidade, porque, quando tombadas, as casas param no tempo”. Segundo o arquiteto, urbanista e primeiro diretor do Conselho de Proteção do Patrimônio Histórico Cultural, Diego Bicca, “com a expansão da construção civil, muitas casas antigas foram demolidas para dar espaço a novas construções, e isto motivou o conselho a criar a Lei Complementar nº 55, em 2011, que criou o Inventário do Patrimônio Cultural de Bens Imóveis do município”, que representa uma forma de proteção das edificações, impedindo que os imóveis sejam destruídos. Ele pode ser construído de forma coletiva, ou seja, qualquer cidadão pode enviar um ofício sugerindo que uma casa seja inventariada, mas somente após passar por uma análise do conselho que se definirá a inclusão ou exclusão a exclusãao. O Conselho de Proteção do Patrimônio Histórico
Foto: Nycolas Ribeiro
Estado de conservação da casa da Esquina; Ao Lado: Detalhes da degradação de algumas casas antigas do município
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Foto: Nycolas Ribeiro
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Cultural de São Borja foi criado pela Câmara de Vereadores, em 2007, através da lei 3.871, com o objetivo de proteger o patrimônio histórico cultural da cidade, ficando encarregado de promover ações em favor dos bens móveis e imóveis de São Borja. Mas, segundo Scalco, “o conselho passou a funcionar há cerca de dois anos, porque ele existia de direito, mas não existia de fato”. Porém, neste ano, ele sofreu alterações e se transformou em Conselho Municipal de Políticas Culturais. A partir daí, foi acrescido de novas áreas de atuação e funções mais explícitas, porém manteve seu objetivo.
Custos e alternativas Outra maneira de garantir a proteção dos imóveis é decretando o seu tombamento. Em São Borja, há edificações tombadas em nível municipal e estadual. Mas somente o Memorial João Goulart e o Museu Getúlio Vargas receberam auxílio do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) e de instituições privadas para garantir as reformas e restaurações necessárias para manter os bens preservados. Os imóveis que não têm auxílios financeiros para preservação e manutenção continuam passíveis de degradação. De acordo com o historiador Ronaldo 24
Colvero, existem duas questões importantes a serem observadas quando se trata de preservação de bens imóveis. A primeira é de que forma gerenciar os bens após o tombamento e a inclusão no inventário? A segunda, em que grau de preservação devem ser mantidos os imóveis, da forma como estão, evitando maior deterioração ou restaurados? Para Scalco, uma das maneiras de resolver essas questões seria através de uma análise aprofundada do inventário, realizada pelo IPHAE. Posteriormente, ocorreria o tombamento dos prédios que têm, de fato, relevância, para assim se oportunizar um diálogo entre conselho e proprietário, buscando alternativas para a preservação. Entretanto, o prefeito de São Borja, Farelo Almeida, argumenta que o conselho é que deveria fazer uma análise minuciosa dos imóveis, evitando a inclusão de bens irrelevantes no inventário, priorizando, assim, apenas as casas que possuem, de fato, histórias importantes para o município. “Hoje, existem casas antigas que são tombadas por serem antigas, mas serem antigas não significa que sejam históricas”, enfatiza Farelo. Ele ainda afirma que “as leis, muitas vezes, são contraditórias, porque o município vai e tomba um prédio, mas não tem dinheiro para investir nele”. Portanto, nem a prefeitura e nem o conselho têm condições de arcar com as reformas e restaurações dos bens, ainda
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que determinem a proteção. As leis vigentes declaram que os proprietários têm o dever de conservar e de preservar o imóvel inventariado. No entanto, eles não são notificados e, muitas vezes, não têm conhecimento sobre a inclusão das suas casas no inventário, só vindo a saber quando o mesmo está em processo de negociação, ou quando precisam de permissão da secretária de planejamento para executar alguma mudança no seu patrimônio. A fiscal de obras e postura da secretaria de planejamento, Kátia Figueredo, confirma que “o município deveria dar ciência a todos os proprietários com bens inventariados ou tombados, para que eles possam ter direito à defesa, pois muitos não querem isso [o tombamento ou o inventário], mas o decreto sai apenas no jornal”. A falta de informação e de recursos financeiros faz com que alguns proprietários apresentem a impugnação ao decreto de utilidade pública, exibindo os elementos necessários pelos quais se opõem a incluir seus imóveis no inventário. Figueredo revela que, “mesmo que sejam bens inventariados ou tombados, as casas podem sofrer pequenas reformas, até porque elas precisam de alguns reparos. Agora, se for demolir ou fazer uma reforma maior, a gente envia a sugestão para o Conselho do Plano Diretor, que é uma comis-
são formada por vários segmentos do município, que vão autorizar ou não”. De acordo com Parcianello, a única implicação destes bens é que ficam parados no tempo, sem sofrer valorização ou desvalorização financeira, mas eles podem ser vendidos, trocados ou transferidos normalmente. A proteção dos bens históricos culturais deveria contribuir para o enriquecimento do município, pois agrega valor a diferentes setores, uma vez que a consciência sobre o patrimônio tem desenvolvido novas buscas e olhares. Colvero observa que “as pessoas de fora, quando chegam à cidade, gostam de visitar espaços que trazem recordações, que fazem parte do seu passado e da sua memória. Então, se esses espaços forem destruídos, teremos o que chamamos de silêncio da memória, espaços que vão ficar com a falta de alguma coisa e essa coisa se chama patrimônio”. Scalco complementa que “São Borja é uma cidade com vocação turística, mas que muitas pessoas ainda não perceberam, vocação que pode levá-la a uma grande emancipação econômico-financeira, se for bem explorada”. O desenvolvimento do município deve ser observado por diferentes perspectivas, pois São Borja se constitui de diferentes setores sociais e econômicos. Um desses olhares envolve a proteção e a preserva 25
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Esquerda: Museu João Goulart após restauro; Direita: Museu Gatúlio Vargas fechado para restauro.
Foto: Nycolas Ribeiro
ção como indissociáveis, para que, assim, possam garantir a proteção vitalícia desses bens. As leis, que separam as responsabilidades sobre a proteção e preservação, podem ser acrescidas para beneficiar os proprietários e o município, gerando um trabalhando em conjunto para manter intacta a história contada através do seu Patrimônio Histórico Cultural. Para isso, Bicca, sugere que o proprietário e os órgãos responsáveis desenvolvam projetos de restauração e busquem as leis de financiamento que
priorizam imóveis inventariados e tombados. Além de enfatizar a possibilidade da criação de um fundo municipal, que seja revertido para os proprietários destas edificações, sem esquecer as empresas privadas que firmam parcerias, oferecendo, assim, auxílio financeiro. “Eu estive nas Missões Jesuítas do Paraguai e, lá, a iniciativa privada praticamente patrocinou tudo, mais as leis de incentivo. Aqui, devemos buscar mais essas iniciativas para garantir a preservação do nosso patrimônio”.
Foto: Nycolas Ribeiro
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Imóvel reformando com apenas a fachada original; Acima: Casas abandonas na cidade
Movimento Tradicionalista Gaúcho: de modelo a toda terra!
Imagem: internet
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Os desafios enfrentados pelo MTG para se adaptar às novas gerações e a importância do movimento na atualidade. 27
Foto: Will Lee
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mor à terra e orgulho de ser gaúcho definem o nativismo característico do povo do Rio Grande do Sul, que mantém vivo o tradicionalismo, repassado de geração em geração. Para suprir a necessidade de um movimento que desenvolvesse e organizasse a cultura gaúcha, foi criada a Associação de Entidades Tradicionalistas Constituídas. Surgiu, a partir daí, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). Este foi fundado em 28 de outubro de 1966, durante o 12º Congresso Tradicionalista Gaúcho, realizado em Tramandaí. Fui às ruas saber se a população da cidade de São Borja sabia o que significava o MTG e suas origens. Nesta sondagem foram ouvidas cerca de 30 pessoas da cidade, só para ver o que elas sabiam sobre o MTG. O resultado desta pesquisa é que 50% dos entrevistados sabiam o que é o MTG, porém não souberam dizer suas origens.
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Há diferentes versões da história sobre a origem e criação do MTG. Uma delas indica que o seu surgimento se deu 1889, através do Grêmio Gaúcho, de Cezimbra Jaques. Outra diz que o MTG iniciou sua história em 1947, na Ronda Gaúcha, realizada no Colégio Júlio de Castilhos. Também existe a versão que conta que o MTG surgiu em abril de 1948, com a criação do 35º Centro Tradicionalista Gaúcho (CTG). A quarta versão dessa história destaca que o MTG surgiu em 1954, com a realização do Primeiro Congresso Tradicionalista Gaúcho. A quinta e última versão aponta que o movimento foi criado em 1959, com a constituição do Conselho Coordenador. Mas estas seriam especulações. A data que consta nos registros do MTG é de 28 de outubro de 1966. O MTG é um órgão disciplinador, que procura cultivar a tradição gaúcha por todo o Estado do Rio Grande do Sul. Seu foco principal é orientar as atividades dos filiados, entidades associativas e Centros
“É maravilhoso estar inserido no tradicionalismo. Se tu és apenas de São Borja, tu conheces São Borja, mas se tu estás no CTG, tu conheces todo o Estado, criando amizades”. Luiz Ricardo, CTG Tropilha Crioula
pessoas, ou seja, tem que passar de geração em geração. Então, com este debate com as novas gerações, necessita, em pleno século 21, ser readaptado, senão perderá seu público. Tem regras que foram criadas há muito tempo atrás, que devem e permanecem como espírito, mas, se não tiverem algumas flexibilizações, acabarão pondo em risco o próprio nativismo”, diz Beras. MTG em São Borja Em São Borja, fronteira oeste do Rio Grande do Sul, existem quatro entidades filiadas ao MTG. O CFTG Farroupilha, PTG João Manoel, Centro Nativista Boitatá e o CTG Tropilha Crioula. Para o patrão do CTG Tropilha Crioula, Cláudio Caetano Viana, São Borja é uma cidade bem tradicionalista. “Outras cidades têm como foco do tradicionalismo, o desfile do dia 20 de setembro. Nós, aqui em São Borja, temos sete a nove noites de comemoração. Tem muitas pessoas fazendo o tradicionalismo. Nós temos, aqui, inúmeros piquetes que fazem bailes. Então, eu acho que o tradicionalismo é bem forte, só que é pouco valorizado pelo poder público. Mas, no geral, São Borja é bem tradicionalista.” Segundo as regras de indumentária do Movimento Tradicionalista Gaúcho, é permitido entrar nos bailes com a tradicional pilcha. Para os homens, ela é composta por camisa, lenço, bombacha e bota. Para as mulheres é o vestido de prenda. Para quem não tem
Lays Borges
Tradicionalistas Gaúchos. Através de atividades campeiras, artísticas, recreativas e literárias, que sempre exaltam a cultura dos gaúchos, o movimento procura reforçar a tradição. Anualmente, depois da semana farroupilha, o MTG promove o “Tchêncontro”, acampamento regional que integra todos os afiliados do Movimento. Além dos encontros promovidos com o Movimento Tradicionalista Gaúcho, todos os eventos e projetos promovidos pelas entidades tradicionalistas valem pontos de qualificação que servem para medir a qualidade do CTG. Tais pontos apontam, por exemplo, se o CTG está perdendo ou ganhando público. As regras do MTG são criadas através dos Congressos Tradicionalistas, nos quais são discutidas proposições levantadas pelos patrões. Cada região do Estado se reúne e, logo após, as proposições pertinentes que foram discutidas são levadas ao congresso do MTG, formando, assim, as regras que norteiam os centros nativistas. O regulamento pode ser alterado, desde se entenda que existe a necessidade da mudança e que os questionamentos às regras vigentes sejam discutidos. Um dos exemplos de regras criadas pelo MTG é a proibição do uso da bombacha pela mulher dentro de uma entidade tradicionalista. Porém, a prenda pode usar a bombacha para andar a cavalo. Outro exemplo está relacionado à regulamentação da participação em rodeios. Só pode participar de rodeios do MTG quem tiver o Cartão Tradicionalista, que é obtido por sócios das entidades filiadas ao MTG. O problema é que muitas pessoas acabam não aceitando as normas do movimento na atualidade. As gerações atuais acabam buscando alternativas diferentes de envolvimento com a tradição gaúcha, ficando, desta forma, fora dos CTGs. Exemplo disso é o surgimento de estilos diferenciados da música tradicionalista gaúcha, como o “tchê music”. Ele mistura ritmos e instrumentos diferenciados a ritmos musicais característicos do tradicionalismo gaúcho. Desde que surgiu, gerou polêmica e rejeição nos CTGs. O repúdio dos Centros Tradicionalistas Gaúchos fez com que surgisse um movimento em defesa do Tchê Music, apreciado pelo público jovem. O estilo musical passou a ser atração em outros locais, que não os CTGs. É evidente que existe um misto entre cultivar as tradições do povo gaúcho e cultivar as regras do Movimento Tradicionalista. Consciente desta mescla, o MTG busca manter forte o movimento na contemporaneidade, através das adaptações das suas próprias regras. Para o professor e sociólogo César Beras, as adequações de algumas regras surgem com a necessidade de adaptação social: “o nativismo, como outras correntes culturais, precisam, para se reproduzir, ter
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Foto: Arquivo pessoal
essas vestimentas, é permitido participar usando rou- lar, Clarissa Rillo Loguercio, explica a importância pa social, sendo proibida a entrada de quem estiver dessas atividades relacionadas à tradição gaúcha, reusando tênis, jeans e mini-saia. alizada com as crianças pelos CTGs. “A importância está nos próprios grupos. Se for desenvolvido na inOs CTGs como modelo cultural fância e na adolescência, ele colabora com a formação da personalidade, no que se refere à colocação de O CTG Tropilha Crioula possui três invernadas limites sociais e no desenvolvimento das habilidades artísticas: a Dente de Leite, que é dos três aos seis anos, emocionais, necessárias para a vida em sociedade. No a Mirim, dos 06 aos 10 anos, e a Juvenil, que é dos 12 momento em que a pessoa vai para uma convivência aos 16 anos. Segundo o patrão do Tropilha, Claudio grupal sadia, no aspecto de bons relacionamentos e de Caetano Viera, a invernada Dente de Leite e Juvenil respeito ao outro, também pode ser fonte importante são campeãs regionais 2013 do Encontro Regional de de identificação e estruturação da personalidade.” Artes e Tradições, ERART. “As melhores invernadas Com relação aos grupos dos CTGs que incenartísticas da região são as nossas. Então, é um trabalho tivam o nativismo, Clarissa ressalta a importância do voltado para esse lado. Nós trabalhamos com eles a papel cultural das entidades filiadas ao MTG. “Quanto valorização da pilcha, a valorização da cultura. Então, ao aspecto estudo do tradicionalismo que está envolse nós permitíssemos a entrada de pessoas de tênis e vido, através das invernadas e concursos para peões jeans, seria um retrocesso”, diz Cláudio. e prendas, a criança se depara com a sua identidade Os CTG’s também têm papel cultural na vida das cultural. Isso dá ideia de pertencimento a um grupo crianças. Buscando mostrar a cultura gaúcha para o e determinada maneira de ser, que constrói positivapúblico infantil, o CTG Tropilha Crioula, além de ter mente a formação da personalidade”, conclui. invernadas, organiza o Pouzadão Cultural, evento no Eduarda Streck, de 14 anos, participa ativaqual as crianças posam no CTG e assistem palestras, mente das atividades do CTG Tropilha Crioula, desde juntamente com os pais. Elas também participam, na seus cinco anos de idade. Em julho deste ano, concormesma ocasião, de atividades com o tema escolhido, reu pela terceira vez no Concurso Ciranda Regional de sempre relacionado à cultura gaúcha. A psicóloga Prendas, no qual ganhou o terceiro lugar. Atualmente, especialista em psicologia clínica e psicologia esco- ela é 3ª Prenda Juvenil da Terceira Região Tradicio30
“É uma honra muito grande participar do CTG e cultivar a nossa cultura. Os jovens que cultivam nossas tradições raramente se envolverão com as drogas e a marginalidade.” Eduarda Streck, de 14 anos, participa ativamente das atividades do CTG Tropilha Crioula.
Foto: Arquivo pessoal
Lays Borges
nalista Prenda Regional. “É uma honra muito grande participar do CTG e cultivar a nossa cultura. Os jovens que cultivam nossas tradições raramente se envolverão com as drogas e a marginalidade”, diz Eduarda. A são-borjense Eliane Mendes Dias tem uma ligação forte com o tradicionalismo. Há mais de vinte anos, ela convive com o ambiente do CTG, onde já passou por diversos cargos, como coordenadora da invernada, diretora departamento cultural, trabalhou no departamento artístico. Na região, atuou como avaliadora de concursos e, atualmente, é coordenadora da invernada Dente de Leite. Em toda essa jornada, que ela segue até hoje, seus filhos sempre a acompanharam. Seu filho mais velho, de 28 anos, Antônio Diego, participou como terceiro Guri da terceira região. Anderson, de 22 anos, também seu filho, dançou na invernada. Sua filha Bruna, de 22 anos, foi Prenda Regional, e sua filha mais nova, de 8 anos, Luísa, participa da invernada Mirim. “Eu acho que é o melhor lugar para nossos filhos estarem, porque aqui tu consegues agrupar pais, avós, tios e toda a família, que em outro local tu não consegues. É a oportunidade que os pais têm de ver seus filhos em um movimento sadio”. Eliane compara a vivência no CTG a um vício: “É muito difícil tu deixares de gostar do CTG. Tu tens a oportunidade de trabalhar temas, a cultura, a história e a geografia do Rio Grande do Sul.”. Seguindo a tradição familiar, Luiz Ricardo Oliveira aprendeu a vivenciar a cultura desde cedo. Com 8 anos de idade, ele já participava de invernadas. Primeiramente, na Escola Municipal Cândida Vargas, em São Borja. Depois, participou da invernada mirim e juvenil do Clube Continente, junto com os primos maternos. Em 2007, aos seus 15 anos, iniciou sua jornada no CTG Tropilha Crioula. Neste mesmo ano, foi 3º Guri Farroupilha, representando a entidade em projetos e viagens por todo o Estado. Em 2009, Luiz foi 1º Peão do CTG. Como o CTG Tropilha Crioula não possui invernadas adultas, hoje, Luiz Ricardo, com 21 anos, segue trabalhando no CTG como secretário do capataz cultural. Luiz Ricardo descreve a sensação de participar da cultura gaúcha: “é maravilhoso estar inserido no tradicionalismo. Se tu és apenas de São Borja, tu conheces São Borja, mas se tu estás no CTG, tu conheces todo o Estado, criando amizades”. Os Centros Tradicionalistas Gaúchos mantÊm suas atividades durante o ano inteiro. Porém, na Semana Farroupilha, é especial, tem um sentimento diferente. Nela, é comemorada e valorizada, do dia 13 ao dia 20 de setembro, a Revolução Farroupilha, que deu origem à República Rio-Grandense.
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