r$ 10,00 nº 125 www.revistaideias.com.br
março 2012
ano viii
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dismoRfia distúrbio ou doença?
VioLêNcia
curitiba bate todos os recordes de criminalidade
aNtaNas sutKus
um mestre da fotografia nos visita
jussaRa Voss em baRceLoNa
A nova gastronomia da cataluña
isabeLa fRaNça
em sociedade tudo se sabe
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Índic� SEÇÕES
COLUNISTAS
editorial 05
luiz Fernando pereira 12 nelson rodrigues – 100 anos
curtas 06
luiz Geraldo mazza 18 As nossas e outras greves
Frases 07 Gente Fina 08
rubens campana 27 sobre o bom senso
ensaio Fotográfico 42
izabel campana 33 não tenho medo de cara feia
prateleira 52 moda - paola De orte 64
carlos Alberto pessôa 41 um dia
isabela França 66
ernani buchmann 48 terremoto à beira-mar
cartas/expediente 72 pryscila vieira 74
marcio renato dos santos 49 la dolce vita
NESTA EDIÇÃO olha a política aí, gente! 14
Antonio Augusto Figueiredo basto 50 Deus é mulher, mas o amor...
Ano de eleições, ano de pressões 17
Almir Feijó 54 sonhos e névoas
um fio de esperança contra o medo 20
renan machado 55 nº 137
curitiba, de pacata, não tem nada 24 marianna camargo
Jussara voss 56 roteiro gastronômico para barcelona
Dismorfia, distúrbio ou doença? 28 marianna camargo
luiz carlos zanoni 58 A companhia do bacalhau
ensina-me a ler o mundo 36 marianna camargo
Andrea Greca Krueger e paula Abbas 60 o presente e o futuro do e-commerce
A rua é sua 38 mônica benjamin
Fábio campana 61 relíquias 42
Armando de souza santana Junior 62 o menino morto solda 63 helena (2) claudia Wasilewski 70 mudando de dimensão
Dico Kremer
Dico Kremer
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editorial
H
F C
á dias, o governador Beto Richa declarou que os movimentos reivindicatórios que tumultuam este início de ano eleitoral não prejudicam seu firme propósito de restabelecer entre nós, paranaenses, o campo do diálogo que desaparecera nos anos da peste populista e autoritária que o antecedeu. Não há dúvida de que o governador está coberto de razão. Os movimentos, as greves, os protestos, mesmos os piores, não devem prejudicar o processo de redemocratização do Paraná que não se consolidará, nem progredirá verdadeiramente, sem passar por certo número de crises, graves ou não. De fato, a democracia não existe para evitar confrontos que são frequentemente inevitáveis, mas para vencê-los; para permitir que as divergências e os conflitos de interesses ou de opinião se manifestem ou sejam resolvidos em termos razoavelmente civilizados, sem o sacrifício das liberdades públicas. As dificuldades atuais, vale dizer, a pressão fisiológica de grupos e partidos, a demanda de categorias do funcionalismo que pretendem recuperar o que perderam em anos de medo e submissão, a hesitação do governo federal, que oscila entre a omissão, num dia, e a reação exagerada, na semana seguinte, tudo isso pode ser muito útil ao aperfeiçoamento de nossas pobres instituições, na medida em que formos forçados a encarar uma realidade que não gostamos de ver e que é, afinal, a realidade de nós mesmos e do país. O mexicano Octavio Paz costumava dizer que um dos piores males da América Latina é que não tivemos, aqui, século XVIII. No tempo em que aconteciam as Revoluções Americana e Francesa e se fundava o mundo moderno, em pleno Século das Luzes, nós, no Brasil, éramos governados por D. Maria, a Louca, e esquartejávamos o Tiradentes. É bem verdade que nos últimos dois séculos progredimos enormemente. Hoje, mesmo nas horas mais escuras do arbítrio de nossos tiranetes nativos, nenhum governante ousaria esquartejar um inconfidente, ao menos em público. Só os grupos de extermínio e alguns esquadrões da morte ainda fazem isso. Mas ao arrepio da lei e da autoridade, imaginamos. A verdade é que progredimos e tão depressa que deixamos para trás falhas, rombos e buracos no edifício da nação moderna que construímos. O desenho do prédio é geométrico, as janelas da fachada têm vidro Ray-Ban e esquadrias de alumínio, mas o ar condicionado não funciona e das instalações sanitárias e elétricas
tiradentes supliciado, de pedro Americo
nem é bom falar. Algumas vezes basta acender uma lâmpada mais forte para provocar um curto-circuito e ficar com a casa toda às escuras, frequentemente por anos e anos a fio. O Paraná não tem levado muita sorte com os seus governantes e por isso é de se aplaudir a atitude de Beto Richa ao procurar devolver essa atmosfera de liberdade e de diálogo que já não tínhamos. Dir-se-á que o Paraná enriqueceu e progrediu, apesar de tudo, e que é afinal melhor tocar para a frente, ainda que seja no pau, de que ficar sentado, chorando as mágoas. É o que estamos a fazer agora e muitas vezes para espanto de quem não se habitua à democracia e costuma reclamar da falta de autoridade dos governantes. Há, pois, quem tenha saudade dos déspotas e da humilhação que eles sempre tentam impor aos que amam a liberdade. março de 2012 |
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Curtas Toda nudez será castigada
Pois, pois, os vereadores de Curitiba aprovaram a proibição de imagens que consideram “agressivas” aos olhos da população. Entre elas a nudez mostrada em bancas de revistas e jornais. A lei não proíbe mostrar imagens dos próprios vereadores, que boa parcela da população considera mais agressivas e obscenas para os olhos e para o fígado do que a nudez. A ideia foi do vereador Roberto Hinça, do PSD, que também é apresentador de programa de variedades na TV onde aparecem moças de pernas de fora.
ROMBO NA EVANGÉLICA o jornalista Aroldo murá revela que a saída do deputado federal (pmDb) André zacharow, no final de 2011, da presidência da sociedade evangélica beneficente (seb), mantenedora do hospital evangélico de curitiba e da Faculdade evangélica do paraná (FepAr), substituído por seu vice, o advogado mauro serafim, não sufocou vozes insatisfeitas e suas indagações, em torno da administração da seb, entidade de utilidade pública, e de bons serviços à comunidade. é mantida, em parte, com recursos públicos. o hospital evangélico deve r$ 300 milhões na praça. e não tem como pagar.
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MINISTÉRIO DO PESQUE E PAGUE É como a banda contrária ao bispo-senador Crivella e à Universal do Reino de Deus chama o Ministério da Pesca dado por Dilma para aplacar a ira dos evangélicos contra o católico Gilberto Carvalho e as ministras que defendem o aborto e outras cositas mas que os evangélicos não engolem.
Sem voto Com a ida do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) para o Ministério da Pesca, o Senado terá 14 suplentes no exercício do mandato, ou seja, 17% dos senadores não receberam nenhum voto.
Contratação O governador Beto Richa autorizou a contratação imediata do primeiro grupo de procuradores do Estado aprovados no 14° concurso público da carreira, realizado em outubro de 2011. São 65 novos profissionais, que irão compor os quadros da Procuradoria Geral do Estado (PGE). O edital de convocação com informações sobre os procedimentos para nomeação e posse será publicado em breve.
SUJOU, DANÇOU Pois, pois, 21 mil políticos com pretensões para as eleições de outubro vão dançar. Em decisão tomada por magra maioria – quatro votos contra três — os ministros do Tribunal Superior Eleitoral decidiram que políticos com prestações de contas rejeitadas pela Justiça Eleitoral não poderão ser registrados como candidatos às eleições municipais de 2012.
Ativo e operante “Não subestimem o gordo”, costuma dizer gente da banda de Requião e também da outra banda. Pois, pois, o homem não para. Ontem, a Rua da Cidadania do bairro Fazendinha, uma das seis estruturas construídas durante a gestão Rafael Greca (1993-1996), foi o local escolhido por militantes do PMDB para uma atividade com o pré-candidato do partido no último sábado. Quem viu se espantou com o número de pessoas que seguiram Rafael na caminhada.
DEU BODE NO PEDÁGIO
olha só, o tcu - tribunal de contas da união determinou ao governo do paraná a revisão imediata dos contratos de pedágios. Diz que há indícios fortes de irregularidades nos cálculos que aumentaram o preço e hoje causam desequilíbrio econômico sempre a favor das concessionárias. Além do que, as concessionárias foram dispensadas de realizar obras que constavam dos contratos originais.
Drama brasiguaio O governo do Paraguai retira famílias de sem-terra que ocupavam áreas em fazendas de brasileiros que vivem na região de Ñacunday, a 80 quilômetros da fronteira com o Brasil. As famílias vão para uma área a oito quilômetros de distância de onde estavam acampados.
Rigor com ONGs A Câmara Federal analisa o Projeto de Lei 3098/12, do deputado Esperidião Amin (PP-SC), que estabelece normas mais rígidas para a celebração de convênios entre ONGs e o Poder Público.
Frases “Esta revolução já está encaminhada” hugo chávez, presidente da Venezuela, sobre a eleição presidencial marcada para outubro.
“Se Deus quiser, o presidente Ricardo Teixeira vai continuar na CBF”
“Eu quero me embolar nos seus cabelos, abraçar seu corpo inteiro e morrer de amor, de amor me perder”
Andres sanchez, diretor de seleções da CBF.
eduardo suplicy, senador, ao declamar no Plenário do Senado os versos da canção Moça, de Wando, numa homenagem ao cantor morto.
“Eu sou atenciosa, faço qualquer coisa pelo meu homem. Cozinho bem, sou engraçada e sempre quero fazer sexo, ao contrário da maioria das garotas” Adele, cantora inglesa, ganhadora de seis Grammy, anunciando que vai dar uma pausa de quatro ou cinco anos na carreira para cuidar de seu namoro.
“Nunca saberemos se o universo é infinito”
“Quero agradecer muito a vocês, já que acredito que eu nunca mais vou estar aqui”
joseph silk , cosmólogo.
Meryl streep, após levar o terceiro Oscar da carreira por sua atuação no filme A Dama de Ferro.
“Foi como se tivesse perdido minha própria casa”
“Você precisa voltar a estudar”
terezinha Abscher, bióloga marinha que perdeu parte de suas pesquisas no incêndio da base militar brasileira na Antártida.
Ana lúcia Assad, advogada de defesa de Lindemberg Alves, ao discutir com a juíza Milena Dias no segundo dia do julgamento do réu acusado de matar Eloá Pimentel em 2008.
“O Fernando Henrique falou o que o partido pensa. O nosso candidato é o Aécio Neves” sérgio guerra, presidente do PSDB.
“Cachorros. Filhos da p…” Da roqueira rita lee, no último show de sua carreira, em Sergipe, para os PMs que revistavam jovens perto do palco.
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Gente fina
Ave valente
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aulo valente é antes de tudo um forte, mas não é sertanejo. Veio do Amazonas onde já descobrira sua vocação musical. Lá estudou e tornouse professor. Desembarcou em Curitiba para estudar mais. Aqui se tornou bacharel em Canto pela Escola de Música e Belas Artes. Ficou. Sua paixão é a música e não é homem de um só instrumento. Estudou harmonia e regência com Nelson Eddy Menezes. Piano com Jacqueline Vita. Órgão com Gerardo Gorosito. Cravo com Felipe Silvestre.
Dico Kremer
Toda essa formação iria servir a outro propósito que não o de instrumentista. Valente descobriu seu verdadeiro caminho quando estudou canto gregoriano com Eleanor Florence Dewey (Madre Maria do Redentor) e Nereu Teixeira. Em 1998 fundou o coro de canto gregoriano Cantus Libere, grupo vocal masculino pioneiro no Brasil no estudo e na prática do canto gregoriano a partir de pesquisas musicológicas atualizadas.
Para as outras necessidades da existência, Valente criou e é diretor do Espaço da Voz Curitiba, escola de técnica vocal que atende, além de cantores iniciantes, os desafinados. Tanto estudo, tanto engenho e arte num país de pouca literatura sobre o tema também fizeram dele tradutor de livros sobre música. E lhe sobra tempo para organizar e dirigir eventos em que o canto gregoriano é o fio condutor. F. C.
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Dico Kremer
Mariana
M
ariana Garcia é simplesmente um dos momentos mais felizes da natureza, como é possível perceber nessa foto que transborda a alegria de seu sorriso.
Apenas perceber, pois mesmo a melhor foto do perfeito olhar do Dico Kremer não consegue mostrar Mariana e sua personalidade múltipla, complexa, de mulher tocada de rara beleza que vai da graça de uma menina ao esplendor da mulher em seu melhor momento. Em Mariana se realiza o perfeito equilíbrio entre os extremos. É a um tempo forte e frágil. Sombria e luminosa. Tensa e descontraída. Distante e acolhedora. Jovem e amadurecida.
Mariana é assim, a mulher lúcida e contida, dedicada ao Gabriel, seu filho. Ao mesmo tempo fascinante em sua sofisticação e em suas curiosidades intelectuais que fazem dela uma secreta leitora que devora poesia e biografias. A sensação é a de que poucos conhecem essas tantas Marianas. Seu charme, afinal, consiste em ser ela mesma. Indecifrável. Irredutível a um único significado, como poucas mulheres conseguem ser. Fábio Campana
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Gente fina
Dico Kremer
Da Amizade
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amizade, a verdadeira, é como o amor, não morre. Nasce, floresce, desenvolve-se, algumas vezes é incubada. A vida, os anos, o realizar-se profissionalmente, e, então, a separação. Que é provisória até que há o reencontro às vezes na chamada maturidade. Conheci o Carlos Emiliano França em 1963 no científico do Santa Maria. Logo ficamos amigos. Habilidoso, montava rádios para seu bel-prazer, o de construir. Comprava diagramas, peças, ferramentas e lá estava o aparelho, sem carcaça, na sua simples nudez, a sintonizar estações de fora. Foi nesse tempo que, com um ajuda de um gravador de rolo, apresentou-me uma música de um conjunto inglês fantástico: “I wanna hold your hands”, The Beatles. E desenhava. Era o melhor aluno de descritiva do colégio recebendo rasgados elogios do professor, o Irmão Ruperto Féliz. O mesmo Irmão que ensinou-me os rudimentos da fotografia. Foi um dos primeiros alunos do curso de 10
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arquitetura da UFP onde passou em segundo lugar no vestibular de 1966. O curso só tinha quatro anos. Estudava, trabalhava com seu professor Elgson Ribeiro Gomes, casou, teve filhos e fomos separados pelas chamadas circunstâncias da existência. Como profissional projetou inúmeros prédios públicos e da iniciativa privada. Foi professor da UFP de 1971 a 2002 e da PUC de 1985 a 2002. Com sua empresa Archiprima projeta e constrói residências. Tem como parceira nos projetos e decoração a sua mulher Maurete Schumacher. Porém, nunca se afastou de seus dotes artísticos, aquele já previsto pelo Irmão Ruperto: o desenho. É um excelente mestre da aquarela. Só a sua modéstia o impede de expô-las. Esse cavalheiro talentoso, gentil, nada vaidoso, apaixonado por Harleys, disposto a longas viagens em motocicleta com a Maurete, é meu amigo há muito, muito tempo. Dico Kremer
A eterna C juventude
élia camargos ou Celinha, como é mais conhecida, é uma pessoa plural. Já a começar pelo nome de família. Mineira de Minas Novas viveu até os 9 anos em um sítio na companhia de árvores, frutas, riachos, cabras, cavalos, cães e outros pacíficos animais. Depois foi morar em Contagem, MG, e daí veio para Curitiba, ou melhor, Campo Magro, pertinho de Santa Felicidade. Curiosa, mergulhou em cursos para a sua formação profissional: Escola Superior de Ensinos Empresariais e Informática - curso de RTV, pós-graduação de comunicação empresarial na PUC e marketing no Centro Europeu. Não descuidou do aprendizado de línguas: espanhol, inglês, francês, italiano. Convidada para trabalhar no Clube de Criação do Paraná – CCPR como estagiária em vez de 4 horas diárias, como o combinado, trabalhava 10 horas: então assumiu a coordenadoria geral. E continuou exercendo este cargo na Lemon School, escola de publicidade, onde promove eventos, cursos na área de comunicação, cursos livres semestrais, eventos. Com seus olhos de lince, não deixa passar em branco nenhuma novidade do mundo da publicidade. Gosta muito de viajar e sempre está de bem com a vida. Diz ter nascido em 2 de agosto de 1905. Suspeito que tenha me enganado. Fui informado que em 1510, antes de Ponce de Leon, descobriu a fonte da juventude na Flórida. Depois de correr épocas e terras está entre nós em Curitiba.
Dico Kremer
D. K.
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Luiz Fernando Pereira
Nelson Rodrigues 100 anos
É
só isso? Foi a minha pergunta ao funcionário da acanhada sala do Teatro Glauce Rocha no Rio de Janeiro, escolhida pela Funarte para abrigar a recente exposição “Nelson Brasil Rodrigues - 100 anos do anjo pornográfico”. Não havia quase nada exposto na tal exposição. Alguns recortes de jornais sobre Nelson e a sua Remington Portable (uma máquina de escrever, explico em atenção aos mais novos). Patético. No final da década de setenta, já com saúde debilitada, Nelson Rodrigues foi do Rio a Florianópolis de carro (não andava de avião) para lançar O Reacionário. Pois na hora do lançamento não apareceu uma viva alma para comprar os livros autografados. Nelson estava em baixa. A exposição lá no Rio lembrou-me da sessão de autógrafos de Nelson em Florianópolis. Coisa triste. E muito injusta! Exagero pouca coisa quando digo, vez ou outra, que Nelson é o escritor brasileiro mais importante de todos os tempos. Dramaturgo, cronista, romancista, frasista, polemista, ninguém escreveu tanto e tão bem. É claro que poucos concordam com a minha opinião. E Machado? Questionariam alguns. Não chega perto de Guimarães Rosa, afirmariam outros. Com certa razão, pode-se dizer que Érico Veríssimo produziu mais. Para mim é o Nelson porque eu acho que é e ponto final. Algo que o próprio Nelson classificaria como opinião de torcedor do Bonsucesso. Ou, ainda Nelson, “se os fatos são contra mim, pior para os fatos”. O Nelson é o maior e não se fala mais nisso. E digo que é o maior praticamente desconsiderando o Nelson dramaturgo. Aqui fico com o polonês Ziembinski - que disse o seguinte ao ser apresentado ao texto de Vestido de Noiva (peça que ele depois dirigiu): “Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso”. Mesmo jogando fora toda a produção teatral, Nelson segue com o título do “melhor escritor brasileiro de todos os tempos” (título que eu mesmo criei e entreguei, em homenagem póstuma). Sobretudo agora, em desagravo pela exposição anoréxica lá do Rio. O Nelson legítimo é o cronista-contista-frasista.
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E ainda poderíamos deixar de lado toda a crônica de futebol - que é deliciosa. O que há de mais importante em Nelson é a sua crônica do cotidiano. Joguem tudo fora (os romances, inclusive) e levem em conta apenas a Vida como Ela é. É o suficiente para garantir o título a Nelson. Por dez anos consecutivos (de 51 a 61) o sábio Samuel Wainer deu-lhe o espaço para as colunas diárias no jornal Última Hora. A coleção de crônicas e contos é admirável (há quem diga que eram ensaios; os mesmos que dizem que Nelson era o Montaigne do Brasil. Eu quase concordo). Na sua Remington Portable Nelson escrevia de forma alucinada (fumando e usando só dois dedos). Antes que critiquem o veículo das publicações, lembrem que Balzac também
publicou boa parte da sua Comédia Humana em capítulos de revistas. Nelson é o nosso Balzac. Um Balzac de linguagem simplificada e um pouco mais pornográfico. São, aliás, as duas acusações preferidas dos críticos de Nelson. “Reclamam que a minha linguagem é pobre”, dizia Nelson para logo em seguida complementar, com boa ironia: “não fazem ideia do esforço que faço para empobrecê-la”. Com esta linguagem pobre Nelson era sim pornográfico. Era nosso Marques de Sade sem o ressentimento da prisão; mais solto, irônico e caricato. Hoje é fácil ser pornográfico. Mas retratar moças virgens violentadas (Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária) na década de sessenta era um pouco mais complicado. Nelson não se importava. Tratou de sexo e adultério o tempo todo. “Se cada um conhecesse a intimidade sexual dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém”, dizia o nosso anjo por-
nográfico; que também dizia: “sexo é coisa para operário”. Hoje em dia o adultério perdeu um pouco a graça. Quase não escandaliza. Não era sim nos dez anos da coluna no Última Hora (adultério ainda era crime previsto no Código Penal). Por isso ele impressionava quando dizia com frequência: “não existe família sem adúltera”. Ou, “ninguém se interessa por uma família sem adultério. É muito enfadonha”. Para logo em seguida poupar a mulher (“não se chama uma adúltera de adúltera, jamais” - dizia), explicando: “o adultério não depende da mulher, e sim do marido, da vocação do marido. O sujeito já nasce enganado”. Assim era Nelson Rodrigues. Nelson era insuperável na frase. Ruy Castro (autor da biografia do escritor) disse que o nosso Nelson talvez fosse o maior frasista da história da língua portuguesa. Por que só da língua portuguesa? Leiam outros bons frasistas como H. L. Mencken, Karl Kraus, Oscar Wilde e mesmo Bernard Shaw (este último muito admirado por Nelson) e comparem com tudo que está reunido pelo próprio Ruy em Flor de Obsessão (Companhia das Letras). Nelson é melhor e pronto. Aqui no Brasil há quem prefira Mencken ou Shaw, mas é Nelson quem explica a razão: “o Brasil é muito impopular no Brasil”. Ou “o brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma; nem mesmo em cuspe a distância”. E mais: “O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Nelson era e é vítima deste complexo de vira-lata” (expressão de Nelson, é claro). Aqui meu desagravo a Nelson. Aproveito para dedicar o texto ao único paranaense que com ele realmente conviveu: nosso amigo Carlos Nasser (citado em algumas crônicas). A propósito, um dia Nelson descobriu que Carlos Nasser era nascido em São Paulo e comentou espantado (sempre ao seu estilo): “Meu Deus, o único paranaense que eu conheço é paulista!”.
luiz Fernando Pereira é advogado.
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poLítica
olha a política aí, gente! Tudo como dantes neste início de ano depois do carnaval
O
início do ano real neste Brasil brasileiro de samba, suor e cerveja, cabrochas e mulatos inzoneiros, é só depois do carnaval, todos sabem, até mesmo os povos dos países onde a civilização pegou. Ora, pois, reiniciada a atividade política os atores poderiam assumir um saudável mea culpa diante dos problemas acumulados desde 2011, ano que vai passar para a história da República como o das trocas urgentes de ministros pegos com a mão na botija. Qual o que. Esse pessoal tem mais certezas que o Concílio de Trento. Políticos do alto e do baixo clero erraram sistematicamente nos últimos anos (só para não começar pelos sumérios). Nem por isso a maioria absoluta está disposta a mudar o discurso e o comportamento. Vamos a um exemplo singelo. Sobre a Câmara de Vereadores de Curitiba paira a sombra das suspeições sobre contratos de toda a
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ordem. Denúncias tão cabeludas que levaram ao afastamento de seu presidente por noventa dias. Pois, pois, no retorno aos trabalhos a primeira providência da Câmara foi dar mais noventa dias para João Claudio Derosso. Tudo bem, assim caminha a humanidade. Diria um otimista que a Câmara tem outros afazeres e responsabilidades e não pode perder tempo com os despropósitos do presidente afastado. Mas essa hipótese desmorona quando vemos que a principal providência dos vereadores neste retorno do Carnaval foi proibir a nudez exposta nas bancas de revistas. Pois, pois, os vereadores aprovaram a proibição de imagens que consideram “agressivas” aos olhos da população. A lei não proíbe mostrar imagens dos próprios vereadores, que boa parcela da população considera mais agressiva e obscena para os olhos e para o fígado do que a nudez. Pasmem, senhores e senhoras. A ideia foi do vereador Roberto Hinça, do PSD, que também é apresentador de programa de variedades
na TV onde apresenta senhoras e senhoritas quase despidas, o que lhe garante audiência e rentabilidade. Juristas nativos já alertaram que a Lei do Hinça, como é chamada, é inconstitucional, pois fere a liberdade de expressão. Além do que, há uma lei estadual que veda exposição de imagens eróticas pelo comércio de revistas.
pRa Que taNto VeReadoR? Os vereadores são necessários? Ora, pois, diríamos que sim para respeitar a ideia democrática dos três poderes em todas as instâncias de governo, embora saibamos que no Brasil o que funciona mesmo é o Poder Executivo. O Legislativo mais faz figuração e disputa espaço e benesses nos governos. Embora discutida a inutilidade das câmaras municipais e da maioria dos seus ocupantes, mais de 1.700 cidades vão ampliar suas câmaras de vereadores. O Congresso autorizou em 2009 a elevação do número de vereadores em 2.153 câmaras municipais espalhadas pelo País.
Pois, pois, às portas das eleições municipais de 2012, pelo menos 1.700 cidades decidiram engordar suas câmaras. Há no Brasil 51.748 vereadores. A partir de 2013, haverá algo como 7 mil a mais. Não há levantamento oficial dos gastos adicionais que estão por vir. Mas vai custar milhões. Bem, se os vereadores não correspondem às expectativas, poderíamos imaginar que no plano mais alto, do Senado da República, por exemplo, as coisas mudem e tudo ande melhor. Pois há sinais de que os vereadores nada fazem além de copiar o modelo de comportamento dos escalões superiores. O Congresso Nacional é palco contínuo de escândalos e conflitos por cargos e interesses que estão longe de ser aqueles que imaginamos no ideário dos grandes patriotas. Vejam o caso do recém-nomeado novo ministro da Pesca, o bispo da Igreja Universal e senador Marcelo Crivella, do PRB. Ele disse em entrevista que seus conhecimentos sobre o assunto da pasta são nulos. “Nem sei colocar uma minhoca no anzol”, afirmou ao ser questionado se tinha experiência na pesca. O ministro Crivella ressaltou sua experiência com relação ao que chamou de “espírito público”. “Espírito público, político, de saber como as coisas caminham, resolver as controvérsias, eu diria sossegar as vaidades e egos, isso eu tenho boa experiência”, declarou. Pois, pois, não entende de pesca vai apascentar as ovelhas. Bom, todos sabem que o senador Crivella virou ministro para acalmar os evangélicos que estão irritados com o ministro (secretário geral) Gilberto Carvalho, militante da Santa Madre Igreja Católica, que se pôs a falar demais e deu motivo para a pequena guerra santa no governo de Dilma Rousseff.
É pau, é pedra, é guerra A política brasileira não debate há muito um tema de interesse público. Tudo o que vemos é troca de insultos na briga por poder ou influência, o que dá na mesma. E não há recato ou pudor nos métodos. A atitude dos nossos políticos de alto ou de baixo calibre tornou-se obscena. Pornográfica, diria Nelson Rodrigues. Um exemplo da desfaçatez. Aspirando a pompa de um ministério, o Partido da República cansou de tropeçar nas circunstâncias que Dilma Rousseff atravessa no seu caminho. A legenda decidiu fazer em público o que fazia há meses em privado: chantagear. Reunidos, os senadores do partido deram um ultimato ao governo: ou Dilma devolve o Ministério dos Transportes ou o PR vai se incorporar em São Paulo à coligação tucana de José Serra, contra o petista Fernando Haddad.
Apeado dos Transportes sob denúncias de corrupção, o presidente do PR, senador Alfredo Nascimento, resumiu o ânimo de sua tropa: “Se não somos governo, temos que fortalecer o partido na base, nos municípios. Aí, a careca do Serra se torna linda e atraente”. Recados assim se ouvem todos os dias. E quando não há recado, há cacete no adversário. Um caso curioso é o deste dias no âmbito do Banco do Brasil, fruto da cobiça de todos os grupos, subgrupos e pistoleiros autônomos que convivem no Congresso Nacional. O líder tucano viu a guerra interna e não teve dúvida, desceu o porrete. Pois bem, não convidem os irmãos Alvaro e Osmar Dias para o mesmo velório. Estão rompidos. Alvaro, líder tucano, fez um discurso tão virulento contra a guerra interna no PT e partidos aliados pelo controle do Banco do Brasil que causou dores estomacais em Osmar, que vem a ser o vice-presidente de Agronegócio do banco estatal. Munição não faltou a Alvaro Dias. Para completar o angu mal cozido, o ex-vice-presidente do Banco do Brasil Allan Toledo, que até dezembro ocupava uma das áreas mais importantes da instituição, está sendo investigado por ter recebido quase R$ 1 milhão numa conta bancária no ano passado.
Lá como cá Outro paranaense que não perde oportunidade para descer o porrete nos ad-
A política brasileira não debate há muito um tema de interesse público. Tudo o que vemos é troca de insultos versários é o senador Roberto Requião. Pois bem, seu adversário de estimação passou a ser o ministro Paulo Bernardo, a quem ele dedica boa parte de seu tempo e de sua virulência. Nestes dias dedicou-se a distribuir um dossiê contra um aliado do ministro. Bernardo Figueiredo, homem da absoluta confiança do ministro Paulo Bernardo, está prestes a perder a presidência da ANTT, que lhe daria o controle de um projeto cobiçado por meio mundo, o do trem-bala. Lauro Jardim, da Veja, conta que o dossiê distribuído pelo senador Requião, do PMDB, detonou a imagem do moço e lançou sombras sobre Paulo Bernardo. março de 2012 |
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Nossa sociedade não se preocupa com a escolha de governantes ou representantes políticos. Só protesta quando a inflação sobe e os salários diminuem O senador Renan Calheiros, do PMDB, adiou a votação quando viu a vaca no brejo. Há troco. O time de Bernardo comemora a decisão do TCU - Tribunal de Contas da União que determinou ao governo do Paraná a revisão imediata dos contratos de pedágios. Diz que há indícios fortes de irregularidades nos cálculos que aumentaram o preço e hoje causam desequilíbrio econômico sempre a favor das concessionárias. Além do que, as concessionárias foram dispensadas de realizar obras que constavam dos contratos originais. Quando? Ora, senhores e senhoras, no período de governo de Requião, o mesmo que se elegeu com a promessa jamais cumprida; “comigo o pedágio baixa ou acaba”.
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Requião, por incrível que pareça, ainda tem seus defensores na província. A Assembleia Legislativa viveu uma situação curiosa no retorno aos trabalhos. O deputado Mauro Moraes (PSDB) fez críticas pesadas à herança deixada por Requião na segurança pública. Foi o suficiente para que o PMDB, representado pelo deputado Caíto Quintana, sofresse uma poderosa crise de banzo em relação ao governo Requião e subisse à Tribuna para defendê-lo. O banzo atingiu também outros partidos com requianistas em seus quadros, como Rasca Rodrigues, do PV (que conseguiu aprovar a relevante criação do Dia da Mata Ciliar). O fotogênico Rasca Rodrigues se levantou para defender o legado de Requião na área da segurança. Um legado que incluiu a transformação do Paraná em um dos Estados mais violentos do Brasil. Parlamentares do PT também foram afetados pelo banzo e defenderam Requião, entre eles Péricles de Mello e Elton Welter que manifestaram seu apreço e saudades do ex-governador. Prova de que o PT do Paraná não consegue elaborar no divã a relação sado-masoquista que mantém com Requião.
Quem paga essa farra? Tudo o que foi relatado não passa de amostra do que é a política brasileira no cenário dos Legislativos municipal, estadual e federal. Com variações na gramática e no corte dos ternos, todos se parecem na prática prebendarista e fisiológica. Um monumento à tradição patrimonialista do Brasil. O problema é que tudo isso custa muito caro. E sai do bolso dos cidadãos que pagam impostos, ou seja, todos nós.
Assim caminha a humanidade nesta área do planeta. O governo federal faz festa para comemorar a arrecadação de tributos federais que cresceu 6,04% no mês de janeiro. Pasmem, alcançou R$ 102,58 bilhões. De acordo com dados divulgados pela Receita Federal hoje, sexta-feira (24), quando os brasileiros ainda se recuperam dos excessos carnavalescos. Este é o maior valor recolhido em um mês de toda a série histórica (que começa em 2003) e a primeira vez que o valor arrecadado em um mês ultrapassa os R$ 100 bilhões. Segundo o órgão, o resultado expressivo se deve ao pagamento da primeira cota do IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e à antecipação de pagamentos relativos ao ajuste desses dois impostos. Enquanto tudo isso acontece, o cidadão comum segue indignado. Sabe que suas possibilidades de mudar o sistema são mínimas e que terá de engolir, per secula seculorum, o que essa gente lhe impõe e lhe tira. Mas não devemos esquecer que esta sociedade foi fundada por escravocratas racistas, miscigenados e macunaímicos (faltos de caráter) que após a libertação dos escravos incorporaram as sobras das velhas civilizações do Mediterrâneo e dos escorraçados pela fome das regiões mais atrasadas dos países eslavos. Essas raízes antigas e recentes tornam difícil imaginar que pudesse surgir aqui uma sociedade diferente da nossa, tão eivada de preconceitos e tão convicta da infalibilidade dos governos. Uma sociedade que desde a sua mais remota origem foi dependente do Estado filantrópico. Aqui o Estado e sua burocracia antecederam a Nação. As leis e os regulamentos foram estabelecidos pelos primeiros ocupantes ibéricos antes que a sociedade se organizasse e produzisse as suas próprias regras de convivência. Nossa sociedade não se preocupa com a escolha de governantes ou representantes políticos. Só protesta quando a inflação sobe e os salários diminuem. De resto, considera os políticos agentes da corrupção, mas não se preocupa em pensar porque são eleitos os piores e se há maneiras de melhorar o processo de escolha para evitar a repetição dos erros. Aplaude discursos moralizadores e elege os moralistas chinfrins mais conhecidos. Locutores de rádio, pastores pentecostais e artistas do mass media têm grandes chances de sucesso. Nunca o debate político foi tão pobre. Nunca os atores da política foram tão solicitados a repetir o papel de animadores de espetáculos dominicais de televisão. Haja estômago.
eLeiçÕes
ano de eleições, ano de pressões
É
sempre assim no início de ano eleitoral, quando os governantes se veem apuro para garantir a continuidade no poleiro do poder através do voto. Funcionários públicos de todas as categorias e cataduras se inflam de indignação e vão à luta. Aqui no Paraná a tradição se mantém neste ano da graça de 2012 quando a população irá às urnas para eleger prefeitos e vereadores, sendo que estes serão fundamentais para as pretensões da tigrada de alto coturno, que almeja sucesso em 2014, quando teremos eleições para os planos estadual e federal. Pois, pois, os policiais civis e militares se rebelaram. Querem aumento, subsídio e até reposição de tudo o que o governo Requião não lhes deu e eles não tinham coragem de pedir. Os professores, como sempre muito organizados e com grande capacidade de fazer ruído, já disseram que querem mais. Atrás deles vêm os servidores da saúde, de médico a atendente, todos com a mesma exigência. O governador Beto Richa, do PSDB, e sua equipe têm feito um esforço enorme para compatibilizar o orçamento com as exigências do funcionalismo. Não é fácil. Todos sabem que a arrecadação não é elástica e que o Estado não pode simplesmente imprimir moeda e transformá-la em salários e vantagens para não descontentar os barnabés. E a carga de impostos para sustentar a máquina já ultrapassou todos os limites de racionalidade. Hoje, cerca de 40% do PIB é engolido pela máquina burocrática estatal. Não há quem aguente. Quando há caixa, o governante até dá de bom grado. A prefeitura municipal se antecipou aos reclamos orquestrados pela oposição política e liberou logo todos os reajustes, antecipou outros que estavam previstos para 2014. Não há prefeito, e não seria Luciano Ducci, do PSB, que quer greve em ano de reeleição. Mas sejamos justos. Esse tipo de movimento em ano eleitoral não escolhe governo ou grupo no poder. É igual para todos. No dia 15, servi-
o Distinto público contribuinte Deve se prepArAr pArA ver pAsseAtAs, Greves, protesto nAs ruAs, buzinAços e coisAs tAis que Já FAzem pArte De nosso cAlenDário político-eleitorAl dores públicos federais de todo o País devem realizar um dia nacional de luta por melhores salários. Será o rufar de tambores para a greve nacional com a qual pretendem paralisar todas as repartições públicas - do Judiciário,
Legislativo e Executivo - no mês de abril. A capacidade do governo da presidente Dilma Rousseff, do PT, para negociar acordos com organizações sindicais e movimentos sociais vai passar pelo seu primeiro grande teste neste semestre. De greves e passeatas a invasões de terras na zona rural e ocupações de edifícios urbanos, por todo o País estão sendo articuladas ações que podem transformar o período pré-eleitoral num inferno para o Planalto. O Movimento dos Sem-Terra (MST) também anuncia que vai entrar em abril com surpresas para o governo. As habituais manifestações que seus militantes promovem no chamado abril vermelho, com a invasão de terras, edifícios públicos e postos de pedágio, agora devem contar com reforço de outras organizações do setor agrário. O MST, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) articulam a unificação de suas principais manifestações, que normalmente se distribuem entre abril e maio. Esse tipo de articulação não ocorria desde a posse do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, no início de 2003. “Já vimos que somos todos contra o modelo de política agrária que está em curso e favoráveis a outro modelo, que reconheça a importância da agricultura familiar e facilite o acesso à terra” disse ao Estado a coordenadora geral da Fetraf, Elisângela Araujo. “Agora vamos tentar unificar as ações para dar maior visibilidade às nossas propostas.” Ainda em abril estão sendo programadas ações de movimentos por moradia. Com marchas de protesto e, sobretudo, ocupações de edifícios e terrenos urbanos, elas devem ser concentradas no Estado de São Paulo. Ou seja, o distinto público contribuinte deve se preparar para ver passeatas, greves, protesto nas ruas, buzinaços e coisas tais que já fazem parte de nosso calendário político-eleitoral. Em ano de eleições, todos aproveitam para pedir mais. março de 2012 |
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Luiz Geraldo Mazza
As nossas e outras greves
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uando da pregação das reformas de base eram comuns as greves e até aquelas de solidariedade: os portuários de Paranaguá, sob o comando de um bancário, Horácio Vitor da Costa, irmanados no Fórum Sindical, a trás por dois, fechavam o porto em favor de uma categoria como se deu com a dos bancários, afinal aquele tempo a mais estruturada das organizações. O pior que mesmo uma situação anedótica era levada a sério, principalmente pelos serviços de então da “inteligência” oficial: quando cercamos o “Diário do Paraná” para impedir a circulação do jornal que tentara furar a nossa greve de 1963 um juiz deu garantias aos donos e um imenso carro de bombeiros para dispersar-nos. Foi nesse momento dramático, lembro do Adherbal Fortes de Sá Júnior e com gráficos embaixo dos pneus gigantes da viatura, que surgiu uma versão bem maluca: o Valmor Marcelino teria aparecido, conforme o saque, com a bandeira da União Soviética ao que eu teria advertido: “essa, não; a antiga”, a saber a brasileira. Pois no inquérito policial militar que respondemos uma pergunta a respeito do absurdo foi feita como se a colagem do mito fosse maior do que a realidade.
A recente greve de motoristas e cobradores do transporte de Curitiba mostrou que gestores antigos eram mais astutos e eficazes do que os atuais
A dos ônibus A recente greve de motoristas e cobradores do transporte de Curitiba, que durou dois prolongados dias, mostrou que gestores antigos eram mais astutos e eficazes do que os atuais. Tivemos dois locautes, greve de patrão, com Ney Braga e Ibero de Mattos, ambos militares. A de Ney foi encarada com o uso de caminhões do Exército que pegavam as pessoas nos pontos, às vezes ajudadas com uma escada. Foi curta e o Exército ganhou pontos com sua intervenção. Releve-se que o curitibano se mostrou bem humorado com a experiência, ainda que ela estivesse muito próxima do “pau
de arara” nordestino. Já do Ibero de Mattos foi mais dura e também prolongada: os empresários deram sumiço nos ônibus, enquanto os políticos junto ao governador Moisés Lupion faziam uma operação absurda com um decreto que passava ao serviço do transporte coletivo do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem a gestão do sistema. Manchete de “O Estado do Paraná” deu bem a ideia da reação da sociedade: “Lupion ficou louco”. O Tribunal de Justiça, graças ao Edgar Távora, procurador do município, derrubou o decreto e o pessoal da prefeitura acabou, isso
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com a ação própria, retomando a frota que estava enrustida em São José dos Pinhais. Essa, mais recente, embora o sofrimento causado ao povo, não teve o enredamento complexo daquela experiência. A diferença entre Ney e Ibero e os atuais governantes é abissal: eles se faziam respeitar, não deixavam o espaço público ser tomado pela anomia.
Símbolos, uma questão Minha experiência em agito de rua me levou à compreensão de que há símbolos do poder militar que devem ser respeitados: a arma, o uniforme, o capacete, o quepe, a viatura. Não atirar objetos nos carros da polícia, regra rompida nos incidentes do Largo da Ordem, causa geratriz do tumulto. Chamar de “meganha” até dá para encarar ou valer-se de rolhas e bolinhas de gude para derrubar cavalarianos em conflitos a parte do abc. Agora não usam cavaleiros como naquela cena de 1968 do dr. Zequinha, estilingue na mão, na foto premiada de Edson Jansen no “Esso” de jornalismo, pronto a abater o cavalariano com um pelotão no incidente do Centro Politécnico. Há uma piada, pós-64, em torno de uma briga no interior de um ônibus entre um oficial do Exército e um passageiro. De repente todo o mundo se envolve e um tapa derruba o quepe do milico. O cobrador não perdoou e bateu um pênalti com o objeto lançado ao chão. Na delegacia todo mundo se identifica e esclarece como se envolveu. Ali o delegado de Ordem Política e Social se dirigiu ao cobrador e perguntou porque chutara a perna do uniforme. “Quando eu vi tanta gente batendo no milico e jogando o quepe no chão conclui que tinha acabado a revolução e por isso dei a minha contribuição”.
luiz geraldo mazza é jornalista.
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seguRaNça
um fio de esperança contra o medo
E
nfim, um alento. A operação das polícias na área de Curitiba onde se concentra a criminalidade organizada devolve aos cidadãos a esperança de que a cidade volte aos padrões de civilidade que tinha há duas décadas. E que a sensação de insegurança diminua entre os curitibanos. Hoje, o horror. Nos últimos vinte anos o tráfico de drogas venceu todas contra a segurança pública. Transformou Curitiba numa das cidades mais violentas do País, com taxa de homicídios comparável à do Rio de Janeiro antes da intervenção nas favelas. Insegurança passou a ser a principal preocupação da população paranaense, que reivindica providências para reduzir a criminalidade e a violência em Curitiba e no resto do Estado. As pesquisas de opinião revelam uma população com medo, à beira da paranoia, atormentada pelas notícias diárias do crime que não respeita nenhum espaço. Até as igrejas tiveram que levantar altas grades para impedir a invasão de assaltantes. Ficou evidente que parte da operação do tráfico no Brasil passou a ter base e trânsito em Curitiba. Isso se explica, em parte, pela proximidade da fronteira Oeste por onde passa boa parte da droga consumida no País e quase todo o armamento pesado que equipa as gangues que operam no eixo Rio-São Paulo. O plano de ocupação, que tem o nome de Paraná Seguro, começou a ser elaborado há um ano. E não se encerra em uma única operação, essa foi só o começo. Há um levantamento das dez principais áreas de risco do Estado que sofrerão intervenção idêntica. A ideia é de uma assepsia geral que impeça a reinstalação do crime organizado em suas principais bases. Na primeira operação a polícia mobilizou 450 policiais militares, civis e guardas municipais para uma ação na região da Vila Audi, Vila União, Icaraí, Jardim Primavera e Vila Ferroviária, onde se concentra o crime
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organizado. Ali instalou a primeira unidade pacificadora do estado. O projeto paranaense é semelhante ao do Rio de Janeiro, mas aqui é instalado apenas pelas polícias Civil e Militar. No Rio, a intervenção nas áreas de risco é feita com a ajuda das Forças Armadas. A meta para este ano é a instalação de dez unidades do Paraná Seguro em Curitiba. O governo mapeia áreas de risco nos maiores municípios do Estado, que também passarão a contar com o projeto Paraná Seguro.
A iDeiA é De umA AssepsiA GerAl que impeçA A reinstAlAção Do crime orGAnizADo em suAs principAis bAses Estão mapeados os pontos de tráfico de drogas em todos os bairros de Curitiba pelo serviço de inteligência infiltrado que forneceu informações seguras. O tráfico está relacionado com grande parte dos crimes da região, explica o secretário da Segurança Pública, Reinaldo de Almeida Cesar. O critério utilizado para a escolha da região onde está sendo instalada a primeira unidade da UPS foi técnico. Ele acredita que o projeto Paraná Seguro vai devolver uma vida comunitária regular aos moradores dessas regiões. Em setembro de 2011, quando ainda não comandava a PM, o coronel Roberson Bon-
daruk adiantou que o modelo paranaense não é apenas baseado nas UPPs cariocas e que a polícia e secretarias municipais buscariam uma forma diferente de trabalhar em bolsões de pobreza. De acordo com Bondaruk, as regiões devem se transformar em espaços sustentáveis de segurança, para que, em longo prazo, não haja necessidade de “intervenções agudas” da polícia. A verdade é que a situação era insustentável e a única maneira de intervenção segura da polícia é o modelo que não é carioca nem brasileiro, mas que foi adotado com sucesso em várias partes do mundo. A polícia invade, elimina os focos de criminalidade que normalmente controlam a área e sua população, e logo depois o poder público entra com os demais serviços para dar sustentabilidade e permanência das novas condições. É um projeto caro. Exige ampliação das forças policiais, manutenção de unidades de segurança nas áreas ocupadas e expansão rápida de serviços públicos essenciais. O governo diz que há recursos reservados para essa operação e que espera contar com recursos do governo federal. Os detalhes da instalação das unidades do Paraná Seguro começaram a ser definidos ainda em setembro do ano passado, durante reunião entre o prefeito Luciano Ducci (PSB), o secretário estadual de Segurança, Reinaldo de Almeida Cesar, e os comandantes das forças de segurança do Estado e da capital. A UPS que será instalada na Vila Audi/União será a primeira de dez. A região do Uberada vai receber mais uma. Outras regiões – com altos índices de violência e criminalidade – já estão mapeadas. Além das UPS, as regiões vão receber também módulos policiais. Na Vila Audi/ União serão dois módulos móveis e, posteriormente, serão construídos módulos fixos. Toda Curitiba vai receber mais de 75 módulos. A Polícia Militar vai implantar ainda um batalhão na região da Cidade Industrial e a Polícia Civil vai instalar sete delegacias
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cidadãs.“Estamos trabalhando de forma conjunta e articulada, governo do Estado e prefeitura, no enfrentamento da violência e da criminalidade para garantir a segurança e o bem-estar da família curitibana. As UPS extrapolam o âmbito das ações policiais e têm um forte caráter social”, disse o prefeito Luciano Ducci. O governador Beto Richa afirmou que as UPS vão devolver às comunidades as regiões dominadas pela criminalidade e pelo tráfico de drogas. “Vamos devolvê-la aos cidadãos. Vamos transformar o cenário de regiões com esse perfil, levar políticas públicas do município e do governo estadual e garantir presença permanente da polícia.”
Primeira Unidade Quatrocentos e cinquenta homens das polícias Civil, Militar e da Guarda Municipal de Curitiba ocuparam parte do bairro Uberaba, dando início à implantação da primeira Unidade do Paraná Seguro (UPS) no Paraná. A medida tem caráter piloto. Ainda este ano serão implantadas mais 10 unidades em Curitiba e identificadas áreas que receberão UPS nas principais cidades do Estado. A ação – que nas próximas semanas vai se desdobrar em medidas de policiamento comunitário e fortalecimento de políticas públicas na região – pretende melhorar as condições de segurança no Paraná e consolidar a queda no número de homicídios. A operação policial teve a participação de homens da Polícia Civil, tropas especiais da Polícia Militar e unidades da Guarda Municipal de Curitiba. O objetivo era cumprir 34 mandados de prisão de acusados de envolvimento em homicídios e tráfico de drogas e abrir caminho para implantação da UPS. A região do Uberaba, onde ficam as vilas que foram alvo da operação, terá duas bases de UPS. O comandante geral da Polícia Militar, coronel Roberson Bondaruk, informou que serão implantados no bairro dois módulos móveis e, posteriormente, construídos módulos fixos. “Vamos manter a presença policial intensiva na região por mais alguns dias e, depois, será iniciado um processo de visitas domiciliares com policiais treinados em policiamento comunitário, para criar um relacionamento com a comunidade”, disse. Na ação de congelamento da região, policiais tomaram áreas da Vila Audi, Vila União Ferroviária, Jardim Icaraí, Vila Solitude II, Moradias Marumbi I e II, Moradias Lotiguassu, Vila Yasmim, Vila Reno, Jardim Alvorada II, Moradias Itiberê, Moradias Cairo e Jardim Torres – integrantes do bairro Uberaba, que apresenta elevado índice de homicídios e crimes relacionados ao tráfico. A população es22
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do na solução usada nas comunidades do Rio de Janeiro (Unidade de Polícia Pacificadora – UPP), mas possui uma diferença fundamental, que é a parceria do Estado com o município para levar políticas públicas de ação social, geração de renda, contraturno escolar e melhoria da infraestrutura, como roçada em parques e praças e iluminação pública, para áreas degradadas em que for detectada a ausência dessas políticas públicas. O delegado geral da Polícia Civil, Marcus Vinícius Michelotto, lembrou que operações do gênero foram realizadas no passado, mas tiveram caráter transitório. “Com as UPS, isso vai mudar. Agora a ocupação será permanente, com o resgate social e a presença constante do Estado. Teremos a polícia comunitária, amiga da população, conforme o treinamento dos policiais, com ações de governo permanentes. Se não for assim, a criminalidade retorna”, afirmou.
A sensação de insegurança tornou-se brutal nestas paragens meridionais tornando a situação insuportável timada da região ocupada é de 20 mil pessoas. Seguindo a determinação de evitar constrangimentos aos moradores, os policiais cercaram com viaturas entradas e saídas das vilas, com suporte de helicópteros e cães farejadores, para abordagem e identificação de veículos e revistas a pessoas. Foram presos três acusados de tráfico de drogas e estelionato.
POLÍTICAS PÚBLICAS O conceito das UPS que o Paraná começa a implantar é basea-
UPS A metodologia de implantação das UPS prevê uma fase inicial, de inteligência policial, para identificação de traficantes, pontos de tráfico de drogas e cenas de uso de entorpecentes. No momento seguinte são feitas as prisões. “É uma ação profilática, saneadora da região e, em seguida, é iniciado um trabalho muito forte de policiamento comunitário por parte da Polícia Militar, seguindo o conceito de polícia de proximidade, uma Polícia Militar amiga da população, paralelamente à implantação de políticas públicas que podem mudar a realidade de uma região”, explicou. PARANÁ SEGURO O secretário Reinaldo de Almeida César reafirmou que o programa Paraná Seguro prevê a contratação de 10 mil policiais até 2014 e a compra de 3.200 viaturas, com tecnologia embarcada de georreferenciamento (GPS) e computadores (tablets), para equipar as polícias e o Instituto Médico Legal, além de 95 novas delegacias e 400 módulos policiais móveis. Para isso o orçamento da Secretaria da Segurança será reforçado em R$ 500 milhões no atual exercício, e poderá dobrar até 2014. A central de atendimento 181, antes conhecida como Narcodenúncia, está sendo ampliada, para receber outros tipos de denúncias da população, principalmente ligadas a homicídios. A verdade é que não há outra prioridade mais aguda para a sociedade que a da segurança pública. A sensação de insegurança tornou-se brutal nestas paragens meridionais tornando a situação insuportável, como se pode ver na matéria de Marianna Camargo que vem a seguir.
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seguRaNça
curitiba, de pacata, não tem nada A escalada da violência no Paraná: Curitiba tem a 6ª maior taxa de homicídios no país e lidera ranking na região Sul M C
O
professor Pedro Bodê, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, afirmou, em entrevista sobre a situação da violência no Paraná concedida para a Revista Ideias em 2008 – que já aparecia com destaque no Brasil –, antes de perguntarmos por segurança pública e políticas relativas a ela, temos que nos perguntar sobre a sensação de insegurança. Questão que já havia sido proposta no século XII, pelo historiador Jean Delumeau, na História do medo no ocidente, que diz que quando há crise social aparecem vilões. “Quando há crise, como a peste e o desemprego, é preciso encontrar um culpado, um elemento objetivo. Fizeram uma pesquisa na Europa e descobriram que não havia uma relação entra a taxa de homicídios e a sensação de insegurança. Em lugares onde as pessoas se sentiam mais seguras, elas tinham mais acesso ao bem-estar, a políticas públicas, saúde, educação, justiça e confiança na polícia. A sensação de segurança variava em função desses elementos. Quando há sensação de insegurança, ela acaba se voltando para duas questões antigas: o crime e o sobrenatural”, afirmou Bodê. Segundo Bodê, pesquisas apontam que a classe média tem muito mais medo. “No Brasil, as instituições responsáveis pela segurança pública estão muito atrasadas. Essas instituições são aquelas que formam o sistema de justiça criminal, que engloba o Judiciário, setores do Ministério Público, a polícia e o sistema penitenciário.” No fim de 2011, outra pesquisa ratificou os dados da violência no Paraná. A cidade de
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Curitiba tem a 6ª maior taxa de homicídios no país. De acordo o estudo Mapa da Violência 2012, divulgado pelo Instituto Sangari, no ano 2000 a capital paranaense era 20ª colocada com 26,2 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, dez anos depois o número aumentou para 55,9. O estudo aponta as 200 cidades brasileiras mais violentas e a capital fica atrás apenas de Maceió, João Pessoa, Vitória, Recife e São
o pArAná tem três municípios entre os Dez com mAiores ínDices De homicíDio no pAís, e tem nove nA listA Dos 100 mAis Luís. Porto Alegre e Florianópolis, outras capitais da região Sul, são 16ª e 24ª colocadas respectivamente. O Paraná tem três municípios entre os dez com maiores índices de homicídio, e tem nove na lista dos 100 mais. O ranking leva em conta os crimes registrados entre 2008 e 2010. Guaíra, a fronteira com o Paraguai, aparece em quarto no ranking nacional, com taxa de 112,8 homicídios para cada 100 mil
habitantes. A terceira cidade paranaense entre as dez mais violentas é Piraquara, na RMC, com taxa de 90,8.
iNteRioRização Muitas regiões mais afastadas dos grandes centros também são locais de conflitos agrários ou ambientais, zonas de fronteira ou rotas do tráfico - fatores que tendem a estimular a violência. “A disseminação e a interiorização tiveram como consequência o deslocamento dos polos dinâmicos da violência: de um reduzido número de cidades de grande porte para um grande número de municípios de tamanho médio ou pequeno. Se as atuais condições forem mantidas, em menos de uma década as taxas do interior deverão ultrapassar as das capitais e regiões metropolitanas do País”, diz a pesquisa. Assim, cidades pequenas como Simões Filho (BA), com 116 mil habitantes, Campina Grande do Sul (PR), com 37,7 mil habitantes, e Marabá (PA), com 216 mil, passaram a liderar, nesta ordem, o ranking de municípios com as maiores taxas de homicídio por 100 mil habitantes. É nesse cenário que a violência brasileira tem se descentralizado e se tornado um fenômeno crescente no interior, aponta Julio Jacobo Waiselfisz, diretor de pesquisa do Instituto Sangari. No estudo, ele detectou “a reversão do processo de concentração da violência homicida, que vinha acontecendo no País desde 1980”. muNdo Segundo dados da organização nãogovernamental mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, divulgados em janeiro deste ano, dos 50 locais mais violentos do mundo, 40 estão na
América Latina. O ranking aponta 14 cidades no Brasil, 12 no México e cinco na Colômbia. Curitiba ocupa a 38ª posição, à frente de cidades da África do Sul, da Colômbia e do Iraque. Segundo o site Crimes Curitiba, 2011 registrou 777 homicídios em Curitiba, uma média de 2,1 assassinatos por dia.
Violência nos Estados De acordo com o “Mapa da Violência”, o Brasil estabilizou suas taxas de homicídio e conseguiu conter a espiral de violência em Estados como São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro (onde, entre 2000 e 2010, o número de homicídios caiu respectivamente 63,2%, 20,2% e 42,9%). No Paraná, os números apontam em 2010 uma taxa de homicídios de 34,4 para cada 100 mil habitantes, uma queda em relação a 2009, quando os dados apontavam 35,1. No entanto, a taxa de homicídios em Curitiba é maior se comparado aos números do País. Isso, segundo a pesquisa, acontece desde 2003. Por outro lado, o estudo aponta que “nossas taxas ainda são muito elevadas e preocupantes, considerando a nossa própria realidade e a do mundo que nos rodeia, e não estamos conseguindo fazê-las cair”. “Estados que durante anos foram relativamente tranquilos, alheios à fúria homicida, entram numa acelerada onda de violência”, diz a pesquisa. Vários fatores podem explicar essa migração, diz o estudo: o investimento em se-
gurança nas grandes capitais e suas regiões metropolitanas, fazendo com que parte do crime organizado migrasse para áreas de menor risco; melhoras no sistema de captação de dados de mortalidade, fazendo com que mortes antes ignoradas no interior pudessem ser contabilizadas; e o fato de algumas partes do País terem se tornado polos atrativos de investimento sem que tivessem recebido, ao mesmo tempo, investimentos em segurança pública.
metas O governo do Paraná estabeleceu como meta diminuir em 27% o número de homicídios dolosos no Estado até 2015, o que reduziria a taxa desse tipo de crime de 30,4 (dado de 2010) para 21,50 casos por cem mil habitantes – abaixo da atual média nacional, que é de 26/100 mil. As metas foram anunciadas dia 13 de janeiro deste ano pelo governador Beto Richa e pelo secretário de Segurança Pública, Reinaldo de Almeida Cesar, que enumeraram uma série de medidas já programadas para conter a criminalidade no Estado. O plano apresentado pela Secretaria de Segurança estabelece reduções gradativas no número de homicídios, consolidando uma tendência de queda já verificada este ano. Projeção feita pela pasta com base nos dados de janeiro a setembro indica que o Paraná deverá fechar 2011 com queda de 7,72% nos homicídios, em relação a 2010 em todo
Em 2000, a capital paranaense tinha 26,2 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. dez anos depois o número aumentou para 55,9 o Estado – o que representa 253 ocorrências a menos. Essa projeção indica para este ano uma taxa de 27,81 homicídios por cem mil habitantes, contra 30,40 no ano passado. Reinaldo de Almeida Cesar destaca que para o cumprimento da meta será realizado um trabalho policial mais intenso nas regiões com maior população, como Curitiba, Londrina, Foz do Iguaçu e Cascavel. “Reduzir o número de homicídios é a nossa prioridade. Iremos atuar com integração e transparência
Taxas de homicídio por área. Paraná. 1980/2010* Paraná
Brasil
1980
11,7
10,8
9,0
11,5
1996
24,8
15,3
16,5
1981
12,6
12,1
8,6
13,7
1997
25,4
17,3
20,3
15,4
1982
12,6
13,9
11,3
15,1
1998
25,9
17,6
18,8
16,9
Estado Capital + RM Interior
Ano
Brasil
Paraná
Ano
Estado Capital + RM Interior 14,5
1983
13,8
14,5
11,6
15,9
1999
26,2
18,1
20,4
16,6
1984
15,3
13,4
10,2
14,9
2000
26,7
18,5
21,5
16,4
1985
15,0
11,5
9,3
12,6
2001
27,8
21,0
24,5
18,6
1986
15,3
11,4
9,1
12,5
2002
28,5
22,7
27,0
19,7
1987
16,9
11,4
9,3
12,5
2003
28,9
25,5
32,3
20,5
1988
16,8
12,1
11,0
12,6
2004
27,0
28,1
34,2
23,5
1989
20,3
13,3
14,0
13,0
2005
25,8
29,0
36,0
23,7
1990
22,2
14,1
14,4
13,9
2006
26,3
29,8
36,7
24,4
1991
20,8
14,5
12,5
15,7
2007
25,2
29,6
34,3
25,9
1992
19,1
12,8
12,1
13,2
2008
26,4
32,6
43,6
24,3
1993
20,2
14,4
14,4
14,4
2009
27,0
35,1
48,4
25,1
1994
21,2
14,6
15,1
14,3
2010*
26,2
34,4
47,0
24,8
1995
23,8
15,9
17,7
14,9
Primeiro período: 1980/1992. Exíguo crescimento das taxas do Estado que, a partir de um início quase equivalente, vai se distanciando das taxas nacionais. Se o País no período cresceu 63,3% o Estado somente 18,7%. Esse diferencial de ritmos origina que, no final do período, as taxas do Estado sejam 33% menores que a nacional. Segundo período: 1992/2000. As taxas do Estado se aceleram com um ritmo bem semelhante ao nacional, fortemente impulsionadas pela sua Região Metropolitana (RM). No período o País cresce 39,9%, o estado 44,6%, mas a RM de Curitiba 77,7%. Já a contribuição do interior do Estado foi modesta: 24,3%. Terceiro período: 2000/2010*. As taxas do Estado, que já vinham crescendo de forma rápida, aceleram-se mais ainda, numa fase de virtual estagnação nacional. Com esse diferencial, o Estado ultrapassa a média nacional já em 2004. Novamente aqui vai ser a Região Metropolitana a que atua como motor do crescimento, mas desta vez, o interior também contribui para a elevação dos índices estaduais, mas com menor intensidade que a RM.
Fonte: Tabelas do Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangari / SIM/SVS/MS / *2010: Dados preliminares
março de 2012 |
25
para que a população tenha acesso aos índices de criminalidade”, disse o secretário. Segundo ele, a meta é que a partir de 2013 o Paraná já tenha uma taxa de homicídios por cem mil habitantes abaixo da média nacional, que é de 26/100mil.
MEDIDAS A ampliação dos recursos financeiros para a segurança pública será destinada a medidas estruturantes definidas pelo Programa Paraná Seguro, lançado em junho do ano passado. A proposta define dez projetos que, de acordo com o secretário, criarão as condições necessárias para reduzir as taxas. Entre as medidas previstas estão a contratação de mais policiais, construção de unidades para as polícias Militar e Civil, implantação dos módulos policiais, implantação das Unidades do Paraná Seguro (UPS), reestruturação do IML e da Criminalística,
com novas unidades no interior, aquisição de novas viaturas com acesso a tecnologia, aperfeiçoamento dos sistemas de monitoramento com câmeras, aperfeiçoamento da central 190 e da radiocomunicação. Enquanto essas ações não têm resultado efetivo, a sensação de insegurança permanece e aumenta com a divulgação de dados estarrecedores sobre a violência. A questão é pensar se apenas medidas relativas à segurança pública funcionam ou se o problema não deveria ser pensado de maneira mais ampla, com projetos voltados à educação, saúde e ao bem-estar das pessoas. É sintomático algumas regiões serem mais violentas que outras. Quais são os motivos, o que falta, o que precisa? Pois não se precisa de apenas da polícia, mas de uma série de políticas públicas que façam com que os cidadãos se sintam bem, seguros e readquiram confiança na Polícia e no Estado.
Campina Grande do Sul, com 37,7 mil habitantes está em segundo lugar no ranking de municípios com as maiores taxas de homicídio por 100 mil habitantes
Taxas de homicídio (em 100 mil habitantes) por tamanho do município. Paraná: 2000-2010* tamanho do município
homicídios 2000 N
Taxas
homicídios 2010*
%
N
Taxas
%
% taxas
nº municípios
Até 5 mil habitantes
34
9,3
1,9
53
15,2
1,5
63,5
98
De 5 a 10 mil
79
10,9
4,5
75
10,5
2,1
-3,6
105
De 10 a 20 mil
161
11,0
9,1
257
17,1
7,2
55,7
109
De 20 a 50 mil
247
15,8
14,0
450
26,8
12,5
69,5
55
De 50 a 100 mil
144
15,8
8,2
414
39,5
11,5
150,5
14
De 100 a 200 mil
198
19,0
11,2
510
42,3
14,2
123,0
10
De 200 a 500 mil
405
27,9
22,9
711
42,1
19,8
51,2
6
Acima de 500 mil
498
24,5
28,2
1118
49,5
31,2
102,2
2
TOTAL
1766
18,5
100,0
3588
34,4
100,0
86,0
399
Cresce significativamente o número de municípios com taxas acima de 26 em 100 mil habitantes: em 2000 foram 60 e em 2010 passa para 101.
Fonte: Tabelas do Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangari / SIM/SVS/MS / *2010: Dados preliminares
Taxas de homicídio (em 100 mil habitantes) segundo tamanho do município. Paraná: 2000-2010*
Taxas de homicídio (em 100 mil)
60 49,5
50 42,3
39,5
40 30
27,9
20 10 0
17,1
15,2 9,3 5 a 10
10,9 10,5
11,0
10 a 20
20 a 50
15,8
50 a 100
100 a 200
Fonte: Tabelas do Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangari / SIM/SVS/MS / *2010: Dados preliminares
| março de 2012
24,5
19,0
Tamanho do município (1000 habitantes)
26
42,1
200 a 500 Acima de 500 2000
2010
Apesar de existir uma forte associação positiva entre o porte do município e suas taxas de homicídio – quanto maior o porte do município maiores são suas taxas de homicídio – onde os índices mais crescem é nos 24 municípios de porte médio: entre 50 e 200 mil habitantes. Nessa faixa destacam-se Pinhais e Piraquara, por suas elevadas taxas e pelo enorme crescimento dos índices de violência que experimentaram na década.
Rubens Campana
Sobre o bom senso
A
importância dos direitos de propriedade e seus efeitos de incentivo produtivo foram recentemente relembrados pelo economista Alex Tabarrok, que reconta um belo episódio ilustrativo: um acordo secreto entre agricultores que mudou a história da China. A política do Grande Salto Adiante foi um enorme salto para trás, e a produtividade agrícola na China era menor em 1978 do que havia sido em 1949, quando os comunistas tomaram o poder. No começo da década de 1960, as políticas agrárias maoístas já haviam trazido a Grande Fome, que matou entre 20 e 40 milhões de chineses. Em 1978, no entanto, os agricultores da vila de Xiaogang se reuniram secretamente e concordaram em dividir a terra comunal, atribuindo lotes individuais. As 18 famílias de Xiaogang assinaram um contrato de vida e morte — um documento sigiloso que extinguia a agricultura coletiva entre eles. Resta, ainda hoje, o documento marcado pelas impressões digitais dos signatários. Cada agricultor continuaria a produzir a cota para o governo, mas qualquer excedente seria mantido por quem o plantou e colheu. O acordo violava a política do governo. Por isso, os agricultores também prometeram que se algum deles viesse a ser morto ou preso, os outros iriam criar os seus filhos até os 18 anos. A mudança de direitos de propriedade coletiva para algo mais próximo de direitos de propriedade privada teve efeito imediato. Investimento, esforço no trabalho e produtividade aumentaram. A notícia do acordo secreto vazou e burocratas locais cortaram fertilizantes, sementes e pesticidas para Xiaogang. A história poderia acabar por aí, mas, a essa altura, os agricultores de aldeias vizinhas estavam a reproduzir a ideia e também abandonaram a propriedade coletiva. Em Pequim, Mao já havia morrido e os novos dirigentes, vendo a melhora na produtividade, decidiram deixar o experimento prosseguir. Na China do Partido Comunista, o individualismo chegava ao campo. Eram a mesma terra,
as mesmas ferramentas e as mesmas pessoas. Apenas as regras econômicas mudaram — e, com isso, veio a prosperidade. O bom senso dos agricultores de Xiaogang e a compreensão básica dos razoáveis resultados trazidos pelos incentivos da propriedade privada já viveram dias melhores. Desde a crise de 2008, a gritaria mundo afora é de condenação ao capitalismo, cujo fim continua a ser anunciado em intermináveis rodadas de aplausos. Os críticos contemporâneos do capitalismo vêm em diversas variedades. Primeiro, os envelhecidos neotrotskistas remanescentes, bajuladores da Cuba de Fidel e da Venezuela de Chávez. Trotsky, apesar de suas falhas, de-
“às vezes, o primeiro dever dos homens inteligentes é a reafirmação do óbvio” monstrou alguma virtude ao enfrentar Stalin, a quem comparou a pequenos tiranos como o mexicano Porfirio Díaz. Rendendo-se a algum otimismo, é possível até imaginar um Trotsky contemporâneo ridicularizando também alguns dos ídolos dessa camarilha sectária. Em segundo lugar, há os vândalos mascarados de preto, de inspiração menos conhecida, mas mais significativa: o niilismo político, na variante ideológica e revolucionária do terrorismo russo do século XIX. O molde seria algo como um Sergei Nechayev, para quem “o revolucionário é um homem condenado”, que “não tem interesses particulares, relações pessoais, sentimentos, laços, propriedades e nem mesmo um nome próprio”. São ativistas do ressentimento.
Por fim, há os inspirados pelo movimento Ocuppy Wall Street em Nova York ou pelos indignados em Madri, descontentes não apenas com a situação econômica, com os banqueiros e com a atitude de seus governos, mas também, é claro, com o próprio capitalismo. Há de se constatar que os neotrotskistas ou os grafiteiros niilistas de hoje não têm o peso de seus antecessores. Ao contrário dos impostores que circulam por Nova York, Madri, Londres ou qualquer capital latino-americana, anarquistas autênticos e anarco-sindicalistas compreendiam que um movimento anarquista genuíno deveria revelar os valores da capacidade de organização voluntária, um princípio antiestatista. Os anarquistas de hoje apenas quebram vitrines de lojas e se divertem no caos, e não na filosofia social de Peter Kropotkin ou Emma Goldman. O livre mercado tem ainda, é claro, tantos outros inimigos, principalmente entre tiranos e a elite intelectual e política. Por acreditarem que possuem inteligência superior às massas ou que Deus ordenou-lhes impor pela força alguma sabedoria sobre o resto de nós, consideram ter boas razões para substituir relações voluntárias pelo planejamento econômico central. George Orwell advertiu que “às vezes, o primeiro dever dos homens inteligentes é a reafirmação do óbvio”. Não tenho a pretensão de me escalar entre os homens que Orwell consideraria inteligentes, mas não fico constrangido ao seguir o conselho e continuar a reafirmar o óbvio. O óbvio, nesse caso, é saber que nem as poções marxistas, nem o conjunto difuso e vago de ideais coletivistas, filantrópicos, multiculturalistas e ambientalistas que circulam com força desde 2008, caso implementados, produzirão resultados melhores do que o bom senso daqueles agricultores de Xiaogang. A opinião expressa nos artigos é exclusivamente do autor e não reflete a posição do Ministério das Relações Exteriores.
rubens campana é diplomata.
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compoRtameNto
dismoRfia distúrbio ou doença?
A busca incansável pela “perfeição” corporal e o excesso de vaidade trouxeram à tona um novo distúrbio, a dismorfia, transtorno ligado a fatores socioculturais, causado por uma percepção equivocada da própria imagem M C
B
rasil, o país do carnaval. Período de übberjoyed, onde todo e qualquer excesso é permitido, mais, praticamente obrigatório. O culto ao corpo, doses cavalares de testosterona, hormônios, anabolizantes, cirurgias. Todos querem ser mais e mais e mais. Em Curitiba, pelo fato de quase não existir carnaval tampouco praia, percebe-se menos essa onda que exala exageros para todos os gostos, porém, na cidade do Rio de Janeiro, vista pelas hiperlentes da poderosa Rede Globo de Comunicação, é nítida a exacerbação. A preparação do corpo tem agenda na academia, personal trainer, alimentação, intervenção cirúrgica, botox, silicone. Vale tudo para entrar em forma para a grande festa. E como “a gente vai se ver na Globo”, a luta pela visibilidade vira concorrência, e das mais acirradas. O que começou no carnaval agora virou febre. Há cerca de cinco anos, a tendência não é apenas a exposição do corpo “malhado”, mas a alteração por meio de hormônio, testosterona e silicone, para que o corpo fique de acordo com um suposto “ideal”. Esse parâmetro transformou-se em um distúrbio da própria imagem e tem nome: dismorfia.
dismoRfia O transtorno dismórfico corporal está relacionado com uma falsa percepção da imagem corporal, a pessoa se vê diferente do que é. De acordo com Rosana Radominski, 28
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professora adjunta da Universidade Federal do Paraná (UFPR), endocrinologista, especialista em obesidade, transtornos alimentares e medicina esportiva, esse é um distúrbio que iniciou há cerca de cinco anos. A médica começou a receber pacientes que estavam sofrendo várias alterações hormonais por conta do uso indiscriminado de hormônios de crescimento e testosterona. “Os homens querem ficar fortes e as mulheres também. Acontece que usar essas substâncias acarreta diversas consequências, desde alterações na voz e aumento de pelos no corpo, até câncer e impotência sexual. Eles se olham no espelho e estão com hipertrofia muscular, mas não se veem grandes o suficiente”, afirma. A médica ressalta que isso era mais comum entre os homens que queriam aumentar a massa muscular, mas que de cinco anos para cá uma grande quantidade de mulheres também está fazendo isso. “Essa época de verão as pessoas vão à praia, mostram mais o corpo, se preparam para chegar ao ideal de “perfeição”. E o padrão mudou, antes o ideal era Luma de Oliveira, mais esguia, com curvas. Agora as mulheres estão com coxas cada vez mais grossas e com mais músculos”, observa. A endocrinologista alerta para o fato que como as mulheres não têm a mesma massa muscular que os homens recorrem aos hormônios e testosterona. “Com isso, elas atingem o objetivo, mas o uso de testosterona também engrossa a voz e aumenta a quantidade de pelos e acnes, alterações que podem ser irreversí-
João Le Senechal
De acordo com a doutora Rosana Radominski, o uso prolongado de hormônio de crescimento causa graves alterações no corpo, desde acromegalias até câncer.
veis”, afirma. O uso prolongado de hormônio de crescimento causa graves alterações no corpo, desde acromegalias, ou seja, aumento dos ossos das extremidades, como braço, perna, queixo, mandíbula e separação de dentes, até câncer, segundo Rosana. “É uma febre o uso dessas substâncias, e pior, é feito com a conivência dos médicos, que prescrevem aos pacientes. Além disso, existe a venda ilegal nas academias”, frisa a doutora. Rosana alerta ainda para o fato que em algumas academias eles não vendem a testosterona para humanos, mas para cavalos. “A distância entre o padrão real e o padrão ideal está cada vez maior. A busca pela vaidade e pela perfeição leva essas pessoas a terem uma falsa percepção do real”, finaliza a endocrinologista.
“Eu me via um frango” Em outubro de 2011, João Paulo Mendes dos Santos, 18 anos, de Bela Vista do Paraíso, no Paraná, entrou em coma e ficou internado no Hospital Universitário de Londrina por ter utilizado em excesso anabolizantes sintéticos e testosterona para uso em cavalos. O jovem chegou ao hospital inconsciente e respirava por meio de aparelhos. Foi detectada uma trombose cerebral – formação de coágulos que impedem a circulação normal de sangue. João Paulo ficou internado durante nove dias e em coma três dias, mas sobreviveu. Ele praticava musculação em uma academia e chegou a consumir dose 20 vezes maior que a indicada para ganhar massa muscular. Com as doses cavalares, literalmente, surgiram fortes dores de cabeça e depois convulsões. João Paulo ficou 44 horas em coma. Em entrevista à
O transtorno dismórfico corporal está relacionado com uma falsa percepção da imagem corporal, a pessoa se vê diferente do que é imprensa, ele contou que adquiriu o produto no Paraguai. “Eu me via um frango”, disse depois que saiu do hospital. Sobre o uso de testosterona para cavalos, o médico Carlos Eduardo Farias explica: “É contraindicado no uso de humanos, pode trazer consequências neurológicas para o resto da vida e, inclusive, morte súbita”.
Magreza Valéria Mattos, 33, trabalha como dentista. Ela diz que sempre se achou muito magra e começou a fazer musculação aos 15. Aos 18, não satisfeita, fez a primeira cirurgia: pôs silicone nos março de 2012 |
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João Le Senechal
A dismorfia é uma doença nova, uma alteração que ainda não está definida, está mais ligada à moda e a fatores culturais
Cirurgia plástica Essa busca pela perfeição leva cada vez mais pessoas a procurar intervenções cirúrgicas para modificar o corpo. De acordo com Rosana Radominski, o Brasil fica em segundo lugar quando o assunto é cirurgia plástica, atrás apenas dos Estados Unidos. Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha entre setembro de 2007 e agosto de 2008, a pedido da Sociedade de Cirurgia Plástica (SBCP), aponta que o aumento de mama já supera lipoaspiração no ranking das plásticas. Outra pesquisa, realizada pelo Ibope para o 11º Simpósio Internacional de Cirurgia Plástica realizado em março de 2010, aponta que foram feitas 645.464 cirurgias plásticas em 2009 no Brasil. O maior crescimento foi registrado na colocação de silicone nos seios, com 17% mais
seios. Dois anos depois resolveu fazer uma lipoescultura: afinou a cintura e aumentou o bumbum. Valéria tem 1,65m e 55 quilos, peso e altura considerados dentro do padrão pela medicina, mas ainda se acha muito magra. Quer aumentar os músculos da coxa, braços e fazer mais alguma cirurgia. “Olho para minhas fotos e nunca estou de acordo com o que quero. O meu médico disse que tenho peso e altura dentro do padrão, mas quero ficar mais “mulherão”, me acho muito magrinha”, diz. A psicóloga Raquel Fontoura diz que essa falsa percepção de si mesmo está ligada à baixa autoestima, que cria um ideal quase sempre impossível de atingir. Ela diz que a mídia tem um papel importante nisso: “as mulheres querem ser iguais às das capas de revista, só que esquecem que ali tem tratamento de imagem, elas não são assim na vida real, isso gera uma frustração e uma obsessão por um ideal que não existe”, afirma a psicóloga.
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cirurgias no último ano, seguida pela lipoaspiração (12%). Depois de perder durante dez anos para a lipoaspiração, o silicone dos seios assumiu o primeiro lugar no ranking das intervenções estéticas em todo o País. Entre os pacientes que realizaram cirurgias plásticas, 82% são mulheres e apenas 18% são homens. Do total de implantes de mama, tanto em homens como em mulheres, 91% foram estéticos e 9% de reconstrução.
Critérios Rosana diz que a dismorfia não é tratada como distúrbio ou doença ainda. De acordo com a classificação médica é um distúrbio de imagem não específico. Porém, ressalta que a dismorfia provavelmente terá critérios mais rígidos no nível das doenças tratadas na saúde mental. “A dismorfia é uma doença nova, uma alteração que ainda não está definida, está mais ligada à moda e a fatores culturais”, afirma.
Eric Gaillard/Reuters
Próteses com defeito
A
alta procura por próteses causou outro grave problema de saúde. Em 23 de dezembro de 2011, autoridades francesas aconselharam 30 mil mulheres a retirar os implantes com próteses de silicone de mama da empresa francesa Poly Implants Protheses (PIP). As cirurgias serão custeadas pelo governo francês. O gel usado na fabricação da prótese era de má qualidade, aumentando a possibilidade de rompimento. Há suspeitas também que os implantes de silicone poderiam elevar a ocorrência de câncer – relação não confirmada.
Brasil Com sede no Paraná, a importadora EMI comprou mais de 34 mil unidades da PIP, das quais 24,5 mil foram vendidas. O restante, equivalente a 10.680 unidades, foi apreendido pela Vigilância Sanitária paranaense que já notificou as vigilâncias municipais para que comecem o monitoramento. No Paraná foram comercializadas ao menos 2.084 próteses – 1.507 só em Curitiba. As regiões onde existe maior índice de mulheres com as
próteses da marca francesa se concentram no Sul e Sudeste, 70% do total, segundo levantamento da Anvisa. No dia 26 de dezembro de 2011, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendou que as pacientes com próteses de silicone de mama da empresa francesa procurassem seus médicos para passarem por exames e uma avaliação clínica. Em 30 de dezembro de 2011, uma semana após a França ter recomendado às mulheres retirarem os implantes, o registro das próteses da marca francesa no Brasil foi cancelado. Logo depois, a importação e a venda de próteses mamárias da marca holandesa Rofil no Brasil também foram proibidas pela Anvisa, no dia 10 de janeiro deste ano. A decisão foi tomada após a constatação de que a Rofil comprou material da marca francesa Poly Implants Protheses (PIP) para a fabricação dos produtos. A empresa é acusada de ter usado silicone industrial, o que aumenta o risco de ruptura da prótese.
Caso A curitibana Marisa Fagundes, 35, uma das pacientes que colocou prótese da marca março de 2012 |
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SUS O Sistema Único de Saúde (SUS) anunciou, dia 11 de janeiro, que irá bancar a troca de próteses de silicone de seios que estejam rompidas de mulheres com implantes das marcas francesa Poly Implants Protheses (PIP) e da holandesa Rofil. Serão atendidas pacientes que fizeram o implante para uma reconstrução mamária ou por fim estético nas redes pública ou particular. Anteriormente, o Ministério da Saúde havia informado que o atendimento estava garantido para as pacientes que tivessem feito somente o implante mamário por causa de questões de saúde, como retirada de um seio por causa de câncer. A rede pública faz cirurgias de implantes de silicone nos seios somente para reparação. “A partir do momento que se identifica a ruptura do implante, é entendida como uma cirurgia reparadora. O SUS ampara e vai amparar as mulheres independentemente da origem da prótese”, disse o diretor presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Dirceu Barbano. Segundo o diretor adjunto da Anvisa, Luiz 32
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O diretor presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, diz que o SUS vai amparar as mulheres que têm problemas com próteses defeituosas.
Anvisa
O diretor adjunto da Anvisa, Luiz Klassmann, diz que a agência analisa só o risco sanitário das próteses de silicone e não entra na questão de financiar ou não a retirada das próteses.
João Le Senechal
francesa PIP, realizou a cirurgia em 2008. Quando soube do caso pela imprensa, no final do ano passado, resolveu fazer uma mamografia que indicou a ruptura e um exame de ressonância magnética comprovou o vazamento. No dia 5 de janeiro, seis dias antes da Anvisa anunciar que o SUS vai pagar a troca nos casos em que houver risco de ruptura, ela decidiu pagar pela cirurgia de troca do implante, retirando o material com problema. “Não pude esperar uma resolução do Ministério da Saúde, quis resolver o problema logo, pois as consequências poderiam ser desastrosas”, desabafa. De qualquer maneira, Marisa acredita ser um avanço a resolução da pasta da Saúde, e avisa: “uma hora vai romper, quanto antes fizer, melhor”, conclui.
Anvisa
No Paraná foram comercializadas ao menos 2.084 próteses – 1.507 só em Curitiba
Local onde funcionava a importadora EMI, em Almirante Tamandaré. A importadora comprou mais de 34 mil unidades da PIP, das quais 24,5 mil foram vendidas.
Klassmann, o órgão analisa só o risco sanitário das próteses de silicone e não entra na questão de financiar ou não a retirada das próteses. “Se isso acontecer, essas ações serão coordenadas pelo Ministério da Saúde”, afirmou.
Processo A Anvisa anunciou, dia 13 de janeiro, a abertura de processos administrativos para definir as penalidades às empresas importadoras das próteses da francesa PIP e da holandesa Rofil. Se ao final do processo a Anvisa constatar irregularidades, as empresas podem sofrer
penalidades que variam de multa, que pode chegar a R$ 1,5 milhão para infração gravíssima, ou até cancelamento do alvará de funcionamento do estabelecimento, previstas na Lei 6.437, de 1977. A Anvisa não forneceu detalhes do processo, que corre em sigilo. Já a Advocacia Geral da União (AGU) avalia se cabe uma ação judicial contra as fabricantes ou outros responsáveis. De acordo com o órgão, os técnicos analisam o caso sem prazo para resposta. Estima-se que cerca de 15 mil mulheres usam próteses da PIP e 7 mil da marca Rofil.
Izabel Campana
Não tenho medo de cara feia
M
as tenho pavor de cirurgia plástica. Não é medo comum, esse que se tem por aí, de entrar na faca. É um medo bem específico: de cirurgia plástica. Como todo medo que se preze, o meu também é irracional. Entre amigos e conhecidos, as cirurgias têm sido quase sempre um sucesso. Sem sequelas para a saúde e com resultados incríveis para aquilo a que se prestam, um upgrade na aparência. Mas exemplo algum tira o temor que sinto ao me imaginar passando por tal operação. Não tenho medo de médico, doença, dentista e afins. Com exceção dos curandeiros de todo tipo. Esses muito me assustam, mas por motivos que ora não vêm ao caso. Sendo assim, creio que se tivesse que me submeter a qualquer outro tipo de cirurgia, toparia numa boa. Na medida da boa em que se pode estar num momento desses, claro. Mas é aí que começa a diferença para as operações cosméticas. Dificilmente eu iria querer passar a noite em um hospital, quem dirá em uma UTI, se isso não fosse necessário. E por necessário eu digo: doença ou parto. Por isso repito sem dissimulação: admiro a coragem de quem vai ao encontro do bisturi por um desacordo com o espelho. Não é que eu não tenha queixas contra o meu próprio reflexo. Mas daí a planejar cortes e sucções em partes do meu corpo, aí não. Também tenho que admitir que, apesar de não ter medo, tenho uma certa suspeita com relação ao comparsa tradicional nessa empreitada. Não confio nos médicos. Não é que ache que vão cometer alguma afronta à ética ou atos de imprudência, imperícia e negligência, como se diz no mundo jurídico. Do que eu suspeito mesmo, sinceramente, é do senso estético dos doutores. Me explico. Nada contra os médicos. É simplesmente fato que senso estético é algo muito pessoal. Já diz o velho ditado: gosto não se discute. E encontrar alguém com gosto similar
ao seu tende a ser coisa rara. Então sugiro: relembre a matemática e faça um cálculo mental. Quantos cirurgiões plásticos, com habi-
se cADA cArA é umA cArA, que tAl AcorDAr com outrA? com um nAriz que não é meu, umA bocA que não é minhA
lidades comprovadas, com especialidade na parte do corpo que você pretende remodelar, dentro da faixa de preço que você pode pagar, na cidade em que você mora, provavelmente, têm um senso estético similar ao seu? Pois é. Agora outro problema. Como você testa o paladar do tal doutor? Em um restaurante, se você pede um prato e ele não te apetece, o máximo com que vai ter de arcar é a conta. Se for como eu, um pouco de mau humor, talvez. Agora imagine o humor ao descobrir que te deram um nariz bem passado, puxado demais no alho, frito em gordura velha? Haja estômago! E dar uma olhada em pacientes anteriores também não é boa saída. Cada cara é uma cara. Mas o que mais me preocupa ainda está por vir. É o terror de acordar irreconhecível. Se cada cara é uma cara, que tal acordar com outra? Com um nariz que não é meu, uma boca que não é minha. E não é só a face. Veja a minha barriga, por exemplo. Veio crescendo aos poucos, junto comigo, desde a mais tenra infância. Tem lá seus probleminhas de proporção com o resto do corpo, umas questões de celulite e estria, que assustam qualquer mulher. Mas já estou habituada a ela. E ela a mim. Já sabemos o que veste bem em nós duas, em que posição ficamos mais confortáveis. Enfim, a gente se conhece. Relendo tudo que escrevi aqui, talvez seja mesmo o apego a essa familiaridade o que me assusta nas drásticas mudanças de visual. Ou talvez seja só preguiça do trabalho todo que dá. Pesquisar médico, comprar pijama novo para o hospital, receber visitas e estar incapacitada de cortar o papo dos chatos porque você está cheia de pontos por todos os lados. É, pensando bem, deve ser mesmo preguiça.
izAbel cAMPAnA é advogada.
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Curitiba é a capital com o melhor ensino do País nos anos iniciais, fruto da dedicação dos professores, alunos e da família também. Participar da vida escolar dos seus filhos é a melhor forma de cuidar do futuro deles. Educar em parceria é o verdadeiro caminho para formar gerações conscientes e bem preparadas. Assim, a melhor educação do País pode ficar ainda melhor. 34
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Dico Kremer
educação
ensina-me a ler o mundo A leitura é fundamental para dar o sentido de pertencimento à vida. Marcela Bettega sabe disso como ninguém e multiplica o projeto “fazedores de leitura” pelo Paraná
L
er é traduzir o universo e faz entender o mundo. A narrativa de uma história, pela sua linearidade - começo, meio e fim - dá sentido à vida. Ler e ter acesso aos livros, porém, se tornou hábito raro, por motivos culturais e tecnológicos. Nas áreas rurais ou periféricas, então, a prática é, há muitos anos, quase inexistente. O problema abissal da educação no Brasil, que não oferece às comunidades mais pobres e distantes (nem às ricas e próximas) ensino de qualidade e tampouco livros, cruzou, não por acaso, o caminho de Marcela Bettega. Em 2006, Marcela, ainda no segundo ano do curso de artes visuais da FAP-PR (Faculdade de Artes do Paraná), era estagiária em um programa municipal e a coordenadora do projeto falou de um edital da Fundação Cultural de Curitiba, para trabalhos voltados à arte e educação. Marcela escreveu seu primeiro projeto, chamado “Brochuras: a manufatura de livretes do conteúdo à forma”, que foi aprovado e desenvolvido no primeiro semestre de 2007. Neste trabalho crianças e adolescentes são estimulados à escrita de textos.
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O formato original era de oficinas de 16 horas, pela facilidade de aplicação e pelos resultados obtidos foi desenvolvido em um formato mais curto – com uma atividade textual e a encadernação, chamada de “pocket”. Isso permitiu a multiplica-
ção da ação para públicos de distintas classes sociais e em diversos locais. De 2006 até o momento foram mais de 70 oficinas que atenderam cerca de 2 mil pessoas. “Brochuras” é uma ação cadastrada no PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura.
lAuro borGes
M C
VaLe do RibeiRa O projeto Brochuras foi se desdobrando e tomando outra forma, desse desdobramento e das questões levantadas durante quatro anos de pesquisa e trabalho sobre o livro, a leitura, e a formação de leitores, Marcela concebeu o projeto “Fazedores de Leituras do Vale da Ribeira”, que foi selecionado pela Bolsa Funarte de Circulação Literária 2010. Já dizia o mestre Monteiro Lobato, um dos grandes incentivadores da leitura no Brasil: “A nossa literatura é fabricada nas cidades, por sujeitos que não penetram nos campos de medo dos carrapatos”. Marcela não tem medo de carrapatos. Pôs o pé na estrada, literalmente, e foi atrás de “fazedores” de leituras. Neste projeto de incentivo à leitura ela trabalhou com crianças e adolescentes; e com adultos, na formação de agentes e multiplicadores de ações de leitura. Com início no primeiro semestre de 2011, a proposta teve alguns objetivos específicos: fazer
O projeto Com base na experiência adquirida no projeto do Vale do Ribeira, Marcela aprovou no edital de seleção pública “Ações de Leitura”, da Fundação Cultural de Curitiba, o “Fazedores de Leituras de Curitiba”, com a mesma proposta de formação de agentes e multiplicadores de leitura. Ela explica: “O trabalho é voltado para a sensibilização do “sujeito-mediador”, para que ele se reconheça como leitor e a partir de suas próprias leituras possa propor ações na sua comunidade. A dinâmica da oficina se dá de modo que os participantes descubram suas próprias estratégias para identificar, criar e desenvolver situações de leitura. A proposta dos “Fazedores” de Leituras de Curitiba baseia-se em um processo de construção de conhecimento que não é só intelectual, mas que passa pela via do sensível e do afeto. E que além da construção desse conhecimento/ pensamento, dá subsídios teóricos e práticos para a execução dele”, explica. No primeiro semestre deste ano, de março a julho, serão realizados vários laboratórios em espaços da Fundação Cultural de Curitiba.
Ausente presente Quando pergunto a Marcela se as pessoas se envolvem e o que aprendem,
ela responde com sinceridade: “Aprendo muito mais do que ensino. Dei de cara com dificuldades absurdas, como, por exemplo, professores que ensinam a ler, mas não leem”, afirma. E prossegue: “mas acredito no projeto, pois a leitura transforma”, e me conta a história de Luiz, de 9 anos. “Luiz chegou ao primeiro dia da oficina todo animado. Enquanto escolhia as folhas para confeccionar o livro disse: ‘Eu vou fazer um livro e levar lá no cemitério pro meu pai!’. Não perguntei nada e deixei fazendo as coisas, ele encadernou muitos livretes. Na hora da atividade de escrita, a dinâmica era a criação a partir de escolha de imagens, recorte e escrita de algo a partir daquilo. O Luiz veio me perguntar como ele faria, já que não tinha a foto do pai. Eu disse que ele poderia colocar alguma imagem que remetesse aos gostos do pai, perguntei quais eram. ‘Ele gostava de futebol e do Corinthians! Então posso desenhar a bola?’, Luiz respondeu muito empolgado. Depois de um tempo ele veio me mostrar o primeiro texto dele, que diz assim: A história do meu pai. Ele foi morto. 19/11/2010. Foi esfaqueado por cinco homens em Itaperuçu com 40 facadas no peito. ass: o filho dele.” Foi neste momento que Marcela conta que compreendeu aquilo que os teóricos dizem sobre a arte e a literatura tornar presente um ausente, criar margens de manobra para elaborar sentimentos, de como o caderno e o texto podem ajudar a criar distâncias de situações, tirá-las, de alguma forma, de dentro da gente. “Em nenhum momento o olhar desse menino era de raiva. Esse acontecido me modificou”, diz Marcela. Marcela conseguiu traçar novas linhas, tornou presente o ausente, criou margens de manobra pela leitura. Como diz na apresentação do seu trabalho: um “fazedor” é aquele que dá existência, que dá forma, que cria”. Marcela deu forma e existência a algo que poderia não existir. Cumpre sua missão com toda a plenitude e afeto, e prova que ações modificadoras são feitas na prática, com sensibilidade e olhos bem atentos. Bravo, Marcela.
divulgação
marcos maranhão
com que os participantes identifiquem sua capacidade leitora como uma prática cotidiana, e não só quando estão com livros nas mãos, criar condições e situações para a partilha de leituras, pois um leitor só se sabe leitor se pode compartilhar o que leu, realizar a aproximação entre os participantes e o livro. Com as crianças e adolescentes foram realizadas oficinas para estimular a criação de histórias escritas, e no final os participantes confeccionaram pequenos livros artesanais com suas produções. Os livretes foram feitos com técnicas de encadernação artística/artesanal. Para os adultos foram realizadas oficinas de formação com laboratórios e oficinas para que os agentes locais descubram suas próprias estratégias para identificar, criar e desenvolver situações de leitura nas suas comunidades. A artista, que também é especialista em Leitura e Produção de Texto, realizou essas atividades em Itaperuçu, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulysses, no Paraná, e em Apiaí (SP). No primeiro semestre de 2011 foram realizadas 20 oficinas. A oficina do Vale do Ribeira encerrou-se em julho do ano passado. Saldo: 7 meses de trabalho, 5 municípios, 22 oficinas, mais de 370 pessoas beneficiadas. Como resultado foram propostas 24 ações de leitura a serem continuadas nos municípios por onde o projeto passou.
Uma história puxa a outra
Como diz a expressão popular, uma história puxa a outra, e Marcela esticou o novelo para os mais velhos. O projeto “Brochuras: Uma costura de escritas memórias” teve 11 oficinas em Curitiba, Colombo e Antonina, 35 histórias foram narradas e publicadas. Passaram pelas oficinas mais de 200 pessoas, e cerca de 50 pessoas foram diretamente atendidas. “A oficina foi dedicada a pessoas idosas com o intuito de resgatar memórias e identidades por meio de atividades de recontação de histórias ouvidas durante toda a vida. A oficina foi composta por encontros com rodas de histórias e de conversas estimuladas com textos de autores que tratam de memórias e de memórias de infância como Manoel de Barros, Mario Quintana, Cora Coralina, Cecília Meireles, Adélia Prado e João Guimarães Rosa”, explica. A obra foi selecionada pelo prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010 – Edição Inezita Barroso.
Palavra-poema
Desenvolvido para o público adolescente, o projeto “Palavra-poema: A criação poética através da significação semântica das palavras” foi aprovado pelo Edital Arte Por Onde Você Anda - Literatura/Incentivo à Leitura-2008 da Fundação Cultural de Curitiba. A criação dos poemas era baseada em pesquisas dos significados de palavras em dicionários e além da confecção dos livros artesanais, neste trabalho os grupos criavam blogs para a divulgação dos textos.
Letra de fôrma e a forma da letra
“A letra de fôrma e a forma da letra” é uma oficina de desenho onde os objetos de estudo e pesquisa são as possibilidades gráficas a partir da caligrafia individual dos participantes. Atendeu cerca de 200 adolescentes em 10 oficinas de 16 horas cada. Esta oficina pretende fazer pensar, conhecer e desenvolver novas formas visuais e sensíveis de escrita através de exercícios, desde os tradicionais, usando as pautas do caderno de caligrafia até experimentos em grandes formatos.
Para saber mais www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br www.fazedoresdeleituras.com.br escritasmemorias.tumblr.com formadaletra.blogspot.com
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cuLtuRa
a rua é sua Quadra Cultural chega à quarta edição, atrai 10 mil pessoas e se consolida como um dos mais importantes eventos do calendário cultural de Curitiba M B F J L S
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sse é o melhor evento da cidade.” A frase era repetida, mais de uma vez, por mais de uma pessoa durante o sábado, 25 de fevereiro, na Quadra Cultural. O evento, que aconteceu das 11 às 22 horas, é uma iniciativa do empresário Arlindo Ventura, proprietário do bar O Torto. O prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, foi prestigiar o acontecimento, que reuniu 10 mil pessoas, e anunciou que a partir de agora a Quadra Cultural faz parte, oficialmente, do calendário cultural da cidade de Curitiba. Não há segredo para esse sucesso. A Quadra Cultural é fruto de muito trabalho, e da vontade, do Arlindo Ventura, de promover uma festa popular. Magrão, como ele é conhecido, é um paulista que se radicou em Curitiba, trabalhou como balconista, frentista em estacionamento, até que, há alguns anos, abriu o seu próprio negócio. O Torto, situado na esquina das ruas Paula Gomes e Duque de Caxias, no São Francisco, é muito mais
do que um bar. Tornou-se ponto de encontro. Há quem diga – Luiz Geraldo Mazza é um deles – que O Torto é a nova Boca Maldita, uma vez que é ali que os assuntos são discutidos, as tendências, anunciadas, por um público variado, amplo e cosmopolita. Desde 2009, Magrão promove, no primeiro sábado após o Carnaval, a Quadra Cultural, no entorno do Torto. Este ano, o público teve a oportunidade de conferir, a partir das 11 horas, apresentações das bandas Wandula, Confraria da Costa, Uh La La!, Klezmorin e Gente Boa da Melhor Qualidade – todas atrações locais. Às 20 horas, o paulistano Germano Mathias entrou em cena com toda ginga que o tornou conhecido como o sambista do asfalto, respeitado por nomes como Roberta Sá e Gilberto Gil.
a cÉu abeRto Os ingredientes para o sucesso da Quadra vão além de acordes, guitarras distorcidas, bossas e outros sons. “A Quadra é um exercício de cidadania.” A frase, do jornalista Luiz Geraldo Mazza, ajuda a entender o evento.
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Os curitibanos aprovam a produção cultural nativa, o que desmonta a tese da autofagia A ação de seguranças particulares, contratados por Magrão, que faziam revistas nos pontos de acesso, a proibição da venda de bebida destilada, entre outras medidas, contribuíram para o convívio pacífico. A Polícia Militar, presente durante todo o sábado no local, não registrou absolutamente nenhuma ocorrência. Mas o espírito desarmado da população foi o que viabilizou, de fato, o clima da festa. Diferentemente dos ambientes fechados, praticamente a única alternativa para convívio em Curitiba, a Quadra Cultural proporcionou o encontro a céu aberto. No entorno das ruas Duque de Caxias e Paula Gomes, havia uma feira com barracas a comercializar roupas, discos de vinil, pastéis e, uma novidade no evento, um estande de uma nova editora curitibana. O selo Tulipas Negras promoveu a sua estreia durante a Quadra com a distribuição gratuita de 4 mil livros, mil de quatro autores: Compressa, de Cristiano Castilho; Pantera, de Fábio Campana; Helena, de Renan Machado, e 934, de Marcio Renato dos Santos. Toda a tiragem esgotou por volta das 19h30. Os autores, que estavam presentes durante o evento, disseram que o selo surgiu fazendo sucesso, e esse resultado positivo só foi possível porque o lançamento aconteceu durante a Quadra Cultural.
Pós-autofagia Essa celebração multicultural a céu aberto é um termômetro da transformação pela qual a cidade de Curitiba passa, aos 319 anos. Os curitibanos consomem, endossam, assimilam e aprovam a produção cultural nativa, o que desmonta a tese da autofagia – ideia-força que dava a entender que os curitibanos batiam palmas para tudo, menos para a expressão de seus semelhantes. Arlindo Ventura conta que a Quadra Cultural surgiu de uma experiência que ele teve quando criança. A sua mãe o levou para uma festa de rua, na qual o cantor Roberto Leal era uma das atrações. Agora, anos depois daquele dia, é ele, Magrão, quem promove uma festa que faz com que os curitibanos tenham a sensação de que a rua é, de novo, deles. 40
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Carlos Alberto PessÔa
um dia ue dia! Que dias! Lindos! Maravilhosos! Dias no ponto, prontos pra comer, pra vestir, pra pôr, sair, dias irretocáveis, de alta costura, amáveis, amoráveis, apaixonantes, que não deveriam terminar, que deveriam ser eternos como os diamantes, os golos do Negro, as jogadas do Negro, as coisas incríveis que o Negro fez, que alguns de nós vimos ao vivo e cores, que todos podemos rever na luxuriante antologia de golos e jogadas do Pelé, do NEGRO, do DIVINO NEGRO, DIVINO CRIOULO, A MELHOR COISA QUE PRODUZIMOS EM 500 ANOS. É, isso mesmo. PELÉ, O ETERNO. Menino, você nunca viu nem mais vai ver algo remotamente semelhante. É o fim. É o ponto final. É o cume. O topo. O fim da linha. E da história do joguinho. PELÉ BOTOU UM PONTO FINAL NA HISTÓRIA DO FUTEBOL! COM PELÉ O FUTEBOL ATINGIU O MÁXIMO DE BELEZA POSSÍVEL. Cortinas. The End. Happy End. — O Édson? Ah! O Édson é um chato, cidadão comum, de carne e osso, como você e eu. Quem está preocupado com ele? Fora do campo esqueça. Mas que dia, hein? Que dias, heins? Lembram os velhos e bons dias de maio, dos veranicos de maio, dos velhos maios, dos velhos veranicos de maio que nos anunciavam o inverno, que nos apontavam e diziam – divirtam-se, meninos, divirtam-se, rapazes, porque vem chumbo! E vinha. O inverno a mais cruel das estações/ mais cruel que as estações das despedidas/ o inverno e as estações que anunciam “a indesejada das gentes”, o frio, o grande frio, o grande frio das criptas, dos túmulos, da morte, do fatal oblívio, da eterna noite do eterno esquecimento. Mas não chore, cara-pálida, deuses também têm sede, os ídolos também envelhecem, como você e eu, cara amiga, e se isso
DivirtAm-se, meninos, DivirtAm-se, rApAzes, porque vem chumbo! e vinhA.
consolá-la lembre que já morreram algo como oito ou nove bilhões de pessoas desde o início. Que dia, hein? Os panacas avisam – é, mas se não tivermos inverno teremos de tolerar a bicharada infame no verão. E daí? Combateremos à sombra. Com detefom na mão venceremos todos os exércitos dos infames insetos. Chuva? Chuvas? É melhor não tê-las! Ou tê-las apenas nas horas vagas, de madrugada, quando a plebe rude na cidade dorme/e eu com o Jacinto que é também de Tormes a comer filé com fritas no bar Palácio a espera da última puta do último puteiro dessa imensa putaria, pra tudo se acabar na quarta feira, entre vômito, urina e merda, pra tudo se acabar num sórdido hotel da sórdida praça da sórdida província, do sórdido cárcere, do sórdido lar. Que dia bonito, hein? No meio do caminho di nostra vita mi retrovai per uma selva oscura, meio do ano, meio do ano bissexto, ano da xaropeira que é a Olimpíada, xaropeira que é o esporte visto sem emoção, a frio, como um cadáver a boiar pelo rio Belém, o rio da paixão do Vampiro, do Dalton, do signore Trevisan, do grande, do único, do nosso único grande craque no universo das letrinhas – “O filho chega em casa, liga o radinho de pilha e diz: pai, essa é a música que a mamãe dança com o tio João”. E ponto final. E mais nada é preciso acrescentar. Como num irretocável epitáfio escrito pelo próprio Dalton Trevisan. Ou melhor, como no próprio bilhete do suicida escrito pelo irretocável Dalton Trevisan. Brinque com as outras variantes, cara-pálida. Enquanto esse dia maravilhoso não escorre pro esgoto como pro esgoto corre a ratazana asquerosa, a repugnante ratazana.
cArlos Alberto PessÔA é jornalista e escritor. março de 2012 |
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eNsaio fotogRáfico
fotografia & amor D K
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35mm. O intenso interesse sobre o seu povo, as pessoas comuns do campo e da cidade. A espera do momento exato para fazer o seu clic definitivo. Daí a sua crítica à fotografia digital que, para ele, possibilitando vários disparos torna banal e, muitas vezes, irrelevante o momento exato a ser captado. Falou sobre as associações de fotógrafos: a União dos Fotógrafos Lituanos da qual foi seu diretor por 20 anos. Dos grandes fotógrafos que admira. Dos cineastas cuja obra o fascinou. A influência de escritores em sua obra: Sartre – que
dada por ele. Ora, era a primeira vez que um dirigente da URSS dava uma entrevista exclusiva a uma revista norte-americana. Depois da leitura comentei com a Carmen Lúcia: o mundo vai mudar. Antanas disse que Gorbachev era, e é, uma pessoa especial, com especial sensibilidade. Tinha uma particularidade nos discursos que fazia: fixava o olhar num determinado grupo de pessoas ou numa pessoa em especial. Certa vez na Lituânia fazia seu discurso com o olhar dirigido ao lugar onde Antanas estava sentado. Comentava sobre a vida, elogiando realizações do regime quando Antanas disse baixinho, de seu lugar, em russo: “Não tem vida.” Gorbachev conseguiu ler seus lábios e retrucou alto: “Na realidade tem, mas é horrível.” O fim do regime soviético é conhecido de todos. E nada é mais parecido com uma ditadura de direita que uma de esquerda. Há alguns anos sem fotografar voltou a empunhar a câmera. E, além de uma Nikon analógica, comprou uma digital. Já está a reconsiderar a fotografia digital. Reclamou que achava estranho que a cada aperto do disparador saiam seis fotos consecutivas. Pedi licença a ele e ajustei a sua câmera. Penso que ficou satisfeito. Para quem gosta da arte fotográfica e quer conhecer o trabalho de um verdadeiro mestre que vá ao MON até o dia 20 de maio ver a exposição “Um Olhar Livre” e compre o belo livro com a soberba diagramação de Marcelo Kawase e Marciel Conrado. E olhe, com olhos de ver, o que este poeta da visão mostra dos habitantes da sua e de outras terras. Como ele disse na entrevista que está no livro: “O meu credo é de amar o Homem.” A exposição do MON tem o apoio da Fundação Apoio à Cultura da Lituânia, da Spread Business Partners, produção da Ars et Vita, curadoria de Luiz Gustavo Carvalho, direção executiva de Maria Vragova, arquivo de Antanas Sutkus, direção de arquivo de Rima Sutkiene. Dico Kremer
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té a vinda da exposição fotográfica de Antanas Sutkus ao MON nem eu nem meus amigos fotógrafos tínhamos ouvido falar dele e de seu trabalho. Ao contrário, do cinema do Leste Europeu, alguns nomes e filmes de diretores russos, poloneses, tchecoslovacos eram conhecidos. Porém, pouquíssimos fotógrafos: Aleksander Rodchenko, Josef Koudelka, Jan Saudek, Yevgeni Khaldei. Foi uma surpresa conhecer a pessoa e o trabalho deste mestre da arte fotográfica, o lituano Antanas Sutkus. Com essa primeira vinda dele ao Brasil já temos muitas e boas matérias escritas. A revista Cult edição 165 publicou um artigo de sete páginas. O belíssimo catálogo da exposição concebido pelo MON tem textos de sua diretora Estela Sandrini, do curador Luiz Gustavo Carvalho e uma entrevista feita por Carole Nagar. O jornal Gazeta do Povo dedicou-lhe uma página inteira com o título de “Liberdade em meio à censura”. Tive o prazer de recebê-lo em minha casa/estúdio junto com sua mulher Rima Sutkiene, o curador da exposição Luiz Gustavo Carvalho, sua mulher, a intérprete de russo e lituano Maria Vragova e Laura, filhinha deles. Com minha mulher Carmen Lúcia, o escritor Márcio Renato dos Santos, o fotógrafo José Kalkbrenner e o escritor e fotógrafo Renan Machado, tivemos uma conversa descontraída e bem humorada com Antanas. Em meio a uvas da nossa região, pepinos curtidos em folha de parreira (que para Maria lembrou-lhe a Rússia), biscoitos e suco de uva, tivemos como temas fotografia e política: a política e a fotografia e a fotografia e a política. Falou de seu começo como fotojornalista em 1958, na Lituânia. Das câmeras com que trabalhava: Lubitel (da Lomo), Zenit, Kiev até as célebres Nikon, Canon, Hasselblad. Quando jovem usava duas câmeras, uma 6x6cm e outra
fotografou quando de sua visita à Lituânia junto com Simone de Beauvoir em 1965 – Kafka, Dostoiewski, Bulgakov. Sua colaboração com a revista Literatura e Arte, onde era mais importante o que estava escrito mas que o visual também contava. A dificuldade em se viver em um país dominado pela URSS, a proibição de se falar a língua pátria, a obrigatoriedade do ensino do russo nas escolas, a censura. Mas, para mim, o mais interessante foi quando perguntei-lhe sobre Mikhail Gorbachev e o seu papel na abertura na URSS. Disse-lhe que em 1985 quando estava na estação Termini em Roma procurava numa banca de jornais algo para ler na viagem de trem que faríamos. Foi quando vi uma capa da revista Time com a fotografia do dirigente soviético e uma chamada para uma entrevista
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Ernani Buchmann
terremoto à beira-mar
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ois seguia eu meio desengonçado. Isso não é nenhuma novidade, porque nascido de oito meses, em agosto, canhoto, o cabelo misturando sobrancelhas e testa, qualquer passante teria dito que o objeto daquela situação lastimável seguiria desengonçado pela vida. Fugi do assunto, mas vejam que coisa interessante: o antônimo de desengonçado seria engonçado, palavra que o computador não rejeita mas sim o meu vocabulário. Não se usa engonçado nem assim jamais fui. Coisas da linguagem e do desengonçamento. Seguia eu, então, naquele desengonço costumeiro, quando a coisa se deu. Por um átimo – outra palavra só de dicionário, ninguém raciocina em átimos – por um instante, digo melhor, considerei ter havido o sismo definitivo. O chão pareceu ir embora, o barulho era ensurdecedor e até os cachorros da rua, que tratavam de vagabundear como bons cachorros que eram, enfiaram as patas nos ouvidos. Essa coisa dos cachorros não sei bem se aconteceu, mas aproveitei para desconsiderar até a ascendência mais antiga dos geólogos que defendem a incolumidade deste pedaço de América, a salvo de cataclismos, dizem, embora eu sentisse um sob os pés, ali à beira do mar, durante o andar desacorçoado – também sou desses – entre o fim da tarde e o descer do sol atrás das escarpas da Serra do Mar, como os bons dias de verão permitem que se desfrute no nosso estreito litoral. A frase foi longa e acho melhor entrar no assunto, porque já não havia entardecer e há quatro parágrafos engano o leitor com essa conversa mole. Uns segundos depois do chão começar a tremer pareceu-me que o terremoto tinha certo ritmo, um tum-tum vindo da profundeza dos infernos. Pensei de novo, o que sempre é um risco, mas foi inevitável pensar que já era bastante o inferno não possuir solo seguro, quanto mais obrigar qual-
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quer ser dotado dessas conchas que trazemos pregadas à cabeça, e que servem para que escutemos inclusive o indesejável, a seguir pela eternidade ouvindo o tum-tum.
belzebu e seus Filhotes seGuirAm pelA AveniDA, enquAnto As DitAs conchAs AuriculAres iAm DeixAnDo De cAptAr A GritAriA à meDiDA que elA se AFAstAvA
Foi quando tudo se esclareceu. Já devia ter-se esclarecido antes, não fosse eu, eis que passa uma camionete, dessas de dois lugares, com a parte de trás coberta por uma lona, sob a qual se escondia o epicentro da destruição. Pareceu-me, mas não tenho certeza, que ao volante ia, faceiro, dono dos destinos do universo, o próprio demônio. Ele não só dirigia aquele carro, propriamente dos diabos, como pareciam estar seus replicantes, todos, escondidos nos recônditos da carroceria, a berrar o tum-tum infernal. Belzebu e seus filhotes seguiram pela avenida, enquanto as ditas conchas auriculares, já prejudicadas para sempre, iam deixando de captar a gritaria à medida que ela se afastava. Então o mundo voltou a ter chão, os cachorros voltaram a abanar os rabos respectivos e eu tratei de terminar a caminhada, mais desengonçado ainda, matutando sobre as razões pela qual um habitante das trevas é capaz de submeter os comuns – e os incomuns, me parece – a tamanho desatino. Mas não me ocorreu resposta, eu que já tinha problemas suficientes com os ouvidos e, a partir de então, com os olhos, obrigados a se mostrarem espertos como jamais foram a desviar do xixi que os cachorros, aqueles, não tiveram vergonha em verter nas suas explícitas demonstrações de pavor. Pensei que estivéssemos em agosto, mas ainda era fevereiro. E evitei imaginar o panorama que se forma em alguns lugares quando os demônios aproximam seus automóveis e liberam o som das mais profundas cavernas. Até o sol é capaz de se esconder, dizem, também desacorçoado, ameaçando desaparecer para sempre por trás da Serra do Mar.
ernAni buchMAnn é escritor, advogado e publicitário.
Marcio Renato dos Santos
La dolce vita — O trabalho foi inventado pra evitar, ou adiar, brigas entre o casal. A frase pronunciada pelo Gadu fez com que olhares se voltassem para a mesa onde estávamos sentados. O meu conhecido, de mais de 50 e menos de 60 anos, seguiu com a sua argumentação em voz alta. — Marcio, se você ficar com a sua companheira o dia todo, vocês se enjoam. — Mas... — Não tem mas. É fato. O ser humano inventou o trabalho pra sair de casa e evitar conviver com a companheira ou companheiro. — Gadu, e quem trabalha em casa? — O sujeito enlouquece e antecipa o fim do casamento. O Gadu não deixa o interlocutor falar. Às vezes, pergunta e ele mesmo responde. — Marcio, o negócio é trabalhar apenas pra evitar a briga com a companheira. — Mas... — Sabe de outra coisa? Bom mesmo é não trabalhar. — Você... — Trabalhei por um breve período. O suficiente pra me tornar rico e abandonar as baias e o cartão-ponto. — É... — Marcio, trabalhar não está com nada. Não gosto do trabalho nem de quem trabalha. — Mas você... O Gadu deve considerar a minha interlocução mera pausa, no máximo uma vírgula, pra ele seguir discursando. Não há diálogo. Apenas o monólogo – dele. Hoje o Gadu começou a falar sobre o universo do trabalho porque, em uma mesa ao lado, três casais brindavam o começo do ano útil. Os vizinhos de mesa pediram chope e iniciaram uma conversa a dizer, ufa, viva, o carnaval acabou e o país, enfim, deu início às atividades. O Gadu permaneceu por alguns minutos em silêncio; eu estava quieto a beber vinho. Então o Gadu pronunciou a primeira frase, na qual garante que o trabalho tem como objetivo evitar brigas
entre casais por separar os cônjuges durante oito horas, e as pessoas da mesa ao lado pararam de falar. — Marcio, você deve saber, eu não tenho amigos que trabalham. — Eu trabalho, Gadu. — Você é exceção.
— Gadu... — Sabe, Marcio, gosto é de viver a vida. Meu negócio é velejar segunda ou terça-feira, por exemplo. Se o sujeito trabalha, não tem como me acompanhar. Então, risco o nome da figura da minha agenda. — Mas Gadu, em muitos casos, se o sujeito não trabalha, nem consegue sobreviver... — Marcio, qual é a tua? — A minha? — Sim, Marcio. O trabalho não está com nada. É sobre isso que eu falo. Já tive de trabalhar, mas sei, todos sabemos, trabalhar não é bom. O negócio é o recreio, o intervalo... — Gadu... — Marcio, trabalhar é perda de tempo. E precisamos de tempo pra viver, pra tudo, pra... — Gadu... — Sou rico por que não trabalho ou é por não trabalhar que sou rico? Sabe a resposta, Marcio? — Eu... — Sou rico porque uso a cabeça. Sou rico porque não passo parte do dia fazendo tarefas, sou rico porque sou genial. — Mas... — Mas eu falava, Marcio, que o trabalho foi feito pro casal não brigar, e isso é sério. Eu caso, descaso, mas sempre fico fora de casa a maior parte do tempo. Tenho duas casas. — Duas casas? — Exato, Marcio. Eis o segredo de um relacionamento. — É a receita para um relacionamento? — Exatamente, Marcio. Passar muito tempo sem ver a companheira. Por que se não, já viu. — Gadu, posso fazer uma pergunta? — Claro? — Você está casado? — Não. — Por quê?, Marcio. — Por nada.
Marcio Renato dos Santos é escritor. março de 2012 |
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Antonio Augusto Figueiredo Basto
Deus é mulher, mas o amor... “Sua religião não vale o cabelo de uma mulher” Albert Camus “O Estrangeiro”.
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uma dessas noites chuvosas em que não há ninguém e todos estão em outros lugares reencontrei Bukowski, sob o neon de um cabaré, encharcado de Henessy o poeta tentava converter os ressentidos e restaurar a fé dos incréus no feminino, falando do seu culto às mulheres. — Não sei se admiro ou desprezo esses caras que nunca estiveram afinados com os movimentos da vida, jamais se apaixonaram e não sofreram pelo fascínio de uma mulher. Santos ou cadáveres? Venceram o demônio, ou nunca foram possuídos por ele? Nenhum nem outro, para mim “bestas sadias”, centauros modernos, “cabeça de cavalo e corpo de homem”. Eu abertamente cultuo o prazer da paixão, delicioso vício semeado e cultivado entre abraços, bocas, seios e coxas, cuja colheita é pródiga de sabores de frutos maduros e doces que escorrem pela boca e pelo corpo, amo e amo todas as mulheres, são irresistíveis, adoro-as com fanática devoção, se Deus existe, é mulher. Todo homem deve experimentar momentos de furor, promovidos por aqueles insensatos pensamentos que lhe devoram a alma, um culto pagão ao corpo da mulher amada, uma obsessão de pureza “que todos sentem e nenhum filósofo explica”. Sim, Deus é mulher, requintada criatura “cuja sutileza de movimentos inspira comparação pastoral, como semear um campo de girassóis ou de trigo que se movem lentamente”. Capaz de tudo por ereto, verga de condão verte prazer, totem de adoração ao feminino, e de tudo por abaixo na loucura de Sísifo descendo ao inferno em busca da mulher amada, o milagre do doce e do amargo na mesma boca, fogo e frio nas mesmas coxas, enfim tudo em um beijo ou num toque.
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Deus é mulher que ressuscita o espírito, transforma homens em meninos e meninos em homens. Fellini adolescente em Rimini ardia pela opulenta e rotunda Saraghina, cujos enormes peitos acolhiam os meninos nas tardes de verão, encantando-os não pelas formas, mas pela emoção da descontrolada ereção que se renovava. Ante o sol, o véu da inocência descia devagar diante daquela Deusa boa da juventude que fertiliza o campo dos sonhos, colhendo o duplo milagre da transfiguração, transformava meninos em homens e aquela hediondez “um busto do colombiano Fernando Botero”, era só beleza e excitação. Incorporado à carne na forma do mais lúbrico
delírio, Deus vem à Terra no corpo de Cláudia Cardinale, Deusa tão bela que perto dela Narciso empalideceria e nenhum homem sensato ousaria falar em beleza e mesmo o espelho filho maldito do tempo, confuso e inebriado ante tamanha formosura ficava envaidecido com seu reflexo. Deusa boa encantou e encanta gerações de homens e até hoje os transforma em meninos que a cultuam em silêncio nos demorados banhos ou na furtiva alegria do prazer solitário. Deusa de incomparável beleza foi generosa com os homens, multiplicando os milagres, especialmente os da imortalidade e felicidade perene , assim como o sol ressuscita todos os dias, a beleza de “La Cardinale” ressuscita pelo milagre do cinema de Visconti, Fellini e Sérgio Leone, para vencer o cruel e invejoso Chronos (Deus do tempo), mantendo o frescor de sua boca carnuda e seus imensos olhos negros para eterna alegria dos homens. Advirto aos incautos, virtuosos e politicamente corretos essa lepra lírica que infestou o mundo, sou blasfemo e se estou condenado ao quinto dos infernos “por que haveremos de ir juntos”? De minha parte vou ao paraíso carregado nos braços de uma Valquíria, com o corpo e alma marcados pelas cicatrizes dos embates amorosos. Antes de ir peço a Deus que me conceda a graça de “uma mulher verdadeira e viva nessa noite e o senhor pode ficar com todos os meus poemas bons ou maus”, levantou-se e antes de sair, falou: rapazes Deus é mulher, mas “o amor é um cão dos diabos”.
antonio augusto figueiredo basto é advogado e escritor.
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A Árvore de Isaías Fábio Campana Crônica 160 páginas 13 x 21 cm
O velho e rude esporte bretão
Carlos Alberto Pessôa Futebol / crônicas 240 páginas 15 x 21 cm
O mundo não é redondo Antonio Cescatto Ficção 384 páginas 15 x 21 cm
Ultralyrics
Marcos Prado Poesia 192 páginas 24,5 x 25 cm Inclui CD
Arquitetura do movimento moderno em Curitiba
24 quadros
Salvador Gnoato Arquitetura 144 páginas 22 x 21 cm
Luciana Cristo Nívea Miyakawa História 168 páginas 22 x 21 cm
Em preto e branco, o início da televisão em Curitiba
Rubens Meister, Vida e Arquitetura Marcelo Sutil Salvador Gnoato Arquitetura 95 páginas 22 x 20,5 cm
Maria Luiza Gonçalves Baracho História 112 páginas 22 x 21 cm
Joaquim - Dalton Trevisan (en)contra o paranismo Luiz Claudio Soares de Oliveira História e Crítica 216 páginas 22 x 21 cm
Corpo Re-construção Ação Ritual Performance Fernanda Magalhães Arte / fotografia 288 páginas 17,5 x 23,3 cm
Ai
Fábio Campana Romance 182 páginas 15 x 21 cm
Modos & Modas
Carlos Alberto Pessôa Crônica 144 páginas 15 x 21 cm
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LiVRos
Prateleir�
A Arquitetura da Felicidade por marisa vilella
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ão é ficção, nem autoajuda. Nem tampouco um livro técnico. “A Arquitetura da Felicidade” é um passeio pela história da arte, por prédios e monumentos europeus na busca da definição da beleza, com considerações irônicas e bem humoradas a respeito de estilos e comodidades. Alain de Botton parte do princípio de que o ambiente em que vivemos influencia o nosso comportamento e o nosso humor. Morar em uma casa que não tem a nossa cara pode nos transformar em pessoas amargas e tristes, e “o nosso bom senso pode ser descarrilhado por uma colcha de cama desastrosa”. Da mesma forma, quando escolhemos a mobília ou a louça, mostramos quem somos, como somos e de que maneira encaramos a vida. Segundo o autor, “nossos acessórios domésticos também são memoriais de identidade”. Por exemplo, taças com pé indicam uma alma “feminina, de matronas cordias, ninfetas e intelectuais afetadas e nervosas”, ao contrário dos pesados copos, notadamente masculinos e que lembram os lenhadores. Portanto, leitor, reflita quando selecionar uma taça para seu dry martini. Pode dizer muito a seu respeito. Ao longo do livro, Alain de Botton tenta definir o que é uma construção considerada mundialmente bela como o palácio dos Doge, em Veneza, ou a Catedral de Westminster, em Londres, ou a delicada simetria geométrica das construções de Alhambra, na Espanha. Conta sobre a chocante experiência que teve ao se deparar com os pórticos de
Os 125 contos de Guy de Maupassant por renan machado
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ontos fantásticos: característica de Maupassant. Sem pieguices. O livro, editado pela Cia das Letras, transformou a ficção que escrevo. Sim, eu escrevo! Ficção. Uma edição generosa, como Bola de Sebo fora: oitocentas e tantas páginas de prosa poética. Devorei um conto por dia. Apesar da cara de short storie dos contos, a ideia era fazer uma boa digestão. Engoli com acompanhamentos: Kafka, Hemingway, Machado... Fellini quando a lamparina falhava. Quanto à prateleira, Maupassant não para nela. É para estar à mão. Olho a capa listrada presa entre os aparadores: dá uma saudade... “Gostinho de quero mais”, diria o pessoal de Hollywood.
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A Arquitetura da Felicidade Autor: Alain de botton editora: rocco
Albert Speer, o arquiteto nazista, que pareciam lhe sussurrar saudações marciais. Fala da monotonia, o tédio da ordem repetitiva das janelas do Palácio Park Crescent, em Londres, e das misturas que os construtores fazem em nome da estética e da beleza. É ilustrativo o caso do Castelo Ward, na Irlanda do Norte. Consta que no século 18 um aristocrata e sua mulher decidiram construir uma casa. Mas não concordavam quanto à proposta arquitetônica . Ele, um classicista. Ela, entusiasmada pelo gótico. A briga do casal tornou-se tão acirrada que o arquiteto dividiu a casa em duas: construiu a frente em estilo clássico e os fundos no gótico, e também seus interiores, com salas e aposentos nos dois estilos. Belo exemplo do que é a arquitetura que faz feliz. E já que somos vulneráveis a alguns prédios e ambientes, Alain de Botton conclui que a felicidade é independente do estilo, da época, dos adereços e do arquiteto que idealizou a construção. A nossa felicidade pode estar em qualquer lugar que nos diz respeito, que tenha a nossa identidade e que possamos chamar de lar, seja “um jardim ou um trailer a beira da estrada”. Basta que ela fale de nós e não seja apenas um local para “proteção contra o calor, o frio, a chuva, ladrões e curiosos”.
Era uma vez... por renan machado
...U
m burrinho pedrês. Sou o leitor da história, abismado com a beleza que é Sagarana, do Guimarães Rosa. Roubei da prateleira do meu pai e nunca devolvi. A mim foi difícil, apelei para duas releituras do volume. Mas vale o estudo. Que construção! E as cantigas! Cada narrativa é um banquete. Como haveria de devolver? Na literatura, a linguagem original de Guimarães concebeu a voz capaz de retratar o sertanejo e a sociedade da qual fazia parte. Sagarana, que aqui está, não me deixa mentir. Ah, duvida? Fácil: leia-o. Aliás, é regra: nem debaixo de maleita, abotoa-se o paletó de madeira e não se lê essa obra-prima.
livros
Guerra e Paz Por Ruy Ávalos
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epois da edição especial da obra-prima de Tolstói, com tradução inédita do russo, Cosac e Naif lança agora uma edição igualmente caprichada e de preço mais acessível. Guerra e Paz descreve a campanha de Napoleão Bonaparte na Rússia ao mesmo tempo em que acompanha os amores e aventuras de Natacha, Andrei, Pierre, Nikolai, Sônia e centenas de coadjuvantes, não menos marcantes. Com este trabalho, que lhe tomou três anos de dedicação, o também escritor Rubens Figueiredo ganhou o prêmio da APCA de melhor tradução do ano. Guerra e Paz, Liev Tolstói, tradução e apresentação: Rubens Figueiredo.
Luigi Pirandello, contos Por Ruy Ávalos
“4
0 Contos de Luigi Pirandello” está nas livrarias. Edição da Companhia das Letras. Muito antes de se firmar como um dos mais importantes e inovadores dramaturgos do século XX, Luigi Pirandello construiu sua reputação de escritor sobretudo a partir da divulgação de narrativas curtas, publicadas em vários jornais e revistas italianos desde o final dos anos 1880 até as vésperas de sua morte. Desse imenso conjunto de narrativas, que na década de 1920 o próprio autor passou a organizar sob o título de Novelas para um ano, muitas serviram como uma espécie de matriz ou de “laboratório” para o conjunto da obra, reaparecendo em romances, peças teatrais, ensaios e poesias. Seis personagens, por exemplo, encenada pela primeira vez em 1921, foi o resultado da fusão de três contos - “Personagens”, “Conversas com personagens” e “A tragédia de um personagem” -, que o escritor siciliano começou a redigir e a publicar mais de dez anos antes.
Linha do tempo do design gráfico no Brasil Por Ramon Vera
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evantamento abrangente sobre a atividade no País. Dois séculos de produção, que vão do início do XIX ao final do século XX. São 744 páginas, mais de 1.600 imagens em cores, num delicioso testemunho visual da história do Brasil neste período, capaz de despertar as lembranças de públicos muito variados. Quem responde por textos e comentários é Chico Homem de Melo, a responsável pelo projeto gráfico é Elaine Ramos, o projeto consumiu três anos de pesquisa no mapeamento de livros, revistas, jornais,sinais, cartazes, discos, selos postais e cédulas. Da Cosac e Naif, nas livrarias.
Ferreira Gullar Por Fábio Campana
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stou rodeado de mortes / Defuntos caminham comigo na saída do cinema”, escreve Ferreira Gullar em Reencontro, um dos poemas de Em Alguma Parte Alguma (José Olympio, 144 páginas), livro que quebrou um silêncio de 11 anos do poeta. Silêncio e morte são, aliás, temas recorrentes numa obra madura, de um poeta maduro aos 80 anos. Considerado o maior poeta brasileiro em atividade, Ferreira Gullar disputa o Prêmio Jabuti de poesia. Merecidíssimo. Ao contrário da impressão que pode criar a recorrência da morte em seus versos, emite sinais claros de vitalidade. Além de um novo livro de poemas, o maranhense, que se dedica também à pintura – as plásticas são sua segunda arte –, lança uma obra de colagens, Zoologia Bizarra (Casa da Palavra, 88 páginas). Um livro povoado de animais gerados por acaso, no ano em que conquistou o Prêmio Camões. Nos dois casos, está presente o espanto, motor criativo do poeta (“estou eterno”), além das possibilidades de significados multiformes (“estou num tempo branco”), da contemplação do caos (“só o que não se sabe é poesia”) e de resvalos constantes na filosofia (“o homem tenta / livrar-se do fim / que o atormenta / e se inventa”). Elementos que podem ser vistos nos dois poemas abaixo, extraídos de Em Alguma Parte Alguma. E vem mais Gullar por aí: uma peça sua, o monólogo “O Homem como Invenção de si Mesmo”, deve ganhar em breve os palcos paulistanos.
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Almir Feijó
Sonhos e névoas uase todos os meus relacionamentos amorosos acabam primeiro nos sonhos. Picasso desmontava suas mulheres em cubos. Eu as vejo vagando no plano onírico, perdidas na névoa. Mal as enquadro, já estão distantes de mim, de malinha na mão, como alguém que parte para não voltar mais. Não estão nem feias nem bonitas, nem mais moças nem mais velhas, apenas mais reais, menos metafísicas. Então fico sabendo assim que nos olhamos: terminou. A maioria exibe um sorriso triste, deixa escorrer uma furtiva lágrima - um sabor agridoce perpassa a cena. Tenho certeza de que se trata de um adeus, mas no fundo já não importa. Aí está a parte mais dolorosa: não importa mais. Eu me apaixonei por aquela mulher, ela dormiu nos meus braços, escrevi poesias pra ela. Prometi que plantaria um jardim de rosas em sua homenagem. Disse que a levaria até o berçário das estrelas. Agora vejo que ela me olha lá de longe, já de saída, como quem diz, Até mais, valeu, a gente se vê. Sim, é um adeus. E não importa mais. Nesta madrugada fui dormir tarde, os galos já cantando, as vagas estrela da Ursa se apagando no céu. Quando peguei no sono, Charlie Parker veio me visitar. Não foi a primeira vez, entro em estado de graça sempre que ocorre. Hoje, curiosamente, ele não carregava seu sax alto; foi estranho vê-lo separado de seu instrumento mágico. Estou numa sala escura, Bird reconhece
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Pablo Picasso, Girl With a Mandolim - 1910.
o sonho, pela primeira vez, anuncia uma paixão que não acabou
sua imagem na capa de um disco de vinil, “Diz ‘N Bird at Carnegie Hall”, um álbum histórico, lindo, gravado ao vivo em setembro de 1947. A seu lado está o pai do Bebop, o trompetista de alta euforia criativa Dizzie Gillespie. O próprio Parker põe o disco na radiola. ‘Groovin High’ começa a rodar. Eis que de repente entra na sala uma namorada de três décadas atrás. Ela congelou no tempo, conserva o mesmo cabelo louro jogado nas costas, não há ali uma ruga, uma mancha, nada: o relógio parou. Começamos a dançar. Esquecemos do Bebop. Assim do nada, ouve-se em fundo uma das minhas favoritas, na voz da minha favorita. Someone To Watch Over Me, com lady Sarah Vaughan. Imagino que o sonho, de novo, anunciará uma despedida, mais um fim de caso no currículo de um namorador incansável. Mas olho-a nos olhos e não reconheço aquela falta de brilho, aquele clima de fim de festa das outras despedidas. Ela cola seu rosto no meu e nossos corações disparam. Percebo então que o sonho, pela primeira vez, anuncia uma paixão que não acabou. Nunca antes nos olhamos daquela maneira. Jamais trocamos beijo tão suave. I’m a little lamb who’s lost in the woods - diz a canção. Assustado, acordo e descubro uma verdade irreparável. Sublimei a existência daquela mulher por 30 anos da minha vida.
almir feijó é escritor e publicitário.
Renan Machado
Nº 137
A
cordou inquieto e sentiu o colchonete ensopado de suor. O sonho era sempre o mesmo: ela solta sua mão e ele cai em um buraco sem fundo. Uma agonia tremenda, despencar naquele vazio urrando o nome dela. Colocou-se em pé e caminhou em círculos pelo cubículo cinzento, até percorrer cada cantinho do ambiente pedregoso. Ao lado da janelinha, uma banqueta alta, na qual se sentou para observar a liberdade. Os raios da manhã saltavam por cima do pavilhão e formavam gotículas de sol sobre o orvalho pendente das árvores. Metade do jardim encontrava-se iluminado, metade sob a sombra do prédio. Ela se esquecera dele? As portas das celas abriam-se às oito. Ele apanhou uma toalha seca e uma muda limpa de roupa para tomar seu banho matinal. Nos primeiros meses, tomar banho naquele local o causava asco. Nem ao menos um tapetinho de chão, um sabonete cremoso ou um shampoo dois em um para o cabelo. Passara dias sem
banho, pois era incapaz de ficar sob a água sem sentir ânsia. Ao completar uma semana da greve, o arrastaram para o pátio e o lavaram com uma mangueira dos bombeiros, defronte todos. Fora humilhante e doloroso. O tempo fez com que se habituasse às duchas gotejantes de seu novo lar e o nojo do banheiro se foi na mesma época em que abandonou a ideia de que ela o visitaria. Não se lembrava de nenhum dos amigos da alta roda, das posses, do dinheiro no banco, das festas de arromba ou das mulheres interesseiras sentadas em seu colo. Agora, ali, seu maior prazer e preocupação era o banho matinal. Já saíra do quarto, quando voltou para riscar o calendário com um toco de lápis. Quase esqueceu que aquele era seu último dia residindo na nº 137. Está muito bonito hoje, disse uma das serventes. De fato estava, metido em seu paletó, com os sapatos bem engraxados e os cabelos cobertos de brilhantina, exatamente como no dia em que chegara ali. E não era para menos: Uma mulher, com uma voz muito suave, ligou. Disse que viriam buscar você, comen-
tara por alto o diretor. Haveria de ser ela. E quem mais seria? Tinha ela, e apenas ela em sua vida. A portaria mudara. Os móveis, antes brilhantes, estavam descascados. Pois então adeus, seu Pestana – disse-lhe o porteiro, um negro sorridente, ao entregar-lhe o envelope com seus pertences. Houve um ruído estridente e a porta da frente se abriu. O sol parecia diferente visto de fora. Por muitos minutos esperou e nada. Era agonizante, como seu sonho de todas as noites. Se ela viesse, ele pediria perdão e também a perdoaria pela ausência. Freios de automóvel soaram. O taxista disse que o carro era para Pestana, rumo à Rua XV, 41. Era seu endereço. Ele sorriu e deu de ombros: saudade de você mamãe.
renan machado é escritor.
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Jussara Voss
Roteiro gastronômico para Barcelona
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omo esquecer Barcelona? Como não perder tempo em Barcelona? Como encontrar boa comida em Barcelona? Era o pensamento que não me abandonava quando sentei para escrever. Comecei a organizar na memória minha lista de desejos da cidade que transpira e inspira a boa gastronomia, ainda mais depois de os irmãos Adrià voltarem à cena catalã. Mas quais lugares eu gostaria de revisitar, quais lugares que valem a pena conhecer e quais os lugares que eu ainda não fui. Juntei sabores e lembranças da vibrante cidade, descobertos aos poucos, com tempo e ajuda de apaixonados pela cidade. Eis aqui.
Surpresas O Tapaç 24, um dos muitos empreendimentos do famoso chef Carles Abellan, é a minha recomendação quando o desejo é por boas tapas. O “biquíni 24” , tapa com jamón e trufa, que parece uma panquequinha, e a sobremesa de chocolate com azeite de oliva e flor de sal são fatais. As batatas bravas também não podem ser esquecidas. Lembrete importante: se não quer agito e nem ficar horas na fila é preciso fugir dos horários de almoço e jantar, o lugar fica aberto das oito da manhã até meia-noite e não aceita reservas. Esqueça as outras casas do chef, espalhadas pela cidade, pelo menos o Comerç 24, recomendada
Cidade Velha: Borne e Bairro Gótico É impossível não se perder entre as ruelas escuras da Ciutat Vella que abriga o El Borne e o Barri Gotic. Em todos os sentidos. Também é impossível não se render aos encantos do local. Hipnotiza o mais resistente visitante. Começo recomendando nas redondezas um hotel, do rol dos charmosos, bem localizado e de bom preço, que é Banys Orientals, um superachado, com o diferencial de abrigar um restaurante de cozinha tradicional da região: o Senyor Parellada, ali bacalhau é uma das escolhas acertadas. Achei o local andando pelas ruas estreitas do bairro que deve ser vasculhado, tem pérolas como El Xampanyet, Cal Pep e a loja especializada em produtos locais, a Vila Viniteca. O Cal Pep é considerado por entendidos uma das melhores casas para frutos do mar, acho páreo difícil para o Suquet de L’Amirall ou Sucett del Admiral. O movimento de separação da Catalunha ganha força e é comum ver nomes de ruas e estabelecimentos em catalão e espanhol, assim como acontece com o país Basco. Voltando ao Suquet, o restaurante do chef Quim Marquês em plena Barceloneta, ali ao lado do El Borne, dá para se sentir na praia e rei, pelo tamanho das vieiras, servidas grelhadas e recheadas com jamón, que eu comi. O chef entende do assunto, é um craque. Outra pérola da viagem. Fique de olho na sugestão do dia.
É impossível não se perder entre as ruelas escuras da Ciutat Vella que abriga o El Borne e o Barri Gotic
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como “melhor cozinha de autor”, mas devo confessar que não conheci o Asador Bravo 24, no hotel W. Mas se existem dúvidas quanto à administração das casas de Abellan com o Alkimia – uma estrela Michelin – é diferente. O local faz jus ao nome e é um verdadeiro oásis de combinações inesquecíveis. É bem concorrido. Fique atento a esse detalhe, é preciso reservar com antecedência. Bom preço, casa pequena, serviço e comida impecáveis. Volto lá, sem dúvida. Deu para ver o talento e competência do casal Sonia Profitós, no salão, e Jordi Vilà, na cozinha. O chef agora é responsável também pela gastronomia da Fábrica Moritz, um espaço de cinco mil metros quadrados com restaurante, padaria, empório e cervejaria com assi-
natura do arquiteto Jean Nouvel, que remodelou o edifício do século 19.
Primeira classe Quem toca o Moments é Raül Balam, filho de Carmen Ruscalleda, a única mulher seis estrelas da Espanha. O ideal é conhecer o restaurante dela que fica pertinho de Barcelona, o que está nos meus planos, mas sem sair da cidade você encontra boa comida ali no chiquérrimo Mandarin, instalado na zona nobre do Passeig de Gracia. Se o bolso não permitir, vale a visita ao hotel, nem que seja para um aperitivo no bar Dos Cielos, entre o mar e a montanha, no 24º andar do Hotel Me, é para fazer qualquer um esquecer dos problemas, espere por horas de prazer. Os gêmeos Torres são geniais, sem dúvida. Além do visual de tirar o folego, a cozinha aberta para o salão é responsável por momentos inesquecíveis. Almoçar ali foi como participar de um banquete num castelo contemporâneo. A dupla não mede esforços para oferecer comida de qualidade. Entre no site e tenha uma ideia do que estou falando, também é uma opção para quem não quer menu degustação. Não se esqueça de pedir os queijos e fale com o sommelier. Chocolate Não saia da cidade sem experimentar os chocolates do premiado Oriol Balaguer e a torta de oito texturas. Não é vendida em pedaços e não serve no local, você terá de comprar uma inteira, mas tem em tamanho pequeno e vale a pena. Coloque na mala pelo menos uma caixinha de chocolates e não se arrependerá quando voltar para casa e degustar aqui um pouco das delícias provadas em Barcelona. Tem horário especial, eu já bati com o nariz na porta, consulte o site antes de ir. E se o assunto é chocolate, experimente também Enric Rovira e Cacao Sampaka, que tem uma cafeteria aberta das 9h às 20h. Tradição e vanguarda Quimet & Quimet. Bato ponto aí, sempre que puder. Os moradores locais recomendam: melhores queijos, como o Torta del Casar, com geleias, melhores tapas frias, melhor Vermut, melhor salmão defumado com mel trufado, atum, queijo e enlatados. Di-
fícil é definir o Quimet & Quimet, meio bar, meio restaurante, meio loja, vi umas mesas no fundo, mas todo mundo estava na frente comendo em pé. A casa fica pertinho do Tickets e do 41 Grados dos badalados irmãos Adrià, com o qual eu tenho sonhado ultimamente. O pequeno restaurante serve 41 pratos para apenas 16 pessoas. As reservas são aceitas apenas pelo site e começa a ficar impossível conseguir um lugar. Logo se transformará no espaço cult, concorrendo com o fechado El Bulli. Quem nunca provou a comida dos geniais chefs Ferran e Albert precisa ir, quem já provou vai querer repetir a experiência, é claro. Recomendo almoçar no Quimet, visitar as atrações do bairro e jantar no Tickets, se der. Para quem não tem restrições alimentares e quer conhecer a vanguarda gastronômica local, Los Palillos é outro lugar, o chef trabalhou com Adrià, com certeza te esperam experiências incríveis, ótima comida, fusão de tapas com comida asiática, além da ótima carta de saquê. Visite o site, veja o filme, saiba como funciona, e tenho certeza de que vai ficar com vontade de conhecer. É preciso reservar com antecedência. Mas se o apetite é por comidas tradicionais que os barceloneses comem, o endereço é o El Glop. Estando lá, peça para comer galtes, as bochechas de porco. Evite o restaurante das Ramblas, por favor, turístico demais. Botafumeiro é um dos mais clássicos da cidade. Frutos do mar com tradição. Produtos frescos e qualidade. E se você não vai arredar o pé da cidade, o que seria recomendado para conhecer um dos melhores restaurantes do mundo, o El Celler de Can Roca, que fica ali pertinho, em Girona, e também aprecia boa arquitetura e gosta de badalação, pode se contentar com uma visita ao MOO, no estiloso hotel OMM, porque tem a consultoria dos irmãos Roca. Endereço obrigatório. A gaúcha, chef linda e talentosa, Helena Rizzo, foi a responsável pela cozinha lá, depois de um estágio no restaurante dos irmãos Roca e antes de abrir o seu, já famoso, Mani, em São Paulo.
Sem esquecer Almeja, tallarina, berberecho, vieira, zamburiñas, navajas, bercebes, cigalas, gambas, centolla, angula, bogavante. Infinidade de frutos do mar “a la plancha” (na chapa). Encerro com saudades da cidade e enumerando os lugares que ainda não consegui comprovar o que falam os amigos e a jornalista residente em Barcelona Adriana Setti: Mariona: melhor filé com foie gras e trufas; La Paradeta: melhor frutos do mar
Endereços Alkimia C/ Industria, 79 (34) 932 076 115
El Xampanyet Carrer de Montcada, 22 (34) 933 197 003
MOO / Hotel OMM Rosselló, 265 (34) 934 454 000
Banys Orientals / Senyor Parellada C/ Argenteria, 37 (34) 932 688 460
Enric Rovira Avinguda Josep Tarradellas, 113 (34) 934 192 547
Oriol Balaguer Pl Sant Gregori Taumaturg, 2 (34) 932 011 846
Botafumeiro Gran Gracia, 81 (34) 932 184 230
Fábrica Moritz Ronda de Sant Antoni, 39 (34) 934 235 434
Quimet & Quimet Poeta Cabanyes, 25 (34) 934 423 142
Cacao Sampaka C/ Consell de Cent, 292 (34) 932 720 833
Kibuka Goya, 9 (34) 932 378 994
Salamanca Almirall Cervera, 34 (34) 932 215 033
Cal Pep Place de les olles, 8 (34) 933 107 961
La Paradeta C/ Riego, 27 (34) 934 319 059
Somorrostro Carrer de Sant Carles, 11 (34) 932 250 010
Chicoa Carrer Aribau, 73 (34) 934 531 123
La Xina Pintor Fortuny, 1 (34) 934 531 123
Suquet de L’Amirall Passeig Don Joan Borbó Comte, 65 (34) 932 216 233
Dos Cielos C/ Pere IV, 272 – 286 (34) 933 672 070
Los Palillos Carrer d’Elisabets, 9 (34) 933 040 513
Tapaç 24 C/ Diputació, 269 (34) 934 880 977
El Celler Can Sunyer, 48 Girona (34) 972 222 157
Mariona Carrer Amigó, 53 (34) 932 011 830
Tickets e 41 Grados www.41grados.es
El Glop C/ Sant Lluís, 24 (34) 932 1370
Moments / Hotel Mandarin Passeig de Grácia, 38 . 40 (34) 931 518 888
Vila Viniteca Agullers, 7 (34) 902 327 777 Nota: Rua é Calle ou Carrer ou na abreviação C/
e barato; Kibuka: melhor japonês; La Xina: melhor chinês. Chicoa: especializado em bacalhau e para comer miúdos. No blog dela dê uma olhada no post “A rota dos tapas a pé”, para se sentir em San Sebastián, paraíso do roteiro de bar de tapas. E, finalmente, na próxima vez, não saio de Barcelona sem conhecer o despretensioso e escondido Somorrosto que os blogueiros gaúchos do Destemperados indicam. Já me vejo sentada perto do balcão para provar a “cozinha de mercado”, 37 euros por pessoa, com vinho, e, é claro, passar
no La Boqueria, nem que seja para comer algumas frutas da estação e comprar um pouco de jamón, a primeira banca já na entrada, do lado direito, é a minha preferida pelo atendimento, oferta diversificada e qualidade. Boa viagem.
Jussara voss é jornalista. março de 2012 |
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Luiz Carlos Zanoni
A companhia do bacalhau
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om a Quaresma e a volta do bacalhau às mesas, a eterna discussão sobre qual o vinho mais adequado para acompanhá-lo retoma a pauta. A polêmica ganhou força com a globalização do comércio. Antes, o vinho viajava pouco, pois sempre se deu mal nos percursos longos, torturado por trepidações e as bruscas oscilações de temperatura. O consumidor se contentava, então, com o que havia em sua região ou nas cercanias. A situação mudou com a rapidez e as facilidades de transporte. Em poucas horas as garrafas chegam agora ao destino, passageiras de primeira classe confortavelmente acomodadas em conteiners refrigerados. Com isso, as prateleiras das lojas desataram o leque de harmonizações possíveis entre taças e pratos, convertidas que foram numa Babel de rótulos, lado a lado australianos, franceses, italianos, espanhóis, chilenos, portugueses, enfim, todos eles. Eça de Queiroz teria hoje de rever conceitos do seu “Comer e Beber Bem”, editado em 1892, onde garante que para o bacalhau nada como um tinto do Alentejo. Os alentejanos fazem boa figura, mas já não estão sós. Na verdade, há tantos candidatos quanto receitas para o saboroso pescado – e são mais de mil, como nos demonstra a chef Regina Reis no livro que publicou sobre o assunto. Assado, cozido ou grelhado, em postas, em lascas ou desfiado, ele cerca-se de um vasto elenco de coadjuvantes, as batatas, cebolas, ovos e tomates, a couve, o louro, uma legião de especiarias, e, que nunca nos falte, o azeite de oliva em copiosas doses. Se a opção for pelos tintos, a preferência da maioria, esqueça os austeros e empertigados. Prefira vinhos ainda em plena juventude, frutados, vivazes, de acidez equilibrada, moderados na graduação alcoólica e nos taninos. Esse estilo não é exclusividade de nenhum país ou região. Pode ser encontrado em Portugal, num Quinta do Perdigão ou num Luis
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No fim das contas, o bacalhau, bicho versátil, não tem preconceito de cor, vai bem com todos, tintos ou brancos
Pato Baga; na Itália, em piemonteses como o Dolceto d’Alba Colombè de Renato Ratti e no Barbera Scarrone de Vietti; nos muitos Tempranillos Crianza, esses com discreto estágio em carvalho que Ribera del Duero e Rioja fazem tão bem; nos borgonhas mais rústicos das regiões de Pommard e Mercurey; em Beaujolais raçudos como o Fleurie Reserve de Michel Guignard e o Morgon do outro Michel, o Lapierre; nos Malbecs básicos de Valter Bressia ou da Achaval Ferrer, tintos que topam qualquer desafio. Mas e os brancos, seriam bem-vindos nessa mesa? Certamente que sim. Muda, porém, o caráter. O bacalhau, peixe de carne firme, consistente, sempre nadando em azeite, pede brancos de bom corpo, concentrados, de paladar complexo. Sem chance para os levinhos e refrescantes. Mestre Saul Galvão ia direto à cereja do bolo. O nectar dourado que verte dos centenários vinhedos de Chardonnay nas colinas de Mersault era seu predileto. Mersault é a região da Borgonha com a maior área de vinhas grand cru. São brancos encorpados, minerais, que envelhecem com muito garbo. Por sinal, a Chardonnay tem a adaptabilidade como característica. Ela se dá bem por toda parte, das Europas às Américas. As seções da Argentina e do Chile propõem garrafas bem interessantes dessa uva, como o Catena Alta feito em Tupungato, e o Marques de Casa Concha que a Concha y Toro produz nos arredores de Santiago, na zona de Pirque. E entram também na roda o ótimo Felton Road, da Nova Zelândia, e o Hamilton Russel, da África do Sul. No fim das contas, o bacalhau, bicho versátil, não tem preconceito de cor, vai bem com todos, tintos ou brancos. Assim, se entre um e outro você balança, não se martirize. Fique com os dois.
LUIZ CARLOS ZANONI é jornalista e apreciador de vinhos.
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Andrea Greca Krueger Paula Abbas
O presente e o futuro do e-commerce
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Brasil é o quinto país em número de pessoas conectadas à internet, segundo a última pesquisa sobre o tema realizada pelo Ibope no final do ano passado. Estamos falando de 78 milhões de internautas, dos quais 87% acessam a rede para se conectar com amigos. As redes sociais encabeçam a lista dos sites mais acessados. Segundo o estudo, o Facebook tem 35 milhões de usuários brasileiros, o Orkut 29 milhões e o Twitter possui 14,2 milhões. Foi-se a época em que ser ativo em uma rede social era sinônimo de bisbilhotar a vida alheia. Hoje elas são usadas como ferramentas colaborativas nas quais se exercita um constante doar e receber ideias, opiniões, músicas, vídeos, fotos, informações de toda espécie e, o melhor de tudo, praticamente de graça. As grandes corporações já perceberam a importância de inserir suas marcas nesse universo colaborativo. Além de vender, elas desejam produzir conteúdo para compartilhar com os consumidores e posicionar-se, dessa forma, como amigas e cúmplices, influenciando as preferências de consumo, em especial dos mais jovens. Opiniões de consumidores expressas online são hoje uma das formas mais confiáveis de propaganda. Segundo a mesma pesquisa Ibope, nove em cada dez compradores levam em conta sugestões de pessoas próximas, enquanto sete em cada dez confiam na opinião de consumidores aleatórios e desconhecidos publicada na rede. Além disso, as redes sociais se tornaram uma movimentada plataforma de busca, que pode funcionar, em alguns casos, melhor que o Google. Os resultados endossados com “likes” e comentários são testemunhos reais e assinados das inúmeras experiências vividas pelos consumidores.
Consumo online compartilhado Nos últimos anos, o número de brasileiros que fazem compras online aumentou consideravelmente. Os sites de comércio eletrônico no Brasil registraram mais de 32 milhões de usuários únicos 60
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em outubro de 2011, o que significa um salto de mais de dois milhões de usuários no período de um mês. Esses dados nos fazem concluir o que muitos já suspeitavam: é hora de apostar nas vendas online. Ok, mas qual será a grande novidade sobre o e-commerce? Considerando o engajamento dos internautas e das marcas, que também passam a se relacionar através das redes sociais, surgem ferramentas de compra online compartilhada. Segundo o Channel Advisor, empresa americana de soluções em comércio eletrônico, 83% dos consumidores visitam páginas recomendadas por amigos no Facebook.
Essa é uma estratégia certeira para se relacionar de forma direta e transparente com seu consumidor e com os futuros clientes Algumas marcas já colocaram em prática estratégias interessantes. A italiana Diesel, sempre inovadora, espalhou em suas lojas da Espanha quiosques equipados com uma câmera digital conectada ao Facebook. Através dela, os clientes podem se fotografar, postar as imagens com as roupas que pretendem comprar e receber feedback instantâneo dos amigos. A americana Wet Seal lançou um aplicativo chamado Shop With Friends, que funciona em tempo real e permite a interação entre usuários e a navegação compartilhada. Os clientes podem enviar convites para
fazer compras com os amigos via chat, explorar a loja virtual de forma sincronizada e discutir uma possível compra. A Levi’s também entrou nessa “e-onda” e integrou sua loja online com o Facebook, permitindo a interação dos usuários com seus amigos através de uma experiência de compra colaborativa. Chamada de Friends Store, a plataforma da centenária marca de jeans possibilita o compartilhamento das imagens dos produtos, o endosso dos favoritos além da pesquisa entre os itens mais adorados. Atualmente, metade da população brasileira tem acesso à internet, o que faz desse meio de comunicação o terceiro em alcance no país, atrás apenas de rádio e TV. Os internautas se conectam não apenas para pesquisar produtos e serviços, mas para buscar sugestões de conhecidos e anônimos, confiando sua decisão de compra a infinitos “likes” e comentários. Não há quem aprecie o indesejado arrependimento pós-compra e, com a abundância de opções disponíveis no mercado, uma ajudinha camarada é sempre providencial - melhor ainda se vier com um auxílio extra de uma marca amiga. Segundo a percepção do consumidor, ela, a marca amiga, não quer apenas vender, mas satisfazê-lo e, em uma análise mais profunda, auxiliá-lo a se enquadrar em determinado grupo social. Portanto, se o seu negócio já é adepto das vendas online, parabéns. Agora é hora de agregar a sua plataforma de e-commerce ferramentas que permitam aos usuários conectar-se com seus amigos e compartilhar informações. Essa é uma estratégia certeira para se diferenciar da concorrência, criar oportunidades de endosso, espalhar sua marca pela rede e se relacionar de forma direta e transparente com seu consumidor e com os futuros clientes que estão esperando para conhecer a sua marca.
Andrea Greca Krueger é jornalista e professora. Paula Abbas é consultora jurídica e empresarial.
Fábio Campana
Relíquias
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ois eu estava convencido de que essas crendices tinham desaparecido na longa noite do esquecimento que antecedeu a chegada do homem à Lua e à Idade da Informática, embora a internet nos proporcione as maiores provas da solidez da burrice que sobrevive na espécie. Tive dificuldade em acreditar que ainda há humanos que confiam sua sorte e seu destino aos milagres produzidos por relíquias santificadas, até que um amigo que não me permito revelar o nome segredou-me que está a comprar por significativa quantia uma pequena mexa do cabelo de Maria Bueno, que não foi canonizada pela Santa Madre, mas goza de boa fama de milagrosa. Diante de meu espanto, garantiu-me ele que a relíquia é de boa origem. Pertence a uma senhora que a herdou da avó e esta a herdara da bisavó que a recebera de um alferes da cavalaria que viveu na época da mártir e teria sido o carcereiro do anspeçada que esfaqueou Maria Bueno por ciúmes. Tentei lançar alguma dúvida sobre a eficácia da relíquia. Ele mostrou-se fechado a qualquer questionamento. Contou-me que pretende juntar a mexa de cabelos de Maria Bueno às relíquias que guarda de um amor fracassado e que espera recuperar. Tem ele em uma caixa da Tiffany uma calcinha preta, bilhetes com juras de amor, um brinco e fotos da mulher que o deixou. Ele olhou-me do alto de sua sabedoria e disse que faria mais, pretendia visitar a catedral de Puy-en-Velay, onde acredita esteja guardado o Prepúcio sagrado (em Latim præputium), uma das muitas relíquias católicas relacionadas com a figura de Jesus Cristo. Trata-se do prepúcio de Jesus, retirado do seu corpo durante a circuncisão, ritual a que o povo judeu submete todos os seus rapazes. O Papa Clemente VII declarou a sua autenticidade. Meu amigo diz que está informado de que esta é a relíquia mais poderosa para recuperar o amor de uma mulher. Contei ao Dico Kremer esta história de nosso amigo comum. Ele não se espantou. Pois, pois, Dico Kremer viveu em Portugal, um dos países do mundo onde há maior número de relíquias santas. Do crânio de Santa Brígida, na Igreja do
Lumiar, em Lisboa, ao pedaço do osso do maxilar de São Vicente, que viu na Igreja São Vicente da Beira, em Castelo Branco. Viu também a fé que não move montanhas mas move as pessoas que apostam tudo num milagre. Relíquias autenticadas pela Igreja, nada a ver com aquelas que o personagem de Eça, Teodorico Raposo, o Raposão, jovem hipócrita e interesseiro que se fez passar por beato para enganar a tia Dona Maria do Patrocínio, Titi, e obter sua fortuna em
desconfiamos seja antepassado do nosso Arnold Junginger. Numa estalagem um malandro alemão fala ao herói do filme que possui uma caixinha com várias indulgências à venda. Elas podem descontar penas de 500 a 300 anos do fogo do inferno, conforme o pecado. E há para ricos e para pobres. Eis a lista anotada por Kremer: • O dedo indicador de Santo Onofre; • A ferradura do burrico que levou a sagrada família na fuga para o Egito; • Uma pena da asa do arcanjo Gabriel quando da anunciação; • O óleo usado pelos pagãos para ferver São João; • O joanete de Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho; • Um degrau da escada que Jacó viu em sonho. • Uma folhinha de palma quando da entrada de Cristo em Jerusalém, no domingo de Ramos; • Quatro pedacinhos do lenho da santa cruz; • Dois espinhos da coroa da crucificação; • Um pedaço do pano do manto da Virgem Maria; • Um pedaço de madeira de um banquinho feito por São José.
testamento. Sem qualquer escrúpulo, acabou punido pelo equívoco ao trocar a falsa relíquia por uma camisola de renda e um bilhete nela pregado pela amante. Falsários, malandros, sempre existiram como aquele do filme de Aleksander Ford, “Os Cavaleiros Teutônicos”, que trata da guerra entre os Teutônicos e os Poloneses e Lituanos. A batalha é a de Grunwald em 15 de julho de 1410. O chefe dos teutônicos era Ulrich von Jungingen, que
Tudo bem, como costumam repetir as almas parvas. O que um homem não é capaz de fazer quando idiotizado pelo amor impossível de uma mulher? Guardar calcinha, bilhetes de amor, fotografias em uma caixinha da Tiffany já é sinal de desvario. Comprar uma relíquia santa, ou quase santa, para juntar a elas é atestado de insanidade. Mas devemos considerar que se há algo que não mudou desde as cavernas é essa loucura que só quem sofreu as dores de um rompimento pode contar.
Fábio Campana é jornalista e escritor.
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Armando de Souza Santana Junior
O menino morto
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á faz muito tempo. Foi lá pelos idos dos anos sessenta, mas o fato ainda permanece muito presente em minha memória. Um campinho no meio de uma rua abandonada, cheio de buracos, mas perfeito para nove ou dez moleques correrem atrás de uma bola de borracha desgastada pelo uso e meio murcha. O calor e o sol intensos daquele verão setentrional eram desprezados pela viçosidade da pouca idade e lá se iam todos embolados atrás da esfera mágica como se o paraíso fosse ali. Gritos de alegria ecoavam aqui e acolá. Tem um menino morto daqui a dois quarteirões – chegou dizendo apressado o Chico, um moleque espevitado que vivia arranjando briga com todo mundo. Todos pararam imediatamente naquele campinho. Todos também se olharam assustados. Ninguém sabia o que dizer ou fazer com aquela notícia inédita. Chico ainda cansado da correria se adianta e grita bem alto: Quem topa ir ao enterro? Vai sair um ônibus que vai levar todo mundo no cemitério. Podemos dar uma volta de ônibus de graça! Eu pergunto com curiosidade: É longe? Chico se apressa em dizer que é tudo pertinho e que voltaremos logo pra terminar a partida e que vai ser muito divertido. A molecada se anima e todos resolvem ir ao funeral do menino morto. Chegamos bem na hora da saída do féretro. O ônibus nos fascinava a todos porque adorávamos passear pela cidade com eles. Uauu! Pensei. Como é grande! Ele é amarelo e marrom e está ali parado mas com o motor ligado e esperando por mim. Vai sair a qualquer momento. Fico paralisado, não sei se devo entrar ou não. Penso que minha mãe não sabe onde estou. E se me perder? Chico grita já de dentro do ônibus pela janela: Vambóra logo seus cagões! A maioria entra no coletivo e eu junto. Em poucos minutos o ônibus arranca e segue atrás do carro que leva o menino morto. De repente bate um medo danado. Nunca fui a um cemitério, nunca vi um menino morto, penso. Arrependo-me, não devia ter vindo. Só quero voltar logo para casa. Observo em volta e acho que toda aquela molecada pensa igual. Ninguém conversa mais e um silêncio perturbador enche o ônibus de temor. Somos crianças sozinhas e não deveríamos estar ali, penso de novo.
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O ônibus para. Olho para fora e vejo o cemitério. Tenho medo. Aquelas cruzes, aqueles túmulos grandões. Penso que não vou descer, não quero. Olho pra trás e vejo que nenhum moleque ainda desceu, só os adultos. Parece que todos me olham esperando a iniciativa. Chico vem em minha direção e desafia: Qualé, o mariquinha não vai descer? Sinto-me humilhado, e aceito o desafio.Carregaria até os dias de hoje esse defeito. Olho para a turma e digo: Vamos? Todos descem como autômatos evidenciando o medo que se aconchega ao grupo. O caixão segue à frente carregado por parentes. Vamos bem atrás. Olho para os túmulos ao lado dos corredores cercados por mangueiras frondosas carregadas de frutos. Penso com os meus oito ou nove anos se aquelas mangas podem ser comidas ou não. Será que
Naquele dia um menino morreu e outro amadureceu fazem mal? É de cemitério. Especulo intimamente. O funeral de repente para, sai da ruazinha principal e avança por entre sepulturas. Chico vai à minha frente, não para. Seguimos todos atrás dele. De repente, damos de cara com um buraco aberto na terra, sem grama ou vegetação ao redor e é bem fundo. Estamos em sua volta. Olho para frente e vejo uma mulher chorando muito e penso que deve ser a mãe do menino. Olho para o caixão com atenção pela primeira vez. Ele é pequeno e pobre, recoberto com um tecido roxo e com uma tampa bipartida ao centro. Meu coração acelera. Só penso em ir embora dali correndo. Dois coveiros descem com cordas o pequeno esquife em direção ao fundo daquele buraco horroroso. A mulher chora mais alto. Fico com vontade de chorar também, mas penso que homem não chora. Meu pai assim ensinou. Alguém fala que todos devem jogar com as mãos um
pouco de terra sobre o caixão. Me perturbo. Não quero fazer isso de jeito nenhum, mas todos estão jogando a maldita terra naquela sepultura. Sinto-me compelido a imitá-los. Então encho a mão de terra e me aproximo do buraco aberto no chão onde está o pequeno esquife. Olho pra baixo e tenho a pior visão que um garoto da minha idade poderia ter. A tampa bipartida estava mal fechada, por descuido ou por mau acabamento do caixão . Uma fresta se abrira o suficiente para ver o rosto do menino morto com os olhos entreabertos e sujo de terra lá dentro daquele caixote medonho. Um pavor sem limites percorreu minha alma naquele instante e imediatamente saí em disparada daquele lugar tenebroso em direção ao ônibus. Olho pra trás e vejo que a molecada que me segue também corre. Entro no ônibus, sento e fico quieto. Sinto um medo sem fim, vontade de chorar e de estar perto da minha mãe. Quero ir para casa. Todos estão em silêncio. Os adultos entram e o ônibus arranca. Só se ouve o motor. Procuro o Chico com os olhos. Ele é minha referência de coragem. Olho para ele e observo que ele também está quieto, seus olhos estão cheios de lágrimas. Não encara e nem fala com ninguém. A volta leva uma eternidade. O ônibus finalmente para e todos descem. Acabou! Penso eu. Vamos embora em silêncio. Chego a minha casa e corro para abraçar a minha mãe. Entristeço mais ainda. Ela tinha saído para ir à cabeleireira, informa-me a empregada. Vou pro meu quarto, deito e choro bastante, em silêncio. É assim a morte? Pergunto-me angustiado e cheio de pavor. A imagem do menino morto com o rosto sujo de terra não sai da minha cabeça. Adormeço de tanto cansaço e choro. Acordo no outro dia sem comentar o fato com ninguém e também para nunca mais ser o mesmo menino alegre correndo atrás de uma bola velha num campinho qualquer. Naquele dia um menino morreu e outro amadureceu.
Armando de Souza Santana Junior é advogado.
Solda
helena (2) uando dei por mim, estava fora dos muros amarelados do Hospital, no Ferruci. Com a cara parcialmente cheia, atormentado pelas preocupações em reaver meu passaporte perdido, juntamente com um relógio banhado a ouro e um maço intacto de Belmont de minha ousada coleção de cigarros, para um italiano bêbado que se dispusera a me enfrentar num pife demorado que se prolongou até o amanhecer e do qual não tenho motivos para ficar relembrando. Cansado de comparecer aos prostíbulos sem o meu passaporte e não podendo mais evitar o compromisso, chacoalhei o paletó xadrez e me pus num táxi, a caminho da casa de Helena, na mesma esquina onde fora atropelado por uma lambreta maluca em 1960, pouco antes de minha irmã dar à luz ao sobrinho que acabou com o orgulho da família ao roubar duas cabras dos Montini. As gêmeas Trinatti estavam nuas na janela. Ah, as gêmeas Trinatti! O domingo começava. O táxi rodava silencioso e, a não ser pelo Pepino Di Capri doloroso que tocava no rádio, tudo parecia normal. O velho Corso, sentado na praça, distribuía migalhas envenenadas aos pombos, como sempre. O motorista do táxi puxou conversa, dizendo que Mussolini era ambidestro e que acreditava em Papai Noel. Mas as imagens da minha infância infeliz no interior não me deixaram dizer uma só palavra ao pobre chofer, que acabou falando sozinho até o fim do trajeto. A rua estava deserta e ao descer do táxi notei um grupo de turistas japoneses saqueando uma pizzaria. Esses japoneses são capazes de tudo, pensei comigo. E debandei em fuga, alameda abaixo. Ao empreender a fuga fui tomado por um pânico monumental, típico de domadores de circo, mas não me deixei vencer e só fui parar três quadras abaixo, sem fôlego e sem o meu paletó xadrez, arrancado rudemente por um japonês que queria se apoderar de minhas vestes a todo custo. Era um domingo de aventuras, sem dúvida.
Rapidamente me desvencilhei dos cachorros que insistiam em me morder a canela e retomei o caminho da casa de Helena. Por alguns instantes pensei em voltar, atraído pelas delícias que as gêmeas Trinatti ofereciam à clientela aos domingos. Não fosse o alemão Klaus, o dono da pensão, eu as teria levado para repartir comigo o humilde quarto onde residia. Apertei o passo, tentando rechaçar as ideias carnais que se
hanna Arendt no papel de helena
apossavam de mim. A casa de Helena ficava antes da ponte, num sobrado desbotado que os nazistas quase destruíram completamente em 1944, por determinação de Hitler, que nunca gostou de sobrados desbotados antes das pontes. Era nesse sobrado, com frias escadas de mármore que Helena me recebia para devorar panelões de macarronada que só ela sabia preparar, não sem uma ou duas garrafas de vinho morno previamente encomendadas por Vicenza. Helena houve por bem me considerar de casa, desde o nosso primeiro encontro no Hospital de Estrangeiros, quando tombei sobre os seus seios
volumosos e me fiz seu parceiro nas noites mais frias e loucas da Europa, apesar das torturas que os rins me causavam. Helena era o desaguadouro de minhas paixões. Nossas brigas sempre acabavam em pancadaria, se Vicenza não interviesse atirando polenta pelas paredes e ameaçando suicídio brutal na horta, cortando os pulsos. Mas quando ela desaparecia com aquele grego sem caráter, eu jurava vingança, casando com Vicenza e partindo para a França, levando a charrete e o que sobrasse do almoço. Mas isso tudo só fortalecia nossas relações e Helena parecia ser a única coisa bela que restara no mundo quando punha seu short curtinho e subia na mesa levemente embriagada e começava a cantar Beguin The Beguine, num ritmo alucinado, verdadeiramente maluco. Às vezes exagerava na bebida e despencava da mesa, caindo sobre os meus braços ansiosos, ainda úmidos do banho desnecessário que Vicenza me obrigava a tomar na banheira que ganhara dos tios de Milão. Helena gostava de cozinhar, portanto, haveria um almoço digno, com hortaliças e tudo o mais. Havia um cheiro de carne assada no ar, excessivamente temperada com alho e cerveja, além das trivialidades que um bom assado comporta. Helena preparava um acepipe e, ao me ver, desmaiou. Surpreso com a ação um tanto quanto descortês de Helena, entornei friamente o primeiro copo de vinho e notei, com um certo espanto, que uma prostituta no prédio em frente se oferecia freneticamente ao padeiro. Vicenza ainda não voltara da missa. Os primeiros roncos do meu estômago denunciavam uma fome avassaladora. (prof. Thimpor é apedeuta, imbecil, fundador da sociedade dos poetas insepultos, metido a besta e acha que escrever é só juntar palavras)
soldA é escritor, humorista e cartunista. março de 2012 |
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ÚLTIMAS DA MODA
por Paola De Orte
A Semana de Moda de A primeira das semanas de moda a apresentar as coleções Inverno 2012 veio cheia de referências dramáticas: os estilistas se revezaram entre vestidos vermelho sangue, muito tule, couro, brilho, bordados e volume, muito volume. O desfile de Proenza Schouler foi o melhor, mais criativo e mais inovador. Ainda assim, nos outros, não faltaram longos a serem admirados e nem terninhos Oscar de La Renta a serem cobiçados.
Proenza Schouler À primeira vista, não é fácil identificar as referências asiáticas na coleção da dupla de estilistas, que começou seu trabalho em 2002 e foi rapidamente alçada ao patamar dos grandes designers norteamericanos. A sutileza com que foram empregados pavões, armaduras de samurais, quimonos e estampas florais, aliada à criatividade, transformou uma referência tão manjada quanto o Japão na coleção mais inovadora da Semana de Nova York.
Marc by Marc Jacobs Se alguém estava a me chamar de reacionária, a dizer que eu não entendi a arte revolucionária de Marc Jacobs, vai pensar duas vezes depois de ver a coleção ultraconservadora que o designer fez para a Marc by Marc. É de se esperar mais dele do que peças pensadas sob medida para agradar hipsters e moderninhos, do Brooklyn e da Trajano Reis. No entanto, foi o que o designer apresentou para sua marca contemporânea: referências militares, como coturnos, combinadas com vestidos de mocinha, silhuetas em A, óculos de aro grosso. Dá para ser mais hipster? Vou perdoá-lo, porque acredito que ele teve que se concentrar de tal maneira para produzir o desfile “hermético” da sua marca principal (ora, vamos manter a calma e a postura, não precisamos dizer que se trata de puro nonsense) que acabou passando a produção do resto para um estagiário.
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Rodarte Golas de Peter Pan, romantismo, transparência, volume, geometria, estampas. A Rodarte reafirmou as raízes e apresentou um desfile etéreo, mágico, onírico.
Nova York Marc Jacobs O que Marc Jacobs usou como referência é uma incógnita. A Era Eduardiana é a referência para os chapéus (se Jamiroquai fosse contemporâneo de Rudyard Kipling). Do Ancien Régime no Carnaval do Rio de Janeiro vieram os sapatos. As roupas desproporcionalmente grandes ele já havia nos dado o prazer de apresentar na Primavera da Louis Vuitton (que relutantemente aceitamos). Agora elas estão ainda maiores! Marc afirma que se inspirou em Charles Dickens, Maria Antonieta e nos puritanos. É difícil imaginar um contexto em que tal encontro faça sentido, traga algum propósito, mostre o caminho para a luz, então, afinal: o que é isso? O que ele quis dizer? Qual é o fim, ou o meio, pelo menos?
Marchesa O desfile da Marchesa mostrou muito drama, glamour (o que fazer, se essa é a palavra?), rendas, tules e vermelhos. Ainda que não tenha sido muito diferente do que Givenchy, Alexander McQueen e Elie Saab vinham mostrando em coleções passadas, o ensemble barroco apresentado pela marca é uma coerente e bem executada homenagem ao que vem sendo feito no mundo da alta costura.
Oscar de La Renta É bom saber que Oscar de La Renta está lá quando precisamos dele: com 80 anos e sem nenhuma necessidade de autoafirmação, a coleção foi simples, clássica e conservadoramente linda! Quem precisa de mais? março de 2012 |
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ISABELA FRANÇA
A Cadeira de Victor I C
uritiba nunca mais foi a mesma depois que ele chegou por aqui. Victor Gonçalves, ou Victor I, é único. Este angolano chegou a Curitiba no começo dos anos 80 e daqui nunca mais saiu. Conquistou a cabeça e o coração de centenas de homens e mulheres que se encantaram com seu carisma e competência para tornar mais bela a vida das pessoas. É exatamente isso que faz há mais de 30 anos à frente de seu salão de beleza Vimax. Mais do que cortar, tingir e pentear, Victor sabe encontrar o que é belo em cada um. Sentar-se em sua cadeira é uma deliciosa experiência, sempre. Há aqueles que bobamente ousam chamá-lo de arrogante, esnobe ou qualquer outro adjetivo pejorativo que desqualifique sua característica mais marcante: a humildade. Pois garanto que quem faz isso não o conhece e jamais se sentou à sua frente. Pode-se dizer tudo de Victor, menos que lhe falta humildade. Criado pela avó, apaixonado pela mãe, Victor conta sua curiosa história e como fugiu da guerra civil angolana graças às pedrinhas preciosas que ganhou da avó com uma graça e simplicidade emocionantes. Veio parar em Curitiba, meio por acaso, pelas mãos do namorado estilista e foi ficando. Chegou num tempo em que a cidade tinha uma lacuna onde se encaixou perfeitamente. Era o moderno que faltava. Trouxe algo de chic, diferente para o setor que até então tinha dois ou três endereços mais elegantes e milhares de portinhas sem nome nas esquinas de todos os bairros, nas quais a mulherada fazia as unhas, passava uma tinta e enrolava os cabelos para as festas. Seus salões inauguraram o cabelo de autor. Com seu nome na porta – Victor I – antecipava que seria o primeiro hair stylist de uma série que viria depois. Não tem problema. Não teme a concorrência. Reage a seus baques com a capacidade que só têm aqueles que amam acima de tudo fazer o que sabem. Dotado de um apurado senso estético, parece ter intimidade com as madeixas. Mexe-as de uma maneira que dá nova vida e harmonia. Observa o cliente de todos os ângulos, acaricia os cabelos e faz deles uma moldura, trabalha o visagismo com arte. Ensina quem trabalha com ele com carinho e respeito. Talvez por isso seja sempre o primeiro. Em sua lista de clientes estão os protagonistas da cena social local. Seu mailing é o mais mais da cidade, mas ali, certamente, estão muitas personalidades que fogem dos holofotes e jamais se sentariam numa poltrona de oncinha se esta não fosse a cadeira do Victor.
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Letra morta
Mais um
Um dos mais tradicionais clubes do Brasil, o Paulistano, teve de aceitar por decisão judicial a inclusão em seus quadros do cirurgião plástico Mario Warde Filho, 40 anos, e sua filha como dependentes do médico infectologista Ricardo Tapajós, 46 anos, sócio do clube. Associado da instituição desde criança, Tapajós vem discutindo desde 2009 a inclusão do companheiro como dependente.
Letra morta 1 E, por aqui, o assunto implicações legais da união homoafetiva está noutra discussão. O advogado Francisco Cunha Souza Filho, especializado na área de família, cuida do arranjo jurídico do fim de uma relação de um casal de mulheres juntas há 13 anos. Para partilhar os bens adquiridos ao longo da relação, as duas solicitaram o reconhecimento judicial da união estável para poder formalizar a partilha. Como o casal não tinha a escritura determinando o regime de bens, quando do início da relação, a opção foi fazer isso agora, para encerrar a história civilizadamente.
Divulgação
Por aqui, discussão semelhante esquentou por duas gestões a cabeça dos conselheiros do Clube Curitibano, que, no ano passado, já acataram duas uniões gays. Por mais absurdo que possa parecer, a diretoria do Paulistano comunicou que vai recorrer da decisão, com base no estatuto do clube.
O quadrilátero da Praça Espanha vai se fechando e confirma sua vocação e personalidade gastronômica em alto estilo. Chico Urban, dono do Bar do Victor, Bistrô do Victor e Petiscaria do Victor, inaugura mais um Victor na esquina das Ruas Saldanha Marinho e Fernando Simas, na casa onde funcionou durante anos a locadora Vídeo 1. Com projeto assinado pelo arquiteto Jayme Bernardo, o novo restaurante deverá ter capacidade para mais de cem pessoas e, certamente, uma varanda para a praça. Antes deste, Chico abre as portas do Victor Fish’n’Chips, no Shopping Mueller. Segue o conceito inglês, sustentando o cardápio nos peixes empanados e fritas, mas oferece também sanduíches e massas, tendo os frutos do mar como base do cardápio. O empreendimento da Praça Espanha é uma sociedade de Urban com o chef Paulino Santos.
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ISABELA FRANÇA
P&B 16 Quem está acostumado a observar os coloridos painéis de Poty Lazarotto nas ruas centrais de Curitiba vai estranhar a ‘edição’ do artista gráfico Miran, curador da exposição que inaugura no dia 29 deste mês, no Museu Oscar Niemeyer. Todas as obras são em preto e branco. A opção foi de Miran. Nada mais adequado a um grande ilustrador que o preto do nanquim sobre o branco do papel. Imensos painéis como montagens feitas por Miran a partir de trabalhos esparsos de Poty farão a cenografia da exposição. Rabiscos, cartas e bilhetes do artista mostrarão ao público um pouco da personalidade do artista. 68
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Tem 16 metros a nova obra que o artista plástico André Mendes inaugura no começo de março. O painel, multicolorido como tem sido todo o trabalho atual de André, ocupa toda a fachada norte de um edifício de 14 andares, no Bigorrilho. O trabalho venceu o concurso Dê um Presente a Curitiba, iniciativa da construtora que ergue no local o prédio Ink State of Art. No lançamento, tão atual quanto a ideia, DJs e a banda Jacobloco estavam previstos para animar a festa.
Mês passado estive conhecendo as vinícolas de Mendoza, na Argentina, e entre as elegantes Ruca Malen, O’Fournier e Catena Zapata, destaca-se a gentileza no receber da Zuccardi. Seu rótulo, o Santa Júlia, chega aqui sem muito charme. Mas, a Júlia que dá nome ao vinho – Júlia Zuccardi, 28 anos, comandante da Casa Del Visitante da bodega mendoncina – sabe o que faz. A herdeira responsável pelo atendimento das visitas, restaurante e loja do grupo cuida pessoalmente de recepcionar os turistas. Criou uma série de programas de visitas que inclui opções como piqueniques entre as videiras, passeios de bicicleta e balão, aulas de culinária e colheita de uva. Todos seguidos de almoço e degustação dos vinhos. Com simplicidade e aconchego, quem entra, sai encantado. Depois de uma aula singela de pães e empanadas, bem mensurada pela chef da casa, quem se encarrega de enviar as receitas e agradecer a presença é a própria dona da casa, que redige pessoalmente os e-mails. Não sei se vou me encantar pelo Santa Júlia, mas já olho as linhas Q e Z da Zuccardi com outros olhos.
Berlinda
O advogado Fernando Vernalha Guimarães corre atrás do tempo perdido nos oito anos de governo Requião, nos quais o Paraná ficou de fora das Parcerias PúblicoPrivadas. Neste período, Vernalha Guimarães, doutor em Direito do Estado, rodou o Brasil falando sobre o tema. Só agora, o Paraná poderá tirar proveito de seu conhecimento. Comemorando o momento, lançará este mês dois livros editados pela Saraiva: PPP Parceria Público-Privada tem 440 páginas e uma bela edição para empresários e leigos e Concessão de Serviço Público decifra e interpreta a concessão na nova realidade econômica e jurídica.
Olho O estilista curitibano Jefferson Kulig tem lindos e bons olhos. Sua nova linha 2012 de camisetas com estampas de animais, must have dos closets modernos há mais de um ano com tucanos e outros bichos, traz lindas e atentas corujas. Na semana de moda em Londres, a festejada Burberry desfilou sob seus trench coats classudos, tees com desenhos de corujas. E, sem corujice nenhuma, as de Jefferson Kulig dão de dez a zero nas inglesas.
DivulGAção
Cortesia
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Claudia Wasilewski
Mudando de dimensão
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empre tive dificuldade de entender o que não vejo e não me é palpável. Nunca tive medo do escuro pelo simples fato de não enxergar nada. Bem criança fazia minhas excursões na escuridão. Tinha medo das sombras na meia luz. Nunca entendi de onde saíram os átomos. A criação do universo, planetas que giram deixei de lado. Entrava na paranoia de que a gravidade iria acabar e sairia flutuando pelo infinito. Um dia o professor resolveu falar sobre dimensões. Que poderíamos ser observados por um mundo paralelo. Fiquei uma semana sem dormir. Imaginava uma bolha descendo sobre a minha cabeça, e me levando para o outro lugar. O pânico era que como já tinha sido observada, sabiam tudo de mim. Dos mundos paralelos da fantasia entendo bem. São deliciosos. Minha cabeça viaja. Nunca li dois livros ao mesmo tempo. É uma falta de educação deixar o personagem me esperando. Sufocado na capa fechada. Por isto enquanto leio, pergunto, critico, sofro, me alegro, investigo o mundo que ali está. Não gosto muito de ficção. Mas o filme Avatar é a demonstração de que o mundo paralelo pode ser a solução. Para quem não assistiu, é mais ou menos o seguinte. Nós terráqueos fomos explorar minério em outro planeta. Com o desejo de dominação, é claro. Para isto eram criados seres parecidos com os nativos. Estes conviviam para assimilar os costumes e a ordem
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Arrume um cúmplice dos bons. Coloque uma roupa bacana. Vá ser feliz. Isto é urgente das coisas. O que deu errado para os humanos? Um lindo caso de amor entre o ex-combatente de guerra e a nativa. No mundo paralelo ele se livra da cadeira de rodas, cresce dois metros e ainda pega uma mulher livre, ágil, inteligente e cheia de estratégia e conhecimento. Até maluco gostaria de uma coisa dessas. Já sei, ficaria azul e com rabo. Gente, que diferença faz? Todos têm seus segredos. Em um mundo paralelo seriam aceitos. Com certeza haveriam muitos portais. Seria um ir e vir danado. O duro é que criariam um pedágio. Melhor abortar a ideia dos portais. Quem sabe roupas servissem de transporte. Como os super-heróis fazem. Um casaco preto com capuz para os encontros extraconjugais. Túnica branca para negociar dí-
vidas. Roupão vermelho para tomar um sorvete megacalórico. Saia kilt para os casos homoafetivos. Isto sim seria sair do armário literalmente. Fico aqui pensando no meu. Ninguém teria cabelo. Pessoas com toucas coloridas. A forma física também seria adaptável. Alguns dias teria 1 metro e 70. Cheia de curvas. Em outros seria eu mesma. A cor do olho sem astigmatismo poderia combinar com a touca e com a roupa. Ninguém ficaria assustado de me ouvir falar do que sinto e pretendo. Voaria... Não dormiria nunca mais e nem teria sapatos. Seria livre de impostos, taxas e regras absurdas. A temperatura seria quente sempre. Sem o tormento do cabelo, dos óculos, do sapato de salto, do trânsito e contas, seria bom demais. E ainda poderia falar o que penso o tempo todo. E eu penso e falo muito. Meus amigos isto para mim nem seria o mundo paralelo, seria o paraíso. Eu seria um docinho. Uma fofa. Ficaria por lá. Como sabemos que nada disso é possível, me atrevo a dar um conselho. Arrume um cúmplice dos bons que mantenha o teu álibi sofrendo qualquer tipo de pressão. Coloque uma roupa bacana. Vá ser feliz. Isto é urgente. Neste mundo mesmo.
Claudia Wasilewski é empresária.
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Cartas
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REVISTA
zuMbis, gAribAldis e sAcis nA cidAde do AnticArnAvAl Muito boa a matéria “Zumbis, Garibaldis e Sacis na cidade do anticarnaval”. Mostra a natureza dessa manifestação, que é ingênua a ponto de lembrar carnavais de outras épocas. Famílias participam. Não entendo porque aconteceu aquele incidente com a polícia batendo em alguns participantes. O que espero é que a manifestação continue a mesma e se repita no ano que vem. Adélia Zumbach
o bAr do ciccArino O artigo do Luiz Fernando Pereira sobre o bar do Ciccarino é perfeita. Mostra que o bar foi um marco na cidade. Pena que não tenhamos mais um ambiente como aquele, com aquela atmosfera. Parabéns ao Pereirinha. Airton Mazzella
Meninos, eu vi! Quase morri de tanto rir do artigo do Nêgo Pessôa. Juro que pensei que era gozação. Fui ver e me confirmaram. Existe o Dia Nacional da Incontinência Urinária. Quase acontece comigo diante de tanto riso. Julio Estrella
A redAÇÃo erA uM PAlco Bons tempos, hein Mazza. Hoje você entra numa redação, se é que ainda existem, e tem um ambiente de velório, todo mundo muito comportado. Ninguém se arrisca a fazer uma piada, lançar uma farpa. Bom era isso, quando a redação era um palco. Bravo Mazza. Arno Medeiros Mazza, você lembra da zorra que era a redação do Correio de Notícias? Eu acho que o fundo musical, o ruído dos teletipos, ajudavam a criar um ambiente propício. Lucas Mello
o FrAngo cAiPirA e o lA tÂche Que bela história essa do João Paulo Martins que o Zanoni nos conta. Aliás, a melhor coluna sobre vinhos do País é essa do Zano-
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ni, o único que entende de vinhos e escreve maravilhosamente. Paulo Roberto Novinski
o hAiti no brAsil Bom artigo o do Rubens Campana sobre a entrada de haitianos no Brasil. Desmente todos os preconceitos que vão se armando por aqui contra os imigrantes. Célia Amaral
vAi de biKe? Isso mesmo, o negócio é estimular o uso da bicicleta, o transporte individual mais inteligente que o homem criou. Se todos usassem teríamos menos poluição, mais espaço para lazer, e morreria menos gente de problemas causados pelo sedentarismo. Amélia Oliveira
o legionário do soM Que bom que vocês se lembraram desse guitarrista maravilhoso que é o Kadu Lambach, que pouca gente sabe que foi um dos fundadores da Legião Urbana. Rock em Curitiba há muito e de ótima qualidade, só a mídia não sabe. Wilson Azevedo
reFleXos de uM olhAr PrivilegiAdo Gostei do texto do Dico Kremer, mas não curti as fotografias, embora a modelo pareça interessante. Marcos
circo – A estrAdA dA vidA Bah, tchê, não sabia que tinha escola de circo em Curitiba. Es-
tou aqui há mais de sete anos e só agora fiquei sabendo pela revista Ideias. Sou amante de circo. Mércio Saucedo
os olhos do jornAl Dear Dico Kremer, I have to apologize I didn´t answer earlier. But I had to do a lot with an exhibition of portraits of artists. And I send you a catalogue of this exhibiton and an older one. I got the Ideas magazine. Thank you very much for it. I liked it very much that you printed so many of the photographs of the fall of the wall with a fine, good layout. Also thanks to your friend Marcos Mueller Schlemm for the translation of your text. I remind with pleasure at the time in Curitiba with you and all your colleagues. Best regards from Barbara Klemm Caro Dico Kremer, desculpe-me por não ter escrito antes. Estive muito ocupada com uma exposição de retratos de artistas. Vou enviar-lhe um impresso dessa exposição bem como um mais antigo. Recebi as revistas Ideias. Agradeço-lhe o envio. Gostei muito do número de fotos que foram escolhidas da queda do muro de Berlim e da bela diagramação. Agradeça a seu amigo Marcos Mueller Schlemm pela versão de seu texto em alemão. Lembro-me com prazer do tempo que passei em Curitiba consigo e com seus colegas. Saudações da Barbara Klemm.
Publicação da Travessa dos Editores ISSN 1679-3501 Edição 125 – R$ 10,00 ideias@revistaideias.com.br revistaideias.com.br facebook.com/revistaideias twitter:@revistaideias EDITOR Fábio Campana REDAÇÃO Marianna Camargo COLUNISTAS Andrea Greca Krueger, Antonio Augusto Figueiredo Basto, Armando de Souza Santana Junior, Carlos Alberto Pessôa, Claudia Wasilewski, Ernani Buchmann, Isabela França, Izabel Campana, Jussara Voss, Luiz Carlos Zanoni, Luiz Fernando Pereira, Luiz Geraldo Mazza, Luiz Solda, Marcio Renato dos Santos, Marisa Villela, Paola De Orte, Paula Abbas, Pryscila Vieira, Renan Machado, Rubens Campana COLABORADORES Cellus Klaus, João Le Senechal, Marciel Conrado, Mônica Benjamin DIRETOR DE FOTOGRAFIA Dico Kremer TRATAMENTO DE IMAGEM Carmen Lucia Solheid Kremer CAPA Luigi Camargo ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA Luigi Camargo REVISÃO Márcia Campos CONSELHO EDITORIAL Aroldo Murá G. Haygert, Belmiro Valverde, Carlos Alberto Pessôa, Denise de Camargo, Fábio Campana, Lucas Leitão, Marianna Camargo, Paola De Orte, Rubens Campana PARA ANUNCIAR comercial@revistaideias.com.br PARA ASSINAR assinatura@revistaideias.com.br ONDE ENCONTRAR Banca do Batel Banca Boca Maldita Banca da Praça Espanha Fnac Shopping Barigui Revistaria do Maninho Revistaria Quiosque do Saber no Angeloni Banca Presentes Cotegipe no Mercado Municipal Livrarias Ghignone Banca Bom Jesus Revistaria Itália Banca Shopping Curitiba
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IDEIAS é formadora de opinião na região. Sua tiragem é de 18 mil exemplares e vai às bancas sempre no primeiro domingo do mês. A revista circula há nove anos, desde maio de 2003. Além da edição normal, IDEIAS publica edições especializadas em economia e negócios no Estado, com a mesma tiragem e distribuição. IDEIAS reúne um time de primeira linha. Jaime Lerner, Dalton Trevisan, Fábio Campana, Jussara Voss, Marianna Camargo, Luiz Geraldo Mazza, Paola De Orte, Luiz Fernando Pereira, Carlos Alberto Pessôa, Isabela França, Luiz Carlos Zanoni e Rogerio Distefano. As revelações do jornalismo paranaense produzem reportagens, entrevistas e demais conteúdos. E mais: coluna social de Isabela França, inovadora e em sintonia com a contemporaneidade — um dos destaques da revista. IDEIAS também abre espaço para ficção, humor, charge, ensaios fotográficos e crônicas.
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para saber sempre revistaideias.com.br março de 2012 |
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Saúde: mais de 2500 exames por dia
Pavimentação: 350 km recuperados
Segurança: mais guardas e segurança em todas as regiões
Educação: novas escolas e mais de 40 reformas e ampliações
Habitação: 2300 novas moradias até o final de 2012
Parque: lazer e qualidade de vida
Terminal/VEM: novo terminal e Cartão VEM
Meio Ambiente: Usina de Reciclagem e Coleta Seletiva
O Programa Revitaliza São José dos Pinhais não para e segue melhorando as áreas da saúde, segurança, educação, meio ambiente, obras e de transporte da cidade. Tudo para garantir mais qualidade de vida para os moradores do município. As melhorias são na cidade. Mas o que melhora mesmo é a vida do cidadão.
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O tempo passa, Colombo se transforma e sua vida muda junto. Para melhor.
Nos últimos anos, os colombenses têm vivenciado uma grande transformação: mais de 200 ruas asfaltadas, novos postos de saúde, redução da criminalidade e diversos investimentos em educação, estrututra, geração de empregos e serviços. É o trabalho da Prefeitura transformando a cidade em um lugar cada vez melhor para todos.
A Prefeitura trabalha e a transformação acontece.