IDEIAS 127

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r$ 10,00 nº 127 www.revistaideias.com.br

maio 2012

ano viii

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BIG GreCa

rafael greca volta à cena como candidato a prefeito do PmDB

a paIXÃo seGUndo anTonIna

ressurreição da cidade

JaIme lerner

apresenta Dock Dock, o transporte público esperto

zanonI

o Fisco quer nos devolver à Botocúndia


Itaipu. Um dos melhores atrativos turĂ­sticos do Brasil.


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Índic� NESTA EDIÇÃO

COLUNISTAS

“os fins justificam os meios” 12 Fábio campana

luiz Fernando Pereira 10 impeachment de collor - vinte anos esta noite

Big greca 14 Fábio campana abriram as caixas Pretas 18 a cPmi do fim do submundo 20 novo chefe 24 transporte público esperto 26 tisa Kastrup Dna de sucesso 30 tisa Kastrup

joão le senechal

06

a Paixão de antonina 34 marisa villela o velho e o mar 41 renan machado

joão le senechal

Fábio campana 40 Diário de bordo ernani Buchmann 50 o frio que nos prometem marcio renato dos santos 51 o abismo de um sonho

me chamo chiputchin 58 renan machado

izabel campana 53 respeito é bom e eu gosto

editorial 03 curtas 04 Frases 05 gente Fina 06 ensaio Fotográfico 44 Prateleira 54

jussara voss

andrea greca Krueger e Paula abbas 39 o inovismo no mundo mutante

antonio augusto Figueiredo Basto 52 o idiota que queria ser rei

SEÇÕES

44

rubens campana 32 o Paraná de rio Branco

somos todos iguais 57

30

64

luiz geraldo mazza 25 Disco voador em curitiba

isabela França 72 cartas/expediente 78 Pryscila vieira 80

marianna camargo 56 18h25 armando de souza santana junior 60 Dez anos de solidão carlos alberto Pessôa 63 eu, anta de tênis jussara voss 64 Por terras férteis luiz carlos zanoni 66 De volta à Botocúndia almir Feijó 68 a estrelinha renan machado 69 mocinha cocota claudia wasilewski 70 Família margarina ana Figueiredo 71 o olho do furacão

jorge sato

solda 76 alice, essa maravilha


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Editorial Fábio Campana

“O

tempora! O mores!” dizia o velho Cícero em latim, e o professor Aroldo Murá gosta de repeti-lo sempre que se depara com o noticiário de mais um escândalo de corrupção. Coisa corriqueira, quase diária, nestes tempos em que ministro não dura mais do que meses no cargo e logo é apanhado com a boca na botija. Neste ano eleitoral a estrela da política não serão candidatos nem as figuras referenciais da vida brasileira. Será a CPMI que vai investigar as informações obtidas pela Polícia Federal, por meio das operações Vegas e Monte Carlo, sobre um esquema montado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e privados. Cachoeira está preso desde 29 de fevereiro de 2012 acusado de vários crimes, entre eles exploração de jogo de azar, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e contrabando. Além de atuar no ramo de jogos, Cachoeira tem atividades também em outras áreas. Inclusive na construção civil. E nós, jornalistas, que somos obrigados, por dever de ofício, a noticiar todas as falcatruas e suas consequências políticas e policiais não ganhamos nem mesmo adicional de insalubridade. Os absolutamente cínicos e os absolutamente ingênuos estão comemorando mais esta descida do País às cloacas. O ex-presidente Lula fez todo o esforço para que a CPMI saísse do papel e agora venha a ganhar força e espaços na mídia com a divulgação de crimes, corrupção, desvios e mal feitos, como a presidente Dilma Rousseff prefere chamar as falcatruas. O Brasil é assim mesmo. Sempre que há risco de se provocar susto ou indignação no respeitável público, o pessoal capricha no vocabulário. No escândalo que envolve o Poder Judiciário, o pessoal do marketing apressou-se a chamar o roubo de dinheiro público de “operações financeiras atípicas”. Talvez com a nobre intenção de diminuir a apreensão dos brasileiros que olham de longe e sentem extrema repugnância pela política. Mas nem tudo é maracutaia neste vale de lágrimas. Se detestam os políticos e a corrupção, os brasileiros ainda confiam em seus governantes e estão otimistas com o desempenho da economia neste ano da graça de 2012. É o que dizem as pesquisas. Elas também revelam que a presidente Dilma bate recordes de aprovação popular. Mais de 64% dos cidadãos veem seu governo como ótimo ou bom. Nem Lula nem FHC conseguiram este índice no segundo ano de governo. Mas como explicar então que os mesmos cidadãos consultados prefiram Lula como candidato à Presidência da República pelo PT em 2014? 54% preferem o ex-presidente. 32% indicam Dilma. Coisas nossas. Afinal é o mesmo povo que quando consultado diz que a qualidade mais importante para ele quando vai escolher um candidato é a honestidade do tipo. E depois elege todos aqueles políticos que não saem da lista de denunciados por corrupção. O tempora, o mores! Diz o professor Aroldo Murá. maio de 2012 |

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Curtas Cipó de aroeira

DERROTA DE DILMA A dois meses da Rio+20, conferência ambiental que terá o Brasil como vitrine, a Câmara propiciou a Dilma Rousseff uma segunda derrota na votação do Código Florestal. Os deputados preferiram a proposta de código redigida por Paulo Piau (PMDB-MG). Carrega 21 alterações ao texto que o Senado aprovara e que Dilma adorara. Restaura parcialmente os termos de uma proposta que, em votação anterior à dos senadores, a Câmara referendara no ano passado. E Dilma detestara.

BONS VIZINHOS

No pátio Um bom exemplo da confusão que a teia de relacionamentos de Carlinhos Cachoeira está causando é o Paraná. O senador Roberto Requião, do PMDB, quer convocar o ex-deputado Gustavo Fruet, hoje no PDT, partido que apoia o governo, para saber se ele mantém a opinião que manifestou sobre os petistas no caso do Mensalão. Fruet já reuniu os dados para mostrar que Requião, hoje crítico do bicheiro, recebeu-o duas vezes em palácio quando era governador e acumulava o cargo de secretário da Segurança.

MUNDO PEQUENO Pura coincidência? o advogado de cavendish, dono da Delta, é o mesmo que cuida da defesa de josé Dirceu no mensalão. Fernando cavendish, dono da Delta, já escolheu o escritório de advocacia que vai defendêlo nesta fase difícil: é o “oliveira lima, hungria, Dall’acqua & Furrier advogados”, liderado por josé luís de oliveira lima. josé Dirceu já foi “consultor” da Delta. oliveira lima, como se diz nos bastidores, é muito apreciado por figuras públicas porque teria “penetração na mídia”. a defesa de cavendish já o alertou para o risco de que tenha a prisão preventiva decretada sob a justificativa de que, em liberdade, ele pode obstruir a investigação. Por isso, foi orientado a se afastar formalmente da direção da empresa.

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A corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, criticou a demora na liberação de carros apreendidos que estão parados no pátio da Receita Federal em Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná. O local é o maior estacionamento de veículos apreendidos do Brasil, com quase sete mil unidades. “Um magistrado fica preocupado em errar em liberar, então o que é que ele faz? Para não se consumir, não se comprometer, ele não libera nada”, afirmou a ministra, que participou de encontro com corregedores na cidade. O atraso na liberação judicial impede a doação e o leilão.

Documentos uruguaios Diz a colunista Ruth Bolognese que está circulando entre alguns jornalistas bem informados de Curitiba cópias de contas no Banco del Comércio, no Uruguai. As movimentações são de 2010 e com valores variados, na faixa dos R$ 100 mil. Parece um aviso de que algo vem por aí. E com objetivo político-eleitoral. Até outubro, estoura.

não, não é o que você está pensando, nenhum conchavo a mais. acontece que o PsDB alugou uma casa ali na Praça do expedicionário para acomodar sua trupe de campanha na eleição deste ano. Pois não é que no dia seguinte o candidato ratinho jr alugou a casa ao lado para instalar seu comitê de campanha. nunca estiveram tão próximos. Praticamente juntos. o pior é que a rapaziada da visão conspiratória dos dois lados não acredita em coincidências. enxerga espionagem, quer mudança, cada pessoa que entra na casa ao lado é observada. ora, pois, ficou mais emocionante a campanha para os dois lados.

MANOBRA FRUSTRADA

Privilégio

Diz o Luiz Geraldo Mazza que uma das técnicas de Requião é a de atacar os outros naquilo em que está envolvido: no seu primeiro governo, quando acumulava o posto de secretário de Segurança, recebeu em Palácio bicheiros cariocas como o Miro (que tratava de construir um cassino em Foz do Iguaçu), o capitão Guimarães (torturador de 1964) e Castor de Andrade. E o que fez Requião ao saber que a notícia vazara: deflagrou a cruzada em cima de contraventores locais. “A grande festa” em que pela primeira vez a PM em bloco atacou as casas de apostas. Como ele tem antecedentes notórios com Cachoeira em 2003 e 2004 atirou-se contra Beto Richa. No dia 3 de março de 2004 está no Diário Oficial da Assembleia: o líder da oposição, Valdir Rossoni, no requerimento 168, é claro que bloqueado pela situação, quis saber o que o “empresário” Carlos Cachoeira, foi tratar no Palácio Iguaçu. A essa altura já se conhecia a ligação tortuosa com Valdomiro Diniz, homem do Zé Dirceu.

Prefeitos de partidos que compõem a base da presidente Dilma Rousseff (PT) foram os maiores beneficiados no projeto de construção de 107.348 imóveis na segunda etapa do programa federal Minha Casa, Minha Vida em 2.582 cidades do País, com menos de 50 mil habitantes.

Delta da Marta Mantendo providencial distância do rolo da CPI mista do Cachoeira no Congresso, Marta Suplicy recebeu, em 2004, um senhor empurrão da Delta Construção na disputa pela Prefeitura de São Paulo. A empreiteira de Fernando Cavendish doou 415.000 reais ao comitê de campanha do PT na capital paulista. Naquele ano, a Delta distribuiu 1,7 milhão de reais a candidatos e partidos políticos em todo o País.

Metrô Agora vai. A obra está orçada em R$ 2,33 bilhões e além das verbas federais, terá recursos do município, Estado e da iniciativa privada a partir de PPP (Parceria Público Privada) para a operação do sistema. A conclusão do trecho de 14,2 quilômetros da Linha Azul, desde a CIC até a Rua das Flores, é prevista para daqui a quatro anos.


Frases “Eu respeito Fidel Castro. Sabe por quê? Um monte de gente tentou matá-lo nos últimos 60 anos e ele continua lá” ozzie Guillen, técnico do time de beisebol Miami Marlins, em entrevista à revista Time.

“Pensei em espanhol e saiu errado em inglês. Todos no mundo odeiam Fidel, inclusive eu” ozzie Guillen, tentando se justificar após ser suspenso por cinco jogos por dizer bobagem.

“Tenho uma lista das pessoas pelas quais mais sinto atração e Gisele está no topo” Brooklyn Decker, atriz, fazendo uma declaração e tanto para a supermodelo brasileira Gisele Bündchen.

“Não, não tem diferença, nunca vai ter”

“É inconcebível que a mais alta corte tenha membros digladiando quando, afinal de contas, todos estão ali para servir a uma causa, a da Justiça” Carlos velloso, ex-presidente do STF, ao comentar o clima atual da Suprema Corte do País.

Dilma rousseff, sobre as diferenças entre seu governo e o de Lula.

“O Brasil nunca ganhou um ouro olímpico porque nunca joguei”

“O Lula queria tanto a CPI que pode até ser sorteado com um depoimento para explicar o dinheiro do Cachoeira na sua campanha (de 2002)”

Pelé, em um surto de modéstia.

Do deputado rubens Bueno, líder do PPS na Câmara.

“Sempre procurei uma personagem que pudesse me oferecer um trabalho visceral” Camila Pitanga, atriz, ao falar sobre sua personagem no filme “Eu receberia as Piores Notícias de seus lindos lábios”, de Beto Brant.

“Nenhum deputado disse nada, eu fui apresentado e muito aplaudido”

“O MIT não abre campus no exterior” Nota da direção da instituição, desmentindo imediatamente o ministro da Educação Aloísio mercadante, que deu declaração mentirosa.

rafael Greca de macedo sobre o encontro com o diretório estadual do PMDB quando apresentou sua candidatura a prefeito de Curitiba.

“No PMDB mando eu” Senador requião ao contestar deputados que ameaçavam boicotar candidatura a prefeito de Rafael Greca de Macedo.

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Gente fina

N

asceu e cresceu em Curitiba, século XX. Estudou no Colégio Medianeira onde, segundo ele mesmo, obteve notas medíocres. Diz que se os seus mestres tivessem razão o mundo não seria o que é. Acuado pela triste condição de brasileiro resolveu emigrar. Não sem antes dominar as línguas francesa, inglesa e alemã que utiliza diariamente, junto com a portuguesa, na bucólica e pacata Confederação Helvética onde trabalha como médico há vinte anos. Domina igualmente o italiano e o espanhol de fandango. Grande amante da literatura leu tudo o que de importante se escreveu das mais diversas nacionalidades. A pintura, a escultura, o desenho, a aquarela, a música, a fotografia fazem parte de seu interesse. Igualmente sua curiosidade transita pelos carros antigos, charutos, o vasto mundo do whisky, cinema, teatro, a filosofia de bolso, musicais, animais domésticos e selvagens, o sol, as viagens. Entre seus hobbies estão o violão barroco, o tiro com besta, as releituras de Homero e de James Joyce assim como a língua e o cinema do Japão. Homem de muitas palavras e poucos amigos quando em visita a Curitiba peregrina pelas pastelarias da cidade que, segundo ele, são a expressão máxima da culinária curitibana. Entre um gole de whisky e uma fumarada de seu partagaz diz: “cresci a brincar no Mercado Municipal o qual domina minha porta imaginária para o mundo”. Nada mais disse nem lhe foi perguntado.

Luciano Bastos Dias, utopista insatisfeito 8

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Dico Kremer

Dico Kremer


Patrícia Bisoni

O

fotógrafo João Le Senechal deparou-se com a bela Patrícia Bisoni. Não resistiu. Imediatamente passou a fotografá-la, deslumbrado com a elegância da produtora gráfica, de eventos e de cena, que voltou a Curitiba depois do longo tempo que ficou emprestada aos alienígenas de São Paulo e imediações. Resultou um belo ensaio cuja amostra é esse retrato. Le Senechal captou a irradiante felicidade de Patrícia que volta a aquecer a alma dos viventes de Curitiba nesta fria entrada de outono. Uma série de fotografias que vão à exposição ainda neste ano. Pois bem, aí está Patrícia de volta. Competentíssima. Liberta de contratos, só aceita trabalhos como freelancer. Ela pode. Depois de uma bela e bem-sucedida carreira na área, seu trabalho é disputado do Oiapoque ao Chuí. Da Ponta do Seixas à nascente do rio Moa. E aqui ficamos na torcida para que ela não nos deixe mais.

joão le senechal

Fábio Campana

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Gente fina

O sábio Gerson Guelmann

G

erson Guelmann é um fenômeno raro na política paranaense. Foi membro de núcleo do poder durante 12 anos ao lado de Jaime Lerner. Primeiro na prefeitura de Curitiba. Depois, no governo do Paraná durante oito anos. Ao contrário do que sói acontecer com as pessoas que participam das decisões mais importantes de qualquer governo, com grande poder de veto e de aprovação, Gerson saiu mais pobre do que entrou. Não herdou sinecura, não exigiu benesse ou prebenda. Entregou o cargo e foi cuidar de sua vida como cidadão comum, sem privilégios.

dico kremer

Não reclama. Sente-se muito bem a ganhar a vida como bom chef de cozinha árabe no Família Sfiha. Ele que é judeu faz o melhor quibe da cidade. Tarefa que divide com a mulher, Rosane, uma gaúcha que cuida dele e dos negócios para dar ao Gerson mais tempo para cultivar as amizades, que é a grande especialidade desse homem que já foi tudo e de tantas qualidades. Que são muitas, são tantas, todas com o laço da admiração por esse homem exemplar que nos faz rir com suas observações precisas e muitas vezes arrasadoras da fauna que nos cerca.

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Cedo Gerson aprendeu sobre a vida e as provas duras que ela nos impõe. Traz cicatrizes na alma, mas nada abala seu ótimo humor, feito de inteligência privilegiada e refinada capacidade para entender e interpretar a aventura humana. Um sábio. F.C.


Cassiana

O

mestre Wilson Martins sempre dizia ter grande respeito pela opinião de uma pessoa em Curitiba. A de Cassiana Lacerda. E completava:

— Ela tem muito a dizer e, melhor ainda, sabe dizer. Tinha verdadeiro fascínio pela inteligência de Cassiana, que registrou em sua “História da Inteligência Brasileira”. E não escondia a admiração pela capacidade de argumentação da professora de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Paraná.

Toda a carreira de Cassiana Lacerda foi feita na universidade, mas ela nunca se deixou aprisionar pelos cânones da academia. Ao contrário, sempre ajudou a oxigenar a instituição. No período em que foi diretora do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes criou o curso de Design e Turismo. Iniciou os Cursos Livres de Línguas Estrangeiras, origem do Centro de Línguas e Interculturalidade. Ganhou admiração da intelectualidade do País quando publicou a Obra Reunida de Emílio de Menezes. O poeta Carlos Drummond de Andrade revelou-lhe o interesse pelo poeta satírico do Paraná. Inquieta, inovadora, editou a obra Pintores da Paisagem Paranaense que deu acesso à iconografia do Paraná, dos inéditos de Debret e Michaud, entre tantos. Dirigiu a edição fac-similar de revistas raras do Paraná. Quando a vida acadêmica exauriu-se em querelas políticas menores, Cassiana encerrou sua pós-graduação na USP com uma obra que permanece como uma das referências do tema: Decadismo e Simbolismo no Brasil. Que lhe exigiu anos de pesquisas. Passou então a estudar a poesia das ruas, a poesia viva que se fazia nesta área do planeta. Fez o roteiro de um dos primeiros vídeos sobre Paulo Leminski e levou a mostra sobre o poeta

dico kremer

— É uma esgrimista sem adversários por aqui.

para o MASP e o Paço Imperial quando Leminski ainda era visto de modo desconfiado pela crítica paulista, com exceção de Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatary. Publicou vários títulos na Coleção Farol do Saber. (Dario Vellozo, Emiliano Perneta, Silveira Neto, Tasso da Silveira, a tradução da obra de Saint Hilaire sobre o Paraná e Passeio à minha Terra, obra de Salvador José Correia.) Sua experiência avançou em outras linguagens. Organizou a primeira mostra de Poty ilustrador, mostra levada ao MASP. Quando presidiu a comissão dos 300 anos, publicou com Cláudio Seto uma história em quadrinhos. Iniciou os painéis urbanos com a reprodução de trabalhos de Poty na Rua Nestor de Castro e no Setor Histórico. Mas jamais se desprendeu do interesse original que foi a Literatura. Desde os 8 anos, ela conta, quando ouviu do avô materno, grande amante de Camões, “Sete anos de pastor... Vicente Ferreira maio de 2012 |

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Luiz Fernando Pereira

Impeachment de Collor vinte anos esta noite

C

AIU – era a manchete de capa da tiragem extraordinária da Revista Veja. Seis meses antes um convicto Jorge Bornhausen afirmara: “essa CPI não vai dar em nada”. Aquilo aconteceu muito rápido. E tudo ainda está muito vivo em minha memória. O impeachment de Collor completará vinte anos agora em outubro. Como reconhecidamente não tenho - razões várias - condições de produzir o melhor texto sobre a efeméride histórica, antecipo-me aos demais. Assim me resta o discutível mérito da precedência. Na linguagem do Repórter Esso, fui testemunha ocular da história. Em alguma medida participei daquilo. Era estudante de direito e tinha acabado de deixar a Diretoria da União Nacional dos Estudantes quando começaram os protestos estudantis. Desde então não houve mais manifestações públicas relevantes. O protesto saiu de cena. Seria, quem sabe, um pequeno exagero - talvez nem isso - dizer que vi e vivi a última onda de protestos populares da história brasileira (pretensioso?). Ninguém vai mais às ruas para protestar. Não há grandes motivos a comover multidões. Vez ou outra um público mirrado se reúne em torno de temas de discutível apelo. Além disso, a maioria prefere o assim chamado protesto cibernético. No tempo do impeachment do Collor não tinha internet e a motivação política era indiscutível. Havia boas razões para não se gostar de Collor mesmo antes dos escândalos de corrupção. Collor havia derrotado Lula em 1989, em um segundo turno emocionante. Com Lula ficaram os bons candidatos derrotados no primeiro turno: Brizola, Covas, Ulysses, Roberto Freire, Gabeira. Deixo de lado os aspectos ideológicos envolvidos. Quem sabe hoje eu não tivesse a mesma convicção que tinha há vinte anos, mas à época me parecia óbvio que a parte boa da política havia sido derrotada por um político direitista, bobo e irresponsável. E Collor seguiu dando motivos para que não gostássemos dele e de seu governo repleto (nas práticas e nas pessoas) do que havia de pior na

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política brasileira. As denúncias de corrupção apareceram logo no início do governo, mas o impeachment começou a nascer mesmo com a entrevista do irmão Pedro Collor à Revista Veja, em maio de 1992 (Pedro Collor conta tudo, como estava na capa). Dias depois da entrevista estava criada a CPI, protagonizada por um personagem esquisitíssimo chamado PC Farias (o destrambelhado tesoureiro de campanha de Collor). O esquema era grosseiro e de mau gosto. O tal PC Farias (predecessor de Delúbio Soares no ofício) chegou a gastar alguns milhões para reformar os jardins da famosa Casa da Dinda (residência de Collor). O presidente estava ni-

tidamente envolvido em um esquema de arrecadação de dinheiro para garantir sustentação política e, como no caso da reforma dos jardins, propiciar um luxo pessoal de gosto duvidoso. PC Farias bancava os gastos pessoais da família Collor. Houve a famosa prova da compra da Elba usada pela família com um cheque pessoal do tesoureiro. A todos estava muito claro o comprometimento moral do presidente com tudo que havia sido denunciado por seu próprio irmão e depois acabou apurado na CPI do Congresso. Torcíamos o nariz para a tese, mas não há dúvida que o interesse pelos protestos foi aguçado pela minissérie “Anos Rebeldes”, de Gilberto Braga, que a Globo transmitia naquele período e tratava do papel da juventude na ditadura militar. Estavam criadas as condições e os protestos começaram a crescer por todo o Brasil. Surgiram os caras-pintadas, como ficaram conhecidos os estudantes que foram às ruas exigir a saída de

Collor. Discursei numa Rua XV de Novembro lotada. Ao mesmo tempo nós havíamos ocupado o campus da PUC em protesto contra o aumento das mensalidades (um ano depois de eu ter deixado a presidência do DCE). Às vésperas do sete de setembro Collor pede ao povo que saia de verde e amarelo em apoio ao governo. O pedido surtiu o efeito contrário. Saímos da PUC ocupada e fomos, como em todo o Brasil, vestidos de preto ao desfile de sete de setembro. As manifestações de estudantes cresceram e a pressão ficou irresistível. No final de setembro a Câmara autorizava o Senado a abrir o processo de impeachment e Collor era afastado (dois meses depois seria cassado pelo Senado). Foi o happy ending que faltou à geração de 1968. Os caras-pintadas derrubaram o presidente. Já a geração de 1968 perdeu com o endurecimento da ditadura militar. Como perderam também os jovens franceses liderados por Cohn-Bendit. O problema é que faltava à geração vitoriosa de 1992 senso estético tético. Fomos uma geração desintelectualizada. Marcuse? Adorno? O que é isso, perguntariam em 1992. Faria sentido se anunciar lukacsiano ou gramsciano nas manifestações do impeachment? Godard já tinha sido trocado por James Cameron. A geração de 1968 gostava de Ho Chi Minh e se preocupava com Dubcek na Checoslováquia. E a turma de 1992? O impeachment era um fim em si mesmo. Uma manifestação contra o que estava errado segundo o senso comum. Nada além disso. Claro que foi muito interessante tudo aquilo. O exercício do prazer que só a convicção da juventude proporciona. Mas vendo tudo pelo retrovisor, acho que teria sido melhor perder com a juventude de 1968 do que ganhar com os caras-pintadas! Saudosismo? Quem sabe!

Luiz fernAnDo PereirA é advogado.


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eleIçÕes

“os fins justificam os meios” Fábio Campana

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m outros tempos, falava-se muito em casamentos de conveniência. Hoje, quando muito, fala-se na inconveniência do casamento, o que não impede as pessoas de casar cada vez mais. Na política, como no amor, as relações de nossa época tendem a funcionar em regime de alta rotatividade. Os políticos, com honrosas exceções, oscilam entre os casamentos de conveniência e as alianças de circunstância que, mal ou bem, permitem arranjos de forças para tentar abocanhar o poder. É o caso deste casamento de conveniência do PT de Gleisi Hoffmann com Gustavo Fruet, que acaba de acontecer nesta província que ainda sonha com a contemporaneidade do mundo. Pois, pois, o PT nativo entregou-se de vez a uma aliança com o ex-tucano Gustavo Fruet, que durante anos foi um dos algozes de Lula, de seu governo e do próprio PT na Câmara de Deputados. Diga-se, o acordo é com Fruet, não com o PDT. Se o PDT não tivesse Fruet seria chamado apenas como coadjuvante sem importância no jogo político de Curitiba. O que levou o PT a esse conchavo? Nada que tenha a ver com o destino de Curitiba. Desde o final de 2011 o casal de ministros, Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, costura esse entendimento com Fruet. O objetivo é um só: fortalecer a candidatura de Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná em 2014. Tudo o mais é secundário. O pragmatismo de Gleisi e Bernardo, que controlam a maioria no partido em Curitiba e no Paraná, falou mais alto. Ou seja, o fim é tudo. O meio, neste caso Gustavo Fruet, está justificado pelo desejo maior de poder que é o Governo do Estado para o PT em 2014. Está no acordo; Fruet, qualquer que seja o resultado de sua aventura eleitoral deste ano, apoiará a candidatura de Gleisi Hoffmann contra Beto Richa.

a Bolsa de frUeT Gustavo Fruet entra nessa equação como candidato viável para disputar a prefeitura de Curitiba que, como todos sabem, tem um prefeito do PSB, Luciano Ducci, que par14

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ticipa da banda do tucano Beto Richa no papel de fiel escudeiro. O alvo de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo não é Ducci, é o próprio governador Beto Richa de quem pretendem tirar o governo do Paraná em 2014. O PT, segundo as pesquisas de opinião confiáveis ou não, está sem um nome capaz de cumprir a tarefa. O único que teria densidade eleitoral suficiente para tanto seria o de Gleisi Hoffmann, consagrada na última disputa do Senado como a mais votada em Curitiba, mas ela se reserva para 2014 e não pode se desgastar numa disputa de prefeitura neste momento. A solução foi buscar um player em outro time. Fruet fez boa votação para o Senado, quando emergiu como o queridinho de burgueses, burguesotes e os da classe média menos provida de sorte para o sucesso que não engolia nem o déspota Roberto Requião, nem o interiorano Ricardo Barros. Foi o segundo, depois de Gleisi, nos votos da capital. O PT nunca conseguiu penetrar nessa porção do eleitorado curitibano, avesso ao discurso de promessas assistenciais para os humilhados e ofendidos. A própria Gleisi mudou sua aparência, seu penteado e suas ideias para ganhar votos nessa faixa. Teve sucesso. Hoje é aceita apesar do PT, dizem as pesquisas qualitativas que correm nos bastidores do Centro Cívico como diagnósticos indiscutíveis. Mas voltemos a Gustavo Fruet. Para passar de tucano empedernido que agradava seu público com ataques constantes ao sistema articulado pelo governo, teve de mudar de sigla. Não ficaria bem se pulasse diretamente para o antro do PT, que até há pouco qualificava como bando liderado por Lula, que Fruet dizia ser, no mínimo, leniente com a corrupção que grassou em seus governos e produzir escândalos do tamanho da CPI do Mensalão. Ainda não se sabe o quanto essa mudança de poleiro e de discurso vai se refletir na imagem e na popularidade de Fruet. A verdade é que ele não conseguiu até agora expandir-se pelas camadas mais carentes da população, que nas

pesquisas são classificadas como C, D e E e formam a imensa maioria que, em última análise, decidem qualquer eleição. Há um exemplo que pode servir de referência para o estudo desse fenômeno de migração brusca de posição e partido político que representa a negação de ideias, valores e princípios defendidos com tanta veemência para aderir ao oposto, a líderes, ideias, valores e princípios que denegria publicamente. É o caso de Rafael Greca de Macedo, que cresceu sob a sombra de Jaime Lerner e acabou no aprisco de Requião, com quem trocava golpes contundentes. Greca perdeu o eleitorado que acreditava nele quando defendia Lerner e atacava Requião, e não conquistou o eleitorado do PMDB. Boa parcela dos analistas políticos da praça acredita que essa mudança de personalidade política de Fruet poderá custar-lhe a credibilidade e uma porcentagem significativa de votos. E há outro senão a considerar. Uma parte das lideranças do PT que defendia a candidatura própria continua a guerra contra a adesão a Fruet. Considera que esse gesto significa a própria entrega do partido para a direita. Ou seja, o ruído interno contra Fruet vai continuar.

reInCIdenTe Esta não é a primeira vez que Gustavo Fruet troca uma turma da política por outra. Ele era do PMDB, súdito de Requião. Mesmo depois que Requião destruiu a carreira de seu pai, Maurício Fruet, com o método que ele mais sabe usar, o da difamação. Nunca mais Maurício Fruet se reergueu. Ora, pois, Fruet saiu do PMDB por razões mais triviais que a defesa da honra de seu pai. Brigou com Requião porque não lhe deram a legenda para ser candidato a prefeito. Na época, Requião, como sói acontecer, seguiu orientação dos irmãos e dispensou Fruet. Deu-se aquela derrota dos manos de Requião. Fruet saiu como vítima e foi para o PSDB, destino natural dos políticos do PMDB que abandonavam o partido já carcomido pela corrupção e pelos vícios do compadrio e do nepotismo.


divulgação

Da experiência restou-lhe um inimigo que não cansa de atacá-lo. Requião bombardeia Fruet e agora também o PT de Gleisi e Bernardo que o acolheu através do PDT. O mínimo que diz do acordo é que foi espúrio. Há mais, em linguagem chula impublicável. Agora, Fruet abandona o PSDB para compor a frente articulada pelo PT na República e também nestas paragens úmidas do planeta. O condottiere desse processo foi o ministro Paulo Bernardo, mas acima dele estava a ministra Gleisi Hoffmann, que idealizou e orientou o plano. Sem escrúpulos. Para ficar com Fruet, descartou outro aliado com quem tinha compromisso, Ratinho Junior, que a apoiou para o Senado com a promessa de que receberia em troca seu apoio para disputar a prefeitura. Ratinho Junior também apoiou o candidato da frente petista para o governo, Osmar Dias, também albergado no PDT, sigla que tem servido a esse papel desde Jaime Lerner, que passou da Arena e do PDS para a agremiação brizolista. Outro que prometera apoio a Ratinho Junior, do PSC, foi Osmar Dias. Mas, como se vê, preferiu ficar com Fruet pelas conveniências na República. A sigla é outro drama de Fruet. O PDT traz a marca recente de seu cacique maior, Carlos Luppi, o desastrado ministro do Trabalho que foi defenestrado depois de denúncias de corrupção. Hoje, ele aposta suas fichas em Curitiba e na vitória de Fruet para dar musculatura ao PDT e recuperar posições pessoais perdidas. Será um dos condutores da campanha. Chegou

a dizer a alguns amigos que pretende se instalar em Curitiba e aqui construir sua principal base, pois a prefeitura de Curitiba poderá representar sua principal conquista nas eleições de outubro.

Um esforço para ser duplo  Dizem os marqueteiros da praça que o grande desafio de Gustavo Fruet será o de sustentar dupla personalidade política. No centro e nos bairros dos mais abastados, continuará com seu discurso moralista, mas não contra o PT. Um discurso genérico, digamos, para manter a simpatia dos que detestam o festival de corrupção que assola o País. Seu principal foco será a Câmara Municipal de Curitiba e seu presidente João Cláudio Derosso, tucano decaído, sem esquecer ameaças contra a própria prefeitura. Há um esforço para estabelecer um elo entre as relações da Câmara com a imprensa e a prefeitura. Esse será o prato principal de Fruet, pois já não pode falar de quem agredia. Nos bairros periféricos, Fruet espera que se confirme a ideia de que a população tem memória frouxa e já esqueceu das ofensas diárias que fazia a Lula, ao PT e ao governo federal nesses anos todos em que foi tucano. Ali pretende penetrar com a ajuda do discurso petista que promete felicidade iminente com os planos de bolsa família, bolsas variadas, minha casa minha vida e que tais do arsenal populista que ele tanto desprezava. Fruet deverá acentuar sua adesão a um movimento da Igreja Católica que surgiu na Itá-

Fruet espera que se confirme a ideia de que a população tem memória frouxa e já esqueceu das ofensas que fazia a Lula, ao PT e ao governo federal lia logo após a Segunda Guerra Mundial e que prega o trabalho de unidade e comunhão espiritual, independente de culto religioso para expandir os princípios de fraternidade, liberdade e igualdade. O Movimento Focolares, que faz sucesso em algumas faixas da população. Para a economia, o projeto do movimento Focolares prega a “Economia de Comunhão”, que articula “princípios sociais e econômicos, embasados na solidariedade e liberdade, capazes de influir nos graves desequilíbrios econômicos mundiais.” O movimento propõe que as empresas dividam seu lucro, além do reinvestimento orientado para suprir necessidades sociais, como forma de criar uma nova mentalidade aberta à cultura da partilha. Fruet tem como vantagem nesse processo o apoio aberto de meios de comunicação de massa, grandes jornais, TVs, rádios e conta com isso para acentuar sua penetração nas faixas que ainda não o engoliram como candidato a prefeito. Quanto ao PT de Gleisi Hoffmann, não tem pejo em dizer que a aliança com Fruet pende de um objetivo maior que também não esconde, o de que quer conquistar o governo em 2014, início e fim de toda essa manobra. Como explicou um dirigente do PT aos filiados mais renitentes e desconfiados. — O fim justifica o meio. Nosso objetivo final é a Gleisi governadora. O Fruet é o meio, a ferramenta que era usada por tucanos e que agora usaremos nós, do PT, para atingir o que queremos. Mais não disse, porque seria pouco conveniente para explicar esse acordo circunstancial, esse casamento de conveniência. maio de 2012 |

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eleIçÕes

BIG GRECA Fábio Campana FoToS JoÃo LE SEnECHaL

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le voltou. Contra todos os prognósticos e vontades adversas dentro de seu partido, o PMDB, Rafael Greca de Macedo retorna à liça nesta eleição de 2012 como candidato a prefeito de Curitiba, cargo que já foi seu e que deixou com grande aprovação popular. Saiu para concorrer a deputado federal e obteve estrondosa votação de 226.554 votos. Foi o mais votado dos deputados federais do Paraná. Seu currículo é invejável. Rafael foi vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, ministro. Carreira que poucos políticos paranaenses realizaram. Ganhou notoriedade porque, ao contrário da maioria dos políticos nativos, é intelectual de consistente formação que ultrapassa a vocação profissional. Engenheiro, não é técnico. Muito menos tecnocrata. Rafael é múltiplo, quase enciclopédico. Economista, escritor, poeta, pesquisador de história, urbanista. Membro da Academia Paranaense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Sua melhor arma é o florete. Sabe esgrimir como ninguém

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num debate público. Mais ainda se o público for grande. Adora uma plateia. Seus adversários detestam tê-lo como desafiante. Rafael Greca se destacou pela rapidez de raciocínio, presença de espírito, capacidade de dar respostas imediatas a qualquer provocação e em qualquer circunstância. E quando parte para o ataque pode aplicar golpes surpreendentes e mortais. Suas fragilidades? A maior delas tem a ver com a migração que fez de um grupo político liderado por Jaime Lerner, com quem começou sua carreira, para o time de Roberto Requião, o arquirrival de Lerner e por muito tempo algoz do próprio Greca. Não que os políticos brasileiros sejam fiéis aos seus partidos e aos seus líderes, mas no caso de Greca houve uma ruptura traumática agravada pela adesão considerada impossível. Troca não assimilada pela maioria dos eleitores de Curitiba. Perdeu prestígio entre os eleitores antigos que detestam Requião e não ganhou votos entre os eleitores novos que sempre o viram como figura emblemática da banda de Jaime Lerner, o odiado por nove em cada dez dos seguidores de Requião.


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Algo é certo, Rafael Greca de Macedo deve mudar o tom monótono e modorrento do debate eleitoral Outra. Tropeçou no Ministério do Turismo e Esporte. Boas ideias mal executadas empanaram seu brilho. Rafael não dominava o jogo político na República e perdeu-se nas contradições internas do governo FHC. Contrariou interesses estabelecidos e outros que pretendiam se estabelecer com as novas regras da exploração do jogo, do bingo. Trombou e passou pela fritura em fogo lento através da mídia estimulada pelos adversários. Esse processo culminou nos festejos dos 500 anos do descobrimento. A ideia da reprodução da nau capitânea de Pedro Álvares Cabral para cruzar o Atlântico e repetir a chegada em Porto Seguro foi um desastre. Felliniano. O projeto de Greca foi entregue a um almirante da gloriosa Marinha Brasileira. A nau simplesmente não navegou. Virou chacota. É claro que se esqueceram do almirante e sua engenharia naval. A pecha de desastrado construtor de naus ficou para Greca. Seus inimigos adoram repetir a história e a imagem de decepção das figuras gradas que em Porto Seguro aguardavam a travessia enquanto uma grande manifestação de índios pataxós uivava pela posse da terra. Manifestação, diga-se, organizada por outro paranaense, então presidente da Funai e requianista adversário político de Greca. Também não lembram da boa comemoração dos 300 anos de Curitiba, com o tenor Jose Carreras na Ópera de Arame. Nem da passagem de grandes escritores pela cidade, entre eles Vargas Llosa, que escreveu crônica definitiva sobre Greca, a cidade e especialmente sobre a Ópera de Arame. A malfadada passagem pelo ministério de FHC não lhe cortou a veia criativa. Greca tem ideias, muitas ideias. E pretende despejá-las nesta campanha eleitoral sobre os seus adversários que, acredita, são faltos de criatividade e seguem padrões ancorados na década de 70 do século passado ou em soluções prontas que são adotadas sem nenhum questionamento. É o caso do metrô.

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Rafael Greca apresenta uma alternativa que ele diz ser mais econômica e de menor impacto socioambiental para melhorar a mobilidade urbana em Curitiba. Ele defende a instalação do sistema de monotrilho, em substituição ao projeto do metrô convencional, programado para os próximos anos para a capital paranaense. Greca citou o projeto do monotrilho aprovado para a construção na Linha 2 do metrô de São Paulo que, segundo ele, trará economia aos cofres públicos e muito mais funcionalidade para o transporte coletivo curitibano. E não lhe faltam críticas ácidas aos projetos realizados pela prefeitura nas últimas gestões de Beto Richa e Luciano Ducci. Um exemplo? Diz Greca que a Linha Verde é a “rua mais cara do mundo”, com um custo estimado em R$ 380 milhões. Cada quilômetro pavimentado (20 km previstos no projeto inicial), de acordo com o peemedebista, tem o custo de R$ 19 milhões

para os cofres do município. — A prefeitura, na gestão de Richa e de Ducci, consumiu todos os recursos programados para a Linha Verde, a ponto de o prefeito Luciano Ducci, viajar para Brasília, para pedir mais recursos de empréstimos federais para o senador Roberto Requião, frisou Greca com o tom irônico que costuma usar. Ele insiste ainda que dos 20 quilômetros prometidos de pista, apenas nove quilômetros foram pavimentados. E, segundo ele, ainda faltam 15 trincheiras para serem construídas, conforme o projeto original. É com propostas e questionamentos como esses que Rafael pretende enfrentar os adversários na campanha eleitoral para voltar ao cargo que o consagrou. É candidato a prefeito de Curitiba pelo PMDB com ideias novas, diferentes, como a criação de uma “cidade em rede”. Em qualquer outro candidato estas ideias soariam esta-


pafúrdias. Em Rafael suscitam curiosidade. Algo é certo, Rafael Greca de Macedo deve mudar o tom monótono e modorrento do debate eleitoral. Para tanto ele enfrenta antes de se submeter às urnas um obstáculo que não de somenos. Há uma corrente significativa de políticos do PMDB que não querem a sua candidatura e que defendem a aliança imediata com o prefeito Luciano Ducci que tenta a reeleição. Seus adversários internos argumentam que Greca não tem chances mínimas de disputar o cargo e participará da campanha como mero coadjuvante, o que pode representar grandes prejuízos políticos para o partido. A começar pela chapa de vereadores. Dizem os deputados que discordam de Greca que ele afasta os candidatos mais competitivos, que não se animam a lutar com a legenda submetida a um candidato que aparece nas pesquisas com um índice de intenções de voto que não passa dos 10% e com uma rejeição que ultrapassa os 40%. Greca responde que tem a seu favor o apoio do senador Roberto Requião e sua trupe. Para ele o suficiente para enfrentar o desafio e chegar ao segundo turno. Não sabe contra quem, mas tem convicção de que vai para a segunda rodada e aí, diz ele “a eleição é outra, em condições de igualdade de tempo de rádio e TV e de apoios”. Para combatê-los, Greca cunhou um apodo para os desafetos quando estes emitiram nota contra a sua candidatura. — A nota é apócrifa. Talvez tenha caligrafia palaciana. O único personagem citado, “sujeito não oculto” Sérgio Ricci está conosco. Desmentiu pessoalmente a nota no Diretório Municipal do PMDB de Curitiba. Os “contra Greca” são um mero Bando dos 4 Vendilhões. E continuou a afirmar que seus inimigos são os mesmos 4 que não votaram no ex-governador Requião e no ex-prefeito Greca na convenção municipal de 17 de julho de 2011, vencida por 699 votos contra 4 nulos e 8 brancos, na presença do senador Requião, do deputado estadual Waldyr Pugliesi, presidente estadual do PMDB. Greca invoca também o apoio dos dirigentes nacionais do PMDB. O vice-presidente da República, Michel Temer, senador Valdir Raupp, presidente nacional do PMDB, e Eliseu Padilha, presidente da Fundação Ulysses Guimarães, já declararam seu apoio a ele. Mas Greca é inteligente o suficiente para saber que quem decide na verdade é Requião, apenas o senador, que controla o rumo do diretório e submete os deputados à sua vontade. Requião, assediado por Luciano Ducci, que quer porque quer o apoio do PMDB, seu tempo e sua estrutura, recebeu do cacique nativo a sugestão de que fale com o próprio Greca, uma maneira de dizer que não há chances de entendimento, pois Greca repete sem cessar que é candidato e não abre mão.

GreCa por varGas llosa o escritor peruano mario vargas llosa, quando passou por curitiba, conheceu a cidade tendo rafael greca como anfitrião. Ficou encantado com as inovações dos Faróis do saber, do sistema de transporte coletivo, da estação-tubo e especialmente da ópera de arame. mais tarde escreveu uma crônica sobre curitiba e greca da qual se reproduz um trecho a seguir:

“Fue rafael Greca de macedo quien, emulado por los logros de su predecessor, se há lanzado a construir unas bibliotecas para niños em forma de empinados faros, multicolores Y vertiginosas (para quien sufre de mal de altura). Él me assegura que han sido diseñadas tomando como inspiración a la primeira biblioteca de alejandria, y yo lo creo. Por que no le creería, después de haber visto com mis próprios ojos que era cierto que Curitiba tiene uma Ópera construída no com marmól ni fierro ni concreto sino com alambre?” mario vargas llosa, prêmio nobel de literatura

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polÍTICa

ABRIRAM AS E

m 2011, as denúncias de corrupção no governo Dilma Rousseff derrubaram seis ministros e com eles secretários, diretores de estatais e mais a arraia miúda dos acompanhantes. Foi isso que deu o tom ao primeiro ano de seu governo. Ela esperava que o segundo fosse mais simples e dedicado a uma pauta positiva de realizações. Qual o quê. O ano corre agora sob a égide da CPI do Cachoeira, que deve investigar as relações do empresário Carlinhos Cachoeira com políticos do alto e do baixo cleros, governantes de todos os níveis, empresários, assessores e assemelhados. A lama escorre em todo o País. A Delta, empreiteira ligada ao esquema de Carlinhos Cachoeira, para dar um dos exemplos de sua poderosa organização, tem obras em todos os cantos, especialmente as do DNIT. Inclusive no Paraná, onde leva 25% de todas as verbas destinadas à infraestrutura. Aqui, na terrinha, Cachoeira fez estremecer figuras referenciais da política nativa. Requião deverá explicar suas intimidades com o homem, que também e principalmente mexe com o jogo e outras ilicitudes. Recebeu-o duas vezes no Palácio Iguaçu. A empresa de Cachoeira manteve contrato com a Lotopar, hoje extinta, por 16 meses. A verdade é que o Paraná tem sido palco de devassas importantes nos legislativos principais. Primeiro foi a Assembleia. Caiu toda a velha estrutura que comandou a Casa durante décadas. Seu ex-diretorgeral, Abib Miguel, o Bibinho, está preso desde 6 de março. Segundo o Ministério Público, Abib Miguel atrapalhava as investigações. Passados os eventos da Assembleia, a chapa agora aquece na Câmara de Vereadores de Curitiba. Há dois meses o seu ex-presidente João Cláudio Derosso é denunciado diariamente na mídia e fustigado pelos adversários. O velho sistema de funcionamento da Câmara, que vem desde o século XIX, desaba sobre a sua cabeça. É o preço a ser pago por quem pretendia disputar a posição de vice na chapa do prefeito Luciano Ducci, do PPS, que tenta a reeleição com o apoio do PSDB. Mas como todos sabem, qualquer investigação no parlamento pode mudar seu rumo e atingir quem a propôs. Muito comum que as vestais sejam atingidas uma hora ou outra. É o caso do senador Demóstenes Torres, ex-DEM, hoje sem partido, maior moralista do Senado. Dia sim, dia não, lascava um discurso contra as mazelas do governo e de seu consórcio de partidos que lhe dá apoio, especialmente o PT e o PMDB. Hoje é o homem mais execrado da República. Por aqui também sucedem esses fenômenos. Na Câmara de Vereadores, quem mais verberava contra o ex-presidente João Cláudio Derosso era o dublê de vereador e radialista Algaci Túlio. Homem experiente, conduziu os programas de caráter popularesco na rádio

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CAIXAS PRETAS

CAIXAS PRETAS e na TV Educativa na época de Requião no governo. Pois, pois, acabou caindo em sua própria arapuca. O vereador Algaci Túlio (PMDB) foi o mais rumoroso parlamentar a denunciar irregularidades na Câmara Municipal de Curitiba. Túlio foi também o primeiro implicado nas investigações da reportagem da RPC/Gazeta do Povo sobre o uso de notas frias para receber verbas de publicidade da Câmara. Túlio, que tem um programa de rádio, admitiu que recebia verbas de publicidade da Câmara lançando mão de notas frias. “A gente comprova nota (fiscal fria). Muitos que não têm empresa compram nota de uma empresa de publicidade. É uma barbaridade isso na verdade”, disse Algaci. O vereador usou, para condenar o ilícito do qual participava lesando a Câmara, o mesmo tom indignado que costumar lançar mão em seus programas de rádio para escrachar os bandidos. Só faltou o clássico bordão: “É profundamente lamentável”. Para um político que ganhou a vida como radialista policial especializado em condenar meliantes, a vida de Túlio é, curiosamente, marcada por episódios “profundamente lamentáveis”. Em 2006 foi condenado a 7 anos e cinco meses de prisão por se beneficiar de empréstimos irregulares junto ao antigo Banestado. O tombo no Banestado foi de R$ 2,3 milhões em valores atualizados. Para lesar o banco Túlio se valeu da influência de um sobrinho que colocou em uma diretoria do Banestado usando sua influência política. Quando foi deputado estadual, entre 2001 e 2004, Túlio teve seu nome envolvido nas investigações da Operação Gafanhoto, uma operação da Polícia Federal, para investigar desvio de dinheiro da Assembleia Legislativa. Como deputado-gafanhoto Túlio foi acusado de depositar o salário de diversos servidores do seu gabinete em uma única conta bancária. Só uma pequena parte desses salários efetivamente chegava aos servidores. A maior parte voltava para o bolso de Túlio. Parte do dinheiro da Assembleia, depositado na conta comum, era integralmente embolsado pelo deputado-gafanhoto porque não pertencia a funcionários, mas a laranjas que, muitas vezes, sequer sabiam que constavam da folha de pagamento da Assembleia. Algaci só não foi condenado por participação nesse esquema porque manobras jurídicas estão retardando a tramitação do processo. Como se vê, ninguém da política está livre de uma situação dessas se pego com a boca na botija. Assim caminha a humanidade nestas paragens chuvosas do planeta. Nas páginas seguintes, Ideias expõe a situação da República depois de aberta a CPMI do Cachoeira, assunto de todas as rodas e que poderá influenciar os destinos da vida política e das próximas eleições municipais de outubro. Vamos a elas, as caixas pretas começam a ser abertas. maio de 2012 |

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Se depender dos três paranaenses da oposição na CPMI, Alvaro Dias, Rubens Bueno e Fernando Francischini, virão revelações bombásticas por aí.

O

deputado Virgílio Guimarães ironizou a decisão do governo Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula de apoiar a criação da CPMI para investigar as relações entre o empresário Carlinhos Cachoeira e os governantes, políticos e empresários do País:

— Vai ser a CPI do fim do mundo parte dois, disse ele. O paranaense André Vargas, do PT, retrucou: — Depois da CPI do fim do mundo (a do mensalão) vamos criar agora a CPI do fim do submundo. Pode estar coberto de razão. Ensina José Sarney, o mais experiente político brasileiro vivo, que uma CPI todos sabem como começa, ninguém sabe como termina. Exemplo recente: a CPI dos Correios, instalada para investigar uma denúncia gravada em vídeo de um diretor a receber propina se transformou na CPI do Mensalão. Derrubou ministros, deputados, manchou a imagem de políticos graúdos e do baixo clero. Até hoje ela repercute na vida política do País e constrange todos os petistas. Ninguém esquece o destino de José Dirceu, Antonio Palocci, Roberto Jefferson, Delúbio Soares, Serginho Land Rover e Cia. Hoje,

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o esforço dessa banda é postergar ao máximo o julgamento dos processos que estão no STF. Manobra para conquistar a impunidade pela prescrição e levar o julgamento para depois das eleições deste ano. Se depender dos paranaenses de oposição ao lulalismo e ao governo Dilma Rousseff, esta CPI do Cachoeira irá mais longe que a do Mensalão. O senador Alvaro Dias, líder do PSDB, e os deputados federais Rubens Bueno, do PPS, e Fernando Francischini, do PSDB, foram escalados e têm esperanças de levar as investigações aos territórios mais obscuros da República. Há razões que alimentam esse otimismo nesses três mosqueteiros da oposição. O primeiro é que os três são de briga e estão com grande disposição para a tarefa. Embora a representação da oposição seja bem menor, eles sabem que uma boa investigação não poderá ser acobertada pela maioria governista. Com um agravante para o time de Lula. Quando José Sarney reuniu o primeiro time governista do Senado para avaliar a conveniência da CPI mista do Cachoeira, foram poucos os líderes que apoiaram a iniciativa. Diante da inevitável instalação da investigação, os mesmos líderes contrários à comissão resolveram então que iriam ocupar os cargos para evitar imprevistos.

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A CPMI do fim do submundo


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Uma vasTa CpmI Há outra vantagem que a oposição não deixará de lado. Esta CPMI do Cachoeira é abrangente, amplia o campo das investigações e começa com um arsenal de provas levantado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público que já fez vítimas. Entre elas o senador Demóstenes Torres, ex-DEM, hoje sem partido, flagrado em escutas telefônicas com o próprio Carlinhos Cachoeira a tratar de interesses nada republicanos do empresário, que vão da exploração ilícita do jogo à construção de obras públicas com a empreiteira Delta, recordista de vitórias em licitações em todo o País, especialmente quando as obras são do DNIT. O cenário não poderia ser pior para Agnelo Queiroz, do PT, que governa o Distrito Federal, para o tucano Marconi Perillo, que governa Goiás, e para Sérgio Cabral, o governador do Rio. Os três têm relações muito próximas com Cachoeira e muitas obras em construção pela Delta, a empreiteira que financiou campanhas eleitorais de políticos que gostam de posar como vestais, do tipo Marta Suplicy. Na mira dos parlamentares, o trio não terá escudeiros de peso para defendê-lo de uma eventual convocação. A prisão de um ex-diretor da Delta e de um vereador no dia 25 de abril provocou frouxos intestinais em pequenos e grandes poderosos do Oiapoque ao Chuí. A verdade é que para devassar todas as catacumbas do bando do Cachoeira um dos fios da meada é a Delta. Há até quem queira uma subcomissão só para investigar essa empresa e suas ramificações. Sem controle, a CPMI do Cachoeira começa bem. Segredos antigos emergem e colocam políticos que gostam de fazer o discurso do moralismo chinfrim em saia justa. É o caso do ex-governador Roberto Requião. Ele teve um choque quando soube da prisão de Carlinhos Cachoeira. Acontece que ele recebeu Cachoeira por duas vezes no Palácio Iguaçu quando era governador. O deputado Valdir Rossoni chegou a encaminhar um pedido de informações questionando a presença dessa figura no Palácio do governo do Paraná. Não teve resposta na época. Para tentar se desvencilhar do pejo que é responder sobre sua intimidade com Cachoeira, Requião usou de um método conhecido. Uma das técnicas de Requião é a de atacar os outros naquilo em que está envolvido: no seu primeiro governo, quando acumulava o posto de secretário de Segurança, recebeu em Palácio bicheiros cariocas como o Miro (que tratava de construir um cassino em Foz do Iguaçu), o capitão Guimarães (torturador de 1964) e Castor de Andrade. E o que fez Requião ao saber que a notícia vazara: deflagrou a cruzada em cima de contraventores locais. “A grande festa” em que pela primeira vez a PM em bloco atacou as casas de apostas. Como ele tem antecedentes notórios com Cachoeira em 2003 e 2004 atirou-se contra Beto Richa. No dia 3 de março de 2004 está no Diário Oficial da Assembleia: o líder da oposição, Valdir Rossoni, no requerimento 168, é claro que bloqueado pela situação, quis saber o que o “empresário” Carlos Cachoeira, foi tratar no Palácio Iguaçu. A essa altura já se conhecia a ligação tortuosa com Valdomiro Diniz, homem do Zé Dirceu. Pois agora o deputado Fernando Francischini quer convocar Requião para responder às perguntas que Rossoni lhe fez na época em

a cPi Do cachoeira irá mais longe que a Do mensalão. os Paranaenses escalaDos têm esPeranças De levar as investigações aos territórios mais oBscuros Da rePúBlica.

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Mas entre essa decisão e o anúncio da relação de indicados pela CPI, algo misterioso aconteceu no Congresso: os caciques da situação deram para trás e resolveram não botar a cara na CPI. Consequência: senadores desconhecidos, de primeira viagem e até suplentes são maioria na comissão. Já na oposição figuram os líderes e os mais preparados.

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o ex-governaDor roBerto requião teve um choque quanDo souBe Da Prisão De carlinhos cachoeira. acontece que ele receBeu cachoeira Por Duas vezes no Palácio iguaçu quanDo era governaDor. plena CPI. O senador esbraveja e se volta contra a mídia, como se esta fosse culpada pelos seus atos. Ele e o deputado Protógenes Queiroz, do PC do B, outro que corre riscos nessa CPI, trocam afagos no twitter e se propõem a unir forças contra a “mídia canalha”. Curiosamente, tanto Protógenes quanto Requião tem enroscos com Cachoeira. Requião, além de receber o bicheiro no Palácio Iguaçu, manteve o contrato da Larami, empresa do contraventor, para administrar os jogos da Lotopar (loteria do Estado do Paraná) por 16 meses.

oUvIr envolvIdos Assim caminha a humanidade. A CPI nem começou e a sujeira começa a aflorar. Vejam o caso da senadora Marta Suplicy, do PT de São Paulo. Mantém providencial distância do rolo da CPI mista porque recebeu, em 2004, um senhor empurrão da Delta Construção na disputa pela Prefeitura de São Paulo. A empreiteira de Fernando Cavendish doou 415.000 reais ao comitê de campanha do PT na capital paulista. Naquele ano, a Delta distribuiu 1,7 milhão de reais a candidatos e partidos políticos em todo o País. 24

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Parece que Lula não conseguirá controlar essa massa de denúncias e provas contra os seus seguidores. É o que diz o deputado federal Rubens Bueno, líder do PPS na Câmara. — O Lula queria tanto a CPI que pode até ser sorteado com um depoimento para explicar o dinheiro do Cachoeira na sua campanha (de 2002). O relator indicado pelo PT, deputado Odair Cunha, reconhece que não será possível controlar os alvos da investigação que será realizada pela comissão. Com essa preocupação ele quer encaminhar a CPI a partir da análise do resultado das investigações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. O senador Alvaro Dias percebeu a manobra. Disse que não é por aí. É essencial ouvir o que tem a dizer figuras como Fernando Cavendish, porque as coisas vão muito além de Goiás e do Distrito Federal. A CPI do Cachoeira abrange as maracutaias protagonizadas por esse sócio da empresa que ganhou bilhões na construção do Brasil. Maravilha de cartório. Para devassar por inteiro a rede de catacumbas do esquema Cachoeira, é necessária a investigação de todos os negócios da Delta. Inclusive no Paraná. A empresa, agora estrela do escândalo da hora, tem um quarto dos contratos do DNIT no Estado. Vejam bem, 25% de todos os recursos DNIT enviados ao Paraná ficaram com a Delta, que tem padrinhos fortes, certamente também entre políticos paranaenses. A suspeita de Alvaro Dias é a de que esse volume de obras para essa empreiteira que nada tem a ver com o Paraná tenha resultado em benefícios extras e diretos para políticos ligados ao governo federal. Ou seja, pode ter muita propina nessa história. Para que se tenha uma ideia, a Delta vai receber 115 milhões de reais pela execução de melhorias em uma rodovia administrada pelo DNIT – Ministério dos Transportes, na região Oeste do Paraná. Trata-se da BR-163, entre Marechal Cândido Rondon e Guaíra. O superfaturamento é monumental, diz o senador. Há suspeita de superfaturamento também em outras obras da empresa no Paraná. Quem vai proteger os corrompidos no Paraná? Até agora Lula só se preocupou com os seus. “Como está o Serginho?”, quis saber de um amigo comum na semana passada. Serginho é Sérgio Cabral, compadre, amigo do peito e parceiro de Cavendish em aventuras bilionárias. Se já não está, logo estará muito mal no retrato. Lula acha que os leais prontuários infiltrados na CPI manterão as investigações sob controle. Vai descobrir outra vez que pode muito, mas não pode tudo. A CPI acabará tropeçando nos incontáveis corruptos de bom tamanho espalhados pelo caminho. Um dos mais graúdos enriqueceu como consultor no trecho que passa por Belo Horizonte.

vaI soBrar para Todos Lula quer atingir seus adversários e do PT mas quer salvaguardar sua tropa, para não repetir o desastre do mensalão. No sermão que aplicou aos companheiros disse a seus discípulos que, sem união, nenhum bando escapa de perdas dolorosas. Explicou que Antonio Palocci, por exemplo, perdeu o posto na Casa Civil não pelo que fez, mas pelo que o rebanho deixou de fazer. Foi despejado não por excesso de culpa, mas por falta de braços solidários. Para ilustrar a tese, Lula evoca mais uma vez o escândalo do mensalão – sem mencionar a expressão banida do vocabulário do bordel das antigas vestais. “Eu sei, o Zé Dirceu sabe, o João Paulo sabe, o Ricardo Berzoini sabe, que um dos nossos problemas em 2005 era a desconfiança entre nós, dentro da nossa bancada”, disse. “A crise de 2005 começou com uma acusação no Correio, de três mil reais, o cara envolvido era do PTB, quem presidia o Correio era o PMDB e eles transformaram a CPI dos Correios, para apurar isso,


CAIXAS PRETAS

deComposIçÃo moral Para o senador Alvaro Dias, ao longo de oito anos, enquanto cuidava de transformar a ignorância em virtude, Lula acelerou a decomposição moral do País. “O Brasil deste começo de século lembra um grande clube dos cafajestes sustentado por multidões de sobreviventes para os quais a vida consiste em não morrer de fome. Essa sim é a herança maldita”, diz. Se não fosse portador da síndrome de Deus, Lula saberia que ninguém tem poderes suficientes para revogar os fatos e decretar a inexistência do mensalão, como querem e uivam os petistas de plantão. Como Lula é o que é, continua convencido de que livrará do merecidíssimo castigo os seguidores de estimação. Neste outono, para perseguir inimigos e, simultaneamente, dispersar os holofotes concentrados no processo à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal, ordenou ao rebanho que apressasse a instauração da CPI do Cachoeira. Má ideia. As escavações mal começaram e a Delta Construção, a empreiteira que mais lucrou com as licitações bandalhas do PAC, vai assumindo o papel principal na ópera dos ladrões. E pode vir mais por aí. O senador Alvaro Dias acredita que as redes sociais podem fazer a diferença durante os trabalhos da CPI do Cachoeira. — A divulgação dos fatos, denúncias, informações, debate, transparência maior. O mal à luz para ser reconhecido, combatido, denunciado, julgado e condenado! Quem sabe! Ele acredita que é dever dos parlamentares convocar a sociedade, por meio da imprensa e das mídias sociais, para colaborar com as investigações da CPMI do Cachoeira. — A sociedade pode exercer pressão para uma investigação séria, que desvende a rede de Carlos Cachoeira. Devemos dar um voto de confiança aos governistas que comandam a CPMI e aguardar os primeiros movimentos. Se houver percepção de que é uma farsa, devemos denunciar, diz ele. De 2007 a 2012 foram empenhados a favor da Delta mais de R$ 4,1 bilhões, sendo que 90% via DNIT. São números oficiais obtidos em pesquisa do meu gabinete junto ao SIAF. Nos últimos anos a empresa estendeu seus tentáculos, alcançando Estados e municípios. Qual o

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numa CPI contra o PT, contra o Zé Dirceu e contra outros companheiros. Por quê? Porque a gente tava desunido.” Omitiu o essencial. Foi ele quem entregou o controle dos Correios ao condomínio formado pelo PMDB e pelo PTB. O funcionário filmado embolsando propinas era afilhado do deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, que merecera do amigo presidente “um cheque em branco”. O desconfiado da história foi Jefferson, que resolveu afundar atirando ao descobrir que o Planalto não o livraria do naufrágio. Ao contar o que sabia, desmatou a trilha que levaria ao pântano do mensalão. Não podemos errar de novo, adverte Lula. Para tanto, é preciso preservar a coesão do PT e da base alugada recorrendo à receita caseira: “A gente se reúne, tranca a porta e se atraca lá dentro”, prescreveu. Encerrada a briga de foice, unifica-se o discurso em favor dos que estão em perigo. “Eu tô de saco cheio de ver companheiro acusado, humilhado, e depois não se provar nada”, caprichou na indignação. Aos olhos do País que presta, gente como o mensaleiro José Dirceu, a quadrilheira Erenice Guerra ou o estuprador de sigilo bancário Antonio Palocci têm de prestar contas à Justiça. Para Lula, todos só prestaram relevantes serviços à pátria. A lealdade ao chefe purifica. “Os adversários não brincam em serviço”, fantasiou. “Toda vez que o PT se fortalece, eles saem achincalhando o partido.”

segunDo o DePutaDo FeDeral ruBens Bueno, líDer Do PPs na cÂmara, “o lula queria tanto a cPi que PoDe até ser sorteaDo com um DePoimento Para exPlicar o Dinheiro Do cachoeira na sua camPanha (De 2002).” segredo desse poder de influência? Quem mergulhou nessa cachoeira de corrupção, exercendo o tráfico de influência, superfaturando obras, pagando e recebendo propina? O País espera que a CPMI consiga revelar as promíscuas conexões da Delta/Cachoeira como missão prioritária do Parlamento. Alvaro Dias vai mais longe. — Espero, com esta CPMI, a oportunidade de fazer uma investigação profunda e promover a responsabilização civil e criminal dos envolvidos, disse. Alvaro Dias disse ainda esperar que os adversários políticos “não ajam de má-fé”, usando a CPI como instrumento político. Para o tucano, as investigações sobre o caso Cachoeira podem levar a uma “limpeza da política”. — O Congresso tem uma grande oportunidade de reconquistar muito o que perdeu em matéria de credibilidade. Se esta CPI for séria, for para valer, não constituir uma farsa, podemos contribuir para iniciarmos uma limpeza na política do País, nas instituições públicas brasileiras, afirmou. maio de 2012 |

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polÍTICa

novo chefe

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eto Richa optou por uma solução técnica. A Casa Civil, que tradicionalmente fica em mãos de políticos ou dos chamados operadores políticos, será ocupada por um técnico que pertence ao grupo mais restrito da absoluta confiança do governador. Luiz Eduardo Sebastiani é o nome. Acompanha Beto Richa há muito tempo. Foi o seu secretário da Fazenda na Prefeitura de Curitiba durante oito anos. No Governo do Estado era o secretário de Administração. Não que faltem a Sebastiani conhecimentos da política. Foi criado num ambiente em que a política é o próprio cotidiano. Seu pai, o jornalista e dirigente político Sílvio Sebastiani, é uma referência na vida paranaense, pois participou de todos os eventos ligados ao poder desde a década de 40 do século passado. Hoje, escreve suas memórias, que são aguardadas com grande expectativa, pois apenas ele seria capaz de recuperar fatos e gestos que marcaram a vida

do Paraná. Luiz Eduardo Sebastiani não quis uma carreira política. É um intelectual dedicado ao estudo da presença do Estado na vida social. Um crítico do patrimonialismo e, por consequência, das relações pouco nítidas entre o público e as necessidades eleitorais, entre o público e o privado, enfim, das deformações que as relações entre poder e administração pública produzem em nosso incipiente regime republicano. O próprio Richa explicou que a escolha seguiu critérios técnicos e de qualificação. O governador destacou que Sebastiani realizou um excelente trabalho para melhorar as finanças de Curitiba.

— Ele tem as características necessárias para assumir a Casa Civil, que exige domínio técnico e maleabilidade política. O conheço há bastante tempo e tenho muita confiança no seu trabalho, disse Richa. O novo chefe da Casa Civil é economista graduado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele é servidor público estadual do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes) desde 1981. Jorge Sebastião de Bem, atual diretor geral, assumirá interinamente o cargo de secretário de Estado da Administração e Previdência. — Sebastiani é uma dessas “quase unanimidades” a favor. Não há mácula em seu currículo. Todos elogiam seu desempenho e sua capacidade de administrar crises, lembra Deonilson Roldo, o secretário chefe de gabinete que constou da lista de possíveis ocupantes da Casa Civil. Na linha da formação de um governo de perfil técnico e qualificado, Beto Richa preferiu deixar Deonilson onde está por considerá-lo imprescindível ao seu lado.

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no lugar de sebastiani na secretaria da administração ficará outro técnico, muito bem identificado com o método e o estilo adotados na secretaria da administração e Previdência até agora. ele foi diretor geral na gestão de sebastiani e os dois têm ótima sintonia. jorge sebastião de Bem é catarinense, nasceu em laguna, em 1950, mas toda a sua formação foi feita no Paraná. graduou-se em ciências sociais na universidade Federal do Paraná em 1976. trabalha no ipardes desde 1977, com vários estudos publicados sobre a área agrícola, destacandose a avaliação do setor cooperativo e agropecuário, diagnósticos setoriais. nos últimos anos seu interesse migrou para a competitividade da produção e a tributação.

dUrval, a CamInho do TC quem deixa a casa civil é o deputado estadual Durval amaral, que há anos articula a sua indicação para conselheiro do tribunal de contas. agora chegou a sua vez. Durval sempre teve como favas contadas sua indicação pela assembleia legislativa. a quase totalidade dos deputados comprometeu-se com a sua candidatura. ainda mais depois de ter passado pela casa civil nesse início de governo de Beto richa. o governador elogiou o trabalho executado pelo atual secretário-chefe da casa civil, deputado estadual Durval amaral. “todos reconhecem a competência do Durval, que é um político capacitado e ajudou bastante o nosso governo”, disse. segundo o governador, o secretário da pasta deve ter um bom trânsito com a assembleia legislativa e trabalhar de maneira integrada com as demais áreas do executivo. Divulgação

JorGe de Bem na admInIsTraçÃo


Luiz Geraldo Mazza

disco voador em Curitiba

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uito antes de o Élcio Berti, saudoso prefeito de Bocaiúva do Sul, imaginar um ovniporto na entrada da cidade tivemos, lá pelos anos cinquenta, o caso de um disco voador sobrevoando Curitiba. Na verdade uma artimanha do gozador e poeta Fernando Pessoa Ferreira que era um irreverente tempo integral e se valia do jornalismo que praticava para demonstrá-lo. Nesse caso se valeu do então sisudo “O Estado do Paraná” para a “sacada”: pegou um disco metálico e o arremessou ao espaço e no sobrevoo o fotógrafo Romário Amódio o captou. Saiu na primeira página e dizem que algumas agências de notícia teriam cometido a “barriga” de divulgá-lo. O sarro estava no texto bem ao estilo diluidor do jornalista: “Estávamos eu e o Romário catando lagostas num bueiro da 24 de Maio quando tivemos a atenção despertada para o objeto metálico que circulava no espaço”.

TradUTor, TraIdor Fernando aprontou muitas e a primeira delas foi com a tradução da coluna “Coma e Emagreça”, vertendo-a do espanhol ao português. Tratava-se de um produto de agência internacional e o repórter fazia as consultas e dava as respostas na base do maior deboche como o de recomendar uso de pó de tijolo para irritação da pele. Dava sugestões de ginástica e alongamento: punha a mão direita na direção do pé esquerdo e depois fazia o contrário e se alguém mostrar surpresa com a posição adotada não se aborreça porque é dos ingênuos o reino dos céus e assim por diante. Curitiba foi paciente com Fernando Pessoa Ferreira até mesmo quando Ney Braga o nomeou Superintendente do Teatro Guaíra. Preocupado com o estágio das obras tentou fazer uma “simplificação” e acabou entrando em conflito com o arquiteto Rubens Meister quando num relatório ao ver a baia de elefan-

a estribeira, dizendo que lhe cabia cuidar de vacas. “Vai tirar leite de vaca, seu animal!” Nesse clima, de fulgor estético, o Fernando deitava e rolava. Uma dama da alta sociedade perguntava ao marido se o nome Van Gogh era aquele mesmo ou se se tratava de pseudônimo. Interveio na conversa: apelido, o nome verdadeiro é Kirk Douglas (no filme clássico o ator fazia o papel do pintor e Antoni Quinn o de Gauguin).

a ciDaDe que caricaturou e a Fez invaDiDa Por um Disco voaDor De PaPelão Prata o insPirava te, especial para ópera, atacou a concepção como “apartamento de elefante”.

van GoGh na Terra Numa ocasião Adherbal Stresser, diretor dos Associados, trouxe parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo e entre os destaques o mais relevante era um quadro de Van Gogh “A Arlesiana”. A exposição da peça ficou na sala nobre do Conselho Estadual de Educação na Biblioteca Pública e sua guarda confiada a elementos de elite da Polícia Militar. Num fim de tarde Adherbal Stresser quase teve um desmaio quando viu um PM tocar com a unha o quadro e perdeu

CUrITIBa, a frIa Uma parte de Curitiba se impacientou com o poeta (ele veio com carta de apresentação de Gilberto Freire a seu ex-colega de parlamento Munhoz da Rocha, então governador do Paraná, que o indicou para o jornal) quando fez um texto caricatural sobre hábitos curitibanos no Livro de Cabeceira do Homem, da Editora Civilização Brasileira, editado por Paulo Francis. Uma das sentenças em “Curitiba, a fria” era a de que curitibano não goza e sim acaba. Mesmo quando permanecia por aqui não respeitava coisa alguma e, portanto, não se tratava de revanche ou de ressentimento. Lembro de uma no “Correio do Paraná”, onde assinava a coluna Chiquinho Borgia, de veneno, sobretudo veneno, como quando descobriram um homem baixinho e atarracado que atacava mulheres na Vila Hugo Lange. Eis o que escreveu “se é baixinho e peludo só pode ser o João Ribeiro Júnior”, um dos financiadores do jornal e secretário da Agricultura. Fernando Pessoa, porque era comprido e mal acabado, foi apelidado de Belém-Brasília, ganhou um prêmio nacional de poesia Fábio Prado com a coletânea “Instrumentos do Tempo”, o que prova que a cidade que caricaturou e a fez invadida por um disco voador de papelão prata também o inspirava.

Luiz GerALDo mAzzA é jornalista.

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TransporTe

Transporte público

ESPERTO uando se fala em transporte público urbano a primeira palavra que inevitável e espontaneamente arremata a expressão é “coletivo”. Mas quando a ideia parte da cabeça de um dos 100 maiores pensadores deste século, relacionados na lista da revista Time de 2010, ela muda para “individual”. Para quem fechou há 40 anos a Rua XV de Novembro para a circulação dos carros em seu trecho mais central e fez dos curitibanos os maiores separadores de lixo-que-não-élixo do País, tudo é possível e nada é impensável. Por isso Jaime Lerner continua inovando a forma como vê as cidades e seus maiores desafios: o transporte urbano e a mobilidade. Seu sistema BRT – Bus Rapid Transport – foi copiado em mais de 120 cidades mundo afora. A solução dos ônibus expressos, com pagamento antecipado, alta frequência, embarque no mesmo nível e transitando em ruas exclusivas mostrou-se viável tanto em cidades pequenas e de orçamento limitado quanto em megalópoles ricas do porte da Cidade do México. Ainda hoje, quatro décadas depois, Curitiba continua recebendo delegações vindas dos quatro cantos do planeta para conhecer nossa Rede Integrada de Transporte. Ao mesmo tempo em que devolvia algumas ruas aos pedestres e reservava outras só para os ônibus, Lerner criou os binários – vias rápidas para os carros paralelas às vias lentas para os ônibus – e retalhou a cidade com ciclovias. Tudo ao mesmo tempo agora, como no álbum de rock dos Titãs. Os curitibanos rapidamente adotaram as “rápidas”. Mas as “lentas” acabaram sendo

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TiSa KaSTRUp FoToS JoÃo LE SEnECHaL

deturpadas. Concebidas para ser apenas acesso ao comércio local e às residências, passaram a receber toda sorte de tráfego – inclusive caminhões – que fugiam do trânsito pesado das vias rápidas, resultando em engarrafamentos por todos os lados. Os ônibus biarticulados, hoje transportando mais de 250 passageiros e que tinham prioridade nos sinaleiros, agora param de quadra em quadra, em detrimento dos carros, que transportam apenas um ocupante na maioria esmagadora das vezes.

o doCK doCK pede passaGem “Não há sapo que não possa virar príncipe”, diz Lerner, que não só está reinventando o transporte público como o conhecemos, mas também está repensando as vias lentas e a forma

como podem ser reaproveitadas. Tudo isso está no conceito do Dock Dock, seu modelo de carro público individual compartilhado e sustentável, criado com o objetivo de auxiliar a mobilidade central das cidades acima de 500 mil habitantes. Embora muitos pensem mediocremente que ele está apenas criando mais um carro elétrico para espetar em uma tomada na parede e sair desfilando por aí posando de ecológico, Lerner argumenta que “mais um carro elétrico não passa de mais um carro na rua, continua sendo um carro e não muda os congestionamentos que insistem, persistem e existem em toda parte”. Para quem já reinventou o ônibus coletivo, triplicando-o de tamanho e transformando-o em “metrô de


A solução não está em optar por um ou outro meio de transporte, e sim em adotar um mais outros, aproveitando ao máximo todos os meios existentes

superfície”, criar um carro público é moleza. Inspirado no Vélib, sistema de aluguel de bicicletas existente em Paris, o Dock Dock é feito em resina, papelão estruturado em forma de colmeia e com cobertura de policarbonato. Leva somente um passageiro, mede reduzidos 0,80 m de largura por 1,70 m de altura e 1,80 m de comprimento, usa quatro baterias recarregáveis de 12 volts, alcança a civilizada velocidade de 25 km/h (pouco mais do que uma bicicleta), e parece mesmo “uma bicicleta de quatro rodas com roupa”, como descreve o designer Emílio Mendonça, responsável pelo projeto. Atualmente em seu 6º protótipo, o modelo pré-série do Dock Dock deve estar pronto em três ou quatro meses e apto a ser entregue a quem desejar fabricá-lo. De novo como na música, o Dock Dock é de todo mundo, mas também não é de ninguém, já que não pode ser comprado, só compartilhado através de aluguel e ao custo da energia consu-

mida. Moderno, aceita pagamento por celular, cartão ou qualquer forma de transferência virtual de moeda a ser inventada. Para Lerner, o Dock Dock “é o melhor amigo do carro” e dos motoristas também, já que 10 entre 10 deles reclamam do trânsito sobrecarregado. Um carrinho de supermercado que se arrasta na rua? Por favor, sejamos espertos! Em um engarrafamento, a quantos km/h o seu SUV de 250 cv anda? Convenhamos que nem a ¼ dos 25 km/h do Dock Dock, poluindo “N” vezes mais, ocupando muito mais espaço e fazendo você levar muito mais tempo para chegar ao seu destino. “Se você tem um bom transporte público você deixa seu carro em casa para os deslocamentos de rotina e usa-o para passear com a família, jantar fora com a namorada ou viajar a 100 km/h no fim de semana”, alega Lerner. E a resistência aos acidentes? O Dock Dock não foi concebido para disputar espaço nem

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corrida em vias rápidas, mas sim para transitar em faixas exclusivas, reservadas a veículos de tamanho e velocidade reduzidos tal como as bicicletas (e como exige o Detran). E as vias lentas, que o projeto do metrô curitibano quer liquidar e transformar em (como se já não tivéssemos o suficiente, querem mais?) parques, seriam o tapete ideal para complementar e aumentar a mobilidade curitibana. Pelo projeto, a recarga de energia das baterias do Dock Dock seria feita por indução rápida em pontos nos terminais e nas estaçõestubo, aproveitando toda a estrutura viária já existente para transformar as vias lentas em vias compartilháveis por bicicletas, motocicletas, Dock Dock’s, patinetes, Segways, patins, skates, prancha a vela com rodinhas, carrinho de rolimã e qualquer outro meio de transporte sustentável e alternativo aos carros. E quem mora nas vias lentas poderia continuar a entrar e sair de casa com seu carro, obviamente que em baixa velocidade e respeitando o espaço dessa miríade de transportes urbanos espertos e não poluentes, até alcançar sua via rápida com “gente do seu tamanho”. “Nem pensei nesse uso compartilhado

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quando criei as vias lentas há 40 anos e o Dock Dock agora”, surpreende-se Lerner com sua humildade de gênio. A reinvenção do que é um carro urbano público sustentável e compartilhado só precisa de quatro coisas: o fabricante do carro, o fornecedor de energia, o operador do sistema de aluguel e manutenção. O motor adequado já foi encontrado (“para que quebrar a cabeça inventando o que já existe”), a recarga rápida de energia já está sendo solucionada e já há fabricantes e operadores interessados. Epa, faltou uma! Curitiba vai ser novamente o palco da inovação mundial em mobilidade urbana, sustentabilidade e compartilhamento do transporte individual? Certa dose de segredo cerca as três primeiras coisas, e um silêncio sepulcral paira sobre esta quarta e última pergunta. Por enquanto.

METRÔ EM CURITIBA – UMA FURADA Lerner acredita firmemente que o futuro e a solução da mobilidade urbana estão na superfície. Para ele, o metrô – nas cidades onde já existe há mais de 100, 120 anos – também dá sinais de envelhecimento e de que preci-

sa ser complementado com outros meios de transporte público a fim de resolver os desafios do transporte urbano. Comparando os custos e o tempo de construção, imagine que se o metrô custa e demora 100, o sistema BRT custa e demora 3. Cavar é muito caro hoje em dia, além de demorar demais. “O segredo da mobilidade não é completar e sim complementar. A solução não está em optar por um ou outro meio de transporte, e sim em adotar um mais outros, aproveitando ao máximo todos os meios existentes. As cidades com metrô vão continuar a usá-lo, jamais vão cimentá-lo, mas quem não souber usar a superfície para complementar o transporte no subsolo não vai conseguir resolver essa equação”, enfatiza, demonstrando que em São Paulo, que possui quatro linhas de metrô, 84% dos deslocamentos são feitos na superfície – justamente onde mora o problema e reside a solução. “Não adianta construírem mais pistas nas vias rápidas e viadutos pela cidade. Em poucos segundos mais carros vão ocupá-los e o problema vai continuar o mesmo, só que em escala maior”, avalia. Curitiba transporta por dia 2,4 milhões de passageiros em sua Rede Integrada de Transporte, mais do que a cidade do Rio de Janeiro transporta diariamente em suas duas linhas de metrô somadas aos trens de subúrbio da Central do Brasil. “O metrô aqui é político. Não é ‘meia’ linha que vai resolver. Quem pensa que vai ter metrô na porta de casa está enganado e quem acha que sem metrô não tem Copa do Mundo precisa chamar o Dunga para ser técnico de mobilidade urbana”, enterra de vez, não sem antes questionar onde esse povo todo será transportado enquanto o metrô estiver em construção e depois que estiver pronto e as vias lentas soterradas debaixo de lindos canteiros floridos. “Sustentabilidade é a equação entre o que poupamos e o que desperdiçamos”, frase proferida à exaustão em suas palestras ao redor do mundo. E nesta equação também entram variáveis como tempo, combustível, dinheiro, poluição e qualidade de vida. Para o repensador de cidades, a solução da mobilidade urbana e a modernização do transporte público passam obrigatoriamente pela superfície e seu uso mais racional, mais sustentável, mais compartilhado e muito mais criativo. Tudo numa só palavra: smart! “Curitiba voltou a dar prioridade para os carros e nenhuma cidade no mundo é viável se priorizar o carro. Isso não é smart”, lamenta. Com um de seus inseparáveis e autênticos caderninhos pretos de anotações nas mãos (todos numerados e datados), em vez de uma


comprar como última tecnologia o que já é obsoleto é uma tremenda falta de visão engenhoca eletrônica como notebooks ou ipads, Lerner nos acompanha em um tour por sua ex-casa e atual escritório, onde fervilham mentes concentradas no projeto de recuperação e transformação da região do Complexo do Cais Mauá, em Porto Alegre, em um lugar aprazível e digno de ser o ponto mais privilegiado para assistir de camarote ao inigualável pôr do sol sobre o Rio Guaíba. Quando nos damos conta, já estamos no portão, ouvindo um poema de Helena Kolody que o inspirou a criar as placas de cimento salpicadas de pedrinhas de vidro nacarado (“para refletir o brilho do sol e depois tornarem-se um chão de estrelas”) sugeridas como piso da nova orla gaúcha, nosso cicerone da mobilidade saca sua frase predileta: “comprar como última tecnologia o que já é obsoleto é uma tremenda falta de visão”. E Jaime Lerner, mais uma vez, tem razão em sua simplicidade. Palavra de quem pensa e age com a cabeça no futuro e, há mais de meio século projetou, morou e hoje trabalha em uma construção sustentável e “na última moda”, com telhado de grama que refresca no verão e lareira estrategicamente posicionada para transmitir calor para todos os cômodos no inverno, economizando energia o ano todo. Simples assim.

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saÚde

dna de sucesso TiSa KaSTRUp FoToS JoÃo LE SEnECHaL

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m uma época onde os ricos morrem do excesso e os pobres morrem da falta das mesmas coisas – higiene, comida, remédios, vaidade, esporte – um pesquisador curitibano se destaca no cenário da saúde e da ciência internacional ao levantar (bem pouco) sua simpática voz e recomendar: “a saúde deve ser pensada como investimento e não como gasto”. Tio do precoce Mike Krieger, que acaba de vender seu aplicativo Instagram por US$ 1 bilhão ao Facebook, o biólogo Marco Aurélio Krieger brilha tanto quanto o sobrinho e maneja a mesma quantia, só que de outra forma. É pesquisador titular da Fiocruz, diretor de inovação e tecnologia do IBMP, comanda a afinada equipe da fábrica de testes diagnósticos do Tecpar e nocauteia qualquer interlocutor quando o assunto é o sequenciamento do genótipo do tripanossoma cruzi. É dali da fábrica biológica do Tecpar na Cidade Industrial de Curitiba (coincidentemente criada por seu tio, Jaime Lerner) que saem os milhares de kits para testes de HIV (Aids) e HCV (Hepatite C) para os hemobancos brasileiros e de alguns outros países. A planta curitibana é a única do País e uma das poucas no mundo do tipo “one source”, de onde tudo sai pronto. Seu trabalho também ajudou a criar o kit de teste brasileiro que detecta a gripe A H1N1 na metade do tempo do kit importado. Focados na obsessiva busca pela melhoria da qualidade do sangue doado, Marco e sua equipe são os experts na produção de exames que se utilizam da biogenética para não só detectar as doenças como também orientar qual remédio deve ser usado para tratá-las eficazmente. “Como escreveu o Fernando Pessoa, ‘a vida é o que a gente faz’”, fala sorrindo. Aliás, sorrir é o que Marco mais faz, tal sua realização profissional como pesquisador: “a ciência é um desafio da sua cabeça contra o desconhecido, uma aventura empolgante e viciante, e ainda nos pagam para a gente se divertir!” Seu dia a dia de desafios já começa quando chega para trabalhar, num local batizado com um jargão assustador para os leigos, mas tre-

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mendamente conhecido no mundo científico: o Vale da Morte. De todas as pesquisas em curso, um funil tecnológico vai reduzindo as chances das que podem alcançar o Vale da Morte, de onde só passa para o outro lado o que efetivamente pode melhorar a vida. O Vale da Morte efetivamente separa os dois mundos diferentes da ciência: o da pesquisa básica, onde se tem uma liberdade maior, do mundo do desenvolvimento tecnológico, que vai viabilizar a pesquisa tornando-a real. O que parece frustrante para alguns vira competição na visão de Marco. “Competir com teu próprio cérebro em benefício da população, tomar ações prospectivas e ajudar os alunos a se desenvolverem para cruzar este vale e fazer o futuro acontecer é o que conta”, diz imbatível. Questionado sobre as principais necessidades do mercado de diagnósticos, Marco saca rápido: “o tempo é crucial para todos”. Quanto mais precocemente uma doença é diagnosticada, mais rápido pode ser detectado o fármaco para tratá-la. Um caso de sepse, por exemplo, exige uma urgência de tratamento totalmente diferente da que um caso de Alzheimer necessita. A rapidez também é meta de qualidade na produção de testes para detecção de diversas

a saúde deve ser pensada como investimento e não como gasto moléstias infectocontagiosas, uma vez que existem as janelas imunológicas – período de dias entre a infecção e o aparecimento da assinatura molecular (espécie de cicatriz que informa que este sangue está contaminado por tal doença) no sangue de um doador. Nesse período, ainda não há como saber se o sangue está ou não contaminado. E isso é desafiante. Segundo Marco, a ciência está caminhando para o diagnóstico personalizado, onde o seu DNA será sequenciado e cruzado com o genótipo da moléstia que te acomete, permitindo que o remédio que funciona para você seja ministrado na dose exata. Em casos de câncer está mais do que comprovado que determinados quimioterápicos não surtem efeito para

determinados pacientes, embora em outros liquidem as sessões de quimioterapia mais rápido e com menos efeitos colaterais. As vacinas são outro campo de batalha divertidíssimo para cientistas como Marco, que deixou o DNA do seu trabalho na criação da vacina tetravalente, que as crianças brasileiras já recebem gratuitamente nos postos do SUS em todo o País há anos. “Já estamos quase igual ao futebol, alcançando o penta, e tudo indica que seremos hexa e hepta antes da Seleção”, brinca. E, com o aporte de US$ 1 bilhão que a Fundação Bill e Melinda Gates está investindo na Fiocruz, em quatro anos o Brasil, que já é um dos mais respeitados participantes mundiais no fornecimento de vacinas e controle de moléstias, se tornará um campeão na produção delas, auxiliando efetivamente na redução da mortalidade infantil mundo afora. “Essa é a forma como vejo o sucesso na biologia sintética, conquistar investimentos vultosos para aplicar em tecnologia e melhorar a vida humana”, conta. E a parte ruim de ser um cientista, não conta? “Não existe o insucesso, só a persistência e a capacidade de abrir a mente para olhar de outra maneira. E inimigos a gente não tem nenhum mesmo, pois todos são liquidados e morrem no final”, brinca, sempre, Marco. maio de 2012 |

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Rubens CamPana

o paraná de rio Branco

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ão é exagero dizer que o Barão do Rio Branco é a figura mais celebrada de nossa história; mas, neste ano que marca o centenário de sua morte, nós, paranaenses, não cometeríamos nenhum erro em celebrálo mais um pouco. Não fosse por Rio Branco, talvez um bom naco do território Oeste do Paraná fosse hoje parte da Argentina. Patrono da diplomacia brasileira, Rio Branco serviu como ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, durante o mandato de quatro presidentes. Antes de assumir a chancelaria, já havia obtido prestígio com a vitória na defesa do território brasileiro. Sempre vale lembrar que, sem ele, os lugares onde estão cidades como Palmas, Francisco Beltrão, Clevelândia e Pato Branco possivelmente não seriam nem mesmo parte do Brasil. A disputa entre Argentina e Brasil no final do século XIX, com ambos reivindicando a região Oeste dos atuais estados do Paraná e de Santa Catarina, é herança de desentendimentos iniciados entre os comissários demarcadores de Espanha e Portugal no século XVIII. Ao menos desde 1881, o governo argentino reclamou a soberania sobre o território delimitado pelos rios Santo Antônio, Peperi-Guaçu, Uruguai, Iguaçu, Chapecó e Chopim. A área em disputa era de bons 30.621 km2 de terra, habitada por cerca de 5.800 pessoas, quase todos brasileiros. Chama-se a disputa “Questão de Palmas” porque na época pertencia à comarca de mesmo nome. O nome de Misiones, ou “Missões”, é também empregado, embora seja, segundo Rio Branco, impreciso, pois o território contestado nunca teria pertencido a essa antiga província jesuítica espanhola. Hoje é possível ler, nos arquivos eletrônicos do New York Times, o artigo publicado em fevereiro de 1895, que anunciava a vitória brasileira em seu título: “Brazil Holds the Land”. Quase 15 anos depois de iniciada a disputa, o laudo arbitral da questão do contencioso acerca do território de Palmas, julgado pelo presidente americano Grover Cleveland, deu vitória ao Brasil. A importância da solução dada em 1895 ao litígio com a Argentina foi explicada pelo Embaixador Araújo Jorge de forma simples: “se o

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perdêssemos, o Estado do Rio Grande do Sul ficaria quase destacado do Brasil, ligado à União por uma língua de terra de 45 léguas até o mar”. Araújo Jorge ainda explica que o resultado obtido por Rio Branco não somente restituiu o território considerado litigioso pelos vizinhos, mas “preservou-nos ademais todo o sistema natural de comunicações terrestres estabelecido pelos portugueses desde o final do século XVII”, por meio do qual se consolidou “a solda entre a Capitania de São Paulo” e a porção do território brasileiro mais ao sul. Tivesse o Brasil sido derrotado no arbitramento, a posição ocupada pelos argentinos obrigaria os brasileiros, nas palavras do Barão do Rio Branco, a estarem “permanentemente preparados para a defesa, mantendo em torno daquele intruso um círculo de fortalezas e de acampamentos”. Até sua conclusão, a disputa teve momentos interessantes. Após o golpe que derrubou Dom Pedro II em 1889, o entusiasmo republicano motivou a busca de uma solução negociada que dividiria o território igualmente entre as partes. O governo provisório que sucede a monarquia no Brasil, com Quintino Bocaiúva na pasta das Relações Exteriores, queria começar seu período com um gesto de fraternidade com os vizinhos. A repartição salomônica negociada com os argentinos por Bocaiúva — que significaria grande perda ao Brasil — acabou sendo rejeitada pelo Congresso, levando a questão para o caminho da arbitragem. Foi um evento imprevisível — a morte do Barão Aguiar de Andrada, até então responsável pela defesa brasileira — que serviu como chamado a José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco. Cônsul-geral em Liverpool, Rio Branco acumulava os serviços de imigração na França, o que lhe permitia demorar-se mais em Paris, seu lugar favorito. Em pouco tempo, Floriano Peixoto lembrou-se dele quando a missão enviada a Washington para representar o Brasil na Questão de Palmas necessitou de novo comando. O ponto essencial levado ao arbitramento era o de como identificar no terreno os rios mencionados nos tratados firmados entre Portugal e Espanha. Baseando-se em cópias do Mapa das Cortes — traçado em 1749 para orientar as ne-

gociações entre os países ibéricos — a Argentina argumentava que os cursos de água indicados pelos tratados se situavam muito mais a leste do que os assim identificados pelo Brasil. Um dos comissários incumbidos de procurar documentos na Europa encontrara versão mais antiga do mapa. Rio Branco, antes de partir para os Estados Unidos, examinou o documento no Ministério dos Negócios Estrangeiros da França. Estudou-o longamente e procurou a ajuda de um geógrafo de prestígio, a quem pediu a confirmação de que nesse mapa o meridiano do rio em disputa coincidia com o meridiano que o Brasil defendia. Confirmado. Era o golpe de morte na defesa argentina. Em sua defesa, que totaliza seis volumes, Rio Branco demonstrou que o estudo dos mapas, cuja versão autêntica conseguiu encontrar, confirmava o acerto da identificação feita pelo Brasil, inclusive através de um exercício geográfico de projeções das latitudes e longitudes. A duplicata que fora descoberta, desencavando e exibindo o desenho original produzido por geógrafo português, punha o limite onde o Brasil defendia. E assim decidiu o presidente americano, responsável pela palavra final na arbitragem. Além do território preservado, não se pode esquecer que na solução da questão de Palmas está também uma das possíveis chaves de compreensão da ausência de guerras, no século XX, entre dois vizinhos que em tantos momentos se inflamaram em rivalidades. Basta relembrar o contexto: em 1895, quando foi emitido o laudo, um estadista como Bismarck ainda era vivo, e Guilherme II acabara de embarcar no que é conhecido para a história como o “novo curso” da Alemanha. A era de violência quase infinita da primeira metade do século XX era erguida pouco a pouco, e quanto a isso não se pode subestimar o valor dos limites territoriais bem definidos: tiveram o valor da paz. a opinião expressa nos artigos é exclusivamente do autor e não reflete a posição do ministério das relações exteriores.

ruBens CAmPAnA é diplomata.


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relIGIÃo

A Paixão de Antonina MaRiSa ViLLELa FoToS ADRiano BaSSani

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bril costuma ser um tempo de muito chocolate, de frente fria chegando devagar e espetáculo ao vivo na noite da Sexta-feira da Paixão. Aqui no Paraná um dos lugares mais concorridos é na histórica Antonina, onde artistas paranaenses e comunidade local se unem para realizar o evento, famoso no calendário do litoral paranaense. Se a gente tem a impressão que todo ano é a mesma coisa, já que conta a mesma história, a “Paixão Segundo Antonina” é diferente. Está na oitava edição e cada ano tem uma particularidade que a distingue das apresentações anteriores.


Roteirizado e dirigido pelo ator e diretor Rafael Camargo, o espetáculo também tem sua própria história. Ele foi concebido nos anos 1970 pelo escritor, dramaturgo e premiadíssimo Wilson Galvão Rio Apa. A encenação foi chamada na época de “A Paixão de Todos os Homens”. Rafael Camargo acredita que, na concepção de Rio Apa, seria fundamental envolver os moradores da cidade. Com o tempo, a população se apropriaria do espetáculo como reflexo das suas histórias pessoais. Conhecido e premiado por inúmeras obras, Rio Apa tornou-se mais um personagem notável que escolheu Antonina para viver. Dedicado principalmente ao jornalismo e à literatura,

nos idos de 70 liderou um grupo de amadores antoninenses e o batizou de “Capela de formação popular”, que se apresentavam em locais públicos, bares e restaurantes. Foi esse movimento cultural de mais de 30 anos atrás o embrião da atual encenação da “Paixão Segundo Antonina”, conforme diz o diretor Rafael Camargo. Ao colocar integrantes da própria comunidade antoninense de qualquer idade e profissão para atuarem como soldados, apóstolos e acompanhantes de Nossa Senhora, o espetáculo tornou-se ecumênico e “propriedade” de todos. “Vemos gente de todas as igrejas participando do espetáculo, inclusive protestantes e pentecostais e isso de-

na oitava edição, cada ano tem uma particularidade que a distingue das apresentações anteriores maio de 2012 |

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monstra o verdadeiro exercício da fé. O povo de Antonina realmente se apropriou da história”, diz Camargo. A identificação popular é tão forte que o produtor cultural Cesar Broska confeccionou figurinos usando adereços de cascas de siri, conchas, folhagem e elementos marítimos presentes no cotidiano do povo de Antonina. Lanças e escudos dos soldados são feitos de bambu e trançados caiçaras. Com criatividade, usando os elementos locais, Broska torna os figurinos únicos e inimitáveis. Outra particularidade da “Paixão Segundo Antonina” é a presença efetiva da classe artística do Paraná. Atores e atrizes, que estão o ano inteiro nos nossos palcos e nos teatros brasileiros, vão a Antonina para participar do espetáculo da Páscoa. Grandes nomes como Claudete Pereira Jorge, Zeca Cenovicz, Guta Stresser, Leticia Sabatella, Áldice Lopes, Mauricio Vogue, Marli Gotty, Chris Gomes, Michele Pucci, Mozart Machado, Rosana Staves, Isidoro Diniz, Edson Bueno e a veterana Regina Vogue se alternam nos papéis bíblicos, ano a ano, dependendo da agenda teatral de cada um. A apresentação parte da velha Estação de Trem rumo ao centro da cidade. No caminhar do cortejo de artistas e figurantes, o silêncio da noite é quebrado pelos passos, marcados ao som da percussão dos surdos, dando o tom dramático do que está por vir. Pessoas saem às janelas, jovens e crianças correm à frente, e o povo antoninense vai engrossando as fileiras quando acompanha, em silêncio, esta diferente procissão. Continuam a jornada até a Igreja de São Benedito. Lá, uma multidão aguarda o início da apresentação da primeira cena. Tochas acesas, som ligado, público curioso. Jesus Cristo (representado pelo ator e bailarino André Neri) e Maria esperam a leitura do texto de introdução, este ano feita por Rafael Camargo. A partir deste primeiro ato, a “Paixão” segue a sequência histórica das cenas bíblicas. De palco em palco, as cenas se sucedem em mais de dez palcos. O público se aglomera e se comprime nas ruas estreitas de Antonina para acompanhar o espetáculo. Da rua principal, passa pela Rua Heitor Soares Gomes (a da antiga LBA) até o grande espaço aberto da praça em frente ao mar, onde acontecem várias cenas importantes: o enforcamento, a subida ao Monte das Oliveiras, o beijo de Judas, a prisão de Jesus. Junto às ruínas, tem-se o julgamento por Pilatos e o martírio de Cristo. A figura do Diabo encenada pelo ator Mozart Machado sempre é assustadora. O público reage, impressionado com o “sangue”, o flagelo e o so-

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a ressurreição também é da cidade de Antonina, que se reergue, especialmente após sofrer tantas tragédias causadas pelas chuvas do ano passado frimento de Jesus. Um dos momentos mais solenes da apresentação é quando Verônica canta um lamento doloroso com Cristo no regaço. E, finalmente, a última e significativa parada da encenação: no outeiro da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, as cenas de crucificação e ressurreição de Jesus Cristo. Um espetáculo de luzes, sons e efeitos cênicos. O encerramento do espetáculo cabe à Banda Filarmônica de Antonina, que toca sob a regência do maestro Renan Gabriel Pinheiro Gonçalves. Fogos de artifícios. Ao final da apresentação, a alegria e a animação tomam conta de todos. O apresentador Rafael Camargo volta à cena para dizer que a ressurreição também é da cidade de Antonina, que se reergue, se renova e dá graças por ter um povo unido e valoroso, onde há lugar para todos os homens e mulheres de bem, especialmente após sofrer tantas tragédias com a destruição de casas, gente desalojada, machucada e enlameada pelas chuvas do ano passado. Antonina demonstra que é grata por superar a adversidade. E assim, mais um ano, o espetáculo da “Paixão Segundo Antonina” tornou-se realidade.

DURA REALIDADE  “É incontestável que Antonina é agradecida por ter recebido tanta solidariedade nos seus piores e difíceis momentos do ano passado”, diz o prefeito Carlos Augusto Machado, o Canduca. No entanto, uma Prefeitura pequena e com tantas urgências não dá conta de também apoiar financeiramente maio de 2012 |

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os eventos culturais da cidade. “Faz-se o que pode e o que a lei permite”, conclui Canduca. Sem rubrica oficial para manter a “Paixão Segundo Antonina”, os organizadores do espetáculo contaram nos últimos anos com bons patrocinadores e apoio governamental, que cedia veículos e equipamentos teatrais. No entanto, neste ano de 2012, quase nada disso desceu a serra. Alguns patrocinadores fizeram promessas de financiar o evento. Mas também não compareceram. “Apenas três dias antes da apresentação é que nos comunicaram que o dinheiro não viria”, diz a produtora Lu Rufalco. Que fazer? A decisão de levar em frente e apresentar o espetáculo, apesar das dificuldades e da decepção pela falta de apoio, deu lugar à união de esforços. Nesse arregaçar de mangas, atores e atrizes foram voluntários, sem esperar qualquer aceno de pagamento pelo trabalho artístico. Na falta de luzes cênicas, iluminaram os palcos com tochas de fogo, dando dramaticidade a cada ato. O equipamento de som foi emprestado de um pequeno empresário local. Figurinos bíblicos foram remontados, artistas usaram suas próprias maquiagens e adereços, o comércio forneceu lanche e refrigerantes de graça para a figuração. Mais uma vez, a solidariedade do povo de Antonina se fez presente e o espetáculo aconteceu de forma simples, talvez um pouco menos pirotécnico comparado aos anteriores, mas, sem nenhuma dúvida, desta vez foi mais autêntico. Aplausos para Antonina. Nesses tempos em que se luta contra o mau gosto, contra a dita baixaria na mídia e a erotização excessiva nas produções teatrais, com apelações duvidosas para conquistar público, é um alento assistir um espetáculo tradicional, emocionante, popular, espontâneo e, acima de tudo, tão legítimo.

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Andrea Greca Krueger Paula Abbas

O inovismo no mundo mutante

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ovas marcas, novos nichos, novos conceitos, novos produtos, serviços e experiências: bem-vindo à era do inovismo. O que ocorre no mercado de consumo da atualidade é uma verdadeira avalanche de inovação. O mundo muda cada vez mais rápido e com ele também mudam a cultura, os desejos, os comportamentos e atitudes. Há mais inovação hoje do que jamais se viu. Ao mesmo tempo, dispomos de muito mais fontes para rastreá-las do que algum dia tivemos e com isso vamos, aos poucos, criando uma aldeia global de consumidores criativos, cheios de ideias e, consequentemente, muito mais complexos. Não há mais barreiras para a informação e isso faz com que o ciclo de vida dos produtos se torne cada vez mais curto. Com isso, as empresas precisam se preparar, na mesma velocidade, para não se afogar nessa onda que não dá sinais de recuo. A oferta de produtos e serviços se torna tremendamente superior à demanda e os empresários estão repletos de dúvidas: eu também preciso surfar essa onda que estão todos pegando? Com tanta informação disponível, como me diferenciar da concorrência? Se o seu produto já caiu nas mãos do mainstream – a massa consumidora que banca o retorno do capital investido em pesquisa e desenvolvimento – provavelmente você deveria ter começado a pensar no próximo passo. Muito se fala em benchmarking (análise de concorrência), mas o fato importante e às vezes esquecido é que se o concorrente já está fazendo algo novo, provavelmente ele começou a planejar um par de anos antes. Isso significa que ao constatar que ele inovou você está, pelo menos, dois anos atrasado. A melhor forma de se diferenciar nesse mercado hipercompetitivo onde grande parte de produtos e serviços fracassam, é entender

Capitalizar sobre as tendências  Tendências são marcadores

Tendências são uma fotografia do consumidor interagindo com os acontecimentos que determinam suas preferências de consumo como o consumidor se comportará a respeito das novidades e alinhar-se às tendências sociais e demandas reais de consumo. Uma boa maneira de começar a pensar em inovação é olhar para outras empresas consideradas vanguardistas, ainda que atuem em outros setores que aparentemente não tenham nada a ver com o seu. É preciso observar como essas gigantes globais estão capitalizando sobre as mudanças e tendências de mercado e o que podemos aprender com elas.

que demonstram para onde o mercado está caminhando. Elas tratam, basicamente, de fornecer uma fotografia do consumidor interagindo com os acontecimentos sociais, políticos e culturais e determinam quais serão suas preferências de consumo em um futuro próximo. Porém, no Brasil, ainda são poucos os que desfrutam dos benefícios de pesquisar antes de se aventurar. Grande parte das empresas consideram as pesquisas um investimento alto, mas esquecem que reduzir a imprevisibilidade pode ser o caminho mais seguro entre plantar os frutos corretos e colher o sucesso. A pesquisa sobre tendências pode ser uma arma poderosíssima para fomentar a qualidade e a competitividade de marcas através do aporte de informações filtradas e estratégicas. Ela serve como pilar para a inovação inteligente, diferenciando uma empresa da concorrência e aproximando-a das reais necessidades do consumidor. Além disso, tem enorme utilidade no momento de pensar em um novo produto, adotar um posicionamento ou até mesmo trabalhar o endomarketing. O Brasil e o mundo mudaram e continuam mudando em uma velocidade estarrecedora. É urgente que qualquer marca com ambição conheça não apenas a opinião dos consumidores sobre os produtos que já existem, mas que entendam a dinâmica peculiar da tendência do inovismo. Somente liderando o presente será possível antecipar o futuro.

Andrea Greca Krueger é jornalista e pesquisadora. Paula Abbas é consultora jurídica e empresarial. Sócias da Berlin Inovação + Tendências, empresa especializada em pesquisa qualitativa e análise de tendências — www.berlincool.com.br

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Fábio CamPana

diário de bordo

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obrevivi. O voo não foi longo. Nenhuma turbulência. Mesmo assim uma experiência desconfortável. Descobri que o interior dos aviões foi redimensionado para pessoas de pernas tão curtas quanto as mentiras da propaganda das empresas que nos vendem as passagens. Hoje é preciso ter no máximo 1,40m para se sentir bem dentro de um avião. Tenho 1,81, se não encolhi. O espaço entre as poltronas é sufocante. Sem sorte, na poltrona de trás viajou um mastodonte nórdico decidido a plantar seus joelhos nas minhas costas. Nada tinha contra os nórdicos até esse momento, eu que muito admiro a filmografia do Ingmar Bergman e principalmente a beleza da Ingrid e da Liv Ullman, que nasceu em Tóquio, mas é legítima norueguesa. Ora, pois, passei a odiar os nórdicos incivilizados. Mas esse não foi o meu maior dissabor. Nem de longe. O pior estaria por vir e veio na poltrona da frente, reservada para um gordo famélico que se sentou e imediatamente baixou

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a mesinha e passou a tamborilar os dedos à espera do serviço de bordo. Um ser abominável. Mamutiano, irrequieto e flatulento. Adorei a decepção do obeso ansioso. Recebeu aquele canudinho recheado de amendoins mofados. Só? Foi o que ele perguntou para a aeromoça. Ela nem se dignou a responder. Enfiou-lhe um copo de suco sob o nariz com olhar de bruxa de filme do Walt Disney e ele não teve coragem para recusar. Vingativo, voltouse contra mim. Reclinou a sua poltrona e eu fiquei entalado entre um gordo com fome e o mastodonte nórdico boçal. Duas horas e meia de voo. Pouso perfeito. Seguido do tropel de apressados que ignoram o pedido de não ligar seus telefones celulares. Todos ligam e passam a falar sem parar. A algaravia dos bárbaros. Desci e fui tangido para dentro de um ônibus que nos levou até o desembarque. Esperei uma hora pela mala. Problemas técnicos, justificou a voz esganiçada. Minha irritação sobe. Mais ainda ao perceber que as outras duzentas pessoas que aguardam sua bagagem

não reclamam, nada dizem, apenas esperam sem protestar. E me olham como se fosse eu o responsável pelo transtorno extra. Não farei a crônica dos aborrecimentos da volta. São os mesmos, acrescidos do irritante inglês que a tripulação, incluídas as aeromoças, aprenderam pelo método do Tarzan. Ou da Chita. Mais fácil entender a simpática macaca que decifrar os grunhidos de moços e moças de bordo. Perdoem, não são moças. Nem são bonitas como aquela que vi certa vez num voo para a Iugoslávia, quando a Iugoslávia ainda existia. Pois bem, acabaram com o país de ficção do Josip Broz Tito e também com as aeromoças bonitas. Aquela, única, estará com a idade dessas que estão na ativa nos voos de hoje. Nem quero imaginar a decomposição.

fÁBio CAmPAnA é jornalista e escritor.


GenTe

o velho e o mar Hoje morador de um lar de idosos, Wilson Moreira, jornalista de profissão e anarquista oculto, exerceu o ofício de imprensa na época do regime militar TEXTo E FoTo REnan MaCHaDo

ilson, favor comparecer à recepção – anunciava o megafone. Coadjuvante como jornalista que prezou o ofício e a responsabilidade que lhe acompanha acima de vaidades pessoais. Este é Wilson Moreira, fã de jazz, Simone de Beauvoir e filosofia política, ciência que é, segundo ele, o grande amor de sua vida. Em uma sala neutra, ao lado de outra da qual emanava música, sentou-se pronto a contar sua história. Nos seus 73 anos de vida, Seu Wilson (“Seu”, grifo por respeito a esse guri septuagenário), perambulou por todo canto. Viveu no Rio de Janeiro, São Paulo e enfim, Curitiba, cidade a qual, apesar de não ser nascido, considera sua casa: “sou curi-

tibano e coxa-branca de coração”, afirma. Desde 2009, reside no Recanto do Tarumã, lar de idosos da capital para onde se mudou após a temporada que viveu no Rio.

e la nave va Não se sabe o exato local do nascimento de Wilson, que veio ao mundo a bordo de um navio. Seu pai trabalhava como comandante para a Lloyd, empresa de marinha mercante. “Papai começou como taifeiro na Lloyd: descascava batatas, lavava pratos e o convés. Por meio do curso de pilotagem, chegou ao posto de comandante.” O pai era turista em casa. Em 1939, uma avaria no casco lhe atrasou a volta da Europa, junto da esposa, grávida de cinco meses. Por ocasião, Seu Wilson nasceu em algum ponto da costa brasileira, entre os estados do Espírito Santo e

Rio de Janeiro. Seu registro se deu anos depois, em 1943, em São Francisco do Sul. A infância de Wilson se passou em maior parte na Rua Mauá, aos fundos do Couto Pereira, em Curitiba. Com onze anos, mudou-se com a mãe para Porto Alegre, onde concluiu os estudos fundamentais e deu início ao curso superior de filosofia, na Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou em 1963. Wilson trabalhou como jornalista, oficialmente, na década de 60. Começou aos 17 anos no jornal Diário de Notícias, em Porto Alegre. No início de 1969, depois de quase uma década como colaborador de jornais brasileiros, teve a carteira de jornalista caçada pelo regime militar. “Fui processado como comunista. Um dia, dois militares entrevistaram-me acerca de minha ideologia. Disseram-me: ‘Então o senhor é comunista?’, respondi-lhes: ‘Não companheiros, estou à esquerda do comunismo. Sou um ‘cripto-anarquista’, ou seja, um anarquista oculto. Não falo de minha visão política, mas sou a favor da ausência de um Estado. Naturalmente, perdi minha carteira de jornalista e nunca recuperei-a.” Após tempo em clandestinidade, retomou o trabalho da comunicação de forma não oficial. Além de escrever artigos de opinião, passou a prestar assessoria política. “Fui ghost writer e assessor de políticos honestos e corruptos. Em Porto Alegre, por exemplo, trabalhei com o falecido Telmo Thompson Flores, conhecido como o ‘prefeito dos viadutos’. Homem visionário e honesto, com h maiúsculo.” De acordo com Wilson, ser jornalista é pensar a vida. “Todo mundo é filósofo. O jornalista é filósofo. Este deve repetir incansavelmente aquela palavra mágica: ‘será?’. O jornalista é o intérprete da sociedade, capaz de fazer com que os homens de poder melhorem algo desse nosso mundão”, afirma ele, enquanto retumba na sala ao lado um samba de roda. maio de 2012 |

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PARTICIPE.

INFORMAÇÕES:

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É LOGO ALI. Programa Comunidade Escola. Escolas abertas à comunidade. O Programa Comunidade Escola é um grande sucesso. Através dele 95 escolas municipais permanecem abertas aos sábados e domingos com atividades gratuitas. Além de participar das atividades, você também pode contribuir diretamente com o desenvolvimento do seu bairro. Seja um voluntário e colabore. Programa Comunidade Escola, aqui todos são bem-vindos. Confira as escolas participantes na sua região: www.ComunidadeEscola.org.br Venha e Participe.

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Ensaio Fotográfico por Dico Kremer

Um clique de Lomo jamais abolirá o acaso

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acuidade e a tradição visual japonesas que há muito tempo exercem forte e inequívoca influência sobre as artes visuais ocidentais têm, em nosso país, representantes de peso. Os artistas plásticos Manabu Mabe, Tamie Ohtake e os fotógrafos Jorge Butsuen, Carlos Namba, Haruo Ohara para nomear alguns. Jorge Tadao Sato honra essa linhagem. Conheci-o no MON, trocamos cartões, vi seu trabalho em seu site: com 31 anos já é um mestre segundo a classificação de Ezra Pound sobre os escritores (e artistas). É um fotógrafo mas sua obra transcende a fotografia. O registro mecânico da imagem é um suporte para a sua arte visual. Tem como equipamento câmeras Lomo (Leningradskoje Optiko Mechanitschéskoje Objedinjénie – Leningrad Opto-Mechanical Corporation). Hoje são ícones e têm adeptos em todo o mundo. Câmeras baratas (algumas nem tanto) com muitos modelos e tipos diferentes, analógicas e possuem uma diversa gama de efeitos e acessórios. E o que poderia, e na maioria das vezes é, se tornar banal, vulgar, incoerente, redundante, pelos olhos de Sato torna-se material novo, sensível, criativo. Formado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing em 2005 em São Paulo foi trabalhar como criativo em agências de publicidade. Mas não se sentia bem entre quatro paredes em frente a um computador. Trabalhou com o fotógrafo fine art Cláudio Edinger por quase 3 anos. E aí a sua bússola interior apontou o seu norte: a fotografia. A fotografia arte. O digital não respondia a tudo o que Sato imaginava, pensava, procurava. Usa de preferência câmeras médio formato analógicas (Rolleflex e Yashica TLR) e as, hoje famosas, Lomo. E o que busca na sua não-rotina, conforme ele mesmo coloca, é vivenciar algo novo, viver várias realidades que junto com sua liberdade de criar proporcione outros pontos de vista não convencionais daquilo que fotografa. Para Sato a relação entre o fotógrafo e o filme é, talvez, mais intimista e introspectiva que a da fotografia digital. Em suas fotos com as Lomo tem como aliados ao seu talento, a inspiração, a imaginação, a limitação técnica, a instabilidade, o inesperado, o acaso. O uso que faz do Photoshop é somente para ajustes de cor, tom, algum corte. Não o utiliza para montagens e fusões. Das várias fontes em que bebeu destaca a do Romantismo (Romanticismo) do final do século XVIII nas artes plásticas. Muitos puristas viram a cara para a lomografia. Ela se tornou um objeto cult, foi banalizada. Em shoppings passeiam garotas com as suas Lomos coloridas, como barbies, penduradas ao pescoço, sem filme em seu interior. Nas casas dos que podem gastar dinheiro com custosos objetos de decoração é comum ver, sobre a mesa da sala de visita, apoiada delicadamente sobre caros livros de arte uma câmera Lomo. Ela jamais irá fazer um clique para fotografar como jamais serão abertos e lidos os livros de arte. Estão ali como objetos de decoração. E é disso que o artista fotógrafo Sato foge. Para os interessados: www.jorgesato.com. Islândia

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Isl창ndia


T贸quio

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Curitiba


Curitiba

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S達o Paulo


Ernani Buchmann

O frio que nos prometem

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eguia a vida sua anormal rotina, o que significa Curitiba a 30 graus no início do outono, quando o pessoal da meteorologia avisa que a temperatura vai cair a índices patagônicos. Entro em quase pânico, lembrando da naftalina nas roupas esquecidas no armário desde o último inverno. Que se deu semana passada, a propósito. Bem, isso pouco importa, dizem que vem por aí o frio siberiano que derrotou as tropas de Napoleão, o que matou milhares de dissidentes de Stalin. Um frio tão competente que as temperaturas cairão a menos de 10 graus, o interior estará sob geada, ninguém perde por esperar. Em Bahia Blanca já estão usando três capotões, um sobre o outro. São os informes. O problema é que depois de décadas, e bota década nisso, de nenhuma previdência, inclusive ao deixar de pagar a própria, adquiri uma das poucas coisas que ainda me são possíveis de obter: manias. É traço dos antigos, acrescento. Amigo meu de muitas décadas, e bota década nisso de novo, diz que velho não pode sair de casa desagasalhado. Ainda que não me sinta parte da trupe dos provectos, passei a considerar a observação. Então me vejo tomado por prudência meteorológica que jamais tive. Escovei os paletós de lã (na verdade só tenho um, mas foi escovado diversas vezes), anotei de cabeça o que vestir quando o frio chegasse e tive a onisciência de estar preparado. Venha, filho dos quintos, declarei em alto e já gélido som, vou derrotálo como a vodca aos nazistas. (Também não vamos gastar lábia para analisar se foi vodca ou alguma outra bebida a responsável pela derrocada de Hitler, porque a essa altura minhas próprias lábias já se faziam congelar.) No dia determinado pelos catedráticos meteorológicos pus-me a caráter. Calça de lã, camisa de mangas longas, pulôver e meias também de lã, o já citado paletó sobre todas as peças. Não me pareceu necessário o uso de boinas e luvas, mas cheguei a ponderar.

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um japonês que vaticinava o contrário do que acontecia, tanto que íamos para o litoral quando ele nos alertava para chuvas Todo lampeiro, saio de casa pronto para ouvir no rádio do carro as baixíssimas temperaturas vigentes. Sem levar em conta o fato do rádio da velha carruagem estar quebrado desde a última nevasca em Curitiba, cheguei ao servi-

ço suando pelos poros e, principalmente, pelo cérebro. Este, suava de ódio. A temperatura caiu para meros vinte graus, pouco menos, pouco mais. A questão é que encarei no mesmo dia algumas solenidades, duas reuniões de trabalho com cobertura de TV (aqueles spots esquentam como o inferno) e, à noite, um jantar familiar em um restaurante no Estreito de Bering. Ou seja, com a lareira ligada. O dito frio, aquele anunciado aos perdigotos congelados, não veio. Sofri como um nórdico em Dacar, a ponto de chegar em casa disposto à nudez concupiscente, não estivesse entre pessoas de respeito. Foi quando me veio a solução. Livre daqueles infinitos casacos e meias e lãs insuportáveis, posto então em camiseta, liguei para o Procon. Mandei anotar reclamação formal contra o pessoal da meteorologia. Atentam eles contra o Código de Defesa do Consumidor, afirmei, por propaganda enganosa. Trata-se de gente que não cumpre o que promete. Ainda não sei que fundunço vai gerar a reclamação, não me deram nenhum número de protocolo, coisa e tal. As referências que fiz aos erros antigos, sobre um japonês que vaticinava o contrário do que acontecia, tanto que íamos para o litoral quando ele nos alertava para chuvas de canivetes e adagas e facas de churrasco e sei lá quais outras armas letais sobre os imprevidentes, a moça do Procon nem entendeu. Essas coisas de previdência, enfim, não são mesmo muito bem explicadas. E hoje a temperatura já anda de novo pelos 30 graus. Mas a turma da meteorologia que se prepare. Eles não sabem o que é lutar contra um esquimó enlouquecido no Senegal.

ernani buchmann é escritor, advogado e publicitário.


Marcio Renato dos Santos

O abismo de um sonho

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m, dois, três toques na porta. Valter Souza não espera ninguém, e segue a digitar o texto no computador. Menos de trinta segundos e uma, duas, três batidas na porta. O texto travado há dias parecia decolar, mas não. Outros um, dois, três toques na porta. Valter caminha e pelo olho mágico vê dois homens que não conhece. Abre a porta. – Bom dia. – Bom dia, diz um dos desconhecidos. O outro permanece em silêncio. – Então... – O senhor Valter Souza está? – Depende... – Precisamos saber se o senhor Valter Souza se encontra. – Bom... – O senhor é o Valter Souza? – É assim que fui batizado. – Pois, então, considere-se preso. – Preso? – O senhor tem o direito de permanecer em silêncio. Tudo o que disser pode ser usado contra a sua pessoa. – Por quê? – Por muita coisa, senhor Valter. – Por exemplo? – O senhor está se fazendo passar por escritor, e temos absoluta certeza de que se trata de propaganda enganosa. – O que é isso? – Exatamente o que o senhor escutou. – Mas quem são vocês para dizer que não sou escritor? – Somos funcionários do Departamento de Críticos, Resenhistas e Jornalistas que Escrevem Sobre Literatura. – Isso existe? – Tanto existe que somos funcionários do DCRJESL e temos poder de deter e tirar de circulação falsos escritores. – E... – O senhor está preso por escrever e publicar obras supostamente de ficção, mas que não passam de baboseira. – O que é isso? – Senhor Valter, não complique as coisas. – Complicar?

– Vou explicar ao senhor uma coisa. – Explique. – Senhor Valter, anteriormente, para a legislação brasileira, o exercício ilegal de uma profissão só era considerado crime no caso de médicos, farmacêuticos e dentistas. Para todas as outras profissões, tratava-se apenas de contravenção penal. – Está vendo, sou escritor, portanto... – Recentemente, o Departamento de Críticos, Resenhistas e Jornalistas que Escrevem Sobre Literatura conseguiu legalizar a profissão

de escritor, poeta e ficcionista. – E o que isso significa? – Que não se pode mais exercer ilegalmente a profissão, como o senhor faz. Ser escritor sem, de fato, ser escritor, é crime. Por isso, o senhor está preso. – Não acredito. – Acredite. – Ser escritor sempre foi o meu sonho. – O senhor sonhou errado. Esse sonho não é para o senhor. Nem bigode o senhor tem, Valter. – O que você falou? – Escritor tem de ter bigode. Se tiver barba e bigode, melhor ainda. – Era só o que faltava. – Falta muita coisa para o senhor ser escritor, Valter. Além do bigode, ou bigode e barba, falta companhia. Escritor tem de fazer parte de alguma turma, e o senhor é um solitário. – Escritor tem de ser enturmado? – Escritor, senhor Valter, tem de se fazer de difícil, enunciar discurso incompreensível, viver à beira de um siricutico e estar antenado com as últimas tendências. – Quem decretou essas coisas sobre ser escritor? – O Departamento de Críticos, Resenhistas e Jornalistas que Escrevem Sobre Literatura. – Isso só pode ser brincadeira. – Não é brincadeira, não, senhor Valter. E tem mais. – Tem mais? – Esse apartamento, que o senhor comprou para escrever ficção, será confiscado. – Confiscado? – Desde já. Os dois funcionários do Departamento de Críticos, Resenhistas e Jornalistas que Escrevem Sobre Literatura, o que falou com ele e o que permaneceu em silêncio, seguram Valter Souza pelos braços e o carregam até o elevador. As portas se abrem, os três entram, e as portas do elevador se fecham.

Marcio Renato dos Santos é escritor.

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Antonio Augusto Figueiredo Basto

O idiota que queria ser rei

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sul do reino era um lugar muito frio e cinzento, habitado por um povo miscigenado, gente muito provinciana e tacanha, cujo destino não merecia inveja ou respeito no reino, uma atmosfera malcheirosa e pegajosa. Essa paróquia era administrada por três ou quatro famílias que se sucediam no poder, ora pais, ora filhos, netos e agregados. Além de contar com a idiotia geral que os mantinha no poder, tinham em comum a enorme soberba, pouca inteligência e o esnobismo que encantava os fracos e acovardados que os fazia triunfar. Houve, também, um desgraçado delirante, destrambelhado que por lá andou a fazer das suas diatribes. Governar era um fardo pesado, todos obtusos e toscos, incapazes de decidir, precisavam de um séquito de adoradores que os redimisse de sua estultice, cercaram-se de uma laia de safados profissionais, cínicos repugnantes e oportunistas de toda catadura que em troca de favores lhes davam o efêmero prazer da idolatria experimentado pelo asno fabulado por La Fontaine. Como todo “snob” é vazio de ideias e destino próprio, a paróquia jamais virou província e era mera coadjuvante nos destinos do reino. Aliás todos os representantes daquela paróquia se eclipsaram na memória pública, ninguém se lembra deles, todos passaram a anódina condição de meros rabiscos, exceto um, que dizem ser “contraparente de Joana, a Louca de Espanha”, anda pela corte vagando como alma de príncipe dinamarquês entre o ser e o não ser. Mas há que se fazer justiça em nome dos céus. Como esquecer das mulheres? Belíssimas, graciosas e desejáveis e muito astutas, sabiam que naquela atmosfera hostil e subjugante não havia lugar para o prazer e a inteligência, por isso forjavam um ar glacial e se comportavam como estátuas, incapazes de sorrir, fingiam vaidade e insolência. Influência do clima ou da pasmaceira local, não se sabe. O certo é que ao deixar a paróquia elas se derretiam facilmente e esquentavam as festas na corte e as camas de todo reino, seus atributos eram muito famosos e benditos. Nessa deprimente paisagem urbana que poderia ter inspirado John dos Passos em “Manhatan Transfer”, vivia um moço pouco dotado física e intelectualmente, criado para servir, tinha boca e lábios de hiena, olhar pesado e embrutecido, era

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a falta de escrúpulos personificada em tudo que fazia. Muito medíocre sonhava em ser rei, se não fosse possível queria ao menos ir morar na corte. Procurou então o caminho mais fácil para atingir seu objetivo, decidiu torna-se político, vocação comum dos imbecis paroquianos. Urdiu um plano não muito original, embora engenhoso. Resolveu que procuraria o Diabo e venderia sua alma em troca do sucesso na vida pública. Mas como encontrar o capeta? Desnorteado, andou, vagou e cansou, era tão incapaz que nem o caramulhão queria conversa com ele. Alistou-se na guarda do governador, e dado a sua covardia e estupidez, usou e abusou da violência contra tudo e todos, especialmente os mais fracos que habitavam os subúrbios e incomodavam as famílias mais importantes da paróquia. Logo adquiriu prestígio e a consideração que a tropa e a canalha social têm pelos heróis de folhetim. A tropa e a canalha são como a manada, precisam de líderes que ao menos lhe ensinem a marchar. Triste destino, mas naquele lugar isso já era um enorme progresso, pois ali o esporte paroquial era a corrida para trás. Havia um pasquinete que publicava os vencedores, apesar de vulgar e frívolo era muito apreciado pelos paroquianos. Então nosso herói de subúrbio, acreditando ser capaz de salvar o reino, alistou-se na guarda do rei. Ali sua vocação para covardia e sórdido oportunismo foi apoteótica , usurpou ideias e resultados, a crapulosa paróquia então voltou seus olhos para ele e aplaudiu seu filho ilustre. O sujeito até sabia ler e escrever, embora fosse muito inculto e sem qualquer virtude ou refinamento. Era capaz de confundir Lorca com a baleia e certa vez quando alguém mencionou o escritor argentino Borges se apressou em corrigir: - escritor porra nenhuma, Borges é o atacante do meu Santos, vai se informar”. Então um dia um homem bem arrumado e falante o procurou, dizendo que ter planos para torná-lo um político influente na paróquia, quem sabe no reino. O idiota abasbacado emendou: “-Por onde você andava? Há muito tempo te procuro para vender minha alma”. O homem começou a rir, mas ficou perplexo quando viu que o idiota estava seguro que ele era o “coisa feia”, mas logo viu que tinha diante de si um idiota completo, portanto, um enorme potencial e vocação para tratar das coisas públicas, tratou de explicar que não era o Diabo mas um marqueteiro.

Porém tinha poderes de transformar um imbecil como ele em um homem de caráter e ideias geniais. O idiota, respondeu: “-Para com isso, não seja modesto. Isso lá não é coisa do demônio, enganar as pessoas?”. Cada um tem o demônio que merece, ou o que a vida apresenta. E assim foi feito. Astuto estrategista em relações públicas, o marqueteiro investiu pequenas somas, logrou jornalistas, políticos, religiosos da paróquia, alguns ingênuos, outros tontos e conseguiu edificar uma gigantesca cortina de fumaça, destinada a fazer o mundo acreditar que a aventura do idiota era sagrada, e tinha uma finalidade humanitária: salvar o reino e elevar a paróquia à província. Apoiado nessa farsa, o idiota foi eleito para representar a paróquia no congresso do reino, finalmente chegou a corte. Como um macaco lambão, deslumbrou-se com as luzes do enorme circo real. Jactansioso, metia-se com tudo e com todos, era um palpiteiro incorrigível. Vou levar a civilização aos canibais, eu faço eu aconteço. Essa propaganda funcionou bem, foi condecorado e banhado de incenso religioso, para uma seita era santo, um redentor da paróquia, que merecia ser financiado em sua aventura com o dinheiro retirado dos fíeis. Amém. Como era atrevido e dado à corrupção, seu apetite não tinha limites, aventurou-se em conjurar contra o rei, e na paróquia suas bravatas eram aplaudidas e sua insensatez confundida com audácia, mas o coitado do homem era um parvo, inconfiável, vil e mentiroso. Na verdade uma ratazana que quando se olhava no espelho via um tigre, para sua desgraça sua miopia moral logo foi desmascarada e o rei determinou que fosse enxotado da corte e exilado no sul. Desesperado, o covarde implorou a clemência real e obteve o favor de permanecer na corte, mas na eterna condição de bobo. O idiota aceitou alegremente afinal sua vida sempre fora uma farsa , viver na corte era seu sonho e nesse reino pouca gente consegue diferenciar quem é tonto e quem é rei, todos padecem de miopia moral. Lá na paróquia acreditam que o bobo agora é rei.

antonio augusto figueiredo basto é advogado e escritor.


Izabel CamPana

respeito é bom e eu gosto

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ricarDo humBerto

evanta e vai à janela. Ainda resta ponta de esperança de dar de cara com o armagedom. Quatro bestas do Apocalipse, sete anjos e suas trombetas. Abre as cortinas, mas não. Nada do fim dos tempos. Lá fora só o céu. E o céu tem um olhar escarninho de azul intenso. Não, não há solidariedade alguma. Não há chuva, tempo negro, bruma que seja. Só há sol e uma luz preguiçosa que monta no chão da sala as grades da janela. E pelo vidro entreaberto, um vento leve e gostoso que traz cheiro de bolo de fubá do apartamento ao lado. O outro vizinho bate a porta e sai com o cachorro para o passeio matinal. Ouve a voz esganiçada do gordo do 203 a dar instruções para o animal no corredor. Não trabalha esse senhor? Só passeia o dia todo? Devia se encontrar para um bom papo com a dona do andar de cima. Outra desocupada. Mas vai. Esquece os vizinhos que já é hora. Por que tinha de ficar tanto tempo no banho? Deixa pra lá. São os minutos merecidos de silêncio diário. De solidão e preguiça a que tem direito. Só aquele banho e o tempo do cafezinho. Põe o pé para fora da porta e vem na cara a brisa quente do veranico de maio. É o calor que vem fazer dele a piada do dia. Não demora muito e começa a sentir a zombaria do suor que escorre a testa e o pescoço para dentro da camisa. Entra no carro e vai. Vai a sonhar com o sol, uma boa rede e nuvens de algodão-doce. Vai sob os risos dos ipês e das primaveras. Nas ruas sente os olhares, a gozação na cara dos aposentados que passam com o pão das 10 da manhã e o jornal debaixo do braço.

Trancado no carro, toca o cd preferido, aquele sonzinho do Tom. Sente raiva da música alegrinha e desliga o rádio. Apesar do silêncio, não pode ouvir o que dizem lá fora, apenas vê nos lábios a boataria que se forma contra ele. O conchavo do mundo para sua infelicidade. Todos ao clube, talvez até desçam à praia. A praia. A existência da praia. O símbolo maior de toda essa palhaçada. Pior que a praia, só a cama. E um bom ar-condicionado neste calor dos infernos. Uma coca gelada e o controle remoto. Não. Esquece a cama e a praia que não é hora. Já são dez e quinze. É bom inventar uma des-

culpa. Já usei a do pneu furado? Com esse tempo aberto nem dá para reclamar do trânsito! Droga de dia bonito. São quantos em um ano em Curitiba? Uns dez? E esse vem assim, logo numa segunda-feira. Segunda medonha e odienta. Não vê a hora de chegar ao escritório e ficar, finalmente, rodeado de cinza e caras amarradas. Ah, num dia destes, mau humor é respeito!

izABeL CAmPAnA é advogada.

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lIvros

Prateleir�

E foram todos para Paris Por marisa villela

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squeça a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, os palácios e os boulevards de compras. Para quem é fascinado por Paris e gosta da boa literatura, aqui está um guia dos mais úteis. O jornalista Sérgio Augusto montou roteiros (que boa parte se faz a pé) pela Paris dos séculos XIX e XX, frequentada por artistas e escritores, particularmente os grandes: Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, Dos Passos, Henry James, Ralph Emerson e todos os outros que por lá passaram, ficaram, namoraram e beberam até cair. Gostei muito em saber que tenho algo em comum com Hemingway: o cognac Martell, o predileto do escritor (e meu). O texto é saboroso e cheio de pequenas histórias e fofocas das diversas turmas de intelectuais que escolheram Paris para morar

Palmeiras Selvagens Por marisa villela

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almeiras Selvagens” é um dos livros memoráveis de William Faulkner. São duas histórias paralelas que nunca se encontram, mas ambas têm o mesmo foco: liberdade e prisão. Uma é o amor entre Charlotte e Henry. Outra é o Velho (apelido do rio Mississipi) e um homem preso em uma penitenciária americana, chamado de “o condenado alto” . Duas liberdades, duas prisões. Dois apaixonados que abandonam a civilização para manter livre um amor único. Este mesmo amor condenado a morrer de inanição, sem comida, sem dinheiro nem trabalho. Duas liberdades, duas prisões. O condenado pensa na liberdade ao resgatar pessoas arrastadas pela enchente do Rio Mississipi. Se conseguisse voltar com sobreviventes, seria, então, liberto das amarras da justiça. Ou poderia aproveitar para a fuga previsível e “morrer afogado”, vivendo para sempre em liberdade. Mas seu aprisionamento era além das grades e o obrigava a retornar à penitenciária após a batalha contra as águas. Ao perceber que “se transformou em um marido”, Henry questiona onde e quando o amor se perdeu e se tornou uma prisão. E o condenado constata que todo o sofrimento nas águas revoltosas do Rio Mississipi não lhe deu a alforria. Pior: ganhou mais dez anos de pena adicional. Melhor teria sido morrer. Aí sim estaria liberto para sempre.

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e Foram toDos Para Paris sérgio augusto casa da Palavra

e curtir. Cada setor da cidade é acompanhado por mapas, onde os lugares interessantes estão cuidadosamente assinalados. Não há como se perder. E, se tiver a sorte de ter uma boa companhia para ir junto a Paris, que goste de andar bastante e tomar todas, então, este livro é fundamental. E, aí sim, Paris será uma festa. Daquelas!

Graham Greene – Crítica e ensaios Por Dico Kremer

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.H.Auden (1907-1973) foi poeta anglo-americano, escritor, crítico, ensaísta. Sua poesia foi mais disseminada. Com surpresa e alegria li um pequeno artigo sobre um livro de Graham Greene (1904-1991) numa coletânea de ensaios: “Graham Greene – A Collection of Critical Essays” editado por Samuel Hynes. A alegria foi dupla pois tanto o poeta/ensaísta como o romancista/ensaísta fazem parte de meu universo literário. O romancista fui conhecê-lo, um bocadinho tarde, por influência de querido amigo, amante das letras, conhecedor de línguas, apreciador de um belo scotch e cavalheiro. O que se deve ler de Greene? Segundo Carlos Alberto Pessôa a citar Dalton Trevisan: tudo. E o livro da coletânea tem excelentes ensaios de escritores como o já citado Auden, François Mauriac, Evelyn Waugh, George Orwell, Ian Gregor, R.W.B. Lewis entre outros. Para quem gosta dos livros de Graham Greene e de ensaios sobre literatura recomendo esse livro. Pode-se mandar buscar via internet no site www.betterworldbooks.com e há em português um ótimo livro de resenhas, reportagens de viagens, ensaios de Graham Greene editado por Judith Adamson “Reflexões”, Ed.Record 1990.


Livros

FILME

A estrada de tijolos dourados...

Il Casanova Di Federico Fellini

Por Ernesto Ramos

Por Dico Kremer

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C

ontada a palmos. Djamena e Tuhfah são os senhores dos palmos, a medirem o mundo dessa forma. Muralha da China, Torre Eiffel. “O Contador de Palmos”, de Claudia Cavalheiro Ortiz, é uma obra de ficção vanguardista. Um universo de sensações, olhares diferenciados às situações corriqueiras e estrelas no céu. A distância entre tais astros: dois palmos e um dedo. A narrativa leva-nos a uma realidade posta em escala. O casal contador de palmos discute o método de contagem, mas o próximo trabalho é a estrada dos tijolos dourados, a pedido dos governantes de uma Oz contemporânea.

Dois rios Por Amélia Taborba

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m parágrafo, uma frase: vez ou outra o efeito de contraste se sobressai no emaranhado. Algo difícil. Tal proeza realiza Clèmerson Merlin Clève em “Teatro Inexperto em 2 peças quase distópicas”. O livro alcança o leitor com dois ensaios dinâmicos, de linguagem fluida e personagens bem construídos. O primeiro, “Mingau de alho”, marca pelo falar do interiorano, diálogos pesados, capazes de serem ouvidos enquanto lidos; o segundo, “Razão de Estado”, é o contrário: palavra em decoro. Duas peças arrebatadoras que correm aos olhos como dois rios diferentes, e levam pelo mesmo curso da genialidade.

Quem me dera ser Signore(a) Por Ernesto Ramos

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assei por Oito Deitado e nem vi, tamanha a velocidade. Tudo por conta de uma narrativa que recusa o estável e a linearidade. Em “A gérbera rosa”, Claudia Cavalheiro Ortiz constrói uma novela salada mista, linguagem que viaja. Prosa e poesia entrelaçadas em ritmo concêntrico: as duas dondocas em uma roda cotia bem dançada. Digam-nos II Signore Acca, Signora Otto, Signorina Cici... Todos esses que tomam lugar nesse universo da imaginação e do surrealismo, que constitui um espaço aberto ao leitor. Liberdade. Fosse verão, inverno ou qualquer estação que o valha: queria eu um Signore em Oito Deitado.

om o passar do tempo, com a maior informação que se vai adquirindo pela própria vivência, nossa percepção de uma obra de arte muda. Lemos, olhamos, escutamos, com outros olhos e ouvidos. Mais críticos, talvez mais serenos e com menos preconceitos. Mas há, também, o caso em que uma obra é mutilada à revelia de seu autor e julgamos, desconhecendo a mutilação, que é a versão do autor. Quando assisti na década de 70 ao filme “Il Casanova di Federico Fellini” tive uma reação negativa. Não gostei de nada. Achei o ator principal, o norte-americano Donald Sutherland abobalhado e a narrativa incoerente, caótica. Bem, depois vim a saber que a exemplo de outros dois filmes da época, “O Último Tango em Paris”, de Bernando Bertolucci, e “A Laranja Mecânica”, de Stanley Kubrick, o filme de Fellini tinha sucumbido à sanha moralista do governo militar. O filme foi considerado, como os outros, pornográfico. Dos 155 minutos originais de “Il Casanova” sobraram uns 110. Agora já temos o filme em sua versão integral. São dois DVDs. E é outro o filme. Das “Memoires de Giacomo Casanova de Seingalt écrits par lui-même” Fellini pinçou das quatro mil páginas alguns episódios de sua vida para compor o seu Casanova. E surge um Casanova cavalheiro e velhaco, contido e espalhafatoso, com senso de justiça e bajulador, mistificador, amoroso, apaixonado, que se apresenta como escritor (que de fato era), teólogo, filósofo, matemático (inventou uma loteria que explorou junto à corte francesa), conhecedor de línguas e grande amante. Em “Giulietta degli spititi” e em “Fellini Satyricon” o autor já havia mostrado sua poderosa imaginação. Nesse filme Fellini se supera em criação, em exuberância, na crítica ao ser humano e à humanidade. O filme foi todo filmado nos estúdios da Cinecittà, não há cenas externas. O décor, o vestuário, a fotografia de Giuseppe Rotunno, a música de Nino Rota, o desempenho dos atores sob a batuta de Fellini, tudo é magistral. A Veneza de estúdio é mais bela que a verdadeira, o mar de plástico mais bonito que o mar, o rio Tâmisa de estúdio supera o da Inglaterra. Tudo vem da imaginação do grande regista. Coerente com toda a sua obra, sua imaginação cada vez mais fantástica, a criar a partir de roteiros escritos por ele e colaboradores ou tendo como ponto de partida obras de outros (Petrônio, Casanova), Fellini mostra através do primeiro ao último de seus filmes a frágil grandeza e, mais, o sofrimento, a angústia, a ilusão, o absurdo da vida. E para aqueles que veem nas Memórias de Casanova uma amostra da douceuer de vivre do período do antigo regime de antes da revolução francesa, o filme de Fellini mostra, pelo contrário, a exacerbação e os excessos de uma época quase a se apagar. Fellini foi e continua sendo um dos maiores artistas que a humanidade teve o privilégio de conhecer.

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Marianna Camargo

18h25 uando quase anoitece vejo pela janela a mudança de cores do céu, no alto do meu quinto andar. Elas se transformam em matizes, em outras cores, as nuvens se espalham e formam outros desenhos. Precisamente às 18h25 fica perfeito. O azul fica amarelo e laranja até cair no marinho, 11 minutos depois. É a hora que aparece Vênus, pequena e brilhante. A hora que os pássaros se recolhem e voam para um lugar qualquer, a

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hora que as luzes se acendem, a hora do vento que sopra mais forte, a hora que o sol se recolhe. A hora de pensar, de ler, de escrever, como faço agora. Porém, existem as horas que não são boas, que são feitas apenas para se fazer coisas. Falo aqui das horas livres, das horas do fazer nada, das horas necessárias para praticar o não pensar. Horas vazias, inúteis e fundamentais. Não quero as horas dos dias úteis. Penso então na poesia, que é inútil, que é um nada, um não. É livre, é quase luxo, é pausa, um silêncio quando se quer.

Nas horas confusas do dia, escolho a minha hora, 18h25, com ela fico, com ela me recolho, com ela me torno cúmplice. A escrita, a poesia, a loucura em estado bruto, emerge ali, àquela hora. Depois disso, tenho fôlego, e retorno ao mundo das horas possíveis. Porque às 18h25, vou te contar um segredo, é a hora certa.

Marianna Camargo é jornalista.


eXposIçÃo

somos todos iguais

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o espaço cultural Beto Batata, do Parque Shopping Barigui, a exposição do ensaio fotográfico de João Le Senechal foi um grande sucesso. São fotos feitas em negativos 35mm, com máquina analógica, onde Le Senechal dispõe a matéria básica de seu trabalho, palitos de fósforo, que ele dispõe de forma lúdica e fotografa num único click, sem montagem digital. São 25 fotos em alta definição que podem ser ampliadas até 3 metros.

— Nesta exposição inicial eu apresento seis imagens, que tem como título “Somos todos iguais – 1º Ato”. Ampliadas no tamanho de 1,20 m X 1,80 m em PS (material plástico) com processo de impressão digital. O resultado é impressionante. Le Senechal se apropria destes objetos e conduz a uma ressignificação deles, daí o título “Somos todos iguais”. — Apesar da diferença na cor, na origem, no credo... eu afirmo, somos todos iguais. Tenho a fotografia como forma de expressão em meus trabalhos autorais. Este ensaio que

apresento agora é documental/estético com pretensões artísticas/poéticas. Essa é a perspectiva de Le Senechal, que vem produzindo essa mostra há cinco anos. Valeu o tempo e o esforço. — Este ensaio eu venho exercitando a mais ou menos cinco anos. Inicialmente surgiu como uma atração estética, quando me deparei com uma coleção de caixas de fósforos. Com a manipulação destes objetos de uso popular, o conceito e o título do ensaio surgiram naturalmente, a partir de convicções humanistas e igualitárias.

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TeaTro

me chamo Chiputchin Grupo de teatro amador é destaque no cenário independente curitibano por interpretações complexas e peças de roteiro próprio TEXTo E FoToS REnan MaCHaDo

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duras penas encontrava-se o lugar, escondido ao fim de um beco. Luzes e paredes recobertas com papel colorido destacam o Teatro Cultura no ambiente assombrado. Na noite de 31 de março, sábado, caía uma fina garoa curitibana: a saída de casa naquele clima tinha de valer a pena. O cartaz à frente anunciava: “O Urso” e “O Jubileu”, de Anton Tcheckov, encenados pelo grupo de teatro experimental Por Mares Nunca D’antes Navegados. Mesmo quem chegasse em cima da hora, às 21, poderia assistir ao espetáculo, que ainda não começara. Algumas pessoas fumavam. Outras, na ânsia de conseguir um bom lugar (as cadei-

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ras não eram numeradas), formavam uma fila, que se esgueirava pela porta estreita. O preço do ingresso assustava uns e outros. Vinte mangos? “Mas tudo bem”, diziam os determinados. Pagavam. No pequeno auditório, a plateia apertava-se. Quando todos dali levantaram, cerca de cinquenta minutos depois, concluíram que valera cada centavo desembolsado. No palco, um cenário residencial antigo. Uma mulher, toda de preto, encontrava-se sentada sob uma luz focal. Tinha início “O Urso”, a primeira peça da noite.

a naveGar veredas A apresentação simultânea de “O Urso” e “O Jubileu” fez parte do Fringe, mostra paralela do Festival de Teatro de Curitiba. Diferente da mostra oficial, a paralela permite a participação de grupos amadores

e encenação de peças d’antes montadas. Em 2012, o festival chegou à 21ª edição com a mostra oficial. O Fringe debutou com estilo nesse ano, e em sua 15ª edição trouxe espetáculos de dezenove estados brasileiros, apresentados em mais de sessenta espaços da cidade. Por Mares Nunca D’antes Navegados é um veterano no Festival de Teatro. Neste ano, além de “O Urso” e “O Jubileu”, o grupo apresentou a peça escrita por João Paulo Godinho, diretor do grupo, chamada “As Quarentonas”. A comédia trata, segundo Ricardo Freire, que atua na peça no papel de uma doméstica, de duas coroas que, encalhadas aos quarenta anos, fazem mais fofocar, dividir suas experiências de vida e esperanças na espera do príncipe encantado. A primeira montagem do ensaio aconteceu no Fringe,


De cima para baixo: A viúva, interpretada por Suellen Alves, chora a ausência do marido: momento terno de frieza dissimulada; Daniel Simonetti, na pele do “Urso”, engasgado por um de seus chiliques nervosos; Ricardo Freire, o gerente Chiputchin, analisa seu discurso para o dia do “Jubileu” do banco em que trabalha.

em março de 2008, ano de estreia do grupo na mostra paralela. Em julho do mesmo ano, “As Quarentonas” foi encenada em apresentação especial, a convite da família de Renato Russo, os Manfredini, no encontro anual que fazem. O grupo nasceu em 2003, formado por exalunos da Sátyros, escola de teatro curitibana. Nos quase dez anos de vida, o Por Mares encenou peças complexas, como “A serpente” e “O casamento”, ambas de Nelson Rodrigues, “Adão e Eva”, adaptação do conto de Machado de Assis e “A balada do Cárcere de Reading”, de Oscar Wilde, ensaio que, de acordo com Freire, mostrou-se a mais difícil de ser montada, pelo peso emocional e necessidade do ator de refugiar-se em seu íntimo.

E no Cultura...  O ambiente aquecera-se por sua pequenez e a aura de Tcheckov crítico que pairava no ar. Suellen Alves, um dos nove membros do Por Mares Nunca D’antes Navegados, quiçá engasgou-se em certo momento com um líquido duvidosamente de cor neutra, tamanha a pressão. Era ela a mulher de preto, que em “O Urso” colocava em cheque seu respeito pelo marido morto. Viúva de falso luto e devedora de uma conta magistral que ficara à posteridade do companheiro, entregava-se ao “Urso”, homem bruto e sistemático, na pele de Daniel Simonetti (ou vice e versa). Ali era o sussurro do autor russo, um machismo debochado, que se levado a sério ofende e se não diverte. Mais diverte. Tanto quanto o bordão do gerente egocêntrico: “Tão certo como me chamo Chiputchin”, repetido à exaustão. Eis “O Jubileu” que dá sequência ao espetáculo. Dadas proporções de ironia, a segunda peça da noite trouxe à tona a voz satírica do mesmo Tcheckov à burguesia pedante. A montagem exigiu do grupo a habilidade de interpelar duas cenas no mesmo cenário, criar dois contextos, cada um com sua atmosfera. Os aplausos calorosos de uma plateia seleta são a resposta ao resultado do talento do Por Mares Nunca D’antes Navegados. A luz baixou. O auditório espremido esvaziou-se sob o eco das palmas que se seguia. Os espectadores, fora do teatro, percebiam que a garoa abrandara-se e o beco, antes escuro, era iluminado por lâmpadas vermelhas nas paredes. Mesas amontoavam-se sob os focos. Um vento frio encanado soprava e carregava as vozes do público que seguiria seu caminho, as quais, dadas variações, diziam a mesma coisa: sair de casa, hoje, valeu a pena. maio de 2012 |

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Armando de Souza Santana Junior

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Dez anos de solidão

ntre as minhas miríades lembranças, aquela casa é uma em especial. Era um sobrado de esquina com uma ampla área em cima e embaixo todo avarandado. Eu o adquirira na primavera de 1997 e o transformara num lugar muito aprazível. O sol do Sul o abraçava durante todos os dias daqueles inesquecíveis verões setentrionais em que nos deliciávamos com longos almoços à base de ostras e caranguejos regados a vinhos brancos e espumantes . Depois nos embalávamos nas redes armadas ao beijo das brisas que vinham do mar para reparar o sono que nos aconchegava. Que momentos! No inverno o lugar era um deserto, mas mesmo assim costumávamos caminhar pelas areias da praia devidamente agasalhados para ver o mar revolto e apreciar o voo dos albatrozes que dava nome ao lugar. Às vezes, a noite trazia grandes chuvas tempestivas e ventanias soltas uivando por entre as frestas. Aquilo de alguma forma mexia com os meus sentimentos, mas era o que de mais próximo eu chegava perto da solidão. Nos dias frios e escuros daquela estação, os peixes e camarões adquiridos dos pescadores do lugarejo eram transformados em borbulhantes caldeiradas que aqueciam nossos corpos e revigoravam nosso otimismo no futuro. Vivíamos em uma pequena comunidade familiar, e naquele pequeno balneário tivemos a sorte de nos avizinhar de queridos amigos que possuíam também uma casa muito próxima à nossa, entrelaçando nossa convivência com jantares e papos descompromissados que avançavam madrugada adentro enquanto muitos já dormiam, falando de amenidades e dando boas gargalhadas. Eu costumava degustar um charuto antes de dormir e olhando para aquele céu estrelado, procurava identificar as constelações que conhecia desde criança ensinadas por meu pai. O som do mar quebrando na praia se fazia mais forte no silêncio da noite e eu só costumava adormecer com aquela “música” quando não mais aguentava manter os olhos abertos. Queria que aqueles dias e noites nunca tivessem fim. Lembro que na nossa rua havia um sujeito de bigode que morava em frente e aparentava ter a minha idade. Não sei o porquê, mas o achei muito parecido com o Jânio Quadros. Soube depois, que após sua separação passara a viver ali sozinho, convivendo com pescadores e nativos. Da varanda superior eu o observava diariamente fazendo sua própria comida. Aquela solidão me perturbava. Na outra esquina funcionava um misto de boteco e mercearia cujo pro-

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prietário era conhecido apenas como Zé, um “quebra-galho” do lugar que nas horas ociosas cuidava e limpava algumas casas de veraneio do lugarejo. Juntamente com a nossa caseira e seu sobrinho magriço, eram os únicos personagens locais que convivíamos. Pois foi nessa época que comecei a ler Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques. Talvez o livro mais extraordinário que li. Tive uma companheira nessa epopeia, pois coincidentemente a cunhada de minha esposa, que sempre nos acompanhava com sua linda garotinha nesses felizes dias, também começara a ler a mesma obra. Freneticamente passamos a disputar o avanço da leitura, cada um com seu exemplar. A saga dos Buendía passou a fazer parte de nosso cotidiano e vivíamos às turras na interpretação dos personagens que surgiam a todo o momento em Macondo, a pequena comunidade fundada por José Arcádio, o patriarca, e sua prima Úrsula Iguaran, atemorizados pela lenda de que casamento entre parentes podia gerar filhos com rabo de porco. Chegamos até mesmo a apostar quem terminaria a trama, rica em realismo fantástico, antes do outro. Lembro bem que o episódio da descoberta do gelo por Aureliano Buendía levado por seu pai José Arcádio até o cigano que o trouxera, achando que era o maior diamante do mundo, ficou marcado em nossas memórias. Ao final da história, pouco importava a aposta que fizéramos e minha concunhada, a quem, durante a leitura, carinhosamente apelidara de Remédios, a Bela e eu, estávamos fascinados. Achamos a história belíssima, e procuramos entender se Cem Anos de Solidão seguia os padrões de uma realidade mesmo que mágica ou se era uma história épica. Para mim, o que importou foi que o livro era rico em encontros e desencontros ocorridos nas vidas dos Buendía e eram mostrados por diversos anos, até que o último Buendía vivo conseguisse decifrar as escrituras que prediziam o futuro da família. Neste trajeto, havia uma mistura bem dosada de elementos, personagens e passagens, que incluíam um comboio carregado de cadáveres e uma população inteira que perdia a memória. Mostrava ainda mulheres que se trancavam por décadas numa casa escura e homens que arrastavam atrás de si um cortejo de borboletas amarelas. No fim, o tema central do livro é mesmo a solidão, pois parecia que todos os integrantes da família, das mais diversas gerações, estavam fadados a conviver com ela. Após essa leitura, alguns anos se passaram naquela casa cuja comunidade passei a denominar particularmente como minha Macondo, já que a vida ali caminhava tal qual o destino dos Buendías. Minha parceira

de leitura e aulas de xadrez teve novas filhas e atividades. As visitas rarearam cada vez mais e diante da necessidade profissional de meu cunhado mudaram-se posteriormente para outro Estado. Nossos últimos e raríssimos encontros aconteceram por acaso em Paris e no Rio de Janeiro, onde entre um café e um pastel de Belém comentamos outras obras e o que escrevemos em blogs sobre nossas experiências, sem, no entanto, comentarmos uma única frase sequer sobre aquela época em que dividimos Cem Anos de Solidão. Assim é que um dia, por volta de 2001, fomos comunicados da morte súbita de nossa caseira, assumindo o seu encargo o seu sobrinho magrelo. No entanto em 2002, ao descer sozinho a serra para efetuar reparos necessários no sobrado, notei que a casa do “Jânio”, meu vizinho de frente, estava trancada, com muito mato em seu gramado e certo ar de abandono. Será que se cansara daquela vida solitária e voltara para Curitiba? Perquiri intimamente. Procurei então informações a respeito e obtive a triste notícia de seu também súbito falecimento. Ele aparecera no início da noite no boteco do Zé pedindo socorro, pois passava mal. Morreu ali mesmo, de enfarto, sozinho, sem filhos ou mulher que o amparasse naquele terrível momento de solidão. Assim me fora narrado pela mulher do Zé. Senti uma inexplicável tristeza e melancolicamente notei então que a aquela comunidade se transformara e o lugar perdera a magia de Macondo. Nossa frequência, a partir de 2003, diminuiu consideravelmente. A vida mudava sempre. Meu filho chegara e o lugar, de fato, já não era mais o mesmo, pois até os jantares com os amigos rarearam. Em 2004, com o início do verão no Sul, retornamos. Estranhei que o boteco do Zé estivesse em reforma geral, sem nenhum morador por ali. Meu caseiro magricela, perguntado revelou que o “seu” Zé também tinha morrido tal qual o “Jânio”, de enfarto fulminante, e que a viúva chorosa, agora sozinha, vendera o lugar e fora embora sem revelar o seu destino. Então, olhei tudo em volta e vi que aquele lugarejo que apelidara de minha Macondo, encerrara sua história em minha vida e antes que eu tivesse que ser amarrado em uma árvore, tal qual José Arcádio Buendía, resolvi, em 2006, vender aquela casa de tão boas memórias, encerrando meu ciclo de dez anos de solidão.

Armando de Souza Santana Junior é advogado.


CIdades

mais incentivo à educação Alunos da rede municipal de ensino de Almirante Tamandaré recebem material escolar e uniforme pelo 8º ano consecutivo

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ncentivar as crianças a frequentar a escola. Esse é o objetivo da política de entrega de material escolar e uniforme para todos os alunos da rede municipal de ensino em Almirante Tamandaré. Por meio do programa Criança na Escola, criado na gestão de Vilson Goinski, mais de 10 mil alunos são beneficiados com os itens do kit escolar entregues pelo 8º ano consecutivo. Além disso, a Prefeitura também realiza a entrega de um kit de higiene bucal para estimular os estudantes a cuidarem desde cedo da saúde da boca. Os materiais foram adquiridos por meio de pregão eletrônico sendo certificados pelo INMETRO. Neste ano, cerca de 79 reais foram gastos por aluno com a compra do material e uniforme – um investimento de aproximadamente um milhão de reais no total. Desde 2005, quando essa política foi instituída como forma de incentivo aos alunos, aproximadamente R$ 7.260.305,00 de recursos próprios foram investidos. A educação é prioridade na administração de Almirante Tamandaré, de acordo com

Goinski, e com a sanção da Lei n° 1.511/2010, a entrega gratuita do uniforme e do material escolar a todos os alunos da rede pública municipal tornou-se uma política efetiva e permanente no município. “A qualidade da educação melhorou muito em Tamandaré”, ressalta o porteiro Pedro dos Santos, que tem

seus 3 filhos matriculados na escola Eurípedes de Siqueira, a qual foi recentemente entregue totalmente reformada e ampliada. Outros avanços também vêm melhorando a qualidade da educação no município, como, por exemplo, as melhorias no transporte e merenda escolar; a formação continuada de professores e educadores; a democratização da administração escolar com a eleição dos diretores; a criação do Conselho Municipal de diretores e do Conselho Municipal de Educação; os investimentos em obras de construção, reformas e ampliação de mais de 45 instituições de ensino, etc. “Os cursos de capacitação para os servidores municipais, o plano de cargos do magistério, as obras da educação como a pavimentação do acesso aos prédios públicos por meio do programa Caminhos da Escola, as parcerias com o Governo do Estado, como a construção de uma escola profissionalizante em Tamandaré e, recentemente, o reajuste salarial de mais de 22,22% para professores e educadores são algumas das ações em prol da educação no nosso município”, destaca o prefeito.

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Carlos Alberto PessÔa

eu, anta de tênis

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ultivo alguns poucos orgulhos. Por exemplo, não fui anta de tênis - bolação do Jaguar-Ivan Lessa pro “Pasquim”, o original, lembra? Claro que não lembra do “Pasquim”, muito menos da anta de tênis; quem mandou nascer nos burros anos 80.

Nada mais fim de história que o Canadá. A Suíça ainda nos proporcionou o inacreditável relógio Cuco! E o Canadá? Desumana anta de tênis!

praGa De repente o patropi foi assolado por

pÁGIna em BranCo Diz alguma coisa sobre as décadas de 80-90? Na área cultural, da alta cultura, não ao lixo que é lixo, não às montanhas de merda que sequer servem pra adubo. Servidas diariamente em todos os canais abertos&fechados de tevê da “Oropa, França, Bahia”. E consumidas vorazmente pelos bilhões de idiotas de todos os sexos. (Não esqueça do lixo que é lixo secretado pelas rádios, jornais, revistas, internet.)

outra praga – a do tênis. Que importamos dos EUA. Como o jeans, a coca, não a que se cheira mas a que se bebe, esse flagelo que vicia mais que a branca, que faz muito mais mal que a branca. — O que mais a gente importou dos EUA? O rock, claro. Sida que se pega pelo ouvido, aids híbrido made USA&England, os povos menos musicais do mundo: não possuem sequer um compositor comparável ao último filho de Bach! Os flatos de Mozart são mais musicais do que tudo que ingleses e americanos produziram ao longo da história. Jazz incluído!

e Com voCês Anta de tênis, repito, criação da dupla do baralho Jaguar-Ivan Lessa pra gozar os panacas que copiaram pioneiramente a moda americana. Como o primeiro-ministro canadense débil mental que pintou numa recepção a vestir terno-tênis! Ele sofria de joanetes mentais. E chegou a primeiro-ministro! Talvez por isto mesmo. Também! Do Canadá!

sonho meU Infelizmente ainda não importamos assassinatos de presidentes. Quando importaremos assassinatos de presidentes? Espero estar vivo para a estreia. Qual será a arma do crime? Comida de Santa Felicidade? O ar que se respira na praia brava de Caiobá? Insolação? Casquinha de siri da Bahia pra cima? Over de lança num camarote da Carlos

Marques Sapucaí? Ou o ininterrupto aluvião de merda das tevês abertas?

eU, heIn? Repito. Cultivo alguns orgulhos. Por exemplo, nunca fui anta de tênis. Quando importamos essa praga dos EUA, nem te ligo; fiquei na minha, impávido, colosso, olímpico. faço moda Moda? Modéstia a parte, faço moda, não sigo moda, não sou de manada. Nasci vacinado contra epidemias passadas, presentes, futuras. Tirei de letra as sete do Egito. E aqui estou para mostrar como sou sublime. Por exemplo, nunca fui anta de tênis. Segue. Ai, porém. Um dia, um belo dia, olhei de esguelha os exames de coluna, consultei especialistas, parei de andar becado. Isto é, traje completo. E sapatos, claro. Nos dias pares, os clássicos, seis furos de cada lado, cadarço importado da Inglaterra, Manchester, da fábrica do pai do Engels. Ele mesmo! O das tabelinhas com Marx. Como o “Manifesto Comunista” de 1848. E que foi por Marx gigoloteado anos e anos e anos. olha o BreQUe Nos dias ímpares usava mocassins. Sem meias. Mocassins italianos, claro. Presentes dos meus primos mafiosos... Pra encurtar. Meus pobres discos, os que sobraram, não suportam tanta realidade, tantos impactos, exigem amortecedores, bons amortecedores; tive de usar tênis. paCIenTe Bom paciente, não reclamei. Fui às boas casas do ramo, mandei descer grosas, experimentei os mais baratos (US$ 2.019 o pé!), mandei embrulhar, não pedi desconto (coisa de gentinha), despachei frete a pagar. E me transformei, tcha-tchan-tchan, numa anta de tênis! Numa tardia anta de tênis! Numa múmia anta de tênis! Ai de mim.

CArLos ALBerto PessÔA é jornalista e escritor.

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Jussara Voss

Por terras férteis

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dmiro Andoni Luis Aduriz, o chef do restaurante Mugaritz, encravado num pequeno vilarejo de San Sebastián. Acho-o um dos melhores cozinheiros do mundo. Uma vez por lá, me perdi em estradas sinuosas que cortam o caminho dos peregrinos do caminho de Santiago de Compostela, cheias de significados ocultos que deram fôlego a algumas seções de psicanálise e horas de prazer conhecendo o trabalho do chef. Na segunda visita saí com um livro embaixo do braço que disseca o bacalhau, indo da etimologia à antropologia, com receitas tradicionais e de autor. Uma obra-prima, não apenas pelo conteúdo, mas também pela edição, com diagramação, desenhos e fotos admiráveis. Por isso, guardo com carinho o livro. Abro-o com todo cuidado, equilibro em minhas mãos para não derrubá-lo – é pesado o dito – leio de vez em quando a dedicatória assinada por ele em 2009 e lembro-me da estratégia para consegui-la. Num estalo de dedos me vejo naquela casa escondida num canto do país Basco, de gastronomia verdadeira e, portanto, de tantos significados para mim. Gosto de receitas e quero as melhores, cozinho assim, a intenção do meu blog é postar aquelas testadas e que dão certo. Imagine como foi meu pânico na primeira tentativa de reproduzir uma receita dele. Depois do terceiro prato preparado, da aprovação por quem provou, agora, cheia de coragem, já pego o livro do chef e vou para a cozinha com a maior desenvoltura. Os resultados até o momento têm surpreendido e só estou nas “recetas tradicionales”, com os pratos preparados indo para a lista dos especiais. Entrego de bandeja aqui, tenho a autorização dele para publicar, para a sorte de quem quiser repetir a façanha. Nem o deslize de queimar o pão um pouquinho e me esquecer de passar azeite de oliva antes de tostá-lo ofuscaram o brilho do cremoso bacalhau. O “bacalao mantecato” é feito para agradar.

Para acompanhar  Pensando em um vinho para acompanhar o prato, caí em outra viagem. Desta vez, meu destino foi Borde66

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aux, uma experiência em terras borgonhesas com estilo. Uma oportunidade única. Afinal, ser recebida por um grande especialista numa das regiões produtoras de vinhos mais famosas do mundo não é pouca coisa. Fiz o meu début no tapete vermelho estendido por ninguém menos que um dos mais respeitados produtores da região: Denis Dubourdieu, da terceira geração de uma tradicional família de viticultores. Com ele – agrônomo, professor de enologia na Universidade de Bordeaux, enólogo e reconhecido especialista, autoridade em vinhos brancos, consultor responsável pela modernização dos famosos e cobiçados

Sauternes do Château D´Yquem, aprendi um pouco mais sobre o assunto. Subi até o topo da colina ao lado do château principal, andei entre os parreirais e provei as uvas – parte da paisagem que acompanha os visitantes o tempo todo – provei os vinhos produzidos ali e aqui abro parênteses, deveria pedir licença ao colega de profissão, colunista da Ideias, dono de um texto brilhante e conhecedor da bebida, contudo, sem chance de fazê-lo, me atrevo a entrar um pouco na seara dele. Meio desbravadora de um novo capítulo, foi como me senti naquela tarde, conheci um pouco da cultura vinícola de Bourdeaux, cidade classi-


Bacalao mantecato 400g de bacalao desmigado desalado; 2 dientes de ajo pelados; 1L de caldo de verduras; ½ L de leche; 1dL de aceite de oliva virgen; 1 cucharada de perejil finamente picado; sal y pimienta recién molida. * 4 personas

El bacalao habrá de desalarse durante unas 36 horas, cambiándole tres veces el agua. El mejor lugar para mantenerlo es el frigorífico. Dado que el proceso de desalado depende de muchos factores (grosor de las piezas, agua, temperatura etc.), no se puede señalar su duración más que como algo general. Por tanto, es imprescindible comprobar el sazonamiento de las piezas antes de introducirlas em la cazuela. Com un cuchillo, eliminamos la piel del bacalao y retiramos sus espinas, separando la carne, obtendremos así 400 g netos. Colocamos en una cazuela amplia el caldo de verduras, leche, ajos y bacalao y lo ponemos a fuego suave, con una pizca de sal. Lo tenemos así al menos durante 15 minutos. A continuación escurrimos el pescado y los ajos cocidos y los introducimos en un mortero. Majamos los ingredientes en el mortero de forma que vayamos convirtiendo el conjunto en una pulpa cremosa, muy lisa, con algunos fila-

mentos de carne de bacalao. Vamos vertiendo el aceite, en fino cordón, y trabajando como si de una mayonesa se tratara. El conjunto há de quedar blanquecino, de aspecto muy cremoso, aromático. Sazonamos si fuera necesario, añadimos una pizca de pimienta y el perejil picado, y unimos el conjunto. Servimos con pan tostado untado de aceite de oliva virgen. El mortero es un utensilio inexistente en la cocina actual, salvo en casos excepcionales, en que se utiliza para preparaciones especia-

ficada como patrimônio histórico da humanidade pela Unesco. Foi com essa lembrança em mente que aceitei o convite para provar as novas safras do Château Reynon sem sair de Curitiba e conhecer Jean Jacques, um dos dois filhos de Denis. A 35 km ao sudoeste de Bordeaux, as propriedades da família estão localizadas entre os dois lados do rio Garonne. Lá a poda e a colheita são manuais e os solos não recebem herbicidas, demonstrando todo o respeito pela qualidade do produto. A limpeza dos parreirais localizados em um excelente terroir impressiona, e os vinhos têm uma ótima relação entre qualidade e preço. A família tem cinco propriedades, com uma área total de 120 hectares: Château Doisy-Daëne: Barsac Sauternes e Bordeaux Blanc Sec; Château Cantegril: Sauternes; Château Reynon: Premières Côtes de Bordeaux, Bordeaux Blanc Sec e Cadillac; Clos Floridene: Graves Rouge e Graves Blanc; Château Haura: Graves Rouge e Cérons; e não compram uvas, nem vinhos de outros produtores. Estão há 10 anos no Brasil e aqui foram descobertos pelas importadoras Porto a Porto e Casa Flora. E qual seria a indicação

les. El vaso de una batidora puede sustituirlo com resultados nada parecidos a los obtenidos con el mortero, pero en cualquier caso nos solucionará la receta. Si tuviéramos opción, sería interesante hacer de las dos maneras y comprobar nosotros mismos las diferencias. Perejil é salsinha. Mortero é um pilão. Como eu achei que demoraria muito usando o pilão, o meu é pequeno, peguei a batedeira e misturei com a pá de fazer massas, na velocidade mínima. Como o sugerido na receita, devo testá-la novamente utilizando o pilão para ver a diferença.

para acompanhar o bacalhau? Château Haura (Cabernet Sauvignon e Merlot), que é produzido desde 2002 nas terras férteis na região de Graves, um elegante vinho, aveludado, com toque defumado e floral. Uma opção por um rótulo branco? O Château Reynon Sauvignon Blanc. Produzido em pequena escala, o vinho explode aromas de frutas cítricas. Estas linhas terminariam aqui, mas não consigo deixar de destacar no jantar, de pratos clássicos, realizado no Chalet Suisse, o sofisticado Château Doisy-Daëne (70% Semillon e 30% Sauvignon Blanc) que acompanhou um suave crème brulée. Especial e de sabor intenso, definitivamente um grande Sauternes. E com dificuldade em definir complexos aromas e sabores, sigo a orientação do mestre Dubourdieu que não esqueço: “tome o vinho sem preocupações”, foi o que fiz.

Jussara voss é jornalista.

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Luiz Carlos Zanoni

De volta à Botocúndia

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máquina do tempo está na rampa, contagem regressiva já em curso, com todos nós a bordo, cintos afivelados, para esse temido retorno a um triste passado. Lembram o tempo em que as seções de vinho em supermercados ou lojas se resumiam a uma ou duas minguadas gôndolas, da oferta zero nos restaurantes, daqueles brancos alemães em garrafa azul, melados, inadmissíveis para os paladares atuais? Pois é pra lá que nos querem levar nas asas de um pacote de maldades urdido para inviabilizar vinhos de outros países. Os fatos são conhecidos. O brasileiro só descobriu a bebida a partir dos anos 90, quando caíram as barreiras que impediam as importações a pretexto de estimular o produto nacional. Na verdade, não se estimulava coisa nenhuma, pelo contrário. Sem concorrência, acomodadas, nossas vinícolas nos serviam zurrapas infernais, vivíamos a pré-história da vinicultura. Quando enfim provamos vinhos de verdade foi uma epifania. O consumidor criou novas referências, cresceu o mercado, e disso se beneficiaram os vinhateiros locais. Na Serra Gaúcha, região que responde por mais de 90% da produção brasileira, parreirais foram replantados, instalações modernizadas, houve ganhos de qualidade. Em 2011, por exemplo, as vendas de vinhos finos nacionais evoluíram em proporções chinesas, a taxa foi de 7%, o triplo da expansão do PIB no período. As importações também aumentaram, mas longe de ameaçar o produto nacional, que detém 80% do mercado. Acontece que o espírito cartorial tem no Brasil raízes tão profundas quanto a vinha. Ao invés de competir oferecendo algo melhor, ou batalhar pela elevação do consumo, os grandes produtores, aliados a órgãos do governo como o Ibravin, manobram para abocanhar por decreto a fatia dos importados. O eufemismo chama-se salvaguardas do vinho nacional. Nada de reduzir impostos, garantir créditos a juros civilizados, eliminar os entraves que compõem o custo Brasil. Trata-se de onerar as garrafas que

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A esperança é que o mercado reaja. O consumidor já não aceita tapeações goela abaixo vêm de fora, torná-las mais caras e escassas, penalizando diretamente o consumidor. Pra começar, querem que o imposto de importação suba de 27 para 55%. Nos países do Primeiro Mundo o vinho é considerado alimento e, como tal, minimamente tributado. Aqui, paga mais do que as armas de fogo. Outra puxada de tapete: a fixação de cotas anuais de importação. Cada país po-

derá nos exportar uma quantidade limitada de litros de vinhos. Preenchida a cota, só no próximo exercício retomará as vendas. Ou seja, cria-se o problema para depois vender a solução, prática na qual o Estado brasileiro é mestre. Mais: vão impor que o rótulo frontal da garrafa traga informações hoje já obrigatórias na contra etiqueta, uma rasteira logo nos produtores pequenos, artesanais, autores de vinhos cobiçadíssimos, mas feitos e vendidos em quantidades liliputianas – impossível, para eles, imprimir meia centena de rótulos à parte, por exigência de apenas um cliente. Por fim, uma dose de ridículo atroz. Só poderá exibir a denominação de orgânico ou biodinâmico o vinho cuja vinícola passar pela inspeção de nosso dinâmico Ministério da Agricultura. Calcule o bizarro da cena: um fiscal brasileiro às portas de casas centenárias como Montille ou Yquem, anunciando que veio checar se tudo está nos conformes. Será que essa gente desconhece que, principalmente nos países europeus, tal papel já é exercido, e muito bem, por comissões vitivinícolas que conhecem a fundo o ofício e são famosas pelo rigor com que o desempenham? A esperança é que o mercado reaja. O perfil do consumidor está mudando, ele já não aceita tapeações goela abaixo. O anúncio das salvaguardas (devem ser decididas em setembro próximo) gerou um tsunami de iradas manifestações nas redes sociais, com abaixo-assinados e ameaças de boicote, algumas até concretizadas. Restaurantes como os de Alex Atala, Fasano, Roberta Sudbrack e Júnior Durski, este de Curitiba, já reagiram, anunciando a exclusão do vinho nacional de suas cartas. Se o movimento se generalizar, e é possível que aconteça, todos vão perder. O consolo é que a pátria do conformismo e do atraso, a Botocúndia de que nos falava Monteiro Lobato, não será mais aqui.

LUIZ CARLOS ZANONI  é jornalista e apreciador de vinhos.


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Almir Feijó

A estrelinha

uinze bilhões de anos atrás eu vi o Big Bang. A Grande Explosão. O evento do qual surgiram as bases da criação do nosso universo. O que só os iniciados sabem é que naquele confim remoto, que a imaginação mal alcança, já havia um monte, um montão de dimensões paralelas. Eu tinha casa, sozinho, numa delas. O Portal de Aleph Beith. Bem, sozinho é modo de dizer. Levava comigo todos os heróis, todos os mitos, todos os caras bons de papo, todos os CDs, DVDs e todas as moças bonitas de que eu precisava pra me divertir lá longe. Minha vidinha aqui embaixo ficava chata, o Pai, a Mãe, um burocrata qualquer tentava me enquadrar, eu não tinha dúvida: botava o Concerto em Fá Menor de Bach para tocar, fechava os olhos por alguns instantes e quando abria já estava lá no refú-

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gio. A única solidão que me incomodava era a solidão de Fannia, a estrelinha. Ela dizia que não, tudo bem, já havia se acostumado, ficar só, brilhar e extinguir-se era com as estrelas. Mas eu encafifei de arrumar um namorado pra ela. Exibido como ninguém, Elvis Presley logo se ofereceu. Werther, que tinha morrido de amor no livro de Goethe, também. Surgiu uma legião de pretendentes. John Lennon. O príncipe da Bela Adormecida. Até Shakespeare, que sempre pegava carona na minha nave, escreveu sonetos para conquistá-la. Eis que numa bela noite lá estava a estrelinha no seu canto quando um astro retumbante surgiu no firmamento. Foi tão fogoso e insolente em sua passagem, e exibiu uma navegação tão soberba, cercava-o uma aura tão resplandecente, que de imediato aquela chispa bagunçou o coração da heroína. Era Harry, o cometa. Fez uma parábola e – incomum na espécie dele – voltou para se mostrar. Repetiu isto cen-

tenas de vezes. Tanto desfilou que Fannia se apaixonou. E o cometa perdeu-se de amores. Cobriu-a de joias, especiarias e CDs da Takai. Mas são insondáveis os caminhos do amor. Assim como chegou, Harry partiu. “É da natureza dos cometas”, escreveu no último bilhete. Por séculos e séculos, a estrelinha chorou de saudades no céu de Aleph Beit. Chorou tanto, e com tamanha melancolia, que finalmente desmanchou-se de tristeza. Uma enorme, assustadora explosão estremeceu o universo. Esse estrondo ficou conhecido como Big Bang. E estrelas cadentes - fragmentos de Fannia até hoje iluminam poetas e viajantes.

almir feijó é escritor e publicitário.


Renan Machado

mocinha Cocota

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ogo que embarcou no ônibus, exaurida pelo peso da mochila que carregava, ela percebeu-se transformada em uma enorme bunda com pernas. Validou o cartão: a catraca, com um apito, foi destravada. Todos os olhares voltaramse à sua passagem. Caminhou ao fundo do ônibus. Nenhum assento vago. Soltou o que subexistia em ombros inexistentes sobre o assoalho e apoiou-se firme em uma barra. O balanço não cessava. Ernesto foi acometido por certa estranheza ao perceber aquele quadril descomunal de um lado para o outro. Um vazio no lugar de tronco, pescoço e cabeça... Apenas as coxas estupidamente grossas e a bunda em posição de sentido. Fenômeno inédito. Até míopes eram capazes de presenciá-lo sem perder detalhes. O trânsito, em geral truncado àquela hora do dia, fluía bem, para tristeza dos marmanjos de olhos compridos. Ernesto, mesmo acostumado em seu ramo com tais transfigurações, encontrava-se estupefato. Um caso raro – pensava – mas que já vira d’antes... Não recordo onde nem quando. Enquanto revezava com os companheiros passageiros o vislumbre da coisa, imaginava o que se passava na cabeça invisível da mocinha, que, sem conhecer, chamou de Cocota. Devia estar confusa. Impossibilitada de gritar por socorro, fora invadida por um desespero quieto, que suprimia com von-

De imeDiato reconheceu-o em sua Dança haBitual e sua lemBrança De outros carnavais lhe aFlorou À memória tade, em prol da manutenção de sua pose. A campainha soou: aqui ela desce? Uma parada aleatória. Não. Manteve-se ali, em seu samba. Ernesto desejou uma viagem sem fim. Não abriria mão de sua Cocota.

De onde conheço essa guria? Desistira de dividir o monumento com os olhares dos outros. Em vão. Continuavam a cobiçar aquele meio-corpo. Ernesto ficara vermelho de ciúme. Sentiu-se na obrigação de tirar o casaco e cobrir sua menina. Esconder sua beleza torta do mundo todo. Mas nada fez... O julgariam louco. O ônibus virara à esquerda aos fundos do altar da santa de Guadalupe. Sacolejava sem piedade e misturava a poluição sonora que emanava do motor aos odores inóspitos da boca do lixo. Os passageiros posicionaramse em fila próximo às portas: a tristeza do ponto final recaiu sobre os ombros de Ernesto (que os tinha). O carro encostou e todos desembarcaram em desespero. Atordoado pela confusão, Ernesto não viu para que lado fora Cocota. Saiu em disparada, desviou transeuntes apressados e rumou ao prédio histórico. Na subida, estacou em frente à lanchonete que cheirava algo quente. Um quadril balançava pela rua. De imediato reconheceu-o em sua dança habitual e sua lembrança de outros carnavais lhe aflorou à memória: Ernesto adentrou na lanchonete e pediu uma coxinha.

renAn mAChADo é escritor.

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Claudia Wasilewski

Família Margarina

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ocê já ouviu a expressão “família de comercial de margarina”? Todos felizes, lindos, penteados, tomando um belíssimo café da manhã em uma mesa bem posta e farta. Ninguém amanhece inchado, descabelado e com mau hálito. São todos pontuais para desfrutar do que os nutricionistas teimam em recomendar. Frutas, iogurte, queijo branco. Oras, é a refeição mais importante do dia. O que reconheço. Mas, cadê tudo isto? Desde criança observava que minha família era diferente das outras. Por que na minha casa tinha tanta gente? Um entra e sai sem fim. Todos se provocavam. Uma espécie de bullying e auto-bullying. Os almoços levavam horas, cada um podia falar o que quisesse e quando a tal fala virava confusão, meu pai nos colocava para fora da mesa. Íamos em sequência para a cozinha. Muitas vezes no final da história chegava minha mãe, nos fazer companhia. Por nos ter defendido ou por ter aproveitado a situação para fazer uma DR (discutir a relação), sobre os filhos. Tinha uma família em especial que eu achava o máximo. Faziam sistematicamente festas surpresas para as filhas. Bacana, né? Não era qualquer festa. Orquestra do tipo big band tocando na beira da piscina. Ponche com álcool e sem álcool para as crianças. Discursos lindos, com os pais fazendo beicinho e a aniversariante contendo as lágrimas para não estragar a maquiagem. Sempre com um lencinho. Esta parte do lencinho era um mistério maior ainda. Como ele surgia de um vestido tomara que caia? Mágica? Eram todos tão perfeitos. Um dia nos arrumando para uma das apoteoses da sensibilidade, meu irmão diz: - Será que a fulana já está maquiada, penteada, perfumada, esperando a festa na casa da vizinha? Aquilo foi uma bigorna caindo sobre a minha cabeça. Então ela sabia de tudo? Fiz a pergunta e ganhei de resposta um ataque de risos coletivo. Credo! Acho que naquele tempo não sabia bem

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a única coisa que jamais irá mudar na minha vida é a minha filiação. Meu DNA. Alterando meu nome me sentiria, para ser antenada, uma wasilewski.com

o sentido de hipocrisia. Mas já sabia xingar de imbecil “indiota e ingnorante”. Colocava “in” até no inhogurte. Tempos atrás tive uma lição de civilidade, desprendimento e generosidade. Vou chamá-la de moça. A moça me encontrou e estava sinceramente feliz. Me contou que o marido havia tido uma filha antes de ter se casado com ela. E que depois de uma conversa honesta resolveram que daquela data em diante faria parte da família. Eu ouvia e pensava que ela sim tinha a prática da mulher moderna. O quanto era importante a compreensão no casamento. Me contava satisfeita que faziam uma busca do tempo perdido, proporcionando que um vácuo de tempo fosse preenchido. Dos presentes que não ganhou, dos lugares que não conheceu e principalmente da amizade e da boa acolhida pelos irmãos. Enfim, da vida que ela teria o direito desde o nascimento. Me senti passional e inferior. Muito pouco depois soube do desfecho. Em uma viagem que fazia sozinha, a moça não se sentiu bem e voltou antes. Pois é... Não foi a filhinha que ficou com o paizinho. Foi a namoradinha. Isto! A NAMORADINHA! São Nelson Rodrigues rogai por nós. Nenhuma Família Margarina me entende. Não tive filhos e isto é abominável. Aí vem um interrogatório sobre problemas de saúde, adoção e até a sugestão de animais de estimação. Não casei no religioso e muito menos fiz festa. Mesmo em 2012 recebo moções de repúdio. Não adotei o sobrenome do meu marido. Já ouvi que fiz um pouco caso dele. Na verdade penso que a única coisa que jamais irá mudar na minha vida é a minha filiação. Meu DNA. Alterando meu nome me sentiria, para ser antenada, uma wasilewski.com ou LTDA Quem sabe até uma S/A. Isto é coisa minha que nem de longe faz parte da vida margarina.

Claudia Wasilewski é empresária.


Ana Figueiredo

O olho do furacão

joão faustino

O

olho do furacão era silencioso, em meio ao caos, assoviava a paz. Finalmente estava só, haviam desistido dela. Sempre soube que seria abandonada, sempre foi. Observada por olhos vis e mentes depravadas, ela caminhava pela sombra da vergonha e da difamação. Passos lentos e pesados, levava no bolso um punhado de sermões hipócritas que os falsos moralistas haviam lhe dado. Não lembrava ao certo quando foi que começou, provavelmente um devaneio em um domingo chuvoso, alguma fantasia deslumbrada que virou uma bola de neve caótica. Plantou, não sabia o que ou muito menos quando, passou a acreditar que cada nascer do sol pedia uma nova semente. O céu estava negro, e a encarava dolorido, logo colheria uma tempestade. A solidão era um misto agridoce entre a repulsa pela própria companhia e a paz de estar longe do ócio viperino que a espreita constantemente. Amaldiçoada por Hefesto, ia mais uma vez batalhar sozinha, tinha no corpo calejado o próprio escudo. Nascera com sangue e orgulho espartano, mas possuía, enterrados em suas vísceras, os afeminados sonhos atenienses. Fato, certo, errado, palavra, ação, futuro, riso e dor. Vida. Uma vida insensata e cansativa, que algum folião do Olimpo havia criado, pra ser tragédia grega e comédia dos deuses.

ana figueiredo é escritora.

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ISABELA FRANÇA

Dani Prosdócimo Caldeira, sortuda!

E

la é alta, loira, magra e tem olhos azuis. É bem casada, bem-sucedida e tem dois filhos. Ainda não chegou aos quarenta (mas está quase lá). A soma de todos os atributos anteriores faz com que Daniela Prosdócimo Caldeira tenha aquele ar que só as mulheres felizes conseguem ter.

divulgação

Uma das mais requisitadas chefs de cuisine de Curitiba, Dani comanda o buffet La Table. Instalado num charmoso barracão no bairro do Seminário, o La Table é cenário de festas modernas e descoladas. Daniela ainda assina cardápios de todos os tamanhos e formatos, no endereço do cliente. Nas horas vagas, promove cursos de gastronomia e comanda outros negócios ao lado do marido, o consultor da área de marketing André Caldeira.

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Para completar a fotografia de família, há alguns meses André deixou a vida corporativa e fundou a empresa Proposito, focada em liderança, equilíbrio no trabalho, educação e branding. É consultor, autor e palestrante sobre equilíbrio entre excesso de trabalho e vida pessoal. Tem escrito algumas pérolas em publicações nacionais de economia e negócios sobre salário emocional. Por essas e outras que as amigas não hesitam em dizer a Dani que, além de muito competente, ela é sortuda!


Pas de deux A bela bailarina Bruna Karoline Bays, 23 anos, coreógrafa e professora em Cascavel e Toledo, está prestes a realizar um sonho. A moça ganhou um curso de dança na Broadway Dance Center, em Nova York, uma das mais importantes escolas do mundo, durante a 2ª Mostra Internacional de Jazz de Curitiba, que aconteceu em abril. Desde os 7 anos, Bruna faz balé. É tão apaixonada e dedicada que abraçou a arte como profissão, com todas as dificuldades de uma carreira como esta, no interior do Paraná.

Picnic divulgação

A publicitária Gabriela Bauer Novaes da Silva levava uma vida estressada, a mesma conhecida por dez entre dez executivas brasileiras dos tempos atuais. Com 25 anos e bagagem que inclui passagens pela Kraft, Electrolux e O Boticário, decidiu abrir mão da vida corporativa e trabalhar como consultora, acabou deliciando-se com os atrativos que o ócio criativo permite. Somou a estas ideias outras que viu enquanto fazia um curso de extensão em Business na Nova Zelândia e percebeu que o consumidor atento às tendências quer comprar experiências, mais que produtos. Lançou no mês passado o www.meupicnic.com.br. O site se propõe a viabilizar de forma simples e charmosa picnics – ou experiências – únicas. Para isso vende cestas de picnic e outros produtos e acessórios que complementam a proposta, além de trazer dicas diversas de bons programas, receitas e outras formas de obter prazer e descontração. Gabriela acredita que um picnic é bem mais que um programa, é um estilo de vida para quem quer cuidar e levar uma vida leve, bem humorada, saudável e distanciar-se (nem que por alguns momentos) do dia a dia cinza.

Com o mesmo empenho com que estudou dança este ano, pretende dedicar-se ao inglês para a primeira viagem internacional de sua vida, marcada para janeiro de 2013.

Diferença As amigas e fonoaudiólogas curitibanas Angela Duarte e Jô Bibas fecharam as portas de seus consultórios e decidiram fazer algo que falasse mais e melhor. Criaram, há menos de um ano, o projeto Freguesia do Livro, que já alcançou São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre e Rondônia. A Freguesia do Livro é uma ong lítero-libertária. Entrega dos livros da Freguesia no Hospital Erasto Gaertner A proposta é dar nova vida aos livros que estão esquecidos em prateleiras e bibliotecas. As moças arrecadam, organizam e encaminham bons livros recebidos como doação para bibliotecas comunitárias em Curitiba e região metropolitana, a partir de acervos estagnados e estoques editoriais. A Freguesia do Livro também se propõea a colaborar na criação e manutenção de novas pequenas bibliotecas. Caixotes de madeira pintados e adesivados com a frase “Pegue um. Deixe um” são instalados em pontos estratégicos como cafés, restaurantes e salões de beleza e assim, livremente, os livros circulam.

divulgação

Jessica Leite

No ano passado, participou da primeira edição da mostra e conheceu BT, que é coreógrafo de grandes nomes da cena internacional como Michael Jackson, Liza Minelli, Ricky Martin, Whitney Houston entre outros. Preparou-se ao longo de todo o ano para esta segunda mostra. Funcionou. Além de ter sido assistente de BT, destacou-se nos videoclipes feitos em aula. A oportunidade de ter sido assistente já seria o máximo para a moça, que mal pôde acreditar ao receber a notícia de que havia sido premiada com a bolsa de estudo.

A iniciativa já rendeu algumas surpresas. Entre elas uma caixa de livros holandeses enviada por uma brasileira que durante anos estudou holandês fazendo traduções cuidadosas nas páginas de livros infantis. Pelas mãos da Freguesia, estes livros chegaram às crianças em tratamento no Hospital Erasto Gaertner.

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ISABELA FRANÇA

divulgação

Vive la Danse A cinquentenária Galvão Locações está cada vez mais envolvida com a dança. A empresa, comandada por Fátima Galvão, uma das herdeiras de Nelson Galvão, há quatro anos desenvolve em parceria com a Associação dos Bailarinos e Apoiadores do Balé Teatro Guaíra (ABABTG) o projeto História e Arte, que leva escolas de dança de Curitiba e região para um grande palco montado no Shopping Palladium. O projeto nasceu em 2009, numa iniciativa da consultora Maria Christina de Andrade Vieira, e foi tomando corpo. Hoje, muitas escolas de dança procuram a empresa e a ABABTG querendo se apresentar ou se candidatando para receber as roupas de dança e ginástica arrecadadas no projeto. A satisfação da direção e colaboradoras da empresa é tamanha, que este ano, a Galvão foi uma das poucas empresas locais a apoiar a Bienal de Dança de Curitiba, promovida pela Fundação Cultural. Encerradas as apresentações do História e Arte e a Bienal, este mês, a Galvão vê sua marca espalhada por todo o Paraná, entre maio e agosto, na Mostra Paranaense de Dança, promovida pela ABABTG e também apoiada pela empresa.

Açafrão A loja foi construída pela Araruama Engenharia e o projeto arquitetônico é de Michele Araldi. Em 400 metros quadrados, o salão atende até 100 pessoas sentadas e, na loja, estão a cozinha e o empório, com alguns rótulos de vinhos especiais, além de azeites e outras especiarias para os gourmets de plantão.

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Kraw Penas

Os empresários Ísis e Ivan Rodrigues abriram as portas, no começo do mês, da segunda loja do Empório Santa Genoveva. A loja, um mix de restaurante e armazém gourmet, está instalada no mall do piso L2 do Shopping Crystal. É o primeiro restaurante em mall aberto de shopping de Curitiba e a proposta está inserida no novo conceito de shopping boutique que a BR Malls pretende imprimir ao Crystal.


Enfim, empossada Cortesia As opções do Facebook de “curtir” ou “comentar” as postagens de amigos acaba criando situações complicadas. Concordar com a postagem de alguém não significa, necessariamente, “curtir”. Tenho passado por muitos posts que descrevem contratempos, aborrecimentos e afins com dezenas de amigos “curtindo”, logo em seguida. Fundamental perceber o contexto do assunto, antes de sair “curtindo” o baixo astral ou o infortúnio dos outros.

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90 mil

Danielly Sandi

Doutora em estética e ciência das artes pela Universidade de Paris VIII e mestre em filosofia pela PUCSP, a professora Maria José Justino tomou posse, em abril, como diretora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), cargo para o qual foi eleita pela comunidade acadêmica. Com vasta experiência no meio cultural e universitário, ela foi a idealizadora do Museu de Arte do Paraná e do MusA – Museu de Arte da UFPR, quando exerceu o cargo de pró-reitora de Extensão e Cultura da universidade. Na eleição anterior para a Embap, Maria José já havia sido a mais votada, porém não foi nomeada pelo ex-governador Requião, fato que à época causou grande constrangimento e revolta no meio acadêmico da instituição. No discurso de posse, a professora enfatizou a grande quantidade e a elevada qualidade de talentos artísticos que a Embap vem formando para a sociedade paranaense e assumiu o compromisso de sensibilizar governantes para a dimensão especial que a arte ocupa na vida humana: “É um pensamento alargado, generoso, criativo, que nos permite a experiência única de vivenciar o estético”.

É o preço médio do relógio com pulseira de borracha colorida, caixa em ouro rosado e mostrador com brilhantes da marca Hublot, vendido pelo corner da Griffith, na Bazaar Fashion, em Curitiba. O must have do momento. Para muito poucos.

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Solda

Dico Kremer

alice, essa maravilha

A

lice Ruiz, para quem não conhece as alices ruízes, é uma planta da família das violáceas, de estípolas foliáceas, sempre cercada de áureasalices e estrelas-damanhã por todos os lados, cuja função é servir de alicerce para todos os aquis, deixando para cá os alis que agora gorjeiam e não gorjeiam como lá. Há as alices ruízes que flutuam como as brumas de um letargo, que provocam os broquéis dos cruzesouzas e alimentam fonemas nos vocábulos, causando uma leve aliteração aos sábados, desde que simetricamente dispostos. São seres alígeros, descritos em prosa e verso, na sua mais transparente tradução, aliformes, alindados e, por tudo isso, alimento dos deuses.

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As alices ruízes, poiemas, que provocam as tempestades no deserto, transubstanciamse em primavera em pleno outono, numa galactopoese silenciosa antes do pôr do sol, contrariando a teoria da versificação. Outras, poietés, de imaginação inspirada, de três versos, dos quais dois são pentassílabos e um, o segundo, heptassílabo, são pequenas ilhas orientais que seduzem e deslumbram até prova em contrário. Agrisalhadas, com o passar do tempo, são fontes de água lustral, a água sagrada dos antigos, preparada na pira dos sacrifícios, diferente das águalices comuns. Líquidas e certas, na Grécia, eram cultivadas aos pares para exposição de ideias sob a forma imaginativa, em noites de lua cheia. A especialidade das alices ruízes é a floração, desenvolvida

com astúcia e elegância quando as palavras se encontram. Há ainda os horóskopos, alices ruízes dedicadas às divindades, à religião, aos ritos e aos cultos, entre uma página e outra, pitonisas transparentes, cúmplices da situação dos astros. Todas as alices ruízes unidas, uma por todas e todas por uma, sempre, são moças polidas, levando uma vida lascada. E, no país das maravilhas, enquanto você faz poesia, elas, poetas no país dos espelhos, ouvem a cotovia.

soLDA é escritor, humorista e cartunista.


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Cartas

Escreva para cartas@revistaideias.com.br

A DAmA DAs sAPAtADAs A matéria sobre a jornalista Joice Hasselmann só engrandece as qualidades dessa profissional exemplar e corajosa. Aldo Ferrante Por que publicar uma matéria sobre a Joice. Ela faz um jornalismo agressivo, que muitas vezes humilha os entrevistados. Paulo Borges

o rAto Que ruGe Gostei da matéria sobre o Ratinho. Não tem aquele ranço de preconceito que todos os curitibocas costumam usar quando falam dele. Marlos Portes Não vou votar no Ducci porque eu quero mudar, não voto no Fruet porque ele se juntou com o PT, acho que vou votar no Ratinho. No Greca não voto porque virou capacho do Requião. Aurélio Figueiredo

ensAio fotoGrÁfiCo A melhor coisa da revista é a parte das fotografias. Um ensaio melhor que o outro. Nélida Riquelme

iDeiAs Não leio mais sobre política. Cansei. Me dá nojo. Só leio na revista a parte da cultura e as crônicas do Pereirinha (Luiz Fernando Pereira) e do Nêgo (Nêgo Pessôa). Ah, e gosto da Amely da Priscila Vieira. Ela é a melhor da revista. Carlos Roberto Mauden A Ideias ficou uma revista muito reacionária, faz campanha permanente contra o PT, nunca re-

É claro que nenhum político quer ser entrevistado pela Joice. Ela não respeita a hipocrisia dos poderosos. Amélia Schirmmer A Joice devia estar em Brasília pegando no pé daqueles ladrões. Érica Schaffernberger Quem fala mal da Joice é porque tem medo dela.... Luisa Staub

conheceu que foi Lula que salvou o povo deste país e a dignidade da Nação. Estevão Kroposki

companheiros de imprensa, isso não vai acontecer. Eu acredito na democracia. E por isso estou defendendo essa causa. Gerson Cardoso

Envio-lhes esta matéria, porque preciso do apoio de vocês para corrigir uma injustiça que está acontecendo no município do Imbaú-PR. Em Imbaú, o PSC tem dois pré-candidatos a prefeito: Um conta com o apoio do prefeito e 6 vereadores e está bem colocado nas pesquisas é fato, aí tem o segundo, Alcino Mendes, atual vice-prefeito da cidade (este está sendo protegido pelo PSC em detrimento do outro). Porém, a maioria dos integrantes do PSC local apoia o Juninho. Tempos atrás houve uma reunião com Ratinho na qual ele afirmou não mexer na provisória do Imbaú e dar a legenda do PSC para o qual conseguisse mais apoio. Agora recentemente o PSC alterou a comissão provisória passando a para o vice-prefeito, isso faz do PSC no Imbaú uma ditatura. O que o outro grupo defende é que aconteça uma convenção na cidade. Para os filiados decidirem, e se não houver o apoio dos

Curitiba só é o que é graças ao PT. Pelo menos essa é a visão do ministro Paulo Bernardo, expressa em declarações à Agência Estado. Ao comemorar a adesão de Fruet ao petismo o ministro primeiro celebra o fato do cérebro do ex-deputado ter pegado no tranco: - “Eu mesmo cheguei a dar umas botinadas nele”. Destaca que agora que foi convertido, Fruet poderá ter auxílio para implantar em Curitiba todos os benefícios do modo petista de governar. Que decepção com o Fruet. Gilson Amato Façam matéria sobre isso: Dilma sanciona lei que cria novo fundo de previdência do servidor, mas a mudança no sistema de aposentadoria vale apenas para novos servidores. Congresso Nacional concluiu votação do Funpresp no fim de março. Será uma grande injustiça com os servidores mais antigos. Dilson Seixas

REVISTA Publicação da Travessa dos Editores ISSN 1679-3501 Edição 127 – R$ 10,00 ideias@revistaideias.com.br revistaideias.com.br facebook.com/revistaideias twitter:@revistaideias EDITOR Fábio Campana COLUNISTAS Almir Feijó, Ana Figueiredo, Andrea Greca Krueger, Antonio Augusto Figueiredo Basto, Carlos Alberto Pessôa, Claudia Wasilewski, Ernani Buchmann, Isabela França, Izabel Campana, Jussara Voss, Luiz Carlos Zanoni, Luiz Fernando Pereira, Luiz Geraldo Mazza, Luiz Solda, Marcio Renato dos Santos, Marianna Camargo, Marisa Villela, Paula Abbas, Pryscila Vieira, Renan Machado, Rubens Campana COLABORADORES Adriano Bassani, Cellus Klaus, João Le Senechal, Marciel Conrado, Ricardo Humberto, Tisa Kastrup DIRETOR DE FOTOGRAFIA Dico Kremer TRATAMENTO DE IMAGEM Carmen Lucia Solheid Kremer CAPA Gui Zamoner ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA Luigi Camargo REVISÃO Márcia Campos CONSELHO EDITORIAL Aroldo Murá G. Haygert, Belmiro Valverde, Carlos Alberto Pessôa, Denise de Camargo, Fábio Campana, Lucas Leitão, Marianna Camargo, Paola De Orte, Rubens Campana PARA ANUNCIAR comercial@revistaideias.com.br PARA ASSINAR assinatura@revistaideias.com.br

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Você decide? Quem lê Ideias, sim. Em Curitiba, 20 mil pessoas leem a revista Ideias e decidem o destino da cidade. Seja uma delas: assine e decida. IDEIAS é a revista mensal que acompanha a vida paranaense em todos os seus aspectos — político, econômico e cultural — com grandes reportagens que antecipam o noticiário dos demais veículos locais, inclusive os diários.

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IDEIAS é formadora de opinião na região. Sua tiragem é de 18 mil exemplares e vai às bancas sempre no primeiro domingo do mês. A revista circula há nove anos, desde maio de 2003. Além da edição normal, IDEIAS publica edições especializadas em economia e negócios no Estado, com a mesma tiragem e distribuição. IDEIAS reúne um time de primeira linha. Jaime Lerner, Dalton Trevisan, Fábio Campana, Jussara Voss, Marianna Camargo, Luiz Geraldo Mazza, Paola De Orte, Luiz Fernando Pereira, Carlos Alberto Pessôa, Isabela França, Luiz Carlos Zanoni e Rogerio Distefano. As revelações do jornalismo paranaense produzem reportagens, entrevistas e demais conteúdos. E mais: coluna social de Isabela França, inovadora e em sintonia com a contemporaneidade — um dos destaques da revista. IDEIAS também abre espaço para ficção, humor, charge, ensaios fotográficos e crônicas.

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Em São José dos Pinhais

natureza, saúde, bem-estar, esporte, lazer, diversão e qualidade de vida têm o mesmo endereço:

Avenida das Torres, 1000 Programa Revitaliza São José dos Pinhais: investindo em qualidade de vida para construir um futuro melhor para todos.

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O tempo passa, Colombo se transforma e sua vida muda junto. Para melhor.

Nos últimos anos, os colombenses têm vivenciado uma grande transformação: mais de 200 ruas asfaltadas, novos postos de saúde, redução da criminalidade e diversos investimentos em educação, estrututra, geração de empregos e serviços. É o trabalho da Prefeitura transformando a cidade em um lugar cada vez melhor para todos.

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A Prefeitura trabalha e a transformação acontece.

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